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Processo n.º 952/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A., e outros, e é recorrida B., foi interposto recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Pela Decisão Sumária n.º 588/2013 foi decidido, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso, com a seguinte fundamentação:
“5. A descrição da tramitação processual acima sintetizada evidencia a intempestividade do presente recurso.
Nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LTC, é de 10 dias o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Dispõe ainda o n.º 2 daquele artigo que no caso de não ser admitido o recurso ordinário com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional se conta do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite o recurso.
Ora, no caso dos autos, a decisão de que o recorrente pretende recorrer é a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães que julgou improcedente a exceção (invocada pelo réu) da impossibilidade de arguição da nulidade do contrato pela autora.
Esta decisão teve lugar no acórdão proferido em 24 de janeiro de 2012. Interposto recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça viria este a ser admitido apenas relativamente à impugnação da decisão proferida em sentença e objeto de recurso para a Relação, e não também das questões impugnadas proferidas em despachos anteriores à prolação da sentença. O despacho que não admitiu parte do recurso foi proferido em 31 de maio de 2012, no Tribunal da Relação de Guimarães, e transitou em julgado.
Se o réu pretendia interpor recurso para o Tribunal Constitucional de algum segmento normativo da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães relativamente ao qual não foi admitido o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, deveria, pois, tê-lo feito naquela ocasião, apresentando-o no prazo de dez dias a contar do momento em que se tornou definitiva a decisão que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 75.º, n.º 2 da LTC). Foi, com efeito, naquela ocasião, que se esgotaram as vias de recurso ordinário daquele segmento da decisão, abrindo-se o acesso à fiscalização concreta do Tribunal Constitucional (artigo 70.º, n.º 2 da LTC), desde que verificados os respetivos pressupostos.
O recurso entretanto interposto para o Supremo Tribunal de Justiça não teve o efeito de adiar o trânsito em julgado da decisão respeitante à exceção invocada pelo réu. Não existia qualquer dependência do que viesse a ser decidido a final, na apreciação daquela questão. Pelo contrário, a decisão da exceção é que poderia condicionar o resultado final dos autos. De resto, a tempestiva interposição do recurso de constitucionalidade da decisão que incidiu sobre a matéria não implicaria qualquer efeito inibitório no direito de oportuna interposição de recurso ordinário da decisão final. Ao prever a interrupção dos prazos para a interposição de outros recursos que caibam da decisão com a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o n.º 1 do artigo 75.º da LTC estabelece uma relação de preferência entre o recurso de constitucionalidade e os demais meios impugnatórios ordinários.
Em face do exposto, por intempestivamente interposto, não se admite o recurso.”
3. Daquela decisão sumária vêm agora os recorrentes reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC. Apresentam os seguintes fundamentos:
Os recorrentes/reclamantes interpuseram recurso ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
Prevê o nº 2 daquela norma que os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior, cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever, ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência.
E prevê o nº 4 da mesma que se entende estarem esgotados todos os recursos ordinários nos termos do nº 2, quando tenha havido renuncia, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou recursos interpostos que não possam ter seguimento por razões de ordem processual.
E prevê, por fim, o nº 6, que se a decisão admitir recurso ordinário, a não interposição de recurso para o TC, não faz precludir o direito de interpô-lo de ulterior decisão que confirme a primeira. (…)
Os mencionados preceitos do artigo 70º da LTC, referem-se a decisões e não a segmentos de decisões.
Não há duvida de que durante o processo os recorrentes levantaram a questão de inconstitucionalidade que ora trouxeram ao TC.
A decisão, uma e única, da Relação de Guimarães, tanto era passível de recurso ordinário para o STJ, que a revista foi admitida, embora julgada improcedente.
O entendimento do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, quanto à questão da inconstitucionalidade, como decorre da conclusão 11 da revista, foi arguido de materialmente inconstitucional por violação do disposto no artigo 96º da Constituição da Republica Portuguesa, e indiretamente das alienas a), b), c) e d), do nº 1 do artigo 93º da CRP, a interpretação das disposições conjugadas dos artigos 35º, nº 5 e 3º, nºs 1, 3 e 4 do decreto-lei 385/88, de 25/10, quando interpretados no sentido em que o despacho recorrido os defende, como se alegou supra em B), 2ª parte.
O despacho da Relação de Guimarães que admitiu a revista, é do seguinte teor: “admite-se o recurso de revista na parte em que julgou a apelação interposta pelo A. procedente.
No referente às mais decisões de recurso, referentes às decisões interlocutórias, elencadas no despacho de 26/04/2012, não se admite o recurso de revista por inadmissibilidade legal - artigo 721/5 do CPC.
É que para além de se tratar de decisões interlocutórias, são decisões confirmadas por este Tribunal.
Quais são essas decisões interlocutórias?
O despacho de 26/04/2012, é do seguinte teor: nas contra alegações foi apresentada como questão previa a inadmissibilidade do recurso pelo recorrente no que concerne às seguintes decisões de que recorreu:
- do despacho saneador quanto ao conhecimento da arguida impossibilidade de invocação da nulidade contratual por parte da recorrida;
- do despacho proferido no decorrer da 1ª sessão do julgamento …que indeferiu o aditamento da matéria de facto do artigo 39 da contestação à matéria de facto assente.
- da não consideração na sentença daquela mesmo facto do artigo 39 da contestação.
Ora atendendo ao disposto no artigo 721º, nº 1 e nº 5 do CPC será de entender que as enunciadas decisões estão excluídas do âmbito da revista.
Antes porém da decisão a proferir sobre esta questão, e em obediência ao disposto no artigo 703º, nº 3 do CPC aplicável por força do preceituado no artigo 726º do mesmo diploma legal notifique o reu/recorrente para no prazo de 10 dias se pronunciar, querendo sobre a invocada inadmissibilidade do recurso.
Ora, no que para a presente reclamação interessa,
Apenas o que neste despacho ao despacho saneador respeita.
E a questão da inconstitucionalidade apenas foi suscitada nas alegações para a Relação. (…)
Destas conclusões, importa extrair a que se referia o despacho de 26/04/2012, quando consignou - do despacho saneador quanto ao conhecimento da arguida impossibilidade de invocação da nulidade contratual por parte da recorrida.
Das mesmas resulta que quanto à questão da inconstitucionalidade, o que estava em causa no recurso, conclusão 16ª, já não era a apreciação da inconstitucionalidade invocada do ponto de vista material, essa esgrimida no recurso anterior, antes, a nulidade por omissão de pronuncia, ex vi, artigo 668º/1, al. d) do CPC.
Por outro lado,
Nas alegações de revista e nas conclusões está invocada a ilegalidade e inconstitucionalidade material da interpretação dos artigos 35º/5 e 3º, nº 1, 3 e 4 do DL 385/88, de 25/10, no sentido de que qualquer das partes no contrato possa invocar a nulidade do mesmo sem previamente interpelar a contraparte para a redução a escrito.
E essa questão apenas foi decidida (aliás, não conhecida), no acórdão da Relação e nunca no saneador.
Assim sendo, o despacho de 26/04/2012, quando se refere ao despacho saneador, e quanto ao conhecimento da impossibilidade de invocação da nulidade contratual por parte da recorrida, nem sequer se estava a referir à inconstitucionalidade arguida, mas apenas à ilegalidade.
Invocou-se que o texto da lei não permitia aquela interpretação,
E só no recurso para a Relação, que aquela interpretação era desconforme à constituição.
Como se escreveu no acórdão do STJ, o recurso do R. para o STJ foi admitido apenas relativamente à impugnação da decisão proferida em sentença e objeto de recurso para a Relação e não também das questões impugnadas proferidas em despachos anteriores à prolação da sentença.
Ou seja, o despacho saneador não podia ser atacado por via do recurso de revista.
Ora, o despacho saneador de fls., em momento algum conheceu da inconstitucionalidade daqueles preceitos.
Mais, na contestação nem sequer foi invocada a inconstitucionalidade, o que só ocorreu no recurso para o Tribunal da Relação.
Porém,
No recurso para a Relação essa questão foi levantada.
E manifestamente o despacho de 26/04/2012, não excluiu, nem podia excluir, a questão da inconstitucionalidade.
Portanto, as decisões interlocutórias não se confundem com a matéria que decidiu e não decidiu o acórdão da Relação.
Assim sendo, como parece ser, não estarão os requerente impedidos de sindicar a bondade material em sede de constitucionalidade, da decisão da Relação, porquanto o despacho que não admitiu parte do recurso não versava sobre esta decisão.
Salvo devido respeito, parece-nos que a douta decisão reclamada labora precisamente no equivoco de que no despacho saneador já fora conhecida a questão da invocada inconstitucionalidade,
Quando na verdade esta apenas foi invocada no recurso para a Relação.
A PARTE DO RECURSO QUE NÃO FOI ADMITIDA, LIMITAVA-SE AO QUE CONSTAVA DO DESPACHO SANEADOR, ONDE SE INDEFERIU A ARGUIDA IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO DA NULIDADE CONTRATUAL, MAS NÃO SE DISCUTIA AINDA A INCONSTITUCIONALIDADE, POSTERIORMENTE INVOCADA EM SEDE DE ALEGAÇÕES PARA A RELAÇÃO, MORMENTE EM SEDE DE RECURSO SUBORDINADO.
Se esta questão foi objeto da revista e o despacho de não admissão se limitou às questões do despacho saneador, é manifesto que não ocorre a limitação que a douta decisão sumária descortinou.
Assim, o recurso é tempestivo.
Mais, o que se diz nas alegações para a Relação, é que a interpretação feita dos preceitos dos artigos 35º e 3º na sentença é materialmente inconstitucional.
O acórdão do STJ refere-se às decisões não passiveis de recurso, como aquelas que foram interlocutórias e confirmadas pela Relação.
Ora, quanto à invocada inconstitucionalidade, a Relação conheceu ab initio.
E o certo é que, também equivocando-se, salvo o devido respeito, nem sequer conheceu dessa matéria, incorrendo no mesmo erro de tomar a parte pelo todo e confundir a decisão do despacho saneador como versando sobre a inconstitucionalidade.
Neste contexto, deve a presente reclamação ser admitida, revogada a decisão sumária que indeferiu o recebimento do recurso por intempestivo e ordenar-se o prosseguimento dos autos, como for de lei.
4. Notificada para responder à reclamação, a recorrida veio prescindir do prazo de que dispunha para o efeito.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, com fundamento na sua intempestividade, considerando-se que a decisão recorrida era o acórdão do Tribunal da Relação.
Os reclamantes sustentam, no essencial, que os recursos previstos no artigo 70.º da LTC se referem a decisões e não a segmentos de decisões e que a decisão da Relação de Guimarães é «uma e única» e «passível de recurso ordinário para o STJ», tanto que «a revista foi admitida, embora julgada improcedente». Pretendendo que a questão de inconstitucionalidade «foi objeto da revista e o despacho de não admissão se limitou às questões do despacho saneador» concluem ser «manifesto que não ocorre a limitação que a douta decisão sumária descortinou», sendo o recurso tempestivo.
A questão de constitucionalidade que os recorrentes pretendem ver apreciada reconduz-se à improcedência da excepção, invocada pelo réu, traduzida na impossibilidade de arguição da nulidade do contrato pela autora. Esta questão foi efectivamente objecto de apreciação no acórdão do Tribunal da Relação. Todavia, o recurso que viria a ser interposto daquela decisão para o Supremo Tribunal de Justiça foi admitido apenas na parte relativa à impugnação da decisão, proferida em sentença e objecto de recurso para a Relação e não também relativamente às questões impugnadas, proferidas em despachos anteriores à prolação da sentença. Esta não admissão de parte do recurso teve como consequência a exclusão da questão de constitucionalidade do respectivo objecto de conhecimento (v. fls. 511). E sendo assim, como se refere na decisão reclamada, «se o réu pretendia interpor recurso para o Tribunal Constitucional de algum segmento normativo da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães relativamente ao qual não foi admitido o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, deveria, pois, tê-lo feito naquela ocasião, apresentando-o no prazo de dez dias a contar do momento em que se tornou definitiva a decisão que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 75.º, n.º 2 da LTC). Foi, com efeito, naquela ocasião, que se esgotaram as vias de recurso ordinário daquele segmento da decisão, abrindo-se o acesso à fiscalização concreta do Tribunal Constitucional (artigo 70.º, n.º 2 da LTC), desde que verificados os respetivos pressupostos».
Em face de tudo o que ficou dito impõe-se manter a decisão de não conhecimento do recurso.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.