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Processo n.º 753/99 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. J... interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho do Presidente da Relação de Lisboa, de 18 de Outubro de 1999.
Por este despacho, o Presidente da Relação de Lisboa indeferiu a reclamação que o ora recorrente apresentou contra o despacho do Juiz da 8ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, de 7 de Junho de 1999, que não admitiu o recurso que ele interpusera para a Relação de um anterior despacho do mesmo Juiz. Neste último despacho (de 17 de Maio de 1999), em virtude de um outro réu, que havia sido devidamente notificado para comparecer, ter faltado, foi a audiência de julgamento, que estava marcada para esse dia, adiada, designando-se novo dia para a sua realização e determinando-se que o ora recorrente e os dois outros réus fossem notificados do adiamento e, bem assim, da nova data para que a mesma foi marcada, com a cominação prevista no artigo 566º, § 1º, do Código de Processo Penal de 1929, ou seja, com a cominação de que, no caso de faltarem, o julgamento se faria à revelia. No requerimento de interposição do recurso, o recorrente pediu que este Tribunal
'declare a inconstitucionalidade da norma' constante do n.º 2 do artigo 646º do Código de Processo Penal de 1929, 'ao restringir de forma constitucionalmente inadmissível o direito ao recurso': é que – disse – o Presidente da Relação, 'ao interpretar e aplicar à hipótese dos autos, em termos definitivos, o disposto no n.º 2 do artigo 646º do Código de Processo Penal de 1929, tornou [...] a referida norma inconstitucional, por violadora do disposto na parte final do n.º
1 do artigo 32º da Constituição'. Na alegação apresentada neste Tribunal, o recorrente veio, o entanto, dar conta de que, no requerimento de interposição do recurso, se verifica 'uma imprecisão que cumpre rectificar', consistente em ter aí indicado como objecto do recurso a norma constante do n.º 2 do artigo 646º do Código de Processo Penal de 1929, em vez de, como devia, indicar a que consta do n.º 2 do artigo 647º do mesmo Código. E rematou, dizendo: 'parece poder concluir-se que o que está em jogo, pois, é a conformidade constitucional do artigo 647º, n.º 2, do Código de Processo Penal de 1929, face ao disposto no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República, na redacção adveniente da Lei Constitucional n.º 1/97, de 1 de Setembro'. Nas conclusões da alegação, o recorrente refere-se à 'norma na qual o
[despacho recorrido] se escorou', mas não imputa essa norma ao n.º 2 do mencionado artigo 646º , nem ao n.º 2 do referido artigo 647º.
Na verdade, o RECORRENTE redigiu como segue as ditas conclusões:
1. Um despacho judicial, para mais ilegal, que determine irrestritamente, ao
'abrigo' do disposto no artigo 566º do Código de Processo Penal de 1929 – ausência justificada, por impossibilidade de comparência -, que o julgamento, em caso de futura ausência do arguido, terá lugar à revelia deste, quando ilegal, como é o caso do qual se pretendeu recorrer, é decisão proferida contra este sujeito processual. Por conseguinte,
2. é passível de recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 647º do Código de Processo Penal de 1929. Como assim,
3. um entendimento como o sufragado pelo douto despacho recorrido, no sentido contrário ao preconizado na conclusão anterior, segundo o qual, ante a referida situação, soçobraria ao sujeito processual legitimidade para recorrer, viola o disposto no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República
4. não só por tornar um processo penal assim concebido como não garantidor de todas as garantias de defesa
5. como por cercear, de forma constitucionalmente ilegítima, o direito ao recurso, tutelado pelo mesmo normativo constitucional. Por conseguinte,
6. deve o douto despacho recorrido ser revogado, por força da declaração da inconstitucionalidade da norma na qual o mesmo se escorou, quando interpretada da forma que o foi
7. determinando[-se] o reenvio dos autos ao Ex.mo Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, para que este reformule o despacho recorrido, nos termos decorrentes da declaração de inconstitucionalidade que se impetra.
O PROCURADOR-GERAL ADJUNTO em exercício de funções neste Tribunal terminou a sua alegação com as conclusões seguintes:
1 – Não pode inferir-se o direito ao recurso, ínsito no princípio constitucional das garantias de defesa, a regra da irrestrita recorribilidade de todas as decisões interlocutórias, proferidas ao longo do processo penal pelo juiz.
2 – Não viola aquele princípio constitucional a interpretação normativa que se traduz em considerar irrecorrível, por falta de legitimidade ou interesse em agir do recorrente, certo despacho meramente preliminar ou provisório do juiz, alertando o arguido para a eventual aplicação de certa cominação se, no futuro, vier a ocorrer determinado facto: a sua reiterada ausência ao julgamento, implicando que este decorra 'à revelia' do réu.
3 – Face ao texto actual do nº 6 do artigo 32º da Constituição da república Portuguesa, não deve ser julgada inconstitucional a norma constante do artigo
566º. § 1º do Código de Processo Penal de 1929, não se configurando, deste modo, como ilegal a referida cominação ao réu que venha eventualmente a faltar ao julgamento.
4 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. O objecto do recurso: Para se perceber o exacto sentido e alcance da 'norma na qual o [despacho recorrido] se escorou' e, bem assim, para decidir se, tendo o recurso por objecto a norma assim definida, deve ou não conhecer-se dele, convém lembrar que tal despacho confirmou a decisão do juiz de 1ª instância que não admitiu o recurso interposto pelo recorrente do despacho que o mandou notificar da nova data da audiência do julgamento, que fora adiado, por ter faltado um dos arguidos, com a cominação de que, se faltasse, o julgamento se faria à sua revelia.
Na verdade, fora marcada para 17 de Maio de 1999 a audiência de julgamento do processo de querela que corre termos na 8ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa e em que são réus o recorrente e dois outros indivíduos. Tendo faltado um dos réus, que tinha sido notificado para a audiência, bem como o seu mandatário, igualmente notificado, o Magistrado do Ministério Público requereu, entre o mais, o adiamento da audiência; a marcação de nova data para a sua realização; e que o réu faltoso fosse 'notificado para o julgamento com a cominação prevista' no artigo 566º, § 1º, do Código de Processo Penal de 1929, 'bem como, aliás, os réus [A] e José Baptista Querido (artigo 566º-1 citado)'. Os mandatários dos réus, a quem foi dada a palavra, disseram nada ter a opor. De seguida, o Juiz proferiu despacho, no qual, depois de referir estar de acordo com o que fora requerido, ordenou: 'notifique, sendo os réus José Querido, [B] e [A] sob a cominação requerida' – notificação que aos presentes foi feita na mesma nessa data. No dia 25 de Maio de 1999, o ora recorrente apresentou um requerimento na mencionada 8ª Vara Criminal, a interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa daquele despacho (de 17 de Maio de 1999), 'segundo o qual, na próxima sessão de julgamento, este terá lugar na sua ausência – cominação de revelia'. Este recurso não foi admitido, com fundamento em que – lê-se no despacho de 7 de Junho de 1999 – 'o mesmo não tem legitimidade. E isto, porque vem recorrer de uma decisão, sustentada em dispositivo legal – artigo 566º, § 1º, do Código de Processo Penal de 1929, e como tal impugnável – ou incontestável – artigos 645º e 646º, n.º 1, do Código de Processo Penal de 1929'. Este despacho (de 7 de Junho de 1999) impugnou-o o ora recorrente, mediante reclamação dirigida ao Presidente da Relação de Lisboa, que, no entanto, o confirmou pelo seu despacho
(de 18 de Outubro de 1999), aqui sob recurso. No despacho recorrido (de 18 de Outubro de 1999), o Presidente da Relação começou por anotar que havia que decidir duas questões: a primeira, consistente em saber se o reclamante (ora recorrente) tem legitimidade para recorrer do despacho de 17 de Maio de 1999, que o mandou notificar da nova data da audiência do julgamento que fora adiado por ter faltado um dos arguidos, com a cominação de que, se faltasse, o julgamento se faria à sua revelia; a segunda, traduzida em saber se esse despacho podia ser considerado como de mero expediente. Afrontando a questão da legitimidade, o despacho recorrido, depois de recordar que o artigo 747º, 2.º, do Código de Processo Penal de 1929 preceitua terem legitimidade para recorrer o 'réu e a parte acusadora das decisões contra eles proferidas'; e de perorar sobre o que deverá entender-se por decisões proferidas contra o réu; concluiu que 'o ora reclamante não tem legitimidade para recorrer da decisão de 17 de Maio de 1999', uma vez que essa decisão 'não lhe causou qualquer prejuízo directo e imediato ou, dito de outra forma, não violou directamente quaisquer direitos do reclamante': é que – disse o Presidente da Relação, a propósito da questão, que, seguidamente, passou a abordar, consistente em saber se esse despacho podia ou não ser considerado como de mero expediente -, 'da notificação feita aos arguidos, nos termos em que está ordenada, não resulta a violação de quaisquer direitos substanciais ou processuais dos arguidos, designadamente do ora reclamante. De facto, a decisão que, alegadamente, violará os seus direitos processuais não é a decisão de 17 de Maio (por lapso, escreveu-se 16), mas aquela que vier a determinar a realização do julgamento à sua revelia, de que a decisão já proferida é meramente preparatória ou preliminar'. Acrescentou que, 'como se sabe, os recursos só podem ser interpostos dos despachos definitivos e não dos preparatórios e, por outro lado, o prejuízo para o reclamante, rectius a violação dos invocados direitos adjectivos do reclamante seria indiscutivelmente mediata ou condicional
– se viesse a estar justificadamente impossibilitado de comparecer ao julgamento, até podendo acontecer que a receada doença do reclamante se não venha a verificar e que, ao fim e ao cabo, ele venha a poder estar presente na audiência de julgamento'. Prosseguiu, dizendo que, embora seja 'usualmente entendido que, sendo alegada a ilegalidade da decisão de simples ou mero expediente, é admissível recurso desse despacho, justamente com fundamento nessa ilegalidade', a verdade é que 'a invocação da ilegalidade do despacho não abre sem mais a porta ao recurso, pois torna-se necessário que o recorrente tenha legitimidade para interpor recurso, nos termos gerais', o que, como se disse, no caso sub iudice, não acontece, pois – insistiu – 'falece legitimidade ao reclamante para recorrer da decisão de 17 de Maio de 1999, por nela não ter sido vencido nem a decisão violar directamente quaisquer direitos adjectivos ou interesses juridicamente tutelados, de que seja titular, até podendo acontecer que não viesse, no fim de tudo, a haver qualquer violação destes direitos, quer resultante do despacho agora em análise ou de qualquer outro posterior'. E concluiu: 'isto é, por a decisão de que pretendeu recorrer não ter sido proferida contra o réu e ora reclamante, segundo a terminologia do n.º 2 do artigo 647º (escreveu-se 646º, mas decerto por lapso) do Código de Processo Penal de 1929, temos de concluir que este não tinha legitimidade para recorrer dele, mesmo mediante invocação da sua eventual ilegalidade e em recurso restrito a este aspecto'.
Decorre, pois, do teor do despacho reclamado que nele se interpretou o artigo
647º, 2.º, do Código de Processo Penal de 1929 (segundo o qual o réu tem legitimidade para recorrer das decisões contra si proferidas), no sentido de que não é de considerar decisão proferida contra o réu um despacho que ordena que se lhe notifique a nova data da audiência do julgamento, que foi adiado por falta de outro réu, com a cominação de que, se faltar, esse julgamento se fará à sua revelia; e que, por isso, ele, réu, não tem legitimidade (recte, interesse em agir) para recorrer de tal despacho. Pois bem: é a constitucionalidade dessa norma que o recorrente questiona, quando diz que a notificação com a cominação de 'que o julgamento, em caso de futura ausência do arguido, terá lugar à revelia deste [...] é decisão proferida contra este sujeito processual' (conclusão 1ª) - por isso que seja 'passível de recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 647º do Código de Processo Penal de 1929'
(conclusão 2ª) - e acrescenta que 'um entendimento como o sufragado pelo douto despacho recorrido, no sentido contrário ao preconizado na conclusão anterior, segundo o qual, ante a referida situação, soçobraria ao sujeito processual legitimidade para recorrer, viola o disposto no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República' (conclusão 3ª).
É, por isso, a constitucionalidade da norma constante no artigo 647º, 2.º, do Código de Processo Penal de 1929, com a interpretação apontada, que aqui há que apreciar. Isto, claro é, se dever entender-se que o recorrente deve ser dispensado do ónus da suscitação de tal questão de inconstitucionalidade, durante o processo.
É que, antes de proferido o despacho recorrido, o recorrente não suscitou a inconstitucionalidade da norma constante o artigo 647º, 2.º, do Código de Processo Penal de 1929, com a interpretação apontada. O que ele admitiu foi que essa norma tivesse sido violada pelo despacho de que reclamara para o Presidente da Relação. Disse, na verdade, que tal sucedia, se, com a afirmação de que 'o mesmo não tem legitimidade', esse despacho quisesse referir-se ao reclamante, pois, em tal caso, seria uma 'decisão contra ele proferida'. Depois, no requerimento de recurso para este Tribunal, o recorrente também não indicou aquele artigo 647º,
2.º, mas o artigo 646º, 2.º, do Código de Processo Penal de 1929.
Pois bem: entende-se que o recorrente deve ser dispensado do ónus da suscitação da questão da inconstitucionalidade, durante o processo. Na verdade, compreende-se que ele tenha ficado na dúvida sobre se a não admissão do recurso, que interpôs para a Relação, se ficava a dever ao facto de o juiz ter entendido que ele não tinha legitimidade para recorrer (recte, interesse em agir), em virtude de o despacho recorrido (o despacho de 17 de Maio de 1999) não poder ser considerado decisão proferida contra si, ou apenas à circunstância de tal despacho ser de mero expediente – e, assim, insusceptível de recurso, nos termos do artigo 646º, 1.º. E isso, porque o despacho que não admitiu o recurso não só não citou o mencionado artigo 647º, 1.º; como está redigido de forma equívoca, em termos de permitir ligar a falta de legitimidade ao recurso, e não ao recorrente. Escreveu-se, aí, com efeito: 'Não admito o recurso interposto a fls. 1384, já que salvo o devido respeito, o mesmo não tem legitimidade. E isto, porque vem recorrer de uma decisão, sustentada em dispositivo legal – artigo 566º, §1º do Código de Processo Penal de 1929, e como tal impugnável – ou incontestável – artigos 645º e 646º, n.º 1, do Código de Processo Penal de 1929'.
No despacho do Presidente da Relação, ora sob recurso, ficou claro que o recorrente (então reclamante) não podia impugnar o despacho de 17 de Maio de
1999 perante a Relação, por carecer de legitimidade (recte, por não ter interesse em agir), uma vez que esse despacho não pode ser qualificado como decisão proferida contra si. Escreveu-se aí que dele 'não resulta a violação de quaisquer direitos substanciais ou processuais dos arguidos, designadamente do ora reclamante. De facto, a decisão que, alegadamente, violará os seus direitos processuais não é a decisão de 17 de Maio (por lapso, escreveu-se 16), mas aquela que vier a determinar a realização do julgamento à sua revelia, de que a decisão já proferida é meramente preparatória ou preliminar'. Não obstante isso, tal despacho, quando, no final, diz que se não está em presença de decisão proferida contra o réu, faz apelo ao artigo 646º, n.º 2 – o que deixa persistir um resto de dúvida sobre o preceito legal em que nele se fundamenta a falta de legitimidade (recte, a falta de interesse em agir), embora, em boa verdade, o discurso anterior aponte para que a referência a esse normativo se deve a puro lapso.
Há-de, assim, convir-se em que, neste contexto, não era verdadeiramente exigível que o recorrente, durante o processo, tivesse suscitado a questão de constitucionalidade atrás identificada. E hão-de também compreender-se as hesitações do recorrente entre reportar tal questão ao artigo 647º, 2º, ou ao artigo 646º, 2º.
4. A questão de constitucionalidade. Disse-se atrás que a questão de constitucionalidade se traduz em saber se é ou não compatível com a Constituição o artigo 647º, 2.º, do Código de Processo Penal de 1929 (segundo o qual o réu tem legitimidade para recorrer das decisões contra si proferidas), interpretado no sentido de que não é de considerar decisão proferida contra o réu um despacho que ordena que se lhe notifique a nova data da audiência do julgamento, que foi adiado por falta de outro réu, com a cominação de que, se faltar, esse julgamento se fará à sua revelia; e que, por isso, ele, réu, não tem legitimidade (recte, interesse em agir) para recorrer de tal despacho.
O recorrente – recorda-se – sustenta que aquele normativo, assim interpretado, viola o artigo 32º, n.º 1, da Constituição, pois que torna 'um processo penal assim concebido como não garantidor de todas as garantias de defesa' e cerceia,
'de forma constitucionalmente ilegítima, o direito ao recurso'.
O recorrente não tem razão.
Antes de mais, convém recordar que, como este Tribunal tem dito repetidamente, o artigo 32º, n.º 1, da Constituição, ao dispor que 'o processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso', não atribui um direito ilimitado de impugnação de toda e qualquer decisão judicial proferida no processo penal. O direito ao recurso no processo penal garante-o a Constituição quanto às decisões condenatórias e relativamente àquelas que privem ou restrinjam a liberdade ou quaisquer direitos fundamentais do arguido.
Assim, sempre o Tribunal julgou compatíveis com a Constituição várias normas do processo penal que recusam ao arguido a possibilidade de recorrer de determinados despachos interlocutórios.
Esta jurisprudência conduz, naturalmente, a ter por compatível com a Constituição uma norma como a que aqui está sub iudicio, que recusa ao arguido o direito de recorrer de uma decisão, confirmativa de outra, cujo único sentido e alcance é o de alertar esse mesmo arguido para a cominação constante do artigo
566º, §1º, do Código de Processo Penal de 1929 (julgamento à revelia do réu que, notificado, falte à audiência sem justificação).
Na verdade, está-se em presença de uma decisão (a da 1ª instância), que é preliminar, de mero advertimento, que não contém qualquer injunção. Dizendo de outro modo: é uma decisão que, ao cabo e ao resto, nada decide em definitivo – e
que, por isso, não afecta quaisquer direitos ou interesses legitimamente protegidos do arguido: é que, a referida cominação pode nem sequer vir a aplicar-se no caso: basta que o arguido compareça ou, se faltar, o faça justificadamente. Ora, a definitividade da decisão exigiu-a este Tribunal, noutras ocasiões, para considerar admissível o recurso de constitucionalidade
[cf. os acórdãos nºs 151/85, 267/91, 240/94 e 274/92 (publicados no Diário da República, II série, de 31 de Dezembro de 1985, de 23 de Outubro de 1991, de 28 de Julho de 1994, os três primeiros e o último por publicar)].
A decisão que, por isso, poderá afectar os direitos ou interesses do arguido é aquela que, no dia designado para a audiência, o juiz vier a proferir, determinando a realização do julgamento do arguido à revelia, se, acaso, este faltar. Esta decisão é que terá que ser recorrível, pois ela é que, verdadeiramente, se pode dizer proferida contra o arguido, que, por isso, terá todo o interesse em impugná-la. Esse interesse – o interesse em agir em via de recurso - já se não pode dizer que exista, estando em causa uma decisão provisória, como é aquela que o despacho reclamado apreciou.
A norma sub iudicio não é, assim, inconstitucional: como adverte o Ministério Público, 'não é obviamente possível pretender inferir do direito ao recurso,
ínsito no princípio constitucional das garantias de defesa, a regra da irrestrita recorribilidade de todas as decisões interlocutórias do juiz ao longo do processo penal – incluindo meras decisões preliminares ou provisórias, que se limitam a alertar os sujeitos do processo para a eventual aplicação de cominações, legalmente previstas, se, no futuro, vierem a praticar determinados actos ou omissões no decurso da tramitação da causa'.
Há, por isso, que negar provimento ao recurso. III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). negar provimento ao recurso; e, em consequência, confirmar a decisão recorrida quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade;
(b). condenar o recorrente nas custas, com quinze unidades de conta de taa de justiça. Lisboa, 5 de Abril de 2000 Messias Bento Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida