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Processo n.º 1362/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos autos de execução comum movida pelo Banco A., S.A., contra B., este último interpôs recurso de revista do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de julho de 2012 (fls. 201 e seguintes), que julgou improcedente a oposição à execução por si anteriormente deduzida. O recurso foi admitido no tribunal recorrido (cfr. fls. 239).
Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Conselheira Relatora proferiu despacho ordenando a notificação das partes para se pronunciarem sobre a eventualidade de o recurso vir a ser rejeitado pelo facto de que, sendo aplicável aos autos o regime recursório resultante do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, “o recorrente deveria ter apresentado o seu requerimento de recurso, devidamente motivado e concluído, no prazo de trinta dias a contar da notificação do Acórdão impugnado, nos termos dos normativos insertos nos artigos 685.º, n.º 1, 685.º-A, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 726.º, este como aqueles do CPCivil, de onde, não o tendo feito e sem embargo da admissão do recurso pelo Tribunal da Relação o qual não vincula este Supremo Tribunal de Justiça de harmonia com o disposto no artigo 685.º-C, n.º 5 daquele mesmo diploma, a apresentação das suas alegações são manifestamente extemporâneas” (fls. 406).
Em resposta, o recorrente, ora reclamante, invocou, num primeiro requerimento, situação de justo impedimento (fls. 413 e seguintes) e defendeu a inconstitucionalidade da “norma contida no n.º 1 do artigo 146.º do CPC, na interpretação que venha a ser formulada, segundo a qual ‘não constitui justo impedimento a circunstância de não ter sido proferida, no prazo legal, uma decisão judicial legalmente devida que permitiria a prática atempada do ato’ “, por violação dos princípios da justiça, da confiança, da segurança jurídica e da tutela judicial efetiva. Num segundo requerimento (fls. 433), o recorrente pronunciou-se no sentido da admissão do recurso e suscitou diversas inconstitucionalidades.
Face ao exposto pelo recorrente, a Conselheira Relatora proferiu o despacho de fls. 448, solicitando ao tribunal de 1.ª instância “certidão de onde conste a data de entrada em juízo do requerimento inicial executivo bem como a data da citação do executado para deduzir oposição”.
Na sequência de junção da certidão requerida (cfr. fls. 454 e seguintes), a Conselheira Relatora proferiu despacho de não admissão do recurso datado de 20 de maio de 2013 (fls. 472 e seguintes), o qual assentou, em síntese, na seguinte ordem de fundamentos: (i) face à informação prestada pela 1.ª instância quanto à data de entrada da execução e à data de citação do executado, o regime legal aplicável é o que decorre do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, não podendo o executado/recorrente ignorar tal facto; (ii) não se verificou a “apresentação tempestiva do requerimento de interposição do recurso jurisdicional devidamente motivado e concluído”, uma vez que, sendo o requerimento de interposição datado de 3 de setembro de 2012, as alegações de recurso só foram juntas em 15 de novembro de 2012, após a notificação do despacho de admissão de recurso proferido pela Relação, pelo que o recurso se revela extemporâneo.
2. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência (fls. 487 e seguintes), reiterando as seguintes inconstitucionalidades:
– «Aliás, se se afirmar que da norma que se retira da interpretação conjugada dos arts. 161.º, n.º 6, 199.º, 265.º e 265.º-A do CPC, não resulta um dever de “ordenar a substituição do despacho que admitiu o recurso por outro que convide a parte a apresentar um novo requerimento de recurso ao abrigo do regime de recursos estatuído no Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, no prazo legal que lhe restava após a apresentação do primeiro requerimento de recurso ao abrigo do regime de recursos anterior a tal diploma legal”, então teremos de concluir que tal entendimento normativo é inconstitucional por violar o princípio da justiça, da confiança, da proporcionalidade e da segurança jurídica que se retira do artigo 2.º da Constituição, bem como, o princípio da promoção do acesso à justiça e o direito a um processo justo e equitativo que se retira do artigo 20.º da Lei Fundamental.» (fls. 499, ponto 23)
– «A norma aplicada no despacho de 20 de Maio de 2013 no sentido que “não existe um dever de ordenar a substituição do despacho que admitiu o recurso por outro que convide a parte a apresentar um novo requerimento de recurso ao abrigo do regime de recursos estatuído no Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, no prazo legal que lhe restava após a apresentação do requerimento de recurso ao abrigo do regime de recursos anterior a tal diploma legal” – que se retira da interpretação conjugada dos arts. 161.º, n.º 6, 199.º, 265.º e 265.º-A do CPC – é materialmente inconstitucional por violar os princípios da justiça, da proporcionalidade, da confiança, da segurança jurídica e da tutela judicial efetiva consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição.» (fls. 502, ponto 32)
– «A norma aplicada no despacho de 20 de Maio de 2013 no sentido de que “a falta de junção de alegações ao requerimento de recurso tem como efeito a imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultado a oportunidade de suprir tal deficiência pela apresentação das alegações no prazo legal que lhe restava após a apresentação do requerimento de recurso desacompanhado das alegações” – que se retira dos arts. 161.º, n.º 6, 199.º, 265.º, 265.º-A e da al. b) do n.º 2 do art. 685.º-C3 do CPC – é materialmente inconstitucional por violar os princípios da justiça, da proporcionalidade e da confiança, da segurança jurídica e da tutela judicial efetiva consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição.» (fls. 503, ponto 33)
Por acórdão de 11 de julho de 2013 (fls. 521 e seguintes), a conferência indeferiu a reclamação mantendo a fundamentação do despacho reclamado.
Na sequência deste acórdão, o recorrente interpôs o recurso de constitucionalidade de fls. 534 e seguintes e apresentou requerimento arguindo a nulidade daquela decisão, por omissão de pronúncia, no qual disse que “a norma que se retira dos arts. 146.º, 156.º e da primeira parte da al. d) do n.º 1 do art. 668.º do antigo CPC, no sentido de que «os tribunais não estão obrigados a decidir a invocação de uma situação de justo impedimento invocada por uma das partes em processo judicial» é materialmente inconstitucional por violar os princípios da justiça, da proporcionalidade e da confiança, da segurança jurídica e da tutela judicial efetiva”.
Tal arguição foi indeferida por acórdão de 17 de outubro de 2013 (fls. 541 e seguintes). Nesse acórdão rejeitou-se a invocada inconstitucionalidade, dizendo-se, além do mais, que “não foi sequer por nós ensaiada qualquer interpretação dos apontados normativos processuais, isto é, dos artigos 146.º, 156.º e primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPCivil, na versão de 2007, fosse em que sentido fosse nomeadamente naquele que é apontado pela Recorrente”.
3. Na sequência deste acórdão, o recorrente apresentou novo requerimento de recurso de constitucionalidade, repetindo – complementando-o – o conteúdo do anterior. É o seguinte o teor do referido requerimento:
«1. O recurso para o Tribunal Constitucional é interposto com fundamento na inconstitucionalidade das normas contidas:
a) nos arts. 161.º, n.º 6, 199.º, 265.º e 265.º-A do CPC, na interpretação normativa efetuada pelo Tribunal a quo no sentido de que “não existe um dever de ordenar a substituição do despacho que admitiu o recurso por outro que convide a parte a apresentar um novo requerimento de recurso ao abrigo do regime de recursos estatuído no Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, no prazo legal que lhe restava após a apresentação do requerimento de recurso ao abrigo do regime de recursos anterior a tal diploma legal” por violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade, da confiança, da segurança jurídica e da tutela judicial efetiva consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição;
b) nos artigos arts. 161.º, n.º 6, 199.º, 265.º, 265.º-A e da al. b) do n.º 2 do art. 685.º-C (…) do CPC, na interpretação normativa efetuada pelo Tribunal a quo no sentido de que “a falta de junção de alegações ao requerimento de recurso tem como efeito a imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultado a oportunidade de suprir tal deficiência pela apresentação das alegações no prazo legal que lhe restava após a apresentação do requerimento de recurso desacompanhado das alegações”, por violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da confiança, da segurança jurídica e da tutela judicial efetiva consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa;
c) no n.º 1 do artigo 146.º do CPC, na interpretação normativa efetuada pelo Tribunal a quo no sentido de que “não constituí justo impedimento a circunstância de não ter sido proferida, no prazo legal, uma decisão judicial legalmente devida que permitiria a prática atempada do ato”, por violação dos princípios da justiça, da confiança, da segurança jurídica e da tutela judicial efetiva consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição;
d) nos arts. 146.º, 156.º e da primeira parte da al. d) do n.º 1 do art. 668.º do antigo CPC, na interpretação normativa efetuada pelo Tribunal a quo no sentido de que “os tribunais não estão obrigados a decidir a invocação de uma situação de justo impedimento suscitada por uma das partes em processo judicial”, por violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da confiança, da segurança jurídica e da tutela judicial efetiva consagrados nos artigos 2º e 20.º da Constituição.
2. A Recorrente invocou, respetivamente, a inconstitucionalidade das normas a que se alude nas alíneas a) a d) no número anterior de modo “funcionalmente adequado” perante o Tribunal a quo;
a) no requerimento no qual a parte se pronunciou, em sede de contraditório, para os efeitos do disposto no artigo 704.º do CPC (vide os n.ºs 23. a 26.º do requerimento, a fls... nos autos);
b) na reclamação para conferência (vide os n.ºs 32 a 35 da reclamação para conferência, a fls. .. nos autos);
c) no requerimento no qual invocou justo impedimento (vide os n.ºs 16 a 24 do requerimento, a fls... nos autos);
e) no requerimento não suscitou a existência de nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (vide os dois últimos parágrafos do requerimento, a fls... nos autos).» (fls. 600-601)
O recurso de constitucionalidade não foi admitido pelo despacho de fls. 609 e seguintes, datado de 1 de novembro de 2013, com o seguinte teor:
«(…) constitui pressuposto processual do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a observância, pelo recorrente, do ónus de suscitação, o que essencialmente se traduz no dever de enunciação prévia, pela forma processualmente adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de constitucionalidade que constitui objeto do recurso (artigo 72º, n.º 2, da LTC).
(…)
Vejamos então da bondade dos argumentos invocados pelo Recorrente, no que tange ao cumprimento daquele «ónus de suscitação».
No que tange ao argumentário produzido na alínea a), cremos que deverá ter havido um qualquer lapso do Recorrente, uma vez que, tendo o processo de que se cura dado entrada no âmbito das alterações introduzidas pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, mais propriamente em 10 de Novembro de 2008, nenhum sentido faria que este Supremo Tribunal de Justiça (a não ser igualmente por lapso, que se não cometeu), fizesse qualquer interpretação nas apontadas normas insertas nos artigos 161º, n.º 6, 199º, 265º e 265º-A do CPCivil, no sentido indicado pelo Recorrente nomeadamente o da não existência de «um dever de ordenar a substituição do despacho que admitiu o recurso por outro que convide, a parte a apresentar um novo requerimento de recurso ao abrigo do regime de recursos estatuído no Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, no prazo legal que lhe restava após a apresentação do requerimento de recurso ao abrigo do regime de recursos anterior a tal diploma legal”, por violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade, da confiança, da segurança jurídica e da tutela judicial efetiva consagrados nos artigos 2º e 20º da Constituição da República Portuguesa, posto que não era esse o aporema daqui: nos autos onde aquele trecho foi colhido, punha-se quiçá a questão de aplicação no tempo de dois regimes recursivos diversos; aqui a problemática ficou-se pela aplicação apenas e tão só do regime de recursos que decorre do DL 303/2007, de 24 de Agosto.
A questão de inconstitucionalidade na interpretação normativa que é imputada à decisão aqui proferida inexiste, pois, por não ter sido abordada na decisão de que se recorre.
Na alínea b), aventa o Recorrente uma nova inconstitucionalidade cometida por este Supremo Tribunal na interpretação efetuada, agora aos artigos 161º, n.º 6, 199º, 265º, 265º-A e da alínea b) do nº 2 do art. 685º-C do CPCivil, de que «a falta de junção de alegações ao requerimento de recurso tem como efeito a imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultado a oportunidade de suprir tal deficiência pela apresentação das alegações no prazo legal que lhe restava após a apresentação do requerimento de recurso desacompanhado das alegações”, porque não foi essa a situação apresentada a este Órgão jurisdicional.
A questão que nos foi apresentada e decorre inequivocamente dos autos é a de interposição de recurso no segundo grau, sem que tal interposição se mostre completa com a respetiva motivação, de harmonia com o disposto no artigo 684-B, nº2 do CPCivil, que assim foi admitido, tendo o Recorrente após tal decisão, procedido à junção das suas alegações, extemporaneamente pois, o que determinou o não conhecimento do seu objeto neste Supremo Tribunal: o Recorrente recorreu; O Tribunal da Relação admitiu o Recurso; o Recorrente apresentou depois da notificação do despacho de admissão de recurso as suas alegações; O Supremo Tribunal de Justiça, não conheceu do objeto do recurso por as alegações terem sido apresentadas fora de prazo e não por não terem sido apresentadas em prazo legal que estivesse em curso.
Também no que tange a esta pretensa interpretação inconstitucional, a mesma não tem qualquer correspondência no texto do Acórdão, porque não foi essa a problemática suscitada pelo Recorrente, o qual só nela se respaldou, com certeza, por excesso de zelo.
Pretende o ora Recorrente sustentar que durante o processo levantou a questão da inconstitucionalidade do disposto nos artigos 146.º, 156.º, 161º, nº6, 199º, 265º, 265º-A, 668º, nº1, a1ínea d), 685º-C, nº2, alínea b) do CPCivil, na redação de 2007 aqui aplicável.
Por último e no que diz respeito alíneas c) e d) do requerimento de interposição de recurso de serem inconstitucionais as interpretações efetuadas por este Supremo Tribunal do nº 1 do artigo 146º do CPCivil, no sentido de que “não constitui justo impedimento a circunstância de não ter sido proferida, no prazo legal, uma decisão judicial legalmente devida que permitiria a prática atempada do ato” e ainda aquela que decorre da conjugação dos artigos 146º, 156º e da primeira parte da alínea d) do nº 1 do 668º do mesmo diploma processual, no sentido de que “os tribunais não estão obrigados a decidir a invocação de uma situação de justo impedimento suscitada por uma das partes em processo judicial”, uma vez que, como deflui inequivocamente da decisão impugnada nunca este Supremo Tribunal aflorou sequer qualquer interpretação dos apontados normativos processuais, fosse em que sentido fosse, nomeadamente naquele que é apontado pelo Recorrente.
Face à obrigatoriedade de o objeto de recurso deter natureza normativa, impendendo sobre o Recorrente o ónus de enunciar uma norma ou interpretação normativa, reportando-a, de forma certeira, a uma concreta disposição ou conjugação de disposições legais, em cuja literalidade o critério normativo enunciado encontre um mínimo de correspondência, compreendemos o ensaio efetuado pelo Recorrente nesse sentido, sendo certo que, todavia, o mesmo constitui, no nosso modesto entendimento um «ato falhado».
É que, devendo a apontada enunciação ser apresentada, em termos tais que o Tribunal Constitucional, no caso de concluir pela sua inconstitucionalidade, a possa reproduzir de modo a que os respetivos destinatários fiquem cientes do concreto sentido normativo julgado desconforme com a Lei Fundamental, no caso sujeito é manifesto que o objeto do recurso não corresponde a um verdadeiro critério normativo ou sentido interpretativo extraído dos artigos 146º, 156º, l61º, nº6, 199º, 265º, 265º-A, 668.º, nº1, alínea d), 685.º-C, nº2, alínea b) do CPCivil, o que resulta claro face à falta de correspondência entre a enunciação de tal objeto, construída pelos Recorrentes, e as referências feitas aos citados segmentos normativos pelo Acórdão impugnado, traduzindo as apontadas inconstitucionalidades, neste contexto, uma tentativa de velar a pretendida sindicância da decisão judicial, sob uma veste aparentemente normativa, que de todo em todo, não foi em nenhum momento considerada por este Supremo Tribunal.
Assim sendo, porque a pretendida análise casuística, única que aqui foi suscitada pelo Recorrente, se encontra subtraída à apreciação do Tribunal Constitucional, não se admite o recurso interposto, por o meio não ser idóneo, tendo em atenção o preceituado na alínea b) do nº1 do artigo 70º da LTC.»
4. É deste despacho que vem deduzida a presente reclamação, com fundamento no artigo 76.º, n.º 4 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (designada abreviadamente por “LTC”) (fls. 620 e 621), com os fundamentos seguidamente transcritos:
«1. O despacho de 1 de Novembro de 2013 não admitiu e indeferiu o recurso para o Tribunal Constitucional porque entende, em síntese, que a inconstitucionalidades invocadas não são abordadas na decisão de que se recorre. Salvo o devido respeito, o ónus que impende sobre o recorrente, como resulta expressamente do art. 70.º, n.º 1, al. b) da LOFTC, é apenas o de suscitar de forma clara e precisa a inconstitucionalidade da norma no momento adequado em termos do tribunal dela poder em tempo conhecer (isto é, antes de esgotado o seu poder jurisdicional).
2. Como é natural, o Recorrente não controla e nem pode controlar a forma como o Tribunal a quo conhece das inconstitucionalidades suscitadas, nomeadamente, quando é patente a intenção, por parte do tribunal a quo, de conduzir o processo de modo a que não venha as ocorrer nos presentes autos um conhecimento do mérito, quer do recurso de revista interposto, quer do próprio recurso para o Tribunal Constitucional.
3. Cremos, por esses motivos, que não assiste qualquer razão ao tribunal a quo quanto à não admissão e ao indeferimento do recurso para o Tribunal Constitucional, em relação a qualquer uma das quatro normas cuja constitucionalidade foi oportunamente suscitada nos presentes autos, conforme se passa a demonstrar especificadamente na presente reclamação.» (Fls. 620-621)
(…)
«20. Nos termos constitucionais e legais “cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais” (cfr. artigo 280.º, n.º 1, al. b) da CRP) sendo que tais recurso “apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei não o prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam” (cfr. artigo 70.º, n.º 2 da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal constitucional).
21. No caso concreto, a lei não prevê a possibilidade de se interpor recurso ordinário dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. artigo 678.º e 729.º do CPC de 1961), pelo que, o Recorrente não podia, no plano dos factos, ter suscitado a aplicação da norma inconstitucional em qualquer “recurso ordinário”
22. Sendo certo que, em todo o caso, o Recorrente, diligentemente, não deixou de suscitar as citadas inconstitucionalidades normativas logo que foi percetível a eventual aplicação de uma norma inconstitucional e em todos momentos processuais no qual lhe foi dada a palavra para se pronunciar ou na qual teve intervenção processual (nos requerimento no qual invocou o justo impedimento; no exercício do contraditório em relação à questão prévia; na reclamação para conferência e no requerimento no qual alegou a nulidade do acórdão proferido em conferência).
23. Por outro lado, a jurisprudência do tribunal constitucional até tem admitido a dispensa da prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade naqueles casos em que o recorrente não tenha tido a oportunidade processual de suscitar a questão anteriormente, nomeadamente, nos casos em que da decisão judicial que aplicou a norma não caber, nos termos da lei processual, qualquer recurso ordinário (cfr., nesse sentido, o Acórdão nº 136/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol., págs. 615 e segs.; o Acórdão nº 94/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., págs. 1089 e segs.; o Acórdão nº 51/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15º vol., págs. 499 e segs.; e o Acórdão nº 60/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3ooº vol., págs. 445 e segs.).
24. No caso concreto, o recurso para o Tribunal Constitucional tem por objeto: inconstitucionalidade das normas a que se alude nas alíneas a) a d) no número 1 dos requerimentos de recurso, as quais foram invocadas de modo funcionalmente adequado perante o tribunal a quo;
a) no requerimento no qual a parte se pronunciou, em sede de contraditório, para os efeitos do disposto no artigo 704.º do CPC (vide os n.ºs 23. a 26.º do requerimento, a fls. . . nos autos);
b) na reclamação para conferência (vide os n.ºs 32 a 35 da reclamação para conferência, a fls... nos autos);
c) no requerimento no qual invocou justo impedimento (vide os n.ºs 16 a 24 do requerimento, a fls... nos autos);
d) no requerimento no suscitou a existência de nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (vide os dois últimos parágrafos do requerimento, a fls... nos autos).
25. Tais inconstitucionalidades normativas, foram suscitadas em todos os momentos em que foi conferida ao Recorrente oportunidade processual para tal, e sempre previamente à prolação dos acórdãos recorridos, pelo que, não podemos deixar de concluir que as mesmas foram suscitadas em termos “funcionalmente adequados”.
26. Por último, reitera-se: se o tribunal a quo simplesmente não se pronunciou ou não se pronunciou em termos “adequados” às inconstitucionalidades normativas invocadas pelo Recorrente, são factos que só ao tribunal a quo serão imputáveis – que “deverá ser assumido pelo próprio” – pois é algo que recorrente não pode, como é natural, controlar, e, além disso, que extravasa de modo manifesto o “ónus de suscitação” expressamente previsto do art. 70.º, n.º 1 , al. b) da LOFTC.
27. Nessa parte, o mandatário do Recorrente, independentemente da decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal Constitucional, está de consciência tranquila.» (fls. 646 a 649)
O Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, pugnando pelo acerto da decisão reclamada (fls. 654 e seguintes).
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. Em sede de reclamações deduzidas com fundamento no artigo 76.º, n.º 4, da LTC, cumpre ao Tribunal Constitucional verificar se se encontram reunidas as condições necessárias à admissão do recurso de constitucionalidade. É o que se fará seguidamente:
No presente caso, a rejeição do recurso é exaustivamente fundamentada quanto a cada uma das quatro questões de constitucionalidade enunciadas. Seguindo a ordem elencada no referido despacho, em consonância com a ordem de enunciação que foi seguida no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, importa analisar se se se encontram reunidos os pressupostos de que depende a prolação de uma decisão de mérito por parte deste Tribunal.
6. Quanto à primeira questão de constitucionalidade
Esta questão refere-se aos artigos 161.º, n.º 6, 199.º, 265.º e 265.º-A do CPC, na interpretação normativa alegadamente efetuada pelo tribunal a quo no sentido de que “não existe um dever de ordenar a substituição do despacho que admitiu o recurso por outro que convide a parte a apresentar um novo requerimento de recurso ao abrigo do regime de recursos estatuído no Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, no prazo legal que lhe restava após a apresentação do requerimento de recurso ao abrigo do regime de recursos anterior a tal diploma legal”, por violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade, da confiança, da segurança jurídica e da tutela judicial efetiva consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição.
O despacho reclamado não admitiu o recurso, nesta parte, pelo facto de tais normas não terem sido sequer aplicadas pela decisão então recorrida, a qual se havia limitado a resolver o problema do regime processual aplicável ao recurso.
Confirma-se o acerto do despacho reclamado. Considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão (cfr., entre muitos, os Acórdãos n.ºs 463/94, 366/96, 687/2004 e 447/2012).
Ora, no caso dos autos, a decisão recorrida não cotejou nem aplicou sequer os preceitos indicados pelo recorrente nesta primeira questão. O que a decisão se limitou a fazer foi – em face da informação prestada pela 1.ª instância – apurar o regime processual aplicável, identificando, por conseguinte, como relevante o regime recursório resultante das modificações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007. Em face desse regime, a decisão recorrida apurou que, tendo as alegações sido juntas extemporaneamente, o recurso se devia ter por extemporâneo in totum, fazendo consequentemente uso do poder reconhecido ao tribunal ad quem nos artigos 685.º-C, n.º 5, 700.º, n.º 1, alínea b), e 704.º, todos do Código de Processo Civil, de, não obstante o recurso ter sido admitido no tribunal a quo, rejeitar a admissão do mesmo. Aqui reside a ratio decidendi do acórdão recorrido e isso resulta claramente do mesmo, sendo posteriormente reafirmado no despacho ora reclamado, no qual se diz, a dado passo, o seguinte:
«A questão que nos foi apresentada e decorre inequivocamente dos autos é a de interposição de recurso no segundo grau sem que tal interposição se mostre completa com a respetiva motivação, de harmonia com o disposto no artigo 684.º-B, n.º 2, do CPCivil, que assim foi admitido, tendo o Recorrente após tal decisão procedido à junção das suas alegações, extemporaneamente pois, o que determinou o não conhecimento do seu objeto neste Supremo Tribunal» (fls. 611-612).
Nada se extraiu, por conseguinte, dos preceitos indicados a propósito de um qualquer dever de substituir o despacho de admissão do recurso por outro que ordenasse a interposição dos mesmos em conformidade com o regime legal aplicável.
De realçar que o bloco normativo convocado alude a circunstâncias que em nada se relacionam com o que sucedeu in casu de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal: não se tratou, com efeito, de um qualquer erro de secretaria ou erro na forma de processo e sim de extemporaneidade na interposição do recurso, a qual, embora resultante de lapso na determinação do regime jurídico aplicável, não busca resolução por via do poder judicial de direção do processo, do princípio do inquisitório ou do princípio de adequação formal. O que indicia que, através da suscitação desta questão, o recorrente ficciona uma construção normativa de modo a tentar obter uma pronúncia de mérito quando, na verdade, o seu dissídio se dirige à decisão propriamente dita enquanto ato próprio da função jurisdicional que, como se sabe, não integra objeto idóneo do recurso de constitucionalidade. O que o recorrente pretende contrariar é a decisão concreta que, em seu prejuízo, considerou o recurso extemporâneo em consequência do regime jurídico-processual tido por aplicável. É este o objeto do seu dissídio e não uma qualquer interpretação normativa dotada de generalidade e abstração, autónoma da decisão, e que terá sido por esta erigida em parâmetro decisório.
7. Quanto à segunda questão de constitucionalidade
A questão abrange os artigos 161.º, n.º 6, 199.º, 265.º, 265.º-A e 685.º-C, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, interpretados no sentido de que “a falta de junção de alegações ao requerimento de recurso tem como efeito a imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultado a oportunidade de suprir tal deficiência pela apresentação das alegações no prazo legal que lhe restava após a apresentação do requerimento de recurso desacompanhado das alegações”, sendo alegada a violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da confiança, da segurança jurídica e da tutela judicial efetiva.
Como já se referiu no ponto anterior, o bloco normativo que integra os artigos 161.º, n.º 6, 199.º, 265.º e 265.º-A não foi sequer aplicado pela decisão recorrida.
Já o artigo 685.º-C, n.º 2, alínea b), integra, com efeito, a ratio decidendi da referida pronúncia. No entanto, este preceito não foi aplicado com o sentido que lhe é imputado pelo recorrente, como facilmente se demonstra. Com efeito, a relevância de sentido que é atribuída pelo recorrente ao facto de o recurso ter sido interposto desacompanhado das respetivas alegações mas em momento em que ainda não havia decorrido o prazo legal para que pudesse vir juntar tal requerimento, não se pode reportar ao modo como o Supremo Tribunal de Justiça interpretou e aplicou o preceito. Um tal sentido normativo apenas seria virtualmente mobilizável perante o relator junto do Tribunal da Relação pois foi nessa instância que se verificou tal factualidade: a que reporta a uma interposição do recurso desacompanhada das alegações mas em momento em que não havia ainda decorrido a totalidade do prazo, suscitando-se então a questão de um eventual despacho convidando o recorrente a, em tempo, tornar perfeita a pretendida interposição do recurso.
Quando o Supremo Tribunal apreciou a questão, já o prazo de interposição do recurso – à luz do regime jurídico aplicável cuja determinação a esse Tribunal compete – se havia esgotado. Não podemos, por conseguinte, falar numa aplicação do artigo 685.º-C, n.º 3, do Código de Processo Civil, no sentido de não se dever facultar ao recorrente a oportunidade de suprir atempadamente a deficiência resultante da não junção das alegações de recurso uma vez que, perante a instância ora recorrida, jamais se colocou tal questão em momento anterior ao decurso do prazo legalmente estipulado para a interposição da referida impugnação. E é precisamente isso que resulta do despacho reclamado:
«O Tribunal da Relação admitiu o Recurso; o Recorrente apresentou depois da notificação do despacho de admissão de recurso as suas alegações; o Supremo Tribunal de Justiça não conheceu do objeto do recurso por as alegações terem sido apresentadas fora de prazo e não por não terem sido apresentadas em prazo legal que estivesse em curso.» (fls. 612)
8. Quanto às terceira e quarta questões de constitucionalidade
Trata-se agora, em primeiro lugar, do artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de que “não constitui justo impedimento a circunstância de não ter sido proferida, no prazo legal, uma decisão judicial legalmente devida que permitira a prática atempada do ato”, por violação dos princípios da justiça, da confiança, da segurança jurídica e da tutela judicial efetiva; e, em segundo lugar, dos artigos 146.º, 156.º, e 668.º, n.º 1, alínea d), “do antigo CPC”, interpretados no sentido de que “os tribunais não estão obrigados a decidir a invocação de uma situação de justo impedimento suscitada por uma das partes em processo judicial”.
Também quando a estas questões se verifica a falta de correspondência entre as mesmas e a ratio decidendi recorrida, reportando-se esta matéria a preceitos legais que não foram sequer mobilizados nem aplicados pela decisão recorrida. O sentido da decisão – assentando na consideração de que, à luz do regime recursório aplicável, o recurso se apresentava como extemporâneo uma vez que as alegações foram juntas para além do prazo previsto no artigo 685.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – afastou qualquer consideração quanto às questões suscitadas a propósito da invocação do justo impedimento. Nada se decidiu a propósito de se estar ou não perante uma situação de justo impedimento pelo facto de não ter sido proferido o despacho, pelo então tribunal recorrido, convidando à apresentação das alegações no prazo ainda restante (designadamente, não se apurou, como pretendia o recorrente, tratar-se de situação de decisão judicial legalmente devida), nem, tão-pouco, se entendeu que o Tribunal não estava obrigado a decidir a invocada situação de justo impedimento: o que sucede, como explica o despacho ora reclamado, é que a questão em torno do justo impedimento “ficou absorvida pela solução” encontrada a propósito do regime aplicável e das consequências decorrentes de uma não correta interposição do recurso nos termos ditados por esse mesmo regime.
Conclui-se, portanto, quanto a todas as questões de constitucionalidade suscitadas, que as mesmas não se reportam à ratio decidendi da pronúncia recorrida, traduzindo, ao invés do que imporia um objeto adequado do recurso de constitucionalidade, um verdadeiro dissídio relativamente ao modo como tribunal a quo resolveu a controvérsia em causa. Assim, os problemas de constitucionalidade suscitados, embora sob uma aparência normativa, traduzem, na realidade, a construção forçosa de um objeto de recurso que, na realidade, visa sindicar o modo como o Supremo Tribunal de Justiça resolveu o problema da admissibilidade do recurso de revista interposto, o qual, traduzindo-se na determinação e aplicação do regime recursório relevante, em nada contende com as matérias que podem ser alvo de um processo de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro.