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Processo nº 135/2000
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Em 20 de Janeiro de 1999, G. C. e marido requereram no Tribunal Judicial da Comarca da Lourinhã a conversão em adopção plena da adopção restrita de M. A., nos termos do disposto no nº 2 do artigo 1977º do Código Civil, que foi liminarmente indeferida por ser 'notório que não se verificam os requisitos necessários para a adopção plena, nos termos dos (...) arts. 1977º, 2 e 1980º, 2 e 1974º, nº 4, todos do C. Civil'. Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 11 de Janeiro de 2000, de fls. 45, confirmou a decisão recorrida. Para o que agora releva, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que do nº 2 do artigo
1977º do Código Civil decorre que 'a adopção restrita pode ser convertida em adopção plena sem limitação temporal, sem limite de prazo, desde que se verifiquem os requisitos exigidos pela lei para esta última forma de adopção. O que, aliás, é confirmado pelo disposto no nº 2 do artigo 1980º do mesmo Código
(redacção do artigo 1º do decreto-lei nº 120/98, de 8 de Maio) (...). Desta forma, também para a conversão da adopção restrita em adopção plena é exigível o requisito da menoridade do adoptando para que ela possa proceder.
(...) e tendo a adoptada 29 anos de idade ao tempo em que tal conversão foi requerida, não pode ela ser atendida. Não há violação dos direitos pessoais referidos no artigo 26º da Constituição da República. Efectivamente não se vislumbra em que termos é que a não conversão da adopção restrita em adopção plena por causa de a adoptada já não ser menor põe em causa o direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, ao bom nome e reputação, à imagem, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.'
De novo inconformados, recorreram para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 'pretendendo (...) que seja apreciada a inconstitucionalidade, que foi suscitada nas alegações de agravo, com relação ao nº 2 do artigo 1977º do Código Civil, com o entendimento perfilhado nas decisões recorridas, preceito este que viola os Princípios Fundamentais, consagrados no artigo 26º da Constituição'.
2. Notificados para o efeito, os recorrentes apresentaram as suas alegações, nas quais formularam as seguintes conclusões:
'1 - É inconstitucional por violação dos direitos consagrados no artigo 26º da Constituição a norma do artigo 1977º nº 2 do Código Civil com o entendimento que o requisito da idade da pessoa do adoptando previsto no nº 2 do artigo 1980º do Cód. Civ. se verifique à data da propositura da acção judicial para conversão da adopção restrita em adopção plena.
2 - A não conversão da adopção restrita em adopção plena, no caso concreto, viola claramente o princípio constitucional do direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, ao bom nome e reputação, à imagem,
à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação, previstos no artigo 26º da Constituição, por implicar alteração da identidade da adoptanda'. Por seu turno, o Ministério Público, em contra-alegações, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. Em síntese, começou por frisar que 'o parâmetro de aferição da constitucionalidade de tal norma deverá ser – não o preceito constitucional indicado pelos recorrentes – mas o constante do artigo 36º, nº 7 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual 'A adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação'. Considerou 'descabida a invocação, na situação dos autos, da pretensa lesão dos direitos pessoais protegidos pelo artigo 26º da Lei Fundamental'; e chamou a atenção para a irrelevância, neste contexto, da 'circunstância de – à revelia do quadro legal aplicável – ter sido feita figurar no registo de nascimento do adoptado restritamente a paternidade dos adoptantes (...)'. E, após frisar a diferença entre as duas formas de adopção, plena e restrita, concluiu do seguinte modo:
'1 – Não constitui solução legislativa arbitrária ou discricionária, violadora do preceituado nos artigos 13º e 36º, nº 7, da Constituição da República Portuguesa, a que se traduz em estabelecer, como limite absoluto à admissibilidade de adopção plena, a idade inferior a 18 anos do adoptando, aplicável mesmo nos casos em que se pretenda converter – já durante a maioridade do adoptando – uma inicial adopção restrita em superveniente adopção plena.
2 – Na verdade, revela-se adequado e proporcional à função jurídica e social do instituto da adopção a exigência de que esta pressupõe necessariamente a menoridade do adoptando, cristalizando-se o estado civil do adoptando restrito com a respectiva maioridade.
3 – Termos em que deverá improceder o presente recurso'.
3. Cabe começar por definir o objecto do presente recurso, limitado, como se sabe, à apreciação da questão de constitucionalidade normativa suscitada. Assim, o Tribunal Constitucional apenas se pode pronunciar sobre a conformidade da norma impugnada, contida no nº 2 do artigo 1977º, em conjugação com o nº 2 do artigo 1980º, ambos do Código Civil, por remissão; não pode tomar conhecimento da questão referida na conclusão 2ª das alegações de recurso acima transcritas, por não se traduzir, justamente, na apreciação da constitucionalidade de qualquer norma. Os preceitos indicados têm o seguinte conteúdo: Artigo 1977º
(Espécies de adopção)
1. (...)
2. A adopção restrita pode a todo o tempo, a requerimento dos adoptantes, ser convertida em adopção plena, desde que se verifiquem os requisitos para esta exigidos. Artigo 1980º
(Quem pode ser adoptado plenamente)
1. (...)
2. O adoptando deve ter menos de 15 anos à data da petição judicial de adopção; poderá, no entanto, ser adoptado quem, a essa data, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante (redacção resultante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 120/98, de 8 de Maio). Constitui, assim, objecto do presente processo a norma contida no nº 2 do artigo
1977º do Código Civil, conjugada com parte do nº 2 do artigo 1980º, segundo a qual é requisito da conversão da adopção restrita em adopção plena a menoridade do adoptado.
4. Como salienta o Ministério Público nas alegações apresentadas neste Tribunal, não se vê como possa esta norma infringir o artigo 26º da Constituição, ou seja, como possam ser atingidos 'os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, ao desenvolvimento da personalidade, ao bom nome e reputação,
à imagem, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação', como sustentam os recorrentes. Note-se que da não conversão não resulta nenhuma mudança, 'de um momento para o outro, [d]a identidade da adoptada', como afirmam. Não podem ser aqui consideradas, no âmbito deste recurso, questões de facto, tais como a 'identidade (...) com a qual a adoptada de identifica e é identificada por todos'.
5. Finalmente, diga-se que também não ocorre qualquer infracção ao nº 7 do artigo 36º da Constituição, que inclui, entre a tutela constitucional da família, do casamento e da filiação, o princípio da protecção da adopção, deferindo para o legislador ordinário a definição dessa protecção. Ora não se encontra razão para que se considere que não cabe na discricionaridade do legislador exigir, como requisito da conversão, a menoridade do adoptando, tendo em conta as diferenças profundas existentes entre os efeitos da adopção plena – na qual o adoptando se integra na família dos adoptantes, cortando em princípio os laços familiares com a sua família natural, modelando a lei a relação que se constitui sobre a relação de filiação natural
(cfr., em especial, o artigo 1986º do Código Civil) –, e os da adopção restrita, em que esta ligação com a família biológica se mantém (artigo 1994º). Manifestação desta manutenção, aliás, é justamente a diferença do regime definido para a composição do nome do adoptado: na adopção plena, o adoptado perde os seus apelidos de origem, e o seu nome é constituído com aplicação das regras definidas para a filiação natural (cfr. artigo 1988º, nº 1, do Código Civil); na adopção restrita, o adoptado mantém os apelidos da família natural; o juiz pode, todavia, atribuir-lhe apelidos do adoptante, que se não substituem
àqueles, apenas se lhe acrescentam. Não é, pois, arbitrária a exigência da menoridade; na verdade, não sendo já incapaz o adoptado, a conversão não produziria o efeito principal pretendido pela lei com a adopção plena, a criação de laços semelhantes aos da filiação natural; antes se projectaria sobretudo, na prática, no domínio sucessório; não se pode, assim, considerar que a norma em causa viole a protecção constitucional conferida à adopção.
Assim, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que toca à questão de constitucionalidade. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. (em conjunto). Lisboa, 21 de Junho de 2000 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida