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Processo nº 679/99
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. F..., notificado do acórdão nº 230/2000, a fls. 125 e seguintes dos autos, veio, 'nos termos do artigo 669º, nº 1 alínea b) e nº 2 alíneas a) e b), comjugado com o artigo 716º, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 69º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro ' apresentar
'REQUERIMENTO DE REFORMA DO ACÓRDÃO', em que se expraia em longas considerações e tira as seguintes conclusões:
'a) O douto Acórdão nº 230/2000 é baseado em um único fundamento: a aplicação da norma constante do artº 43º, nº 3 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção do artigo 1º da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro. b) Não estão reunidos os pressupostos para a aplicação da referida norma, uma vez que se deve dar como provado o facto de o RECORRENTE se encontrar definitivamente condenado a pena de prisão. c) O RECORRENTE faz juz ao apoio judiciário e tal circunstância se encontra documentada nos autos, não tendo, salvo melhor entendimento, sido contemplada pelo Tribunal. d) De facto, com a devida deferência, houve erro e desaplicação da lei que urge corrigir. e) O «dies a quo» do prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (no caso dos autos) conta-se a partir do «dies ad quem» do prazo de recurso ordinário da decisão que se impugna, e não da notificação desta ao interessado, por estrita impossibilidade lógica, como detalhadamente se demonstrou. f) Qualquer que seja a interpretação do artigo 104º, nº 2 do Código de Processo Penal, no caso dos autos chegar-se-á sempre à conclusão de que os prazos processuais correm em férias «salvo quando tal possa redundar em prejuízo da defesa», em virtude do adstringente princípio da legalidade e da aplicação no tempo da lei mais favorável ao arguido'. Acrescenta ainda o recorrente o seguinte PEDIDO:
'Nestes termos e em face do anteriormente exposto, e atenta a natureza do recurso a que se referem os autos, em matéria de direitos fundamentais, o RECORRENTE requer muito respeitosamente a V. Exas. se dignem ordenar todo o processamento subsequente, com vista a cada um dos Meretíssimos Juízes Conselheiros, e deferir o presente requerimento, com todas as consequências legais, reformando-se e corrigindo-se o douto Acórdão nº 230/2000 em conformidade, designadamente a prática dos seguintes actos:
1º - Notificação dos recorridos para responderem ao presente requerimento, devendo tal diligência ser efectuada pela secretaria, independentemente de despacho, nos termos do artigo 670º, nº 1 do Código de Processo Civil.
2º- Concessão de prazo de vista por cinco dias a cada um dos Meritíssimos Juízes Conselheiros, nos termos do artigo 716º, nº 2 do Código de Processo Civil, em consideração de se tratar de recurso inédito e de difícil apreciação, em sensível matéria de direitos fundamentais, e da complexa e altamente controversa aplicação das normas processuais em crise no caso dos autos, tanto no que se refere à sua interpretação, como também (no caso do artigo 104º, nº 2 do CPP) à sua constitucionalidade.
3º- Reforma da decisão de não tomar conhecimento do recurso por intempestividade, com único fundamento na regra constante do artº 43º, nº 3 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção do artigo 1º da Lei nº 13-A/98, de
26 de Fevereiro, cuja aplicação, com a devida vénia, resultou de manifesto lapso na determinação do direito aplicável.
4º-Reforma da decisão de condenar o RECORRENTE ao pagamento de taxa de justiça fixada em 06 (seis) unidades de conta, no sentido da isenção ou, subsidiariamente, se assim não se entender, redução da taxa de justiça fixada em razão da insuficiência económica do RECORRENTE, que faz juz ao apoio judiciário.
5º- Julgar improcedente a questão prévia aduzida pelo MINISTÉRIO PÙBLICO, prosseguindo-se o conhecimento do presente recurso até final, que se espera merecer provimento.'
2. Em resposta, veio o Ministério Público – e só ele – sustentar que 'deverá julgar-se improcedente o pedido de reforma deduzido nos autos', aduzindo a seguinte sumula:
'-é inquestionavelmente 'urgente' um processo em que se controverte a aplicação ao arguido preso de determinado perdão da pena de prisão em que havia sido condenado, por o decidido ter directa incidência no momento do termo do cumprimento da pena;
-devem ser praticados em férias – quer em processo penal, quer em processo civil, quer em processo constitucional – os actos em processos legalmente urgentes (apenas admitindo a Lei do Tribunal Constitucional a suspensão parcial, durante as férias, de prazos de alegações e respostas em processos atinentes a arguidos detidos ou presos);
-a norma que constava da parte final do nº 2 do artigo 104º do Código de Processo penal não outorgava ao defensor do arguido uma faculdade discricionária de praticar (ou não praticar) no decurso das férias judiciais actos em processos respeitantes a arguidos detidos ou presos, apenas lhe facultando a possibilidade de justificadamente obter do Tribunal uma 'prorrogação' de tal prazo, quando convencesse de que as concretas 'necessidades da defesa' eram incompatíveis com o decurso do prazo em férias – e sendo certo que este regime em nada beliscava o princípio constitucional das garantias de defesa.' ('Finalmente, não se compreende a perplexidade manifestada pelo arguido com a sua condenação em custas, parecendo não se ter na devida conta que o benefício do apoio judiciário não implica qualquer 'isenção' de custas, mas tão-somente a inexigibilidade de tal débito, nas condições definidas nas leis que regem o apoio judiciário.' – é como remata a resposta)
3. Cumpre decidir, sem vistos (nº 2 do artigo 716º, do Código de Processo Civil). Traduz-se em dois pedidos a pretensão largamente sustentada pelo recorrente; o a reforma do acórdão quanto à própria decisão, que estaria viciada por manifesto e inquestionável erro de julgamento (nº 2, a) e b), do artigo 669º). o a reforma do acórdão quanto a custas (nº 1, b), do mesmo artigo 669º).
4. Começando naturalmente pelo primeiro pedido, pode desde já adiantar-se, talqualmente entende o Ministério Público, que ele 'é manifestamente improcedente', pois, em rigor, só cabem nos poderes de alteração do decidido casos de activo erro de julgamento, quanto à resolução de questões de direito ou quanto à apreciação das provas, o que pressupõe o 'carácter evidente, patente e virtualmente incontrovertivel' de tal erro, mas não é esta a situação sub judicio (cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, págs. 444 e 445). Desde logo tem que afastar-se um pretenso erro quanto à apreciação das provas
(alínea b) do nº 2 do artigo 669º), pois não há esquecimento de qualquer elemento de prova que, só por si, implicasse decisão diversa da proferida no acórdão. Este debruçou-se apenas sobre a questão prévia suscitada nas contra-alegações do Ministério Público – a questão da 'tempestividade do recurso de fiscalização concreta interposto' - e ela é uma pura questão de direito, tendo só a ver com a determinação do regime aplicável à contagem do prazo de interposição do recurso de constitucionalidade. A sua decisão, todavia, não incorre em nenhum erro manifesto (alínea a) do mesmo nº 2), pois a aplicação feita ao acórdão recorrido da regra do artigo 43º, nº 3, da Lei nº 28/82, na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, tem a ver com o carácter urgente do presente processo e não estritamente com o teor puramente literal daquele nº 3: casos em que 'algum dos interessados esteja detido ou preso ainda que sem condenação definitiva'.
É que, talqualmente reflecte o Ministério Público, ainda que não esteja em causa nestes autos a decisão condenatória, há muito transitada em julgado, está, porém, em causa um despacho ou decisão do Mmº Juiz da 7ª Vara Criminal do Circulo de Lisboa, que condicionou a aplicação ao recorrente do perdão da pena de um ano de prisão em que fora condenado, ao abrigo da Lei nº 29/99, de 12 de Maio (chamada Lei da Amnistia), e isto naturalmente tem directa e imediata projecção na determinação da data em que o recorrente termina o cumprimento da pena. Sendo inquestionável que tal decisão tem esse efeito prático na possível libertação antecipada do recorrente, é também indubitável que ela não transitou em julgado e, portanto, não é definitiva.
É - como diz o Ministério Público - 'obviamente tarefa condenada ao insucesso a que se traduz em tentar o desqualificar como 'urgente' a tramitação de um processo de cuja resolução poderá depender, em última análise, a própria liberdade do arguido'. Portanto, e contrariamente ao que sustenta a recorrente, não se vê nenhum
'manifesto lapso' na determinação da norma aplicável ao caso, que era aquela dos nºs 3 e 4 do artigo 43º, em coerência com o regime do artigo 144º, nº 1, do Código de Processo Civil, de que se serviu o acórdão recorrido, sendo juridicamente indiferente que não se tenha nele considerado o facto de o recorrente 'estar definitivamente condenado a pena de prisão desde 13 de Junho de 1998 (em trânsito com julgado na mesma data)', pois relevante foi e é a circunstância de não ser definitiva a decisão sob apreciação, com, volta a repetir-se, directa e imediata projecção no cumprimento daquela pena. Assente este resultado, derivado do carácter urgente do processo, e concluindo-se que não há que reformar o decidido, por inexistir o tal 'manifesto lapso', nos termos que ficaram expostos, não há sequer que fazer apelo, como quer o recorrente, 'ao estatuído no artigo 104º, nº 2, do Código de Processo Penal' e discutir o seu sentido de aplicação, na medida em que neste aspecto não argui o recorrente nenhum erro, pretendendo discutir e apreciar 'o cerne da questão prévia suscitada neste recurso, consistente na interpretação e aplicação da norma do nº 2 do artigo 104 do Código de Processo Penal', enveredando por
'questões controversas de ordem processual', o que escapa ao âmbito do conhecimento de um pedido de reforma como é o pedido apresentado pelo recorrente
(doutro modo estar-se-ia a admitir a censura do acórdão recorrido, fora dos casos de 'manifesto lapso', o que é matéria própria de recurso e não de um tal pedido). Por consequência, nem mesmo é preciso chegar à conclusão a que chegou o Ministério Público de que 'a norma que constava a norma que constava da parte final do nº 2 do artigo 104º do Código de Processo penal não outorgava ao defensor do arguido uma faculdade discricionária de praticar (ou não praticar) no decurso das férias judiciais actos em processos respeitantes a arguidos detidos ou presos, apenas lhe facultando a possibilidade de justificadamente obter do Tribunal uma 'prorrogação' de tal prazo, quando convencesse de que as concretas 'necessidades da defesa' eram incompatíveis com o decurso do prazo em férias – e sendo certo que este regime em nada beliscava o princípio constitucional das garantias de defesa'. Com o que tem de improceder na totalidade o presente pedido de reforma, pois, ao contrário do que pretende fazer crer o recorrente, a 'decisão de não tomar conhecimento do recurso por intempestividade, com único fundamento na regra constante do artº 43º, nº 3 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção do artigo 1º da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro', não resultou 'de manifesto lapso na determinação do direito aplicável'.
5. Resta, por fim, o pedido de reforma do acórdão quanto a custas (nº 1, b), do artigo 669º, do Código de Processo Civil), derivado da 'desconsideração do apoio judiciário previamente concedido ao RECORRENTE', havendo, assim, também 'lapso na desconsideração de elementos de índole documental junto aos autos' (nº 2, b), do mesmo artigo 669º). Esquece, porém, o recorrente que ao apoio judiciário não corresponde o regime de isenção de custas, devendo estas ser fixadas, como foram no acórdão nº 230/2000, por ser ele parte vencida, mas a exigência eventual do seu pagamento, se entretanto não for retirado o apoio judiciário, passa pela aplicação do artigo
54º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro. O apoio judiciário envolve, portanto, uma simples dispensa de pagamento, de acordo com o regime daquele Decreto-Lei, complementado pelo Decreto-Lei nº 391/88, de 26 de Outubro, mas a fixação das custas, quando devidas, tem de constar da decisão. Foi o que se fez no acórdão nº 230/2000 e, por isso, não há que o reformar (nem há lugar a redução da taxa de justiça, dado o montante fixado, como pretende também o recorrente, e invocando 'insuficiência económica').
6. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se na totalidade o pedido de reforma e condena-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em dez unidades de conta Lisboa, 31 de Maio de 2000 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa