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Processo n.º 465/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 342/2012:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, em 19 de junho de 2012 (fls. 31), ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 05 de junho de 2012 (fls. 16), para que seja apreciada a constitucionalidade “do artigo 405º, do CPP, quando interpretado no sentido de que a reclamação aí constante só poderá incidir sobre o despacho do tribunal a quo que não admita ou retenha o recurso, violando assim o disposto no artigo 32º, nº 1 da CRP”” (fls. 32 e 33).
Posto isto, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. O recurso foi admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido em 21 de junho de 2012 (cfr. fls. 35). Porém, por força do n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que deve começar-se por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. O próprio recorrente começa por admitir não ter suscitado a questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver agora apreciada, ainda que alegue que a aplicação da mesma “era imprevisível e inesperad[a] a interpretação dada pela Relação do Porto [sic]” (§ 3, a fls. 31). Abstraindo-nos da referência ao Tribunal da Relação do Porto – que só, por mero lapso de escrita se compreende, na medida em que a decisão recorrida foi proferida pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça –, importa então verificar se a interpretação extraída do artigo 405º do Código de Processo Penal (CPP) se afigura insólita e surpreendente, para só então apreciar se o recorrente se encontrava dispensado do ónus de prévia suscitação da referida questão de inconstitucionalidade que sobre si recai, por força do artigo 72º, n.º 2, da LTC.
Ora, em boa verdade, é o próprio recorrente quem demonstra à evidência que aquela interpretação não se afigura, em momento algum, como surpreendente ou insólita. Vejamos o requerimento de interposição de recurso:
«4 – Sempre foi, ou entendia ser, por parte do recorrente, pacífico, que sempre que um recurso deve[ss]e ser rejeitado o mesmo deveria ser julgado em conferência (cfr. al) a) do n.º 4 do art.º 419.º do C.P. Penal).»
E, aliás, ciente de que uma decisão sumária do Relator junto do tribunal de recurso só poderia ser impugnada perante a respetiva conferência, o próprio recorrente deduziu reclamação nos autos recorridos, para aquela conferência, em 10 de maio de 2012 (fls. 1680), ao abrigo do n.º 8 do artigo 417º do CPP. Curiosamente, só após ter sido notificado de acórdão da referida conferência, proferido em 16 de maio de 2012 (fls. 1681 e 1682), que indeferiu tal reclamação, entendeu o recorrente voltar a reclamar para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da mesma e exata decisão sumária que já havia sido confirmada pela conferência, desta feita ao abrigo do artigo 405º do CPP.
Daqui decorre que a conduta processual mantida pelo recorrente nos autos recorridos demonstra que aquele estava bem ciente de que as decisões sumárias de rejeição de recursos, proferidas por Relator junto do tribunal que aprecia o recurso, devem ser objeto de reclamação para a conferência, nos termos do artigo 417º, n.º 8, do CPP, e não para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 405º do CPP. Aliás, essa é a prática habitual, sufragada pela jurisprudência constante e unânime dos tribunais superiores, como aliás já notado pelo Acórdão n.º 70/2011, proferido, em conferência pela 3ª Secção do Tribunal Constitucional.
Assim sendo, não pode considerar-se que a interpretação normativa aplicada pelo despacho recorrido seja configurável como “surpreendente ou insólita.
Como tal, deveria o recorrente ter suscitado a inconstitucionalidade normativa que pretende ver agora apreciada pelo Tribunal Constitucional, no momento em que deduziu reclamação perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Não o tendo feito, quando a tal estava legalmente obrigado (artigo 72º, n.º 2, da LTC), mais não resta do que concluir pela impossibilidade de conhecimento do objeto do presente recurso.
III – DECISÃO
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Inconformado com esta decisão, o recorrente reclamou nestes precisos e exatos termos:
«A., tendo sido notificado da decisão sumária do recurso por si interposto vem mui respeitosamente reclamar da mesma para conferência ao abrigo do disposto do nº 3 do artº 78-A da LTC.» (fls. 68)
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos.
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 342/2012, não se conheceu do objeto do recurso porque tendo o recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 da LTC, o recorrente não cumprira o ónus da suscitação prévia, não estando dele dispensado.
2.º
Que o recorrente não suscitou durante o processo a questão da inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciada, ele próprio o reconhece.
3.º
Ora, considerar que apenas é admissível reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 405.º, do CPP, da decisão que, na Relação, não admita ou retenha o recurso, resulta expressa e inequivocamente da lei (art.º 405.º do CPP), sendo óbvio que tal interpretação nada teve de surpreendente, objetiva e subjetivamente, como bem se demonstra na douta Decisão Sumária.
4.º
Aliás, o recorrente, ao reclamar para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão proferido em conferência que indeferiu a reclamação da decisão sumária do Senhor Conselheiro Relator que, naquele Supremo Tribunal, rejeitara o recurso, está a pretender utilizar um meio processual anómalo e inexistente no nosso ordenamento processual.
5.º
Acresce que o recorrente se limitou a reclamar para a conferência da douta Decisão Sumária proferida nos autos, não impugnando os seus fundamentos.
6.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
4. A recorrida B. (na qualidade de representante legal da menor C.) deixou esgotar o prazo de resposta, sem que viesse aos autos apresentar qualquer requerimento.
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Reitera-se integralmente o teor da decisão reclamada, na medida em que a interpretação normativa aplicada não se reveste de qualquer natureza surpreendente. Pelo contrário, é por demais evidente – por força dos artigos 405º e 417º, n.º 8, ambos do CPP – que a reclamação de decisão de não admissão de recursos ordinários, proferida pelo Relator, em processo penal, deve ser feita perante a conferência e não perante o presidente do tribunal superior. Portanto, o recorrente não ficou dispensado do ónus de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade que lhe era imposta pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC.
III – Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Fixam-se as custas devidas pelo recorrente em 15 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 22 de agosto de 2012 – Ana Guerra Martins – Maria Lúcia Amaral – Rui Manuel Moura Ramos.