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Procº n.º 336/99
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I – RELATÓRIO
1. – E. C. veio deduzir contra M. C. N., por apenso aos autos de execução para entrega de coisa certa que correm termos pelo Tribunal Judicial do Funchal, uns embargos de terceiro para não ser desapossado de parte da casa que integra a sua morada de família, e que a exequente pretende recuperar.
Contestados os embargos, veio a ser proferida, em 5 de Fevereiro de 1997, uma decisão que julgou improcedentes os embargos com fundamento no disposto no artigo 1038º, n.º2, alínea b) do Código de Processo Civil (C.P.C.).
Não se conformando com o assim decidido, o embargante interpôs recurso de agravo para a Relação de Lisboa.
Por acórdão de 18 de Dezembro de 1997, a Relação decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida ainda que com fundamentação diversa da invocada na 1ª instância.
Foi a seguinte, a fundamentação utilizada:
'Para resumir, naquilo que os autos nos revela de essencial, diremos que: a) a ora embargada, M. C., foi arrendatária dos referidos 2º e 3º andares do prédio supra identificado; b) pela mulher do aqui embargante (encontrava-se este, á data, emigrado na Venezuela, não tendo intervindo na acção, por razões que os autos não patenteiam) foi movida àquela acção de despejo, denunciando o contrato para habitação própria, acção que foi julgada procedente; c) por não ter procedido à efectiva desocupação da parte da casa despejada, a aqui embargada intentou acção, pedindo a restituição do arrendado, nos termos do artº 1099º do Código Civil, o que lhe foi concedido. M. C. reassumiu, pois, a sua anterior qualidade de arrendatária da parte do prédio dos autos.
* Nos termos do n.º2 do artº 1037º, do aludido Código, 'locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artºs 1276º e seguintes'. Ora é ponto que não suscita controvérsia que a embargada reassumiu a sua qualidade de arrendatária, pese embora a pendência destes embargos de terceiro. Assim sendo, temos por certo que estará votada ao insucesso, por inviável, qualquer pretensão possessória por parte do recorrente, visto que a embargada pode, sempre, opor-lhe, com eficácia, aquela sua qualidade de arrendatária.'
O recorrente e embargante veio pedir a aclaração do acórdão, pretensão que foi indeferida por acórdão de 12 de Fevereiro de 1998.
Notificado desta decisão, o recorrente veio arguir a nulidade do acórdão de 18 de Dezembro de 1997, por 'manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão'.
Por acórdão de 2 de Abril de 1998, a Relação indeferiu esta pretensão do reclamante e recorrente, por entender que não existia qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.
2. - E. C. notificado deste acórdão veio interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), com fundamento na violação de caso julgado.
Admitido o recurso e produzidas as competentes alegações, o relator no STJ proferiu um despacho em que, com invocação do artigo
681º, n.º3, do C.P.C. (perda do direito de recorrer por aceitação tácita da decisão), se propõe não conhecer do recurso.
Notificado o despacho em questão às partes, ambas responderam, tendo o recorrente suscitado no final da sua resposta a inconstitucionalidade da interpretação defendida no despacho quanto ao artigo
681º, n.º3 do C.P.C., por violação dos artigos 2º e 20º da Constituição da República Portuguesa.
O relator, após as respostas das partes, proferiu então um despacho em que decidiu não conhecer do objecto do recurso, 'nos termos das disposições conjugadas dos artºs 668º, n.º3, 762º, n.º1, 749º, 700º, n.º1, al. e) e 704º do CPC (actual redacção)'.
3. - E. C. veio então requerer, nos termos do n.º3 do artigo 700º do CPC, que sobre tal despacho recaísse acórdão da conferência, mantendo o recorrente a alegação sobre a inconstitucionalidade da interpretação do n.º3 do artigo 681º do CPC.
O STJ, por acórdão de 16 de Março de 1999, veio a confirmar o despacho do relator, considerando não se verificar a inconstitucionalidade alegada pelo recorrente.
Notificado deste acórdão, E. C. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade constitucional do n.º3 do artigo 681º do CPC.
Produzidas as pertinentes alegações, o recorrente, dado que as que apresentara não continham conclusões, após convite para as produzir, formulou as seguintes:
1. 'A mulher do recorrente, M. M., intentou, oportunamente, no Tribunal Judicial do Funchal, contra a ora recorrida, a acção de despejo do 2º e 3º andares do prédio de que é proprietária, com fundamento na necessidade do então arrendado, para a sua habitação e de seus familiares, acção esta que foi considerada procedente (Procº 62/82, da 1ª Secção do 1º Juízo do Tribunal do Funchal).
2. O recorrente não teve intervenção naquele processo, já que para a resolução do contrato de arrendamento, não é exigível a intervenção dos dois cônjuges. (Acórdão do S.T.J. de 27/04/93 in B.M.J. 426-pág.438).
3. A ora recorrida veio porém intentar nos termos do artº 1099 nº 2 do Código Civil, acção com vista à devolução da parte do prédio que fora despejado
(Procº 148/90 do 3ºJuízo Cível do Funchal).
4. Tal acção foi intentada, exclusivamente, contra a mulher do recorrente, que, dolosamente, identificou como viúva, ocultando a existência do recorrente cônjuge marido, que não foi havido nem achado em tal processo.
5. Estando em causa um bem comum do casal e em qualquer caso a casa de morada de família, teria o recorrente de ser imperativamente demandado sob pena de ilegitimidade, dado ocorrer situação de litisconsórcio necessário (artº único nº 1 da Lei 35/81 de 27 de Agosto, artº 28º do anterior Código de Processo Civil, e artº 28-A do Código de Processo Civil actual e ainda artº 19º do C. Proc. Civil anterior e artº 1682-A do Código Civil).
6. Assim sendo a decisão proferida no Processo intentado pela recorrida, contra a mulher do recorrente, que condenou esta a entregar à recorrida o prédio em causa nos autos, não é oponível ao recorrente, ou seja, não constitui caso julgado relativamente a ele. (Acórdão do S.T.J. de 10/10/88 – B.M.J. 380-436).
7. Por assim ser, no âmbito da execução do mandado de despejo na acção referida, o recorrente deduziu embargos de terceiro no exercício do direito que lhe assistia.(Acórdão do S.T.J de 28/01/97 – in C.J. Ano V, Tomo I, 1997, pág
74).
8. Não obstante assim ser, o Acórdão da Relação de Lisboa de 18/12/97 (fls.
67 e segs.) entendeu que a recorrida, então embargada, podia opôr ao recorrente e então embargante a qualidade de arrendatária que readquirira por Acórdão do mesmo Tribunal da Relação de 17/05/94, em processo em que apesar de estar em causa um bem comum do casal e morada de família do recorrente, este não fora demandado, nem a ele chamado.
9. Daqui decorre que, não sendo oponível o referido caso julgado ao recorrente, não lhe era, igualmente, oponível a alegada qualidade de arrendatária da recorrida emergente do citado Acórdão da Relação de 18/12/97, que violou os limites subjectivos do caso julgado.
10. Relativamente a tal Acórdão, do qual não cabia, em princípio recurso ordinário, por razões de alçada, arguiu o recorrente nulidade por vício de contradição entre os fundamentos e a decisão, (alínea c) do nº 1 do artº 668º do Código de Processo Civil.
11. Tal arguição foi indeferida por Acórdão da Relação de 02/04/98, por via do qual se tornou manifesta, a violação de caso julgado, por parte do acórdão de
18/12/97, razão pela qual, só então, o recorrente fez uso da situação excepcional do nº 2 do artº 678º do C. Proc. Civil, que admite, independentemente da alçada, recurso ordinário, quando ocorre a referida situação de violação de caso julgado.
12. Porém, apesar de admitido pela Relação tal recurso, no S.T.J. o Ilustre Conselheiro Relator, veio sustentar que nos termos do nº 3 do artº 668º do Cód. Proc. Civil, as nulidades só são arguidas perante o Tribunal 'a quo' quando da decisão não caiba recurso, pelo que tendo-se arguido a nulidade no Tribunal 'a quo' o recorrente teria praticado , nos termos do nº 3 do artº 681º do Código de Processo Civil facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.
13. Foi neste sentido a decisão do Acórdão do S.T.J. de 16/03/99 de fls., agora sob recurso, relativamente ao qual se entende que a interpretação adoptada do citado nº 3 do artº 681º do C.P.Civil, inconstitucionaliza aquele normativo, por ofender de forma manifesta os artºs 2º e 20º da C.R.P. e conduzir a uma verdadeira denegação da justiça.
14. Na verdade, na revisão constitucional de 1997, reforçaram-se aqueles dispositivos e princípios, passando-se a falar não apenas no 'acesso ao direito' mas na tutela jurisdicional efectiva.
15. O recorrente arguiu a nulidade perante o Tribunal 'a quo' face a uma imposição legal, por em princípio, não caber recurso ordinário do Acórdão da Relação de 18/12/97, não tendo sido pois uma opção livre do recorrente tal arguição.
16. Assim, o Acórdão recorrido ao interpretar o nº 3 do artº 668º do Código de Processo Civil, em termos de integrar uma verdadeira sujeição processual a que o recorrente estava subordinado, inconstitucionaliza tal disposição, face ao artº
20 da C.R.P..
17. Igualmente a interpretação dada inconstitucionaliza ainda no mesmo normativo por pôr em causa os princípios da proporcionalidade, de certeza e segurança jurídicas, com a manifesta violação do artº 2 da C.R.P.
18. No sentido das conclusões supra, vejam-se entre outros os Acórdãos deste tribunal, 318/85, 269/87, 412/87, 30/88, 56/85, 282/86 e 405/87.'
Pelo seu lado, a recorrida resumiu da seguinte forma as suas alegações:
'Não houve violação de qualquer preceito constitucional, nomeadamente: a) O artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, tendo sido assegurado ao Recorrente o princípio da proporcionalidade, bem como o da certeza e segurança jurídicas, já que, como se disse: o não está em causa a casa morada de família do recorrente; o Nem se trata, manifestamente, na acção principal de um caso de litisconsórcio necessário, sendo que, o A recorrida poderia sempre opor ao recorrente o seu contrato de arrendamento que nunca cessou. b) O artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, já que o Supremo Tribunal de Justiça interpretou correctamente o disposto no n.º3 do artigo 681º do código de Processo Civil, não se justificando a recorribilidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que faz caso julgado.'
Após a apresentação das conclusões por parte do recorrente a recorrida veio tomar posição sobre essas conclusões, mas limitando-se a reafirmar a posição que já defendera nos autos.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTOS:
4. – A questão de constitucionalidade que vem suscitada nos autos reporta-se à interpretação do n.º3 do artigo 681º do CPC feita no STJ segundo a qual não era possível conhecer do recurso interposto do acórdão da Relação por se ter entendido que o recorrente praticou um facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer ao arguir a nulidade daquele acórdão, o que inculca haver aceitação tácita da mesma decisão. O artigo 681º do CPC tem o seguinte teor:
'Artigo 681º Perda do direito do recorrer
1. [...].
2. Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.
3. A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita. A aceitação tácita é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.
4. [...].'
5. - Importa ordenar e apreciar pormenorizadamente todos os factos relevantes.
O presente processo de embargos de terceiro tem um valor de 500.001$00, sendo a alçada em vigor nas Relações de 2.000.000$00 (artigo 20º, n.º1 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), pelo que, em princípio, não cabia recurso ordinário do acórdão da Relação. Face a esta situação, o recorrente, após dedução de um pedido de aclaração que foi indeferido, arguiu a nulidade da alínea c), do n.º1, do artigo 668º do CPC (contradição entre os fundamentos e a decisão), perante o próprio Tribunal da Relação.
Afirma o recorrente, que só após a prolação do acórdão da Relação de 2 de Abril de 1998, tirado na sequência da arguição de nulidades, se tornou manifesta a violação do caso julgado – no sentido de que a decisão da entrega do prédio à recorrida não podia valer contra ele – e que pretendeu reagir contra a improcedência dos embargos lançando mão da faculdade concedida pelo artigo 678º, n.º 3 do CPC, que admite sempre o recurso, independentemente do valor da causa, com fundamento em ofensa de caso julgado.
Vejamos esta questão com mais atenção.
A decisão de 1ª instância julgou os embargos improcedentes pelo facto de os mesmos respeitarem a um bem adquirido pela executada a título gratuito, pelo que o artigo 1038º, n.º2, alínea b), do CPC impedia o embargante de deduzir os presentes embargos. Desta decisão veio a ser interposto recurso para a Relação. O fundamento deste recurso assentou na alegação do recorrente de que a decisão proferida na acção comum intentada pela embargada e recorrida contra a mulher do embargante e cuja decisão se pretende executar (para reocupação do arrendado despejado, execução contra a qual o embargante e recorrente levantou os presentes embargos) não lhe pode ser oponível por entender que o recorrente e agravante também devia ter sido demandado, uma vez que está casado no regime da comunhão geral de bens.
A Relação, num primeiro acórdão de 18 de Dezembro de
1997, afastou a fundamentação utilizada na 1ª instância com o argumento de que o artigo 1038º, n.º2, alínea b) do CPC não se aplica ao caso dos autos, pois 'visa as situações de penhora em execução por dívidas, o que não se compagina com o caso dos autos'. Sintetizando a fundamentação do acórdão, escreveu-se:
'Para resumir, naquilo que os autos nos revelam de essencial, diremos que: a) a ora embargada, M. C. foi arrendatária dos referidos 2º e 3º andares do prédio supra identificado; b) pela mulher do aqui embargante (encontrava-se este, à data, emigrado na Venezuela, não tendo intervindo na acção, por razões que os autos não patenteiam) foi movida aquela acção de despejo, denunciando o contrato para habitação própria, acção que foi julgada procedente; c) por não ter procedido à efectiva ocupação da parte casa despejada, a aqui embargada intentou acção pedindo a restituição do arrendado nos termos do artº 1099º, do Código civil, o que lhe foi concedido. M. C. reassumiu, pois, a sua anterior qualidade de arrendatária da parte do prédio dos autos.
Nos termos do n.º2 do artº 1037º do aludido Código, 'o locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artºs
1276 e seguintes.
Ora é ponto que não suscita controvérsia que a embargada reassumiu a sua qualidade de arrendatária, pese embora a pendência destes embargos de terceiro. Assim sendo, temos por certo que estará votada ao insucesso, por inviável, qualquer pretensão possessória por parte do recorrente, visto que a embargada pode, sempre, opor-lhe, com eficácia, aquela sua qualidade de arrendatária.'
A decisão de 1ª instância foi, assim, confirmada, mas por fundamentos diversos.
Notificado desta decisão, o recorrente veio pedir a sua aclaração, que foi indeferida por acórdão de 12 de Fevereiro de 1998. O fundamento da aclaração foi o de que 'a recorrida fora reconhecida naquela acção de reocupação como locatária e, em consequência, sempre poderá opor aquela qualidade a qualquer pretensão possessória do recorrente', enquanto que o embargante pretende pôr em causa o facto de a embargada recorrida ter obtido na referida acção de reocupação o reconhecimento da qualidade de arrendatária sem que o recorrente tivesse sido demandado. O pedido de aclaração foi indeferido por se ter entendido que a procedência da acção de reocupação fez renascer o contrato de arrendamento na esfera patrimonial da embargada, com os mesmos limites e conteúdo económico.
Após o indeferimento do pedido de aclaração, o recorrente veio arguir a nulidade do respectivo acórdão por 'manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão'. De facto, o acórdão entende que à recorrida e embargada foi reconhecida na acção de reocupação, já transitada, a qualidade de locatária, a qual sempre poderia opor a qualquer pretensão possessória do recorrente; pelo seu lado o embargante entende que o caso julgado da sentença proferida na acção de reocupação não lhe é oponível, uma vez que nessa acção existia, em relação a ele, embargante, e sua mulher, litisconsórcio necessário.
A arguição de nulidade foi desatendida por acórdão de 2 de Abril de 1998.
O embargante veio então interpor recurso para o STJ com fundamento em violação de caso julgado: entende o recorrente que o acórdão recorrido viola o caso julgado constituído pelo acórdão da Relação, de 17 de Maio de 1994, que estava em execução pela recorrida e onde se suscitaram os presentes embargos de terceiro.
O STJ, no acórdão que confirmou o despacho do relator no sentido do não conhecimento do recurso, voltou a reafirmar o entendimento de que apenas se não conheceu do recurso 'por intempestividade do mesmo, visto a reclamante ter arguido a nulidade da decisão quando dela devia recorrer e simultaneamente arguir a nulidade, sendo a atitude tomada incompatível com a faculdade de recurso'.
É este entendimento da decisão que, de acordo com o recorrente, viola os artigos 2º e 20º da Constituição.
6. – O artigo 2º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio do Estado de direito democrático que, no entender de Gomes Canotilho e Vital Moreira (in 'Constituição da República Portuguesa Anotada', 3ª edição revista, pág. 63) 'mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional que densificam a ideia da sujeição do poder a princípios e regras jurídicos, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança.'
Refere o recorrente que a interpretação dada ao n.º3 do artigo 681º do CPC, enquanto considera que a arguição de nulidades da sentença perante o tribunal que a proferiu constitui um facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer, viola o artigo 2º da Constituição.
O recorrente invoca também que aquela interpretação da norma questionada viola o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela judicial efectiva, consagrado no artigo 20º da Constituição.
O artigo 20º da Constituição assegura o acesso ao direito e aos tribunais – acesso que não pode ser negado por razões económicas -
, incluindo-se neste direito o de que o processo seja julgado mediante processo equitativo e que a decisão seja proferida num prazo razoável, assim se realizando a tutela judicial efectiva.
Quanto ao artigo 2º, embora o recorrente não o refira expressamente, a violação só pode reportar-se ao princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito.
Com efeito, o recurso que o recorrente viu recusado é um recurso com fundamento na violação de caso julgado e esse tipo de recurso é sempre admissível independentemente de qual seja o valor da causa (artigo 678º, n.º2, do CPC), valor este que, no caso, não admitia recurso ordinário para o STJ.
O princípio da protecção da confiança exige um mínimo de previsibilidade das pessoas em relação aos actos do poder, de forma que o cidadão possa ver garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus actos. Assim, um indivíduo tem o direito de poder confiar que as decisões sobre os seus direitos ou relações jurídicas tenham os efeitos previstos nas normas que os regulam.
No caso em apreço, tal princípio não foi violado: de facto, o recorrente teria visto o recurso que interpôs ser admitido se, em vez de deduzir, após o pedido de aclaração do acórdão, uma arguição de nulidade junto do tribunal que proferiu o acórdão, tivesse logo interposto recurso com fundamento na violação de caso julgado e, aí, tivesse alegado a questão que suscitou na arguição de nulidade.
De facto, como se refere no acórdão do STJ, 'só não se conheceu do objecto [do recurso] por intempestividade do mesmo, visto a reclamante ter arguido a nulidade da decisão quando dela devia recorrer e simultaneamente arguir a nulidade, sendo a atitude tomada incompatível com a faculdade do recurso'.
Sobre isto, importa referir que a norma do nº 3 do artigo 668º do Código de Processo Civil introduziu uma modificação relevante no regime que a este respeito se encontrava consagrado no direito processual comum antes de 1961. O alcance da inovação residiu precisamente em afastar a disciplina anterior que tornava o conhecimento das nulidades da sentença dependente da arguição directa no tribunal que a proferira. Conforme se explica no preâmbulo do Decreto-Lei nº 44 129, de 28 de Dezembro de 1961 (ponto 17), a arguição directa servia a cada passo como um fácil meio dilatório e, quando tivesse um fundamento sério, não seria o facto de ser desatendida que impediria normalmente a interposição do recurso. Foi por essa razão, que o recorrente não deveria desconhecer, que o legislador estabeleceu que 'salvo o que especialmente fica disposto para a falta de assinatura do juiz, a nulidade só poderá ser arguida no tribunal que proferiu a sentença no caso de esta não admitir recurso ordinário; de contrário, a nulidade tem de ser invocada em via de recurso'
(ibidem).
Por sua vez, por aplicação do disposto no nº 3 do artigo
678º do CPC, a ofensa de caso julgado constitui fundamento de recurso, que não pode deixar de ser recurso ordinário. Assim sendo, a arguição 'directa' de nulidades perante a Relação consumiu o prazo de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, cuja interposição se tornou intempestiva. Mas também pôde ser legitimamente interpretada como incompatível com a faculdade de recorrer, ao abrigo do nº 3 do artigo 681º. Com efeito, pode retirar-se desta disposição que, no caso de recurso ordinário, por violação de caso julgado, a introdução de um requerimento de arguição de nulidades, precisamente porque as nulidades poderiam e deveriam ser invocadas nesse recurso, ipso facto vale por vontade de não recorrer.
Mas a esta luz, logo se antevê que não tem qualquer base a alegação de que a interpretação dada ao nº 3 do artigo 681º do Código de Processo Civil teria violado o artigo 2º da Constituição, violação essa em termos que o recorrente não concretiza, mas que poderá admitir-se como fundada na frustação de possíveis expectativas no conhecimento do recurso por ele interposto para o STJ. Expectativas dessa natureza, no entanto, não seriam nunca sérias nem atendíveis porque em boa verdade nem sequer se formaram, tendo sido logo à partida postas de lado pela opção tomada não por imposição legal mas por exclusiva vontade do recorrente, de arguir nulidades.
Não pode, assim, considerar-se violado o princípio da protecção da confiança porquanto o recorrente não tinha expectativas sérias quanto à admissibilidade do recurso interposto nos termos em que o foi, tanto mais que a questão que constituía o objecto da arguição de nulidade era a mesma que veio a fundamentar o recurso invocando a violação do caso julgado.
Na verdade, quer a alegação que fundamentou o pedido de aclaração, quer a que fundamentou a arguição de nulidades assentam no entendimento do recorrente de que, na decisão que determinou a reocupação da casa pela embargada, havia em relação ao embargante e sua mulher litisconsórcio necessário, pelo que tal sentença não podia constituir caso julgado quanto ao embargante.
Ora, tal matéria constituía fundamento do recurso baseado na ofensa de julgado, não podendo falar-se de violação do princípio da confiança quando o recorrente sabia que podia arguir tal nulidade no recurso por ofensa de caso julgado, o qual, em princípio, seria sempre admitido, independentemente do valor da causa.
Do mesmo passo, não colhe a alegação de uma possível violação do direito de acesso aos tribunais, designadamente com a finalidade de obter uma decisão em via de recurso sobre a questão controvertida em juízo. O não conhecimento do recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça resultou, novamente se diga, não de uma imposição legal, mas apenas das opções tomadas pelo recorrente na condução da lide, sendo certo que não foi a lei processual, no caso o nº 3 do artigo 681º, que impediu a escolha pelo interessado da via, que inicialmente lhe estava aberta, de interpor recurso para obtenção de uma decisão de fundo a tomar pela última instância da ordem jurisdicional comum.
Assim, tem de improceder o presente recurso de constitucionalidade.
III – DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma do n.º3 do artigo 681º, do Código de Processo Civil assim negando provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 UC’s.
Lisboa, 20 de Junho de 2000 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa