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Processo n.º 328/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 271/2012:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente a A. e recorrida B., S.A., foi interposto recurso, em 18 de abril de 2012 (fls. 169 a 177), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pela 4ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em 28 de março de 2012 (fls. 151 a 162), para que seja apreciada a inconstitucionalidade do:
a) Artigo 685º-B, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), quando interpretado no sentido de aquele impedir, “em violação de um direito, no caso dos autos, o direito de ao abrigo do princípio da cooperação, poder esclarecer o tribunal de quaisquer irregularidades que a sua minuta de recurso enfermasse” (fls. 174);
b) Artigo 351º do Código do Trabalho (CT) “e ilegal a decisão recorrida, por violarem o artigo 18º, nº 2 da C.R.P., porque uma e outra na concretização de um conceito de justa causa de despedimento, deveriam ter em conta, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao caráter das relações entre as partes ou entre trabalhador e seus companheiros e a[s] demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes” (fls. 176);
c) Artigo 328º do CT, “por permitir decisões arbitrárias como as dos autos e estabelecer medidas desproporcionais, ilegais e injustas em violação do disposto no artigo 18º, nº 2 da C.R.P.” (fls. 176).
Posto isto, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. O recurso foi admitido por despacho do Relator junto do tribunal “a quo”, proferido em 03 de maio de 2012 (fls. 178). Porém, por força do n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que deve começar-se por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Em sede de fiscalização concreta, o Tribunal Constitucional apenas atua enquanto órgão de recurso, o que significa que só pode conhecer de questões de inconstitucionalidade normativa que tenham sido efetivamente discutidas pelo tribunal recorrido. Ora, no caso dos presentes autos, o recorrente não logra libertar-se da decisão judicial, nunca conseguindo individualizar quais as normas ou interpretações normativas efetivamente aplicadas de que pretende interpor recurso. Aliás, tendo sido o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, forçoso seria que o recorrente tivesse suscitado as questões de inconstitucionalidade que pretende ver agora apreciadas, perante o tribunal recorrido, de modo que aquele delas tivesse podido conhecer. Tal não sucedeu, porém.
Quanto às interpretações normativas extraídas dos artigos 328º e 351º do CT, torna-se evidente que o recorrente nunca afirmou, nem muito menos fundamentou, a sua inconstitucionalidade, em sede de alegações de recurso. Pelo contrário, limitou-se a afirmar que:
“23º
Pelo que se reputará a sanção imposta pela Ré ao Autor, como violadora dos direitos e garantias do trabalhador (artigo 328º, nº 2 do Código do Trabalho).
(…)
29º
Do exposto resulta estar-se em presença de uma sentença injusta, desproporcionada e inadequada à gravidade da infração e culpabilidade do Autor, violadora dos artigos 351º do Código do Trabalho e 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.” (fls. 108 e 109)
Da análise das suas alegações resulta, por conseguinte, que o recorrente nunca imputou uma precisa e específica inconstitucionalidade de determinada norma ou interpretação normativa, limitando-se a oscilar entre a invocação da alegada violação de direitos fundamentais e a acusação de que seria a própria decisão jurisdicional (e não uma determinada norma) a incorrer em inconstitucionalidade.
Assim sendo, torna-se legalmente impossível conhecer do objeto do recurso, por não ter sido suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma ou interpretação normativa mas sim da decisão jurisdicional recorrida e ainda por preterição do ónus de adequada suscitação das questões de inconstitucionalidade, conforme determinado pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC.
III – DECISÃO
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso interposto.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Inconformado com a decisão proferida, o recorrente veio deduzir a seguinte reclamação, cujos termos ora se resumem:
«-Assiste alguma razão a Sra. Juíza Relatora, quando diz que o recorrente não logrou libertar-se da decisão judicial.
No entanto,
-o recorrente nas suas conclusões, após expor as ilega1idades em que incorre a sentença, algumas ínsitas as inconstitucionalidades solicitadas dos artigos 685°-B,n°1,al. a) do C. P.C., 351° e 328° ambos do Cód. Trabalho, aí diz que se deverá declarar a inconstitucionalidade dos artigos 328° e 351° do Cód. Trabalho por violarem o artigo 18°,n°2, da C.R.P.
-E, conclui pedindo, nas suas alegações, a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 328° e do Cód. Trabalho.
-Se as razões ou fundamentos não eram claras nas alegações — e se o Sr. Juiz Relator do Tribunal da Relação de Lisboa pretendia conhecê-las — deveria ter proferido um despacho — convite, nos termos do artigo 266° do C.P.C., a fim do recorrente esclarecer dúvidas que se prendessem com essa fa1ta de fundamentação.
-tendo em conta que ali o recorrente, manifesta a vontade de ver conhecidas e declaradas a inconstitucionalidade dos citados artigos.
-Relativamente a inconstitucionalidade do artigo 685°-B,n°1, alínea a) do C.P.C. a mesma é solicitada, quando o recorrente recorre da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.
-A mesma só surge da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa e não da decisão do Tribunal da primeira instância.
-Não estando, por isso, o recorrente impedido de levantar a inconstitucionalidade do mesmo (artigo 685°-B,n°1, a), do C.P.C.).
-Expondo nos artigos 2°,3°,4°,5°,6°,7°,8°,9°,10°,11° e 12° do corpo do seu recurso para o Tribunal Constitucional, as razões pelas quais pede a declaração de inconstitucionalidade do referido artigo.
-Afigura-se a decisão sumária da Sra. Juíza Relatora manifestamente contrária a lei.
-Na medida em que tal não lhe consente o artigo 78°-A, n°2 da Lei do Tribunal Constitucional,
Uma vez que,
-Previamente a referida decisão sumária, a Senhora Juíza Relatora deveria ter notificado o recorrente para nos termos dos números 5 e 6 do artigo 75-A e n°1 do artigo 78°-B da LTC, aperfeiçoar ou corrigir as suas alegações.
-Só então proferiria decisão sumária, no caso do recorrente não aceder a esse convite.
-Refere a decisão sumária (página 3) que, “Quanto às interpretações normativas extraí- das dos artigos 328° e 351° do CT, toma-se evidente que o recorrente nunca afirmou, nem muito menos fundamentou, a sua inconstitucionalidade, em sede de alegações de recurso.”
-Tal asserção afigura-se-nos falsa.
-Porquanto é referido pelo recorrente nas conclusões do seu recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa,
“Face ao exposto deverá declarar-se a inconstitucionalidade dos artigos 328°, 351° e 128°,n°1, alíneas a),c) e h), todos do Cód. Trabalho e o artigo 342°, n°1,do Cód. Civil, por violarem o artigo 18°,n°2 da Constituição da República Portuguesa”.
E,
-conclui pedindo que seja declarada a inconstitucionalidade dos artigos 328° e 351° do Código do Trabalho.
-Essa manifestação de vontade do recorrente para que fosse declarada a inconstitucionalidade destes artigos foi feita.
-Situação diferente é a falta de fundamentação, ou seja às razões de fato e de direito, pelas quais o recorrente solicitava a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 328° e 35 1° do Cód de Trabalho. Isso é que não foi feito.
Porém,
-se o Senhor desembargador do Tribunal da Relação, estava interessado em conhecer as razões subjacentes as invocadas inconstitucionalidades,
Teria,
-tido a oportunidade de, ao abrigo do disposto no artigo 266° do C:P.C.- princípio da cooperação, convidar o recorrente a apresentar essas razões nessa fase processual.
-Sendo óbvio e deveras extemporâneo, vir levantar esta questão nesta fase processual, quando alguém não cumpriu com o disposto no artigo 266° do C.P.C.
-Aliás, a senhora Juíza Conselheira Relatora, à semelhança do seu colega do Tribunal da Relação de Lisboa, incorre no mesmo erro deste,
Quando,
-não dá cumprimento ao que é imposto nos números 5 e 6 do artigo 75°-A e n°1, do artigo 78°-B da LTC.» (fls. 193 a 195)
3. Notificada para o efeito, a recorrida deixou esgotar o prazo de resposta, sem que viesse aos autos apresentar qualquer requerimento.
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Tendo sido proferida decisão sumária que concluiu pela impossibilidade de conhecimento do objeto do recurso, com fundamento na falta de suscitação processualmente adequada das questões de inconstitucionalidade normativa que o recorrente pretende ver apreciadas por este Tribunal, entende aquele que tal suscitação ocorreu efetivamente. Para tanto, invoca a seguinte passagem das suas conclusões das alegações de recurso apresentadas perante o Tribunal da Relação de Lisboa:
«Face ao exposto deverá declarar-se a inconstitucionalidade dos artigos 328°, 351° e 128°,n°1, alíneas a),c) e h), todos do Cód. Trabalho e o artigo 342°, n°1,do Cód. Civil, por violarem o artigo 18°,n°2 da Constituição da República Portuguesa» (fls. 113).
Ora, como resulta evidente de tal passagem – e já notado pela decisão sumária ora reclamada –, tal alegação genérica não se afigura como bastante para que o tribunal recorrido fique obrigado a conhecer de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
A mera referência literal a uma alegada inconstitucionalidade daquelas normas não se afigura como processualmente bastante, já que o recorrente nunca precisou qual a interpretação normativa que seria inconstitucional. Ao contrário do que ocorreu nos autos recorridos, cabia ao recorrente ter individualizado qual o concreto sentido interpretativo daquelas normas. Tanto assim é que o recorrente nem sequer considerou que os artigos 328º e 351º do CT eram inconstitucionais, na sua redação literal, posto que, a fls. 112, até alegou que o tribunal recorrido os teria desrespeitado, o que pressupõe a aceitação de que aqueles são conformes à Constituição. Sucede apenas que o recorrente considerou que determinada interpretação daqueles preceitos legais seria contrária à Constituição. Porém, nunca especificou que interpretação normativa seria essa, razão pela qual é forçoso concluir pela ausência de uma suscitação processualmente adequada. Aliás, a reforçar a ausência de dimensão normativa das questões colocadas perante o tribunal recorrido, não pode deixar de recordar-se que o ora reclamante optou por reputar de inconstitucional a própria decisão recorrida:
«A sentença é injusta, desproporcionada e inadequada à gravidade da infração e culpabilidade do Autor, violadora dos artigos 351º do Cód. do Trabalho e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.» (fls. 111)
Em suma, a mera exortação do tribunal recorrido à declaração da inconstitucionalidade dos artigos 328º e 351º, sem qualquer especificação de qual seria a dimensão normativa que atentaria contra a Lei Fundamental, não apaga as sucessivas referências à inconstitucionalidade da própria decisão jurisdicional proferida e não logra preencher o requisito de prévia e adequada suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Por sua vez, não cabe a este Tribunal pronunciar-se sobre a aplicação concreta do princípio da cooperação (artigo 266º do CPC) ao caso em apreço, na medida em que o ora reclamante não integrou qualquer dimensão normativa extraída daquele preceito como objeto do presente recurso.
5. Por fim, o ora reclamante aparenta considerar que estaria dispensado de suscitar a inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 685º-B, n.º 1, alínea a), do CPC, na medida em que tal questão apenas teria surgido após a tomada de decisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Atenta a sua alegada natureza surpreendente, não estaria então o recorrente abrangido pelo ónus resultante do n.º 2 do artigo 72º da LTC
Porém, em boa verdade, só poderia subsistir alguma dúvida quanto ao dever de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa, caso se entendesse que só no momento em que foi proferida a decisão recorrida é que o recorrente poderia ter ficado ciente da possibilidade da sua aplicação. Ora, independentemente de o recorrente permanecer sempre onerado a antecipar interpretações normativas objetivamente previsíveis – como aparenta ser o caso –, mais se deve ter presente que, na situação concretamente em apreço nos presentes autos, foi a recorrida quem, em sede de contra-alegações, invocou a aplicabilidade da norma extraída daquele preceito legal, com vista à defesa da inadmissibilidade do recurso quanto à matéria de fato (cfr. §§ 3 a 6, a fls. 122 e 123). Como tal, tendo sido notificado daquelas contra-alegações (cfr. fls. 119), bem como do parecer do Ministério Público junto do tribunal recorrido (fls. 147), o recorrente dispôs de plena oportunidade para suscitar a inconstitucionalidade daquela interpretação normativa, antes de o tribunal recorrido ter decidido naquele sentido. Portanto, a aplicação daquela interpretação normativa não se afigura objetivamente surpreendente.
Assim sendo, o recorrente estava onerado a suscitar a sua inconstitucionalidade, antes de o tribunal recorrido decidir sobre tal questão, nos termos do artigo 72º, n.º 2, da LTC. Não o tendo feito, em tempo, mais não resta do que concluir pela falta de suscitação processualmente adequada daquela inconstitucionalidade e, em consequência, confirmar o sentido da decisão ora reclamada.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Fixam-se as custas devidas pelo recorrente em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 26 de setembro de 2012. – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Rui Manuel Moura Ramos.