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Processo nº 538/99
2ª Secção Relator: Conselheiro Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Notificado do acórdão nº 120/2000, a fls. 234 e seguintes dos autos, veio o recorrente A. V., 'nos termos do artigo 669º nº 1 do CPC, subsidiariamente aplicável', requerer 'incidente de aclaração', dizendo, no essencial, que interessa 'saber o que se pretende significar, quando se diz que o vício da inconstitucionalidade é imputado directamente à decisão - e não à interpretação da norma, questionada nas alegações, tida por incorrecta' e apontando os pontos que pretende 'sejam aclarados' (e no final do requerimento requer ainda que,
'por supervenientes, e vista a motivação da junção, aludida em XII - seja dispensada a condenação em taxa de justiça e duplicados legais').
2. No citado acórdão nº 120/2000 foram indeferidas as reclamações apresentadas pelo recorrente, no âmbito do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, e na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13º-A/98, de 26 de Fevereiro, não se tomando conhecimento dos dois recursos de constitucionalidade interpostos pelo mesmo recorrente, tal como constava das decisões sumárias reclamadas, por se entender que estas 'assentaram na mesma consideração de não ter o recorrente suscitado oportunamente questão de inconstitucionalidade normativa, o que significa, à evidência, não ter arguido tal questão reportada a normas jurídicas - no caso 'a norma do artigo 76º, nº 1 a) da LPTA (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos)' por ela própria ofender normas ou princípios constitucionais ou por essa ofensa resulta do sentido com que foi interpretada e aplicada nas instâncias -, antes tendo dirigido a censura directamente à decisão jurisdicional (acrescentando-se ainda, quanto ao acórdão recorrido de 25 de Novembro de 1999, que o mecanismo da arguição de nulidade nos termos do artigo
668º, nº 1, b) e c), do Código de Processo Civil, não é, em princípio, meio processual adequado para suscitar questões de inconstitucionalidade, como é jurisprudência constante do Tribunal Constitucional)', sendo que esta perspectiva do Relator 'não é desmentida pelo reclamante'.
3. A pretendida aclaração daquele acórdão assenta, se bem se compreende o extenso e improfícuo requerimento do recorrente, fundamentalmente, nos seguintes pontos, a descobrir nas múltiplas interrogações feitas nesse requerimento e do qual se passa a transcrever, no essencial, o que se segue:
3.1. 'Entende o douto Acórdão que, omitindo qualquer alusão a estes invocados danos - o Tribunal de Circulo fez, quanto a esta omissa matéria de facto, aplicação e interpretação da lei? Ou será que não pode falar-se de aplicação (e interpretação) da lei a factos, de todo omissos na sentença? Será isso que se quer significar quando se fala na imputação directa do vício da inconstitucionalidade, à decisão? Mas como - se nesta perspectiva, o vício é da decisão, omissa nessa matéria de facto, e consequentemente, omissa na pertinente matéria de direito? Ou, pelo contrário - Entende o douto Acórdão que relativamente a estes danos, de todo omissos na dita sentença - pode falar-se em implícita aplicação e interpretação do questionado
(nas alegações) artigo 76º, nº 1 a)? Mas:
- se assim entende;
- se reconhece que, talqualmente vem alegado, questionou-se o artigo 76º nº 1 a) e a não consideração dos referidos danos na sua previsão, com ofensa dos artigos
58º nº 1 e 2 b) e 59º nº 1 b) da CR;
- nesta perspectiva do douto Acórdão - o que pretende significar-se, quando se afirma - quanto à sentença do tribunal de Círculo de Coimbra e relativamente a estes factos, nela de todo omissos - que «não se pode extrair o levantamento de uma questão de inconstitucionalidade dirigida à norma, não é ela que é posta em causa, no seu sentido interpretativo...»?'
3.2. 'Ou será que o douto Tribunal entende que estava vedado ao recorrente fazer qualquer referência à decisão recorrida? Não será verdade que são as decisões que se põem em causa - quando impugnadas por via do recurso? Não é pela decisão (favorável ou desfavorável) que se afere da legitimidade para o recurso? (artigo 680º nº 1 do CPC). Seja lhe permitido perguntar - com todo o merecido respeito - por que é que se diz que a imputação do vício da inconstitucionalidade é feita directamente à decisão.'
3.3. Foi o TCA que afirmou, pela primeira vez, nas instâncias administrativas, que toma em consideração a alegada privação do exercício da actividade profissional do recorrente, para dizer que «não constitui nenhum prejuízo» - mas somente eventual causa de prejuízos» - adiantando que inexistem, pela razão de que, se a clinica iria ser instalada no edifício em construção, não poderia ter clientela, geradora de lucro. Uma espécie de simultâneo ser e não ser. O recorrente alegou quando podia alegar. Só podia alegar em contrário dessa nova interpretação inconstitucional, do TCA - quando com ela confrontado. Deste modo menos se pode entender que pretende significar o douto Acórdão, quando diz que o vício de inconstitucionalidade foi directamente imputado à decisão'.
3.4. 'Existe, assim, caso anómalo e imprevisível. Deste modo, pretende o recorrente saber se tais casos, de interpretação inconstitucional da lei na decisão proferida em última instância da jurisdição
(administrativa) o douto Tribunal Constitucional, entende, conforme se pediu:
- que, em tais casos, é dispensada a suscitação, perante aquele tribunal, da questão da inconstitucionalidade; ou
- se é admissível a suscitação a posteriori, por via incidental, perante o tribunal que em primeira mão, decidiu sob argumentação inconstitucional'.
4. Não foi apresentada nenhuma resposta pelas partes recorridas.
5. Cumpre agora decidir, sem vistos. O 'incidente de aclaração', a que se refere o artigo 669º, nº 1, a), do Código de Processo Civil, tem cabimento sempre que algum trecho essencial da decisão
(sentença ou acórdão) seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos), não devendo servir tal meio processual para obstar de modo reprovável ao trânsito em julgado dessa decisão. Ora, é essa obscuridade ou ambiguidade que o recorrente não consegue demonstrar. Na verdade, o acórdão ora censurado é muito linear nos dois aspectos nele focados ('Em primeiro lugar, e quanto ao recurso do acórdão de 17 de Junho de
1999 (...)' e 'Em segundo lugar, e quanto ao recurso do acórdão de 25 de Novembro de 1999 (...)') e é minimamente inteligível e unívoco o discurso utilizado. Assim, a consideração de que o recorrente não levantou perante o tribunal a quo uma questão de inconstitucionalidade normativa - e só poderia ser uma questão dirigida à norma do artigo 76º, nº 1, a) da LPTA - vale por si mesma e não é ininteligível, nem equívoca (o que isso significa é claro e ao recorrente não era indiferente, fosse explícito ou implícito o julgamento da primeira instância, questionar aquela norma numa óptica jurídico-constitucional, como tal ou então com a dimensão normativa com que teria sido ou poderia ter sido aplicada, e inclusive num plano de prognose, para obrigar o tribunal recorrido a pronunciar-se sobre a questão). A 'referência à decisão recorrida', na linguagem do recorrente, tem razão de ser, naquela óptica jurídico-constitucional, unicamente para identificar a norma questionada e para sustentar-se que ela, ou o modo como foi interpretada e aplicada nessa decisão, envolve violação da Constituição, sendo isto um ónus processual para a parte interessada. Em suma: ao recorrente impunha-se colocar perante o tribunal recorrido tal questão relativa à norma do artigo 76º, nº 1, a) da LPTA, como pura questão de inconstitucionalidade normativa, mas não o fez, sendo esta a conclusão a que se chegou no acórdão, por uma via que não é ininteligível, nem equivoca. Sabe-se o que se quis dizer no acórdão e não se descortinam interpretações diferentes ou porventura opostas. O que não cabe, nesta sede de 'incidente de aclaração', é responder às múltiplas interrogações que o recorrente formula, pois o 'incidente' não envolve propriamente um questionário para dar respostas a quesitos.
6. Por sua vez, e noutro plano, a consideração de que 'o meio processual utilizado não é o meio adequado' para a suscitação da questão de inconstitucionalidade, querendo com isto significar-se que a arguição 'das nulidades previstas no artigo 668º, nº 1, alíneas b) e c) do CPC' não é esse
'meio adequado', em correspondência com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, constante, vale também por si mesma e não é ininteligível, nem equivoca. O mesmo se diga quando se conclui ainda que não se verifica na situação sub juditio 'caso anómalo e imprevisível', exactamente porque o recorrente não demonstra ter sido surpreendido com o julgado no acórdão de 17 de Junho de 1999. Repetindo aqui o que de modo claro e facilmente perceptível consta do acórdão que se pretende aclarar, toda a matéria dos danos de difícil reparação foi debatida nos articulados pelo recorrente da forma que ele entendeu ser a melhor, lidando-se com as mesmas normas constitucionais, mas não se detecta em parte alguma nenhuma arguição relevante de inconstitucionalidade normativa. Essa matéria, quanto ao prejuízo de difícil reparação, à luz do questionado artigo
76º, nº 1, a), foi desde logo debatida na decisão da primeira instância, contrariamente ao que pretende fazer crer o recorrente, e impunha-se a este tomar posição, mesmo num plano de prognose (mesmo cogitando 'em toda a imaginária argumentação do TCA', para usar a sua linguagem) pelo que nunca poderia chegar-se a tal 'caso anómalo e imprevisível', como ficou expresso minimamente no acórdão nº 120/2000.
7. Uma última palavra para registar que, contra o entendimento do recorrente, não há fundamento legal para o dispensar de 'condenação em taxa de justiça', face a uma presumível 'actuação do recorrido, Presidente da Câmara da Murtosa, no recurso contencioso de anulação do embargo', pois uma coisa é este recurso e outra bem distinta é o presente recurso de constitucionalidade (e só naquele poderão eventualmente valer razões que impliquem a tal 'dispensa').
8. Termos em DECIDINDO, indefere-se o requerido incidente de aclaração e o pedido de dispensa de 'condenação em taxa de justiça', condenando-se o recorrente em custas, com a taxa de justiça fixada em 10 unidades de conta. Lisboa, 21 de Junho de 2000 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa