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Processo n.º 387/12
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 12 de abril de 2012, que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional.
2. O reclamante recorreu para o Tribunal da Relação do Porto de despacho do tribunal de 1.ª instância. Não tendo tal recurso sido admitido, reclamou para o Presidente da Relação, através de requerimento onde se pode ler o seguinte:
«1º - O inquérito inicial dos presentes autos é de 2005, no entanto o douto acórdão de 1.ª instância foi proferido em 02/06/2011 e o respetivo recurso foi interposto em 07/07/2011.
2º - Em matéria de recursos penais, foi fixada a seguinte jurisprudência pelo Ac. do STJ n.º 4/2009 de 18/02: “No caso de sucessão de leis processuais penais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1.ª instância
3º - O Regulamento das Custas Processuais entrou em vigor em 20/04/2009, portanto, salvo o devido respeito, é anacrónico o douto despacho de 12/09/2011 ao entender que “bem andou a secção em proceder à aplicação do regime previsto no CCJ, por esse ser o corretamente aplicável ao caso em apreço “.
4º Deste despacho recorreu o arguido em 06/10/20 11, propugnando a aplicação aos presentes autos, não do velho e mais gravoso Código das Custas Judiciais, mas sim do novo Regulamento das Custas Processuais, que inclusivamente dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça os arguidos nos recursos que apresentem em quaisquer tribunais (art. 15º-c) do RCP).
5º - Concluindo: O recurso de fls. 940 ss. deve ser admitido porque se lhe aplica o Regulamento das Custas Processuais e a isenção da taxa de justiça prévia e sine qua non, mas também porque, mesmo que o arguido/recorrente esteja equivocado, é de bom senso não implantar no processo uma conflituante “pescadinha de rabo na boca”».
3. Por despacho de 26 de janeiro de 2012, o Tribunal da Relação do Porto indeferiu a reclamação. Notificado de tal decisão, o reclamante arguiu a nulidade da mesma e requereu a respetiva aclaração, tendo sido indeferido o requerido por despacho de 9 de março de 2012. Interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, através de requerimento onde se lê o seguinte:
«(…) de acordo com o consagrado nos n.os 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, desde já o Recorrente esclarece que, com o presente recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade e a desconformidade com os mais basilares princípios constitucionais,
2º - Atento o disposto na alínea b) do art. 70º da Lei do T. Constitucional, ao abrigo da qual o presente recurso é interposto,
3º - Designadamente a inconstitucionalidade da norma constante do art. 27º,1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26FEV (na redação dada pela Lei n.º 64-A/208 de 31 DEZ), na interpretação sufragada pela douta Decisão Singular (e precedentes doutas decisões de 1.ª e 2.ª instâncias).
(…)
6º - E, por isso mesmo, foi desde logo suscitada, quer nas suas alegações do recurso interposto para o Tribunal da Relação, quer no pedido de aclaração da douta decisão singular para o Venerando Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação do Porto».
4. Foi então proferido o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, com a seguinte fundamentação:
«Notificado do indeferimento da reclamação, o arguido apresentou requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Liminarmente se dirá que não se mostram preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso.
Vejamos:
Art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro [Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional]:
1. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
(...)
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
Refere o recorrente, que suscitou a inconstitucionalidade da norma constante do art.º 27 n.º 1 do DL n.º 34/2008 “quer nas alegações do recurso interposto para o tribunal da relação, quer no pedido de aclaração...”. No recurso, tanto quanto consta de fls. 12 e 13 não se descortina a invocação da inconstitucionalidade. No requerimento de reclamação, como o agora recorrente admite, também não suscitou essa questão. A peça processual onde o recorrente suscitou a questão da constitucionalidade pela primeira vez, foi apenas o incidente pós-decisório de fls 34.
Assim a pretensão do recorrente votada ao insucesso, pois com a prolação da decisão da reclamação esgotou-se o nosso poder jurisdicional, não sendo o incidente pós-decisório de arguição de nulidade que não existe, e de aclaração, que ficou no tinteiro, meio idóneo e atempado para suscitar, pela primeira vez, uma questão de constitucionalidade de normas como uniformemente vem decidindo o TC Acórdãos n.ºs 374/00, 155/00, 142/01, 213/01, 300/02, 381/02, 443/02, 394/05, 533/07 e 55/08.
Donde se conclui que o recorrente não deu tempestivamente cumprimento ao ónus, previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º e n.º 2 do art.º 72º da LTC, de suscitar de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida qualquer questão de constitucionalidade.
Conclui-se assim que não se mostram preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, pelo que o mesmo vai indeferido, art.º 76º nºs 1 e 2 da LTC».
5. Contra tal decisão foi apresentada a presente reclamação, com o seguinte fundamento:
«(…) o ora Reclamante, salvo o devido respeito, reafirma que suscitou tal inconstitucionalidade no pedido que fez de aclaração da douta decisão singular para o Venerando Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação do Porto».
6. Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação, nos seguintes termos:
«4. Vendo o requerimento de interposição de recurso, constata-se que ali não vem enunciada de forma minimamente clara, qual a dimensão normativa que o reclamante sujeita à apreciação deste Tribunal.
5. Também no momento próprio para suscitar a questão – a reclamação para o Senhor Presidente da Relação – não enuncia qualquer questão de inconstitucionalidade, não referindo, ali, sequer, qualquer princípio ou preceito constitucional».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
No Tribunal da Relação do Porto foi proferido o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade interposto, com fundamento na não suscitação prévia da questão de constitucionalidade, designadamente na reclamação da decisão de não admissão do recurso interposto para aquele Tribunal. Segundo o despacho reclamado, “a peça processual onde o recorrente suscitou a questão de constitucionalidade pela primeira vez, foi apenas o incidente pós-decisório de fls. 34” – arguição de nulidade e aclaração –, tendo-se esgotado o poder jurisdicional com a prolação da decisão da reclamação.
Na presente reclamação o reclamante reafirma que suscitou a inconstitucionalidade no pedido de aclaração da decisão que indeferiu a reclamação do despacho de não admissão do recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto. Ao reafirmar tal só confirma o bem fundado da decisão reclamada.
De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – ao abrigo da qual foi interposto o recurso de constitucionalidade – cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, impendendo sobre o recorrente o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade «perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Ou seja, em momento prévio à respetiva prolação, o que, manifestamente, não se verifica nos presentes autos.
No requerimento de reclamação da decisão de não admissão do recurso interposto do despacho do tribunal de 1.ª instância não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, designadamente que tivesse por objeto norma do artigo 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, o qual dispõe sobre aplicação no tempo. E no requerimento de arguição de nulidade e de aclaração, o reclamante já não estava a tempo de suscitar a questão de inconstitucionalidade em causa. Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 61/92 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto de se estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão (de constitucionalidade) que é objeto do mesmo recurso.
Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional 'não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna esta obscura ou ambígua', há de ainda entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade”.
É de concluir, pois, que o reclamante não cumpriu o ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa cuja apreciação pretendia, pelo que há que confirmar o despacho objeto da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 20 de junho de 2012.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.