Imprimir acórdão
Processo n.º 80/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., B., Lda. e C. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional da decisão de 5 de janeiro de 2012, do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, que, indeferindo reclamação ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal (CPP), confirmou o despacho que não admitiu, por intempestivo, recurso por eles interposto do acórdão condenatório proferido no Tribunal Criminal de Lisboa (2ª Vara). O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro e tem por objeto a apreciação da constitucionalidade da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 411.º do CPP, interpretado o sentido de que “o prazo para a interposição de recurso, onde se impugne a decisão da matéria de facto cujas provas produzidas em sede de audiência tenham sido gravadas, conta-se sempre a partir da data do depósito da sentença na secretaria, e não a partir da data da disponibilização ao arguido dos suportes materiais da prova gravada, ainda que estes tenham sido diligente e tempestivamente requeridas por este último – por as considerar essenciais para o cabal exercício do direito de defesa mediante recurso –, se diligentemente facultados pelo tribunal”.
Os recorrentes alegaram e concluíram nos seguintes termos:
“(…)
i. Os arguidos, ora recorrentes, consideram que aplicação da norma constante no artigo 411.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, interpretada e aplicada, tal como o foi na decisão em recurso, no sentido de que «O prazo para a interposição de recurso, onde se impugne a decisão da matéria de facto cujas provas produzidas em sede de audiência tenham sido gravadas, conta-se sempre a partir da data do depósito da sentença na secretaria, e não a partir da data da disponibilização ao arguido dos suportes materiais da prova gravada, ainda que estes tenham sido diligente e tempestivamente requeridos por este último – por as considerar essenciais para o cabal exercício do direito de defesa mediante recurso –, se diligentemente facultados pelo tribunal», viola as garantias e o direito de defesa dos arguidos, nomeadamente o direito ao recurso, ínsitos no artigo 32.º. n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, preterindo o direito de defesa dos arguidos que veem assim, reduzido o prazo para condigno e cabal exercício do direito de recurso.
ii. Os recorrentes, à semelhança do entendimento perfilhado nos Acórdãos n.º 545/2006, 546/2006, 194/2007 e ainda no Acórdão n.º 17/2006, julgam que os suportes técnicos de gravação da prova são de todo necessários e essenciais, não só para se tomar uma decisão sobre se se interpõe ou não recurso, mas também para o motivar.
iii. Assim, consideram que aquela interpretação, atendendo ao facto da disponibilização desses suportes (ou acesso aos mesmos pelos arguidos) verificar-se em data posterior à do deposito da sentença, ainda que dentro do prazo de 48h (dois dias) previsto no n.º 3 do artigo 101.º do CPP, reduz efetivamente o prazo que a lei estipulou para o exercício de direito ao recurso nesses mesmos dias, passando de 30 para 28 dias, preterindo assim as garantias e o direito de defesa do arguido, ao recurso, ínsitos na nossa Constituição.
iv. Enquanto, os Acórdãos n.ºs 545/2006, 546/2006, 194/2007 e ainda o Acórdão n.º 17/2006 fazem pender sobre a diligência dos arguidos recorrentes (no requerimento tempestivo das almejadas copias) a destrinça entre o início da contagem do prazo para recurso, dependendo se houve ou não uma atuação diligente da sua parte, a douta decisão em recurso, por seu turno, faz propender tal destrinça sobre a atuação, diligente ou não, dos próprios funcionários do tribunal, não relevando, de certo modo, a diligência dos recorrentes, invertendo, assim, o critério perfilhado nos referidos acórdãos.
v. Entendem os Recorrentes que a dita decisão, ao não perfilhar o entendimento versado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional referidos na reclamação sobre a qual incidiu, violou claramente as garantias de defesa dos Arguidos no processo criminal, em particular o direito de recurso, fazendo uma interpretação claramente inconstitucional das normas contidas no artigo 411º do CPP, com a redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, pois não se vislumbra qualquer razão para se apartar dos critérios e entendimento aí plasmados.
vi. Os Recorrentes não veem razão para a alteração do critério até então perfilhado, nem mesmo a posterior revisão ao preceito em questão, justifica esta inversão.
vii. A reforma do processo penal operada pela Lei n.º 43/2007, de 29/08, no que respeita à norma ora em juízo, prendeu-se tão só com a ampliação dos prazos aí previstos para interposição de recurso, por forma a compatibiliza-los com a dignidade do direito ao recurso, como meio de garantia de defesa dos arguidos, resolvendo a questão sobre o acréscimo de 10 dias ao prazo de recurso sobre a matéria de facto, quando a respetiva prova tenha sido gravada, questão que vinha sendo levantada sistematicamente junto dos nossos tribunais.
viii. O acréscimo dos prazos em Processo Penal, resultante desta reforma, veio reconhecer que o direito que o recorrente tem a um julgamento num prazo razoável não pode efetivar-se à custa da limitação do seu próprio direito de defesa.
ix. A revisão operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, veio reforçar o entendimento a respeito da essencialidade, para um consciente e eficiente exercício do direito de recurso, do acesso ao registo da prova por constituir a única via de acesso à verdade, ou de reconstrução da verdade no processo judicial, na medida em que sobre a parte recorrente passou a recair o ónus de identificar concretamente os pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão de facto diversa da proferida, transcrevendo as passagens em que funda a sua impugnação como impõe o nº 3 e 4 do artigo 412.º do C.P.P.
x. Nem a consagração do prazo de 48h no artigo 101.º, n.º 3 do CP.P. estipulado a favor dos funcionários do tribunal, afasta o critério e juízos de inconstitucionalidade invocados pois, tal estipulação, apenas pretendeu impor um prazo de atuação à secretaria do Tribunal, aí sim, para garantir a celeridade da tramitação dos processos crime, mas que em nada contende com o prazo de recurso.
xi. A previsão expressa de um prazo estabelecido para os funcionários judiciais (48h), em prol da celeridade do processo, não poderá nunca vir a resultar numa subversão dos prazos estipulados a favor dos arguidos, então recorrentes, para o exercício e garantia do seu direito de defesa, com as consequências gravosas que daí poderão advir, que ao invés de gozarem de 30 dias de prazo para recorrer da matéria de facto, quando haja prova gravada, passem a gozar apenas de 28 dias.
xii. O prazo de recurso é um prazo expresso e absoluto, estabelecido em benefício da parte, que não pode ser restringido, coartado ou ficar dependente de um prazo que a secretaria do Tribunal tem para cumprir um determinado ato. Entender em sentido diverso é manifestamente inconstitucional.
xiii. Assim sendo, as alterações operadas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, nada vieram acrescentar a ponto de tornar desatualizado o entendimento plasmado na jurisprudência invocada sobre a interpretação inconstitucional do artigo 411.º, n.º 1, aliena b) do C.P.P..
xiv. O critério até então utilizado e que em nada se vê beliscado com a reforma operada em 2007, devendo portanto ser este o seguido, é o da essencialidade do acesso prévio àquele suporte da prova para se poder tomar uma decisão sobre a viabilidade do recurso por um lado, e, por outro, a imprescindibilidade desse suporte para poder exercer-se e acautelar, de forma fundada, condigna e cabal, as garantias de defesa do arguido mediante recurso.
xv. É o acesso aos meios de prova que permite aos recorrentes aferirem do próprio fundamento do recurso pois, sem saber o exato conteúdo da prova gravada, os recorrentes não sabem sequer se, de facto, existe fundamento para o recurso.
xvi. Os critérios utilizados nos acórdãos proferidos pelo douto Tribunal Constitucional, nada tiveram a ver com a razoabilidade da extensão (ou falta dela) dos prazos até então utilizados para exercer este direito ao recurso e que vieram a ser ampliados com a revisão operada pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, tiveram sim, a ver com a importância e imprescindibilidade do acesso à prova (único meio para o acesso à verdade e boa decisão da causa’ por forma a permitir uma decisão esclarecida e consciente sobre se e deve exercer, ou não, o direito de recurso e, assim, para o exercício condigno, cabal e fundamentado do direito de defesa e garantias dos arguidos.
xvii No caso destes autos, não se vislumbra qualquer negligência imputável aos arguidos já que, conforme refere a decisão ora em recurso, os mesmos “foram diligentes em pedirem as cópias dos registos fonográficos”, por considerarem essenciais para o exercício do direito de recurso verificando-se, também aqui, os pressupostos que levaram o Tribunal Constitucional a emitir os supra referidos juízos de inconstitucionalidade (ou não inconstitucionalidade cf interpretações supra transcritas pelo que não se percebe a mudança de critério que nos traz até ao presente.
xviii. Se para o recurso da matéria de direito a própria decisão é o meio essencial que permite a elaboração do recurso e, nessa medida, o prazo de recurso só se inicia com o depósito da mesma na secretaria e não com a leitura da decisão em audiência, quando o recurso vise a impugnação da matéria de facto, é forçoso concluir que o suporte que contém a gravação da prova é o elemento essencial e determinante para antes de mais, haver uma decisão esclarecida sobre se há fundamento ou viabilidade de recurso (decisão que apenas é passível de ser tomada após o acesso ao conteúdo da prova gravada e, após decidir-se pela sua apresentação, para a elaboração de todo o recurso, constituindo o cerne de toda a sua defesa, pelo que. pela mesma razão, o prazo de recurso só se poderá iniciar com a disponibilização desse suporte, pois só a partir desse momento a parte está habilitada a exercer o direito de recurso.
xix. Este é o entendimento que tem sido, desde sempre, acolhido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, é este o critério que resulta de todos os acórdãos proferidos por este douto tribunal sobre a matéria em questão, até então, e foi com fé neste critério e entendimento jurisprudencial que se tem revelado uma constante neste douto tribunal, abrigado nos ditames constitucionais – e que, adiante-se desde já, em nada foi beliscado com a reforma operada pela Lei n.º 48/2007 (pois tal reforma no que diz respeito ao artigo 411.º, apenas versou sobre a ampliação dos seus prazos mantendo-se igual quanto ao restante, nomeadamente quanto ao termo inicial dos mesmos) -, que os arguidos, ora recorrentes, confiantes na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atuação dos nossos tribunais face à jurisprudência proliferada até à data, efetuaram contagem do prazo para apresentar o seu requerimento de interposição de recurso acompanhado das respetivas motivações.
xx. Deverá o douto Tribunal Constitucional julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que “O prazo para a interposição de recurso, onde se impugne a decisão da matéria de facto cujas provas produzidas em sede de audiência tenham sido gravadas, conta-se sempre a partir da data do depósito da sentença na secretaria, e não a partir da data da disponibilização ao arguido dos suportes materiais da prova gravada, ainda que estes tenham sido diligente e tempestivamente requeridos por este último – por as considerar essenciais para a própria decisão de recorrer e para o cabal exercício do direito de defesa mediante recurso –, se diligentemente facultados pelo tribunal”
xxi. Assim, considera-se que o prazo de recurso in casu só se iniciou no dia 16 de setembro de 2011, com a disponibilização de cópia suporte técnico que continha a gravação e que permitia aos Recorrentes impugnar a matéria de facto, e que o dia 20 de outubro é o 30 dia útil em que a parte poderia praticar o ato desde que para tanto pagasse a respetiva multa.
xxii. Tendo sido interposto o referido requerimento de recurso e respetivas motivações no terceiro dia útil após o termo do prazo para o efeito e tendo, para tanto, enviado o comprovativo do pagamento da respetiva multa, entende-se que o recurso foi tempestivamente interposto, devendo o mesmo ser apreciado pelo tribunal superior, por se tratar de um direito fundamental do recorrente, constitucionalmente consagrado.”
2. O Ministério Público contra-alegou no sentido do não provimento do recurso, tendo concluído nos termos seguintes:
“(…)
25º
Por todo o exposto ao longo das presentes contra-alegações, julga-se que este Tribunal Constitucional deverá rejeitar, por infundado, o presente recurso.
E, nessa medida, considerar não ser inconstitucional “a norma constante do artigo 411º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal, com a interpretação com que foi aplicada na decisão da reclamação, a saber:
O prazo para a interposição de recurso, onde se impugne a decisão da matéria de facto cujas provas produzidas em sede de audiência tenham sido gravadas, conta-se sempre a partir da data do depósito da sentença na secretaria, e não a partir da data da disponibilização ao arguido dos suportes materiais da prova gravada, ainda que estes tenham sido diligentes e tempestivamente requeridos por este último – por as considerar essenciais para o cabal exercício do direito de defesa mediante recurso –, se diligentemente facultados pelo tribunal.”
II – Fundamentos:
3. O despacho recorrido, que se transcreve porque com isso se facilita a imediata compreensão da questão de constitucionalidade colocada, é do seguinte teor:
“No processo n.º 80/05 da 2ª Vara Criminal de Lisboa, foi deduzida reclamação pelos arguidos, A., C. e B. LIMITADA, ao abrigo do disposto no art.º 405º, do Código de Processo Penal, do despacho que não admitiu o recurso que os mesmos interpuseram do acórdão condenatório de que foram alvo.
O despacho reclamado em causa, tendo entendido que o acórdão foi depositada na secretaria em 14/09/2011 e que o recurso e respetiva motivação foi apresentado para além do prazo de 30 dias previsto no art.º 411º, n.º 1, al. b) e n.º 4, do Código de Processo Penal, não admitiu o recurso por extemporaneidade.
Alegam os reclamantes, em síntese, que a interposição do recurso é tempestiva, pois que o prazo apenas deveria ser contado da data em que as cópias pedidas da gravação da audiência se mostraram disponíveis (16/09/2011).
2.
É apenas uma a questão que importa conhecer nesta reclamação: saber se os arguidos deduziram tempestivamente o seu recurso, tendo em conta os dados factuais constantes dos autos.
Como relevantes para conhecer de tal questão, temos os seguintes factos:
1 – O acórdão foi depositado na secretaria em 14/09/2011;
2 – No dia 16/09/2011, os ora reclamantes requereram que lhes fossem entregues as gravações referentes à audiência de julgamento, sendo que nesse mesmo dia as mesmas lhes foram entregues;
3 – No dia 20/10/2011, os ora reclamantes interpuseram recurso da sentença e apresentaram a respetiva motivação.
3.
É nosso entendimento que quando o recorrente pretende impugnar a matéria de facto no âmbito do recurso que intenta, o prazo que a lei lhe concede para a apresentação do mesmo não pode ser prejudicado pelo facto dos registos fonográficos não lhe serem disponibilizados no prazo que a lei hoje considera adequado para o efeito (48 horas, após o respetivo pedido e entrega do suporte técnico necessário, como resulta do art.º 101., n.º 3, do Código de Processo Penal).
Vimos defendendo (como se pode ver da Reclamação n.º 629/04, da 9.º Secção deste Tribunal), que quando o recorrente pretende impugnar a matéria de facto no âmbito do recurso que intenta, e em que requereu com a devida diligência cópia dos registos fonográficos da audiência (nos termos do disposto no art.º 7.º do Dec.-Lei n.° 39/95, de 15/02), a contagem do prazo de interposição do recurso conta-se da data da disponibilização das referidas cópias e não da data em que ocorreu o depósito da sentença/acórdão na secretaria, sob pena de assim não se procedendo se estar a violar o disposto no art.º 32.º, n.º 1 da Constituição da República.
Tal entendimento sofre no entanto alguma alteração quando se regista situação em que o recorrente apenas pede a disponibilização da cópia das gravações para além do prazo de 8 dias previsto naquele diploma.
Nessas situações, obviamente que o início do prazo não pode ocorrer com a disponibilização de tais gravações, pois que o recorrente também ele não foi suficientemente diligente, como lhe competia, em tê-las requerido naquele prazo, mas não pode igualmente ser prejudicado pelo facto das mesmas lhe serem disponibilizadas para além do indicado prazo de 48 horas previsto no citado n.º, 3, do art.º 101.º do Código de Processo Penal.
Em tais casos, para que não se possa registar uma situação de inconstitucionalidade, por violação do art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, entende-se dever ser suspenso o período que medeia entre o pedido de disponibilização das indicadas cópias e aquele que excede o prazo que a lei conferia ao tribunal para as disponibilizar a quem as solicitava.
No caso em apreço, atentos os elementos provados, verificamos no entanto que não só os recorrentes foram diligentes em pedir as cópias dos registos fonográficos (fizeram-no 2 dias após o depósito da sentença, o que se reputa de razoável), como também há a salientar que o Tribunal, através da secção de processos o foi igualmente, tendo inclusive entregue no mesmo dia as solicitadas gravações.
De salientar ainda que os aludidos acórdãos do Tribunal Constitucional já mencionados (e a que os Reclamantes também fazem referência na presente Reclamação) foram lavrados ao abrigo das disposições do Código de Processo Penal anteriores à reforma introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08. Ora, no âmbito desta Reforma, o art.º 411.º sofreu alterações de vulto, mormente no que concerne à estipulação de prazos para o recurso, tendo aumentado de 15 para 20 dias o prazo “normal”, a que ainda acrescentou o prazo suplementar de mais 10 dias para as situações em que o recurso tenha por objeto a reapreciação da prova gravada.
O legislador, no que respeita a este acréscimo de prazo, teve por certo presente as vicissitudes a que tal recurso incidente sobre a reapreciação da prova gravada está sujeito, mormente as que são inerentes ao pedido e entrega da gravação da audiência. Com efeito, sendo a alteração posterior aos citados acórdãos, é de entender que o legislador seria deles conhecedor, tendo optado, não por fixar uma regra que fixasse o início do prazo com a entrega das cópias gravadas, ou determinasse a suspensão do prazo enquanto tal não ocorresse, antes tendo optado pela fixação dum prazo certo mais alargado (10 dias), suscetível de obviar às apontadas vicissitudes, desde que respeitando os prazos igualmente estipulados para o seu cumprimento (designadamente o referido art.º 101.º, n.º 3)
Neste contexto, não há que suspender qualquer prazo, como supra se indicou, pois que a atuação dos serviços do Tribunal atuaram de acordo com o prazo que a lei consagrava para o efeito.
Assim, uma vez que o início do prazo se verificou com o depósito da sentença (14/09/2011) e que os Recorrentes apresentaram o seu recurso e respetiva motivação em 20/10/2011, verifica-se que o termo dos 30 dias terá ocorrido em 14/10/2011 (sendo que o ato ainda poderia ter sido praticado até 19/10/2011 - art.º 145º, n.°s 5 a 7 do Código de Processo Civil, “ex vi” do art.° 107.°-A do Código de Processo Penal), razão pela qual o recurso é efetivamente extemporâneo. Desta forma entende-se que a Reclamação não poderá proceder.
Por todo o exposto, indefere-se a presente reclamação, dado que o recurso foi intempestivo.”
4. Como dá conta o Acórdão n.º 545/06, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, o Tribunal Constitucional tem sido, por diversas vezes, chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade de normas (ou interpretações normativas) relativas ao início do prazo para apresentação do requerimento de interposição de recurso em processo penal, recurso que deve, por regra, conter a respetiva motivação (ou ao início do prazo para apresentação da motivação do recurso, no único caso em que esta pode ser posterior à interposição: interposição, por simples declaração na ata, de recurso de decisão proferida em audiência – artigo 411.º, n.º 3, do CPP). Pode dizer-se que ponto comum do critério adotado nessa jurisprudência tem sido o de que tal prazo só pode iniciar-se quando o arguido (assistido pelo seu defensor), atuando com a diligência devida, tenha ficado em condições de aceder ao teor, completo e inteligível, da decisão que pretende impugnar, e, nos casos em que pretenda recorrer também da decisão da matéria de facto e tenha havido registo da prova produzida em audiência, a partir do momento em que teve (ou podia ter tido, actuando diligentemente) acesso aos respetivos suportes, consoante o método de registo utilizado (escrita comum, meios estenográficos ou estenotípicos, gravação magnetofónica ou audio-visual).
Os recorrentes partem desta enunciação para sustentar que viola a garantia do direito ao recurso, consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da LTC, o entendimento de que, tendo o interessado (leia-se o arguido, pois que é a este sujeito processual protegido pelo parâmetro constitucional invocado) requerido diligentemente a cópia da gravação das provas produzidas em audiência, o prazo se conte de data anterior à efetiva disponibilização dos elementos pedidos, porque isso conduz a que o prazo de recurso (interposição e motivação) fique inelutavelmente encurtado. Vale por dizer que a efetividade da garantia constitucional implicaria que o prazo legalmente estabelecido deva sair incólume das vicissitudes necessárias para obter a disponibilização das cópias dos suportes magnéticos tempestivamente requeridos. Só assim não seria, está implícito, se houvesse negligência do interessado a pedir ou recolher os elementos pedidos. O que na prática significa que o prazo tem de ser contado a partir da data da entrega dos elementos pedidos, ainda que o tribunal os tenha prontamente disponibilizado, porque só assim se manteria a intangibilidade do prazo legal perante as diligências e o tempo necessário para facultar os elementos julgados indispensáveis ou, pelo menos, úteis à prática dos atos em causa.
Para a decisão recorrida a solução é outra. O termo inicial do prazo – seja a sua duração de 20 ou de 30 dias – é sempre o mesmo e depende de um facto processual objetivamente determinado (no caso da sentença, o seu depósito na secretaria do tribunal). Só assim não será se os serviços do tribunal não disponibilizarem atempadamente os elementos pedidos.
5. Não se duvida do acerto da jurisprudência do Tribunal que tem consagrado o entendimento de que a efetividade do direito ao recurso impõe que o requerente seja posto em condições de optar esclarecidamente por conformar-se com a decisão ou impugná-la. E que, quando se pretenda impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o acesso aos respetivos suportes de gravação é essencial para um consciente e eficiente exercício desse direito (cfr, além. do já referido Acórdão n.º 545/06, p. ex: Acórdão n.º 380/07, numa situação em que quando os elementos pedidos foram facultados já tinha terminado o prazo para a interposição do recurso). Todavia, não renegando o fundamental das valorações que presidem a este entendimento, impõe-se situar a questão de constitucionalidade no novo contexto proporcionado pela alteração do regime dos prazos de recurso resultante da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto. Com efeito, este diploma legal veio alargar o prazo de interposição dos recursos da decisão de 15 para 20 dias. E, a mais disso, o prazo passa a ser de 30 dias quando o recurso tiver por objeto a “reapreciação da prova gravada” (artigo 411.º, n.º 4, do CPP). Em si mesmos, numa perspetiva que considere a generalidade dos casos, quanto à sua duração, estes prazos não são inadequados ou demasiado exíguos. São, até, mais favoráveis ao recorrente do que o prazo anterior de 15 dias, que o Tribunal não julgou desconforme às exigências constitucionais do direito ao recurso e ao processo equitativo (cfr. Acórdão n.º 542/04). E permitem, em princípio, num funcionamento normal da reprodução do registo magnetofónicos ou audiovisual das provas, acomodar as diligências necessárias para obter esses elementos.
É certo que, para cabal impugnação da matéria de facto, o interessado – entenda-se, o seu advogado ou defensor – necessita ou, pelo menos, tem forte conveniência em dispor de cópia das provas gravadas, porque mesmo tendo assistido à sua produção dificilmente pode repousar na memória ou nos apontamentos pessoais. Aliás, seguramente precisa de tais elementos para cumprir os ónus impostos pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Para prover a essa necessidade, sempre que tenha havido gravação audiográfica ou videográfica de um ato processual, o funcionário entrega, no prazo de 48 horas, uma cópia do mesmo ao sujeito processual que o requeira e forneça o suporte técnico adequado para a reprodução (artigo 101.º, n.º 3, do CPP). Deste modo, num regular funcionamento das coisas, quando careça de tais elementos, o interessado terá, no máximo, o prazo afetado em 48 horas.
Este encurtamento do prazo útil – supondo, o que não é necessariamente certo, que a indisponibilidade temporária dos elementos pretendidos equivalha à inutilização desse tempo para preparar o recurso - não o reduz a ponto de afetar a exigência constitucional de que o processo penal assegure “todas as garantias de defesa, incluindo o recurso” (art.º 32.º, n.º1, do CPP).
Como dizem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª ed., 2007 “A fórmula do n.º 1 é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia, este preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal. Em «todas as garantias de defesa» engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. Dada a radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas. Este preceito pode, portanto, ser fonte autónoma de garantias de defesa. Em suma, a «orientação para a defesa» do processo penal revela que ele não pode ser neutro em relação aos direitos fundamentais (um processo em si, alheio aos direitos do arguido), antes tem neles um limite infrangível”.
É por referência a este significado constitucional, de um processo penal orientado para a defesa em que ao arguido não sejam colocados entraves a que possa defender a sua posição e contrariar a acusação e atacar a sentença condenatória, em matéria de direito e de facto, que há de ser perspetivado o problema das repercussões das diligências necessárias a obter a reprodução dos registos de prova no prazo de recurso. O que a garantia constitucional exige é que o arguido não seja posto, em termos de disponibilidade de elementos, de tempo e de circunstâncias em que tais elementos lhe são fornecidos, em situação que lhe não permita uma opção esclarecida e eficaz quanto ao âmbito da impugnação da decisão condenatória (ou à defesa da decisão absolutória). Não decorre dela a incolumidade dos prazos fixados pela lei ordinária. O que o arguido não pode é ficar privado de obter os elementos que entenda necessários, permanecer na incerteza acerca do momento em que lhe serão fornecidos ou a disponibilização destes consumir parte substancial do prazo, de modo que este deixe de ser idóneo para uma opção e preparação refletida da motivação do recurso.
Ora, a norma em causa, na interpretação adotada pelo despacho recorrido sobre cujo aresto não cabe a este Tribunal emitir pronúncia no plano do direito ordinário, tem por consequência, confirmar em 2 dias, no máximo, o tempo disponível pelo arguido para preparar a motivação, efeito este que não pode julgar-se demasiado oneroso.
Deste modo, face aos atuais prazos de recurso em processo penal e ao regime de disponibilização de cópia dos registos de prova gravada, que consomem, na pior das hipóteses 2 dias desse prazo, não pode concluir-se que a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 411.º do CPP, interpretada no sentido de que “o prazo para a interposição de recurso, onde se impugne a decisão da matéria de facto cujas provas produzidas em sede de audiência tenham sido gravadas, [se conta] sempre a partir da data do depósito da sentença na secretaria, e não a partir da data da disponibilização ao arguido dos suportes materiais da prova gravada, ainda que estes tenham sido diligente e tempestivamente requeridas por este último – por as considerar essenciais para o cabal exercício do direito de defesa mediante recurso –, se diligentemente facultados pelo tribunal” viole a exigência de que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
6. Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar os recorrentes nas custas, com 25 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 27 de junho de 2012.- Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Ana Guerra Martins – Gil Galvão.