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Proc. nº 600/98
1ª Secção Relator: Cons. Vítor Nunes de Almeida
ACÓRDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. - O juiz desembargador J. L. requereu no Tribunal Administrativo de Círculo
(TAC) a suspensão da eficácia da deliberação do Conselho Superior da Magistratura que fixou determinada data para a realização das eleições dos vogais daquele Conselho referidos na alínea c) do nº 1 do artigo 137º da Lei nº
21/85, de 30 de Julho. O Tribunal de Círculo julgou-se incompetente para conhecer do pedido, e a Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA), em recurso jurisdicional, manteve o Acórdão recorrido, após o que o recorrente interpôs recurso dessa decisão, desta vez para o Tribunal Constitucional.
2. - Neste Tribunal, o relator em decisão sumária de 29 de Julho de 1998 negou provimento ao recurso. Em reclamação para a conferência foi emitido o Acórdão nº
718/98, de 16 de Dezembro de 1998, que confirmou a referida decisão anterior. Notificado deste Acórdão, o reclamante veio arguir a respectiva nulidade por omissão de pronúncia e simultaneamente formular o pedido de apoio judiciário com dispensa total do pagamento de custas.
3. - Resolvido este incidente, há agora que apreciar a arguição de nulidades do Acórdão nº718/98. Diz o reclamante o seguinte, nas conclusões nesta parte relevantes do requerimento que trouxe aos autos:
i. O Acórdão de 16.12.98, tirado sobre reclamação para a conferência da decisão sumária ao abrigo do art.º 78º-A da LTC de 29.7.98, não conheceu das seguintes causas de pedir, oportunamente invocadas, e susceptíveis de levar à procedência do recurso:
· falta de preparação especializada da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça;
· violação do princípio da igualdade, na sequência da referida falta de preparação especializada;
· carência de independência estrutural dos membros da secção ad hoc.
i. todas a relevar perante a situação que se considerou e considera inédita, qual seja, a de a lei, justamente invocada de inconstitucional – art.º 168.º n.ºs 1 e 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho – atribuir a resolução de litígios, (suscitados por um juiz administrado contra o
órgão de disciplina Conselho Superior da Magistratura) a um órgão composto por membros recrutados de diversos órgãos jurisdicionais, sendo certo que o órgão compositor de litígios se configura como eventual já que especificamente dirigido à resolução daqueles litígios.
ii. O que levanta a seguinte questão: estamos perante um tribunal, no sentido determinado pela Constituição, quando os juízes deste
(secção ad hoc) são nomeados e designados pelo réu (C.S.M.), destinando-se o tribunal a julgar só os litígios suscitados contra o réu por um grupo específico de cidadãos ?
iii. A composição da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça só porque nomeada pelo Conselho Superior da Magistratura e designada pelo seu presidente não propicia a isenção teoricamente advogada pela Constituição aos tribunais.
iv. Sendo certo que a dependência de gestão e disciplinar dos membros da referida secção, face ao Conselho Superior da Magistratura, redunda em carência de independência para uma das partes do litígio,
v. sendo um dado a levar em conta a independência dos juízes perante a sua própria classe, dado que o saudoso Professor Castro Mendes tinha como adquirido.
vi. Verifica-se a omissão de pronúncia resultante de o Acórdão questionado não apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir supra referidas.
vii. A circunstância de o Conselho Superior da Magistratura nomear e designar (através do seu presidente) os juízes que julgam os seus actos, quando em posição passiva de litígio com os juízes, viola a Constituição, pelo que o disposto nos art.ºs 168º, nºs 1 e 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, é inconstitucional, configurando-se os seguintes vícios:
· viola o acesso a tribunal especializado no julgamento dos litígios que se suscitam nas relações jurídicas administrativas, consagrado pelos art.ºs 20º, nº 1, 212º, nº 3, e 264º, nº 4, da Constituição (versão de 1997);
· viola o princípio da igualdade garantido pelo art.º 13º da Constituição;
· viola o princípio ínsito no art.º 203º da Constituição, e o disposto no art.º 20º, nº 1, da mesma Lei Fundamental.
i. O conhecimento jurisdicional das causas de pedir referidas levará ao provimento do recurso, pelo que deve a nulidade resultante da omissão de pronúncia ser suprida.' Termina pedindo que seja declarada a nulidade de sentença resultante de omissão de pronúncia e que seja a nulidade referida suprida pela declaração de inconstitucionalidade da norma constante do art.º 168º, nºs 1 e 2, da Lei nº
21/85, de 30 de Julho.
4. - Dado que o relator entendeu que se verificavam os pressupostos referidos no nº 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, designadamente por as questões de constitucionalidade já terem sido objecto de decisão anterior, não houve lugar a alegações. O requerimento de interposição do recurso constitui assim o ponto de partida para apurar do objecto do recurso e da respectiva causa de pedir, verificando-se que efectivamente foi questionada a constitucionalidade das normas constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 168º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, para além de outras que não são convocadas na presente arguição de nulidades. A essas normas imputou o requerente, na interposição do recurso, o vício de violarem, na parte em que conferem competência contenciosa ao Supremo Tribunal de Justiça na matéria, os artigos 13º, 20º, nº 1, 211º, nº 1, 212º, nº 3, e
110º, nº 2, da Constituição. Na parte em que pressupõem a caracterização da secção para o efeito constituída no STJ como órgão jurisdicional, violariam elas o princípio contido no artigo 203º da Constituição conjugado com o disposto nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nºs 4 e 5, da Lei Fundamental. A decisão sumária, como foi referido, foi confirmada pelo Acórdão nº 718/98 e nela foram analisadas questões cuja reapreciação agora se repropõe sob veste diferente. Na parte que neste momento releva, disse-se no Acórdão citado o seguinte:
«2. - Na referida Decisão Sumária entendeu-se que sobre todas as questões suscitadas já o Tribunal Constitucional se pronunciara no sentido da não inconstitucionalidade das normas cuja conformidade à Constituição fora posta em causa.
Assim, quanto às normas que na matéria conferem competência contenciosa à secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, a Decisão fundou-se no entendimento consubstanciado no Acórdão deste Tribunal nº
347/97, que longamente transcreveu na parte relevante. Basicamente, entendeu-se aí que, o artigo 214º, nº 3, da Constituição (na versão em vigor, artigo 212º, nº 3), não implica necessariamente que todos os litígios emergentes de qualquer relação jurídica administrativa – e assim foi qualificada a relação em que se continha o objecto do recurso – devam ser dirimidos pelos tribunais administrativos, em relação aos quais a Constituição não teria pretendido criar uma reserva absoluta de competência.
Reconheceu-se também a natureza de órgão jurisdicional da Secção de contencioso do STJ.» Independentemente da configuração exacta da causa de pedir no contencioso da constitucionalidade, tema que não se abordará porque aqui assume relevância teórica, não pode deixar de se sublinhar que está em causa um julgamento em matéria não de facto mas de direito e que «o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador» conforme referem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, pag. 288. Esta consideração desde logo afasta a admissibilidade das razões ou argumentos que o reclamante arrola no ponto i do requerimento de interposição. Mas do mesmo passo significa que «as razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador», no caso, as razões pelas quais o julgador não considerou inconstitucionais as normas atacadas, no sentido que nelas vai implícito, consomem as razões aduzidas pelo sujeito processual que defendeu posição contrária. Consomem-nas na medida em que não as julgam capazes de demover ou infirmar a posição adoptada a final, sem necessidade de expressamente referirem cada uma delas e sem que essa não referência signifique omissão de pronúncia. Assim, quanto à questão da atribuição de competência contenciosa à secção para o efeito constituída no STJ, a longa transcrição do Acórdão nº 347/97, que se fez na decisão sumária, concentra-se na apreciação da conformidade do regime legal questionado com o artigo 214º, nº 3, (agora artigo 212º, nº 3) da Constituição. No entanto, o percurso argumentativo seguido na transcrição, que se condensa na afirmação de que nem todos os litígios emergentes de qualquer relação jurídica administrativa terão de ser dirimidos pelos tribunais administrativos, passou pela ponderação da especificidade do estatuto dos magistrados judiciais, o que significou que foi tida em conta a projecção do princípio da igualdade constante do artigo 13º da Constituição na questão apreciada. Por sua vez a admissibilidade da competência do STJ para conhecer das questões relativas ao estatuto dos magistrados tem implícito, de forma irrecusável, que não ocorre violação do disposto nos artigos 20º, nº 1; 110º, nº 2; e 211º, nº 2 da Constituição. Quanto à questão da caracterização da mesma secção como órgão jurisdicional, foi ela também apreciada na decisão sumária, em termos que é desnecessário reproduzir (cfr. fls. 126-127). E não se vê como, tendo sido recusada a pertinência de argumentação contrária, possa assumir relevância a invocação dos artigos 20º, nº 1, e 268º, nºs 4 e 5, considerados como violados pelo reclamante. Tendo em conta o que antecede, impõe-se a conclusão de que é totalmente improcedente a arguição de nulidade por omissão de pronúncia do Acórdão nº
718/98. Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em dez (10) UC's. Lisboa, 20 de Junho de 2000 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa