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Processo n.º 102/2000 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. O PROCURADOR DA REPÚBLICA junto do Tribunal Tributário de Braga, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, interpõe o presente recurso da sentença, de 13 de Julho de 1999, que julgou procedente a impugnação apresentada pela empresa F....,Ldª.; e, em consequência, anulou a liquidação adicional de IRC relativa a 1990, no montante de 1.480.611$00.
Pretende o recorrente que este Tribunal aprecie a constitucionalidade da norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 41º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º
442-B/88, de 30 de Novembro, na sua redacção original, a que a sentença recusou aplicação, com fundamento em que ela viola o princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2º da Constituição) e o princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição).
Neste Tribunal, apresentou alegações o PROCURADOR-GERAL ADJUNTO aqui em funções, concluindo como segue:
1º. A norma constante do artigo 41º, n.º 1, alínea f), da redacção original do CIRC ao estatuir que não são dedutíveis como custos do exercício os encargos derivados de rendas de locação financeira, na parte correspondente ao valor dos terrenos – aliás, em consonância com a regra afirmada pelo artigo 32º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, que dispõe não serem aceites como custos as reintegrações de imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos – não viola os princípios da igualdade e do Estado de direito democrático.
2º. Na verdade, tal solução legislativa – situada em área de conteúdo acentuadamente 'técnico' e orientado por preocupações de índole essencialmente
'economicista' – não pode considerar-se absolutamente arbitrária ou discricionária, tendo nomeadamente em conta que, na locação financeira, o locatário – para além do imediato gozo da coisa – goza de uma expectativa de aquisição da mesma, nos termos do próprio contrato.
3º. Termos em que deverá proceder o presente recurso.
A empresa RECORRIDA não alegou.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. A norma sub iudicio. Está aqui em causa a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 41º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, na sua redacção original, que dispunha como segue: Artigo 41º (Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais)
1. Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício: f). As rendas de locação financeira relativas a imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos ou de que não seja aceite reintegração nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 32º [...]. A alínea f) do n.º 1 do artigo 41º, que se transcreveu, foi, depois, alterada pelo Decreto-Lei n.º 138/92, de 17 de Julho, e, por último, revogada pelo artigo
3º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 420/93, de 28 de Dezembro.
Decorria da referida alínea f), na sua redacção inicial, que as rendas de locação financeira relativas a imóveis, na parte correspondente ao valor dos terrenos, não eram dedutíveis ao lucro tributável como custos de exercício. Por isso, com base nesta norma legal, o Fisco não aceitou a dedução do montante total das rendas, no montante de 2.163.290$00, que a recorrida pagou em execução de um contrato de locação financeira, que outorgou como locatária, tendo por objecto um prédio urbano destinado a indústria. E isso, por ter considerado que a renda, na parte em que era relativa ao terreno, não era dedutível ao lucro tributável.
O que, então, importa saber é se uma norma legal como a da referida alínea f) do n.º1 do artigo 41º, com o alcance assinalado, viola o princípio do Estado de Direito ou o princípio da igualdade.
Antes de se passar a decidir tal questão, convém dar nota de que a doutrina da referida alínea f) do n.º 1 do artigo 41º está em perfeita consonância com o que se dispõe na alínea b) do n.º 1 do artigo 32º do mesmo Código, que tem como epígrafe reintegrações e amortizações não aceites como custos. De facto, nessa alínea b), preceitua-se que não são aceites como custos dedutíveis 'as reintegrações de imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos ou na não sujeita a deperecimento'.
4. A questão de constitucionalidade.
4.1. A decisão recorrida faz decorrer a violação dos apontados princípios constitucionais, ao cabo e ao resto, da circunstância de o legislador, quanto aos imóveis, ter equiparado os contratos de locação financeira e de contrato de compra e venda, para efeitos fiscais. E isso, porque – sustenta-se aí – uma tal equiparação é inadmissível, pois o legislador não podia estabelecer um idêntico regime de reintegração de imóveis quanto a ambos os contratos.
4.2. Não se vê, porém, como possa chegar-se à inconstitucionalidade da norma sub iudicio.
Com efeito, começa por nem sequer se perceber como se tira a conclusão de que ela viola princípio do Estado de Direito democrático (consagrado no artigo 2º da Constituição), já que se não atina com um discurso que sustente a existência de violação do princípio da confiança. Não se descobrem, em verdade, expectativas dignas de tutela que, com tal norma, sejam atingidas de forma inadmissível e intolerável – é dizer: insuportável.
Quanto ao princípio da igualdade, ele só seria violado, se pudesse qualificar-se como arbitrária ou discricionária a solução contida na norma aqui em causa. Na verdade – tem-no dito repetidas vezes o Tribunal –, tal princípio não recusa regimes jurídicos diferenciados. Recusa apenas o arbítrio legislativo – a adopção de regimes jurídicos diferentes para situações que, essencialmente, sejam iguais. Só neste caso a diferenciação de regime jurídico se apresenta como irrazoável, já que carece de fundamento material ou racional. Pois bem: a equiparação da locação financeira de imóveis à compra e venda, com a consequência de considerar as rendas pagas não dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, não pode considerar-se arbitrária, já que não
é carecida de fundamento material ou racional.
É que, embora os referidos contratos sejam, estruturalmente, diferentes, existe entre eles alguma similitude do ponto de vista económico. E esta perspectiva (a perspectiva económica) é a verdadeiramente relevante para o efeito de ajuizar se a igualdade tributária é ou não atingida. A similitude referida consiste nisto: a locação financeira, conquanto – ao contrário do que sucede com a compra e venda - não tenha, como efeito jurídico, a transmissão imediata do direito de propriedade sobre o imóvel da esfera jurídica do locador para a do locatário, apesar de tudo, sempre 'transfere' para a esfera jurídica deste uma expectativa séria de aquisição do imóvel: o efeito jurídico que lhe é próprio não se reduz, com efeito, a atribuir ao locatário o gozo temporário da coisa locada, pois, findo o prazo convencionado, este fica com o direito de o comprar. Ora, esta similitude é suficiente para afastar o carácter arbitrário do tratamento fiscal análogo, que o legislador dá a essas duas situações que, estruturalmente, são diferentes: desde logo, porque – como sublinha o Ministério Público – trata-se de um domínio – o do Direito Fiscal – em que o legislador sempre considerou 'relevantes simples situações de gozo ou fruição meramente
‘fácticas’ de uma coisa'.
4.3. Em conclusão, pois: a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 41º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, na sua redacção original, não
é, assim, inconstitucional.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). conceder provimento ao recurso;
(b). e, em consequência, revogar a decisão recorrida quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade, que deve ser reformada em conformidade com o aqui decidido sobre essa questão.
Lisboa, 21 de Junho de 2000 Messias Bento Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida