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Processo n.º 916/12
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente o Município de Loures e recorrida A., SA, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. Decisão Sumária n.º 621/2013, fls. 395-405):
«(…)
5. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.
Se o Relator verificar que alguns deles não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
6. Do teor do requerimento de interposição de recurso apresentado pela recorrente decorre que do mesmo consta a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto – alínea b) do n.º 1 artigo 70.º; das normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie – artigos 688.º, nº 3 e 700.º, nº 3 do Código de Processo Civil e artigo 40.º do Regulamento do Centro de Arbitragem da Associação Comercial de Lisboa; a indicação das normas ou princípios constitucionais que considera violados – artigo 20.º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa; e a indicação das peças processuais em que alega ter suscitado a questão da inconstitucionalidade do artigo 40º do Regulamento do Centro de Arbitragem - «Reclamação para o Exmo. Desembargador Relator do Tribunal Central Administrativo Sul e, ainda, na reclamação para a Conferência, da douta decisão do Exmo. Relator».
Quanto à invocação das alegadas inconstitucionalidades das normas dos artigos 688.º, n.º 3 e 700.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, informa o recorrente, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional que «a inconstitucionalidade das referidas normas só agora é suscitada, na medida em que até à prolação do douto despacho de 15/11/2012, a questão de inconstitucionalidade das normas não se tinha ainda colocado e perfilado ao Recorrente, não tendo sido possível invocá-la, pelo que, só agora, se pode suscitar tal inconstitucionalidade» (cfr. fls. 384).
7. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).
Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.
8. Em relação ao pedido de apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 40.º do Regulamento do Centro de Arbitragem, constata-se que não se encontra preenchido, no caso em apreço, o pressuposto relativo à efetiva aplicação, pelo Tribunal recorrido, da norma (ou dimensão normativa) cuja constitucionalidade é questionada.
Antes de mais, deve notar-se que o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da constitucionalidade de normas que tenham sido efetivamente aplicadas, enquanto razão determinante das decisões recorridas (artigo 79º-C da LTC). Cabe, portanto, aos recorrentes delinear o objeto do recurso de modo que a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada corresponda, integral e fidedignamente, à que foi efetivamente aplicada pela decisão alvo de recurso. Sucede, porém, que, nos presentes autos, a norma (ou interpretação normativa) que o recorrente fixou como objeto do recurso não corresponde, precisamente, à adotada pela decisão recorrida. Com efeito, o preceito legal referido pelo recorrente no respetivo requerimento de interposição – isto é, o artigo 40.º do Regulamento do Centro de Arbitragem, na dimensão normativa invocada, não constituiu a ratio decidendi da decisão.
Se não, vejamos:
No presente caso, no despacho recorrido – de 15/11/2012 - não estava em causa o recurso da decisão final do Tribunal Arbitral, pelo que não foi efetivamente aplicado o artigo 40.º do Regulamento do Centro de Arbitragem. O despacho limitou-se a rejeitar a reclamação para a Conferência deduzida pelo Município de Loures, com fundamento único e exclusivo em normas de direito processual ordinário – artigos 688.º e 700.º, nº 3 do CPC.
Assim sendo, a alegada interpretação normativa do artigo 40.º do Regulamento do Centro de Arbitragem cuja inconstitucionalidade é suscitada não constituiu a base jurídica da decisão ora recorrida. E nem de outo modo poderia ser, já que no despacho recorrido, em que cumpria tão só decidir sobre a admissibilidade da reclamação para a Conferência da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30-07-2012, não há lugar à decisão de fundo pretendida, ou seja, à efetiva aplicação do artigo 40.º do Regulamento do Centro de Arbitragem.
Mas, mesmo que por hipótese, se considerasse no presente recurso de constitucionalidade ser recorrida a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 30/07/2012, que desatendeu a reclamação do ora recorrente, sempre se concluiria pela inadmissibilidade do presente recurso. Com efeito, mesmo assim não estariam preenchidos os requisitos legais necessários ao conhecimento do objeto do processo. Desde logo, na medida em que a questão da alegada inconstitucionalidade do artigo 40.º do Regulamento do Centro de Arbitragem não foi colocada de forma adequada junto do tribunal recorrido. Isto mesmo é reconhecido nesse aresto, na seguinte passagem:
«Não deixará, contudo, de se efetuar uma derradeira observação quanto ao argumento do Município impugnante, relativo à ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo 40º do Regulamento do Centro de Arbitragem. A nosso ver não vem invocada qualquer argumentação convincente para a procedência de tal pretensão, não sendo sequer indicada a norma constitucional que poderia ter sido violada» (cfr. fls. 326).
Compaginada a mesma com as peças processuais que o recorrente indicou como aquelas em que teria suscitada a questão de inconstitucionalidade da norma em causa – a saber: «Reclamação para o Exmo. Desembargador Relator do Tribunal Central Administrativo Sul e, ainda, na reclamação para a Conferência, da douta decisão do Exmo. Relator», verifica-se que a questão não foi adequadamente colocada. Com efeito, na primeira peça arguiu o reclamante que «(…) por outro lado, a invocação de que não há suscetibilidade de recurso na Comissão Arbitral da Associação Comercial de Lisboa, embora não se invoque a razão, não pode basear-se no art.º 40º, do Regulamento deste Centro de Arbitragem, já que o referido dispositivo é manifestamente ilegal por contrariar o disposto no art.º 29º da lei imperativa n.º 31/86, de 29/08, e inconstitucional (de “per si” e na interpretação que lhe foi dada) por violar o art.º 20º, da Constituição da República Portuguesa, constituindo uma forma de denegação de justiça, sendo que na acta de 23/09/09, em que se determinaram e fixaram entre as partes as normas de funcionamento para o caso “sub judice”, não é referida, nunca, a renúncia ao recurso pelas partes, nem a submissão, nesta matéria, ao Regulamento referido, bem pelo contrário, sabendo-se que a renúncia terá que ser expressa e clara, o que não ocorreu “in casu”.» (cfr. fls. 1517 e 1518 do processo de reclamação n.º 8641/12 – Tribunal Central Administrativo Sul, 2º Juízo-1ª Secção).
Ora, a previsão da renúncia ao recurso das decisões arbitrais encontra-se no artigo 29.º da Lei da Arbitragem Voluntária então vigente que dispunha:
«ARTIGO 29.º
(Recursos)
1 - Se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem para o tribunal da relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca.
2 - A autorização dada aos árbitros para julgarem segundo a equidade envolve a renúncia aos recursos.»
Verifica-se que a argumentação expendida pelo recorrente dirige-se a final à aplicação destas normas ao caso vertente, por considerar que não renunciou ao direito de recurso, seja por negar ter submetido o litígio nesta matéria à aplicação do Regulamento do Centro de Arbitragem (não sendo assim aplicável o seu artigo 40.º), seja por não ter feito a renúncia de forma expressa.
Neste enquadramento, o recorrente suscita a questão da pretensa inconstitucionalidade normativa do artigo 40.º do Regulamento sem a autonomizar dos contornos do caso concreto, defendendo, pelo contrário, que o mesmo artigo não se aplica ao caso vertente, já que, conforme alegado pelo ora recorrente, «na acta de 23/09/09, em que se determinaram e fixaram entre as partes as normas de funcionamento para o caso “sub judice”, não é referida, nunca, a renúncia ao recurso pelas partes, nem a submissão, nesta matéria, ao Regulamento referido» (sublinhado acrescentado).
Com efeito, o que está em causa é a aplicação in casu do disposto na 1ª parte do n.º 1 do artigo 29.º da Lei da Arbitragem Voluntária (a Lei 31/86, de 29 de agosto, então aplicável), quando prevê que as partes renunciem ao direito de recurso, alegando o ora recorrente que não houve «submissão, nesta matéria, ao Regulamento referido», ou seja, que não submeteu o litígio ao Regulamento do Centro de Arbitragem na parte em que prevê a renúncia ao recurso pelas partes (artigo 40.º).
Ora, da argumentação expendida não resulta, com um mínimo de clareza, a dimensão normativa do artigo 40.º do Regulamento que pretende impugnar («de “per si” e na interpretação que lhe foi dada»), nem resulta, com um mínimo de fundamentação, a justificação do juízo de inconstitucionalidade que alega ocorrer por violação do artigo 20.º da Constituição – limitando-se a referir que o referido dispositivo é inconstitucional por violar o citado artigo da Constituição «constituindo uma forma de denegação da justiça».
Não sendo cumprido o requisito da suscitação adequada perante o tribunal a quo da questão de inconstitucionalidade relativa à norma em causa, também não poderia essa questão ser conhecida no Tribunal Constitucional, no âmbito do presente processo de fiscalização concreta da constitucionalidade, enquanto órgão de recurso das decisões dos tribunais que aplicam normas cuja inconstitucionalidade foi (adequadamente) suscitada no processo.
9. No que concerne ao pedido de apreciação da constitucionalidade dos artigos 688º e 700.º nº 3 do CPC, constata-se também aqui a falta de verificação de outro pressuposto de admissibilidade do recurso – a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa.
Na verdade, a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional depende do requisito de suscitação, pelo recorrente – em termos tempestivos e procedimentalmente adequados – da questão de constitucionalidade normativa que pretende ver dirimida, junto do tribunal a quo, antes da prolação da decisão recorrida.
Para cumprir tal ónus, terá o recorrente de identificar, de forma clara e explícita, a concreta questão normativa de constitucionalidade que pretende ver dirimida, aduzindo uma fundamentação minimamente concludente, com um suporte argumentativo que inclua a menção das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade que defende. Só desse modo poderá considerar-se que a questão foi tempestiva e adequadamente suscitada, criando para o tribunal a quo um dever de pronúncia sobre a matéria de constitucionalidade a que tal questão se reporta.
Como se decidiu no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República, II série, de 6 de setembro de 1994), deve entender-se a exigência de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo, “não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”. É que é este o único sentido do dito requisito que corresponde à natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, da questão suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela (ver também o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República, II série, de 20 de junho de 1995).
No caso em apreço, o recorrente teve a oportunidade de suscitar a questão de inconstitucionalidade que pretendia ver apreciada na reclamação para a conferência do despacho do Relator que deduziu em 24-09-2012 (fls. 342-349), tendo a reclamação sido sustentada no próprio artigo 700.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, que prevê a reclamação para a conferência «salvo o disposto no artigo 688.º». Assim, cumpria ao reclamante – ora recorrente - invocar previamente a inconstitucionalidade daqueles normativos. Como se vê, o recorrente dispôs de oportunidade processual, anteriormente à decisão ora recorrida (proferida em 15-11-2012) para suscitar a inconstitucionalidade dos artigos em causa e não suscitou tal questão.
Acresce que, no caso em apreciação, e contrariamente ao sugerido na formulação do ponto 5. do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal (a fls. 384, dos autos), não está em causa qualquer decisão surpresa que justifique o incumprimento do ónus que recaía sobre o recorrente. Como, a este propósito, se salientou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 479/89 (Diário da República, II série, de 24 de abril de 1992), “terá de ponderar-se que não pode deixar de recair sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adotarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada). E isso também logo mostra como a simples ‘surpresa’ com a interpretação dada judicialmente a certa norma não será de molde (ao menos, certamente, em princípio) a configurar uma dessas ‘situações excecionais’ em que seria justificado dispensar os interessados da exigência da invocação da inconstitucionalidade antes de se esgotar o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a questão para cuja resolução é relevante a norma impugnada [...]. Mas, se alguma vez tal for de admitir, então haverá de sê-lo apenas numa hipótese em que a interpretação judicial seja tão insólita e imprevisível que seria de todo desrazoável dever a parte contar (também) com ela”.
Não estamos perante uma daquelas situações, excecionais ou anómalas, em que o recorrente não tivesse tido oportunidade para suscitar a questão de constitucionalidade das normas aplicadas na decisão de indeferimento da reclamação antes de ela ter sido proferida, que foram apenas as do artigo 668.º, n.º 3 e do artigo 700.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, cuja aplicação se não afastou daquilo com que seria razoável contar.
Impende, pois, sobre o recorrente o ónus de avaliar e pesquisar as possíveis interpretações suscetíveis de vingar no julgamento do caso concreto, adotando depois a “estratégia processual” ou o método mais adequado à defesa dos seus interesses, de modo que deveria o recorrente, no momento processual oportuno, ter suscitado a questão de inconstitucionalidade que ora pretende ver apreciada.
Não o tendo feito, e não estando em causa nenhuma decisão surpresa que confronte o recorrente com uma concreta aplicação de todo imprevisível ou inesperada das normas em que baseou a sua reclamação para a conferência, não cumpriu o mesmo aquela regra do ónus de suscitação durante o processo da questão de inconstitucionalidade, pelo que falta este pressuposto do tipo de recurso em causa. E, assim, inverificado o pressuposto específico de prévia suscitação, que constitui, na vertente subjetiva, condição de legitimidade (artigo 72.º, n.º 2 da LTC), não se pode conhecer do recurso.
10. Termos em que, resultando dos autos que não se encontram preenchidos diversos pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso, não pode conhecer-se do objeto do presente recurso.»
2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, alegando, quanto à admissibilidade do recurso, o seguinte (cfr. fls. 409-414):
MUNICÍPIO DE LOURES, Recorrido nos autos acima referenciados, tendo sido notificado da douta decisão sumária n. ° 621/2013, proferida pela Exma. Juiz Conselheira Relatora, nos termos do n.º 1, do artigo 78°-A da LTC (redação da Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro), porque com a mesma se não pode conformar, vem, nos termos do artigo 78°-A, n.º 3 da L TC, apresentar
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
nos termos e com os fundamentos seguintes:
MERITÍSSIMOS JUÍZES CONSELHEIROS
DO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A douta decisão da Mma. Juiz Conselheira Relatora considerou, ao abrigo do disposto no n. ° 1, do artigo 78° -A da L TC, não conhecer do objeto do presente recurso, já que a invocação por parte do Recorrente, ora, Reclamante, das inconstitucionalidades das normas dos artigos 688°, n.º 3 e 700°, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), na interpretação normativa que lhe foi dada pelo douto despacho do Mmo. Juiz Relator do Tribunal Central Administrativo Sul (TCASul), proferido em 15/11/2012 e notificado em 19/11/2012, deveria ter sido efetuada na própria reclamação para a conferência do TCASul, como determina a alínea b), do n.º 2, do artigo 70°, da LTC.
2. Contudo, vem admitir a douta decisão sumária que em casos excecionais é possível o recurso para o Tribunal Constitucional, mesmo que não tenha havido suscitação prévia de inconstitucionalidade, como seja, quando se está perante uma qualquer decisão surpresa que justifique o incumprimento do ónus que recaía sobre o Recorrente, ora, Reclamante.
3. Ora, a verdade é que, salvo o devido respeito, estamos num daqueles casos 'anómalos', 'excecionais' e 'insólito', em que o Recorrente é confrontado com uma situação de aplicação ou interpretação normativa de todo imprevista e inesperada. 'In casu' o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal 'a quo' por não poder antever a possibilidade dessa aplicação (Acs. 642/99, 634/99, 124/00, 192/00, 79/02, 120/02.
4. Efetivamente, a douta decisão em apreço e que interpreta os artigos 688°, n.º 3 e 700, n.º 3 do CPC, perante a reclamação para a conferência do TCASul, diz expressamente 'Ora, é por demais evidente que a reclamação agora deduzida para a conferência é inadmissível por força do disposto nos artigos 688°, n.º 3 e 700°, n.º 3, ambos do CPC.
Assim sendo, não pode conhecer-se da presente reclamação.'.
5. Assim, a referida decisão, em termos de fundamentação, apenas refere que a reclamação é inadmissível, fazendo alusão aos referidos dispositivos legais, sem mais considerações, o que traz ínsito um juízo que constitui a 'ratio decidendi' da decisão 'sub judice'.
6. Ora, estão excluídos da reclamação para a conferência, apenas os despachos de mero expediente do Relator (o que não é, manifestamente, o caso) e salvo o disposto no artigo 688°, do CPC, que apenas pode ser entendido, manifestamente, no sentido de não admissão da reclamação para a conferência, do despacho de não admissão do recurso interposto de acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), ainda, dos despachos que recebam recursos de acórdãos do tribunal de que o Relator faz parte, e, finalmente, os despachos do Relator do TCA que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal.
7. Assim, a referida reclamação para a conferência não pode ser integrada, manifestamente, e sem quaisquer dúvidas, nem na perspetiva de reclamação de despacho de mero expediente ou das reclamações excetuadas pelo artigo 688°, do CPC.
8. Assim, o entendimento e interpretação sufragados pelo douto despacho que não admitiu a reclamação para a Conferência por parte do Recorrente, considerando-a inadmissível, por força dos arts. 688°, n.º 3 e 700°, n.º 3, impede e impossibilita que o Recorrente veja submetida à Conferência a sua reclamação, cuja decisão poderia vir a ser diferente, o que, constitui, desde logo, uma denegação de justiça, violando o n. ° 1 do artigo 20°, da Constituição da República Portuguesa, ao impedir o acesso aos tribunais, obstaculizando, em absoluto, o recurso, sendo que o legislador está impedido de eliminar, pura e simplesmente, a faculdade de recorrer, em absoluto, o que se encontra claramente contrário ao referido dispositivo legal, que garante que a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, o que é corroborado pelo Acórdão 31/87 BMJ 363 - 191, para além de impedir que se forme acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, impedindo, igual e nomeadamente, se a decisão não lhe for favorável, a possibilidade de interpor recurso de revista excecional previsto nos artigos 150° e seguintes do Código de Processo do Tribunais Administrativos, o que se encontra manifestamente contrário ao referido dispositivo constitucional (V. 'Recursos em Processo Civil', 3a Ed. Revista e Atualizada 2010, de António Santos Abrantes Geraldes - Almedina (fls. 261 a 277); 'Guia de Recursos em Processo Civil, o Novo Regime Recursório Civil', 4a Ed., de J.O. Cardona Ferreira (fls. 111 a 123); Coimbra Editora, 'Guia de Recursos em Processo Civil', 5a Ed. , de J. O. Cardona Ferreira (fls. 153 a 155), Coimbra Editora; Armindo Ribeiro Mendes - 'Recursos em Processo Civil - Reforma de 2007' (fls. 109 a 113) - Coimbra Editora; Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes - 'Dos Recursos' (fls. 211 a 224) - Quid Juris; 'Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil', 2a Ed. de Luis Filipe Brites Lameiras (fls. 133 a 137) - Almedina.
9. Não podia, assim, admitir-se ou prever-se, em absoluto, perante a letra e o espírito das referidas normas do CPC, da Doutrina e Jurisprudência, que, perante a reclamação para a conferência do douto despacho do Relator, a decisão fosse a de muito sinteticamente, o Exmo. Relator vir considerar inadmissível a reclamação com a mera invocação dos referidos artigos e sem qualquer outra fundamentação.
10. Não poderiam, assim, as referidas normas ser alvo de outras interpretações, pelo que o 'insólito' provocado pelo douto despacho do Exmo. Juiz Desembargador Relator do TCASul, não impunha ao Recorrente o referido ónus de suscitação prévia, atendendo à sua total imprevisibilidade, (V. Acs. 74/00, 152/00, 155/00, 210/00, 124/00, 221/00).
11. De facto, a interpretação normativa dos artigos 688°, n.º 3 e 700°, n.º 3 efetuada pelo Mmo. Juiz Relator do TCASul apresenta-se como 'surpreendente', 'inesperada' e 'insólita' numa dimensão objetivada do litigante médio devidamente representado por mandatário judicial, pelo que tal situação dispensa o recorrente do ónus de prévia e adequada suscitação de inconstitucionalidade (V. Acs. 374/00, 364/00, 120/02,415110,394/05).
12. Na verdade, ao recorrente não foi exigível que antevisse a possibilidade de interpretação normativa ao caso concreto, de modo a impôr-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da decisão, sendo que o recorrente acabou por não dispor de oportunidade processual para suscitar a questão antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal 'a quo' por não poder antever a possibilidade daquela interpretação.
13. Aliás, a presente situação, atendendo à interpretação normativa feita pelo Mmo. Juiz Relator do TCASul, dos artigos 688°, n.º 3 e 700°, n.º 3, acaba por assumir contornos de imprevisibilidade, não sendo razoável e adequado exigir ao recorrente um juízo prévio de prognose relativamente à interpretação normativa em causa, em termos de se poder antecipar ao proferimento desta decisão, suscitando logo a questão de inconstitucionalidade, sendo que tal interpretação normativa constitui uma surpresa com a qual o recorrente não contava, nem lhe era exigível que contasse, já que a interpretação do Mmo Juiz Relator do TCASul dos referidos dispositivos legais não se enquadra nas hipóteses de interpretação razoáveis das normas em questão.
14. Salvo o devido respeito, no que concerne à questão da inconstitucionalidade do artigo 40°, do Regulamento de Arbitragem Comercial, que se pretendeu não deixar cair, a verdade é que, embora em desacordo com a douta decisão sumária, ora, reclamada, dando-se aqui por inteiramente reproduzidos os argumentos expendidos no requerimento de interposição de recurso, a verdade é que tal matéria não foi objeto da decisão do Exmo. Juiz Desembargador Relator do TCASul, pelo que não pode constituir objeto de recurso e apreciação nesta sede, sendo que se a presente reclamação e o recurso forem considerados procedentes, a referida constitucional idade do artigo 40° do RCAC será apreciada na conferência do TCASul.
Pelo exposto, vem o recorrente requerer a V. Exas. que se dignem admitir e considerar procedente a presente reclamação, seguindo-se a ulterior tramitação prevista nos artigos 76° e seguintes da LTC. »
3. A recorrida A., SA, notificado para o efeito, veio apresentar a seguinte resposta (cfr. fls. 416-428):
«A., S.A., recorrida no processo à margem referenciado, notificada da reclamação para a conferência deduzida pelo MUNICIPIO DE LOURES (doravante ML), em 2013.11.18, relativamente à douta e bem elaborada decisão sumária n.º 621/2013, vem dizer e requerer o seguinte:
1. A douta decisão sumária n.º 621/2013, proferida 'ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 78°-A da LTC', decidiu 'não conhecer do objeto do presente recurso', por considerar - e bem - não ter sido 'cumprido o requisito de suscitação adequada perante o Tribunal a quo da questão relativa à norma' do art. 40° do Regulamento do Centro de Arbitragem e, ainda, por julgar 'inverificado o pressuposto especifico da prévia suscitação, que constitui na vertente subjetiva, condição de legitimidade (artigo 72°, n.º 2 da LTC) ', no tocante às normas dos arts. 700º/3 e 688º do CPC.
Marginalizando por completo os concretos pressupostos, fundamentos e alcance desta douta decisão, o ML veio agora apresentar um requerimento intempestivo, reconhecendo e confessando, por um lado, que a pretensa mas inexistente questão de inconstitucionalidade do art. 40° do Regulamento de Arbitragem 'não foi objeto de decisão do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator do TCA Sul' (v. ponto 14 da reclamação) e, por outro lado, que quanto aos arts. 700°/3 e 688° do CPC, estaria afinal em causa decisão surpresa e inesperada.
Como se demonstrará, a reclamação agora apresentada pelo ML constitui mera paráfrase invertida das razões e fundamentos invocados no douto acórdão deste Venerando Tribunal Constitucional n.º 354/2011, de 12 de julho, alterando e subvertendo, sem qualquer citação, o discurso argumentativo deste douto aresto, que, no quadro da invocação de pretensa inconstitucionalidade dos citados artigos b) 700°/3 e 688° do CPC, decidiu:
' Sendo a interpretação sindicada um dos termos alternativos de resposta a problema debatido na comunidade jurídica, cuja evolução devem os seus operadores, de acordo com padrões de diligência técnica média, acompanhar, poderiam os ora recorrentes, se com estes se conformassem, prever a sua adoção pelo Tribunal recorrido, suscitando, a seu propósito, questão de inconstitucionalidade que este pudesse decidir e o Tribunal Constitucional reapreciar.
Não o tendo feito, como lhes competia, comprometeram, por força da regra geral de legitimidade consagrada nas disposições conjugadas dos artigos 70.°, n.º 1, e 72.°, n.º 1, da LTC, a possibilidade de a ver apreciada por este Tribunal Constitucional' (v. Proc. 79/2011, in www.tribunalconstitucional.pt).
2. Em primeiro lugar, a reclamação agora deduzida pelo ML é manifestamente intempestiva, não tendo o reclamante pago a multa e penalização devidas (v. art. 78°-A/3 de LTC, arts. 139°/5 e 149° do NCPC; cfr. arts. 145°/5 e 153° do anterior CPC).
2.1. Como decorre do disposto nos arts. 69° e 78°-A da LTC e do art. 149° do NCPC (cfr. art. 153° do CPC), as reclamações para a conferência de decisões sumárias do relator, que julguem não poder conhecer-se do objeto do recurso, como se verifica in casu, devem ser deduzidas no prazo geral de 10 dias.
Por seu turno, o art. 139°/5 do NCPC permite a prática daquele ato processual 'durante os três primeiros dias subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa' (cfr. art. 145°/5 do CPC), que será acrescida 'de uma penalização de 25%, quando não tenha 'sido paga imediatamente' (v. n.º 139°/6 do NCPC e art. 145°/6 do CPC).
Ora, dos presentes autos resulta muito claramente o seguinte:
a) Em 2013.10.31, foi proferida a douta decisão sumária n.º 621/2013, que integra o objeto da presente reclamação e decidiu 'não conhecer do objeto do presente recurso';
b) A referida decisão sumária foi comunicado às partes por ofícios, de 2013.11.0l, que se consideram notificados, em 2013.11.04 (v. art. 248º do NCPC e art. 254° do CPC; cfr. art. 69° da LTC);
c) Em 2013.11.18, o ML entregou em mão, na Secretaria deste Venerando Tribunal, a reclamação para a conferência agora em análise.
Dado que as partes foram notificadas da douta decisão sumária, em 2013.11.04 (v. art. 248° do NCPC e art. 254° do CPC), o prazo de 10 dias para a apresentação de qualquer reclamação terminou, em 2013.11.14.
Acontece que o ML apenas apresentou a sua reclamação, em 2013.11.18, ou seja, no segundo dia útil seguinte ao termo do respetivo prazo, não tendo juntado, conforme lhe competia, o comprovativo do pagamento da correspondente multa (v. art. 139°/6 do NCPC; cfr. art. 145°/6 do anterior CPC).
2.2. A reclamação deduzida pelo ML, em 2013.11.18, é assim claramente intempestiva, devendo o reclamante ser notificado para pagar a respetiva multa e penalização (v. art. 139° do NCPC e art. 145° do CPC).
3. Em segundo lugar, a douta decisão sumária reclamada não enferma de qualquer erro de julgamento, não tendo o ML suscitado, de modo processualmente adequado, a alegada questão de inconstitucionalidade das normas dos arts. 700°/3 e 688° do CPC, ao longo do presente processo (v. art. 70º/1/b) da LTC), como se decidiu, em situação absolutamente idêntica, no douto Ac. TC n.º 354/2011, de 12 de julho.
3.1. Por um lado, o art. 70º/1/b) da LTC estabelece que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões judiciais 'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'.
As questões de constitucionalidade devem ser assim suscitadas 'de forma atempada, para possibilitar ao tribunal recorrido a aplicação da norma apreciada' (v. Ac. TC n.º 645/05, Proc. 455/05), e 'antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal' (v. Ac. ST J de 1990.03.07, Proc. 040236, www.dgsi.pt; cfr. Blanco de Morais, Justiça Constitucional, 2005/11/700), tendo-se decidido a este propósito, no douto Acórdão deste Venerando Tribunal Constitucional n.º 531/05, o seguinte:
' Deve manter-se a decisão de não conhecimento do recurso se não se demonstra a suscitação, durante o processo, da questão de constitucionalidade que se quer ver apreciada'(v. Ac TC n.º 531/05, Proc. 478/05; cfr. Ac. TC n.º 167/06, Proc. 182/06, ambos in www.tribunalconstitucional.pt).
No caso sub judice é manifesto que, como bem se salientou na douta decisão sumária reclamada, o ML nunca suscitou, ao longo do processo judicial, a inconstitucionalidade de qualquer interpretação ou sentido normativo dos arts. 700°/3 e 688° do CPC (v. art. 70º/1/b) da LTC), como aliás reconheceu expressamente nos seus requerimentos, de 2012.12.03 e de 2013.11.18, não estando em causa qualquer decisão surpresa (v.. no mesmo sentido, Acs. STA de 2012.05.02, Proc. 899/11; de 2012.05.09, Proc. 1108/11; cfr. Ac. Trib. Relação de Lisboa de 2011.01.20, Proc. 1527/09.4, todos in www.dgsi.pt).
Aliás, os citados arts. 700°/3 e 688° do CPC - expressamente invocados no douto despacho do TCA Sul, de 2012.11.15, que rejeitou a reclamação deduzida para a conferência pelo ML - estabelecem com rigor e precisão o regime legal aplicável às reclamações, sendo incontroverso que da 'decisão que incidiu sobre a reclamação não cabe reclamação para a conferência, sendo definitiva a decisão proferida pelo Relator' (v. Ac. Trib. Rel. de Lisboa, de 2011.01.20, Proc. 1527/09.4; cfr. Ac. STA de 2012.05.09, Proc. 1108/11; Luis Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, p.p. 93).
Nesta conformidade, é manifesto que o ML não podia reclamar para a conferência com fundamento em normas que expressamente lhe vedavam tal meio processual - in casu o art. 700°/3 do CPC, primeira parte -, sem invocar a questão da pretensa inaplicabilidade e inconstitucionalidade daqueles normativos (v. art. 70º/1/b) da LTC), não integrando o despacho recorrido do TCA (Sul), de 2012.11.15, qualquer decisão surpresa, como bem se decidiu na douta decisão sumária n.º 621/2013.
3.2. Por outro lado, é manifesto que no caso sub judice nunca estaria em causa qualquer situação 'surpreendente, inesperada e insólita', que 'dispense o recorrente do ónus de prévia e adequada suscitação de inconstitucionalidade', como invoca agora o ML.
Com efeito, não era surpresa e não podia ser inesperada para o ML a decisão proferida pelo TCA (Sul), de 2012.11.15, que, ao abrigo dos artigos 700°/3 e 688° do CPC, indeferiu a reclamação para a conferência então deduzida, pois esse sentido normativo daqueles dispositivos legais já tinha sido analisado e, em parte residual, também criticado, além do mais, nas cinco obras doutrinárias, publicadas entre 2007 e 2010 e agora criteriosamente invocadas pelo ML, no ponto 8 da sua reclamação.
Conhecendo - como confessa conhecer - que o referido sentido normativo era equacionável e previsível, não é sequer compreensível a invocação pelo ML de que não podia contar com a sua adoção in casu, e que estaria em causa interpretação normativa surpresa e inesperada…
A situação do presente processo - mesmo quanto à (falta) de invocação tempestiva da questão de constitucionalidade dos arts. 700°/3 e 688° do CPC - é, de resto, rigorosamente idêntica à que foi já objeto de apreciação no douto acórdão deste Venerando Tribunal Constitucional n.º 354/2011« de 12 de julho, tendo-se decidido de forma particularmente fundamentada o seguinte:
' Cumpre, agora, equacionar a questão prévia de saber se, atento o ónus de prévia suscitação que, em regra, recai sobre os recorrentes (artigos 70.°, n.º 1, alínea b), e 72.°, n.' 2, da LTC), lhes era, no caso vertente, exigível que suscitassem perante o Tribunal recorrido a questão de inconstitucionalidade que agora reportam ao artigo 700.°, n.º 3, do CPC, considerando, desde logo, que não o fizeram no requerimento pelo qual pediram a sujeição a acórdão da matéria sobre que recaiu o despacho que desatendeu a reclamação contra o indeferimento do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, como eles próprios assumiram no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Sustentam os recorrentes, neste último requerimento, que «invocam, agora, tal questão, uma vez que só nesta fase derradeira é que a mesma se manifestou», não tendo, pois, em fase processual anterior, oportunidade para tanto.
Sucede que, estando em causa requerimento apresentado em juízo ao abrigo expresso do n.º 3 do artigo 700.° do CPC, era claramente previsível que a sua admissibilidade fosse preliminarmente aferida à luz deste normativo legal, pelo que, fora o caso excecional em que seja do mesmo acolhida interpretação com a qual não pudesse razoavelmente contar, por inesperada, insólita ou imprevisível, se impunha ao requerente suscitar questão de inconstitucionalidade ao mesmo atinente, antecipando as várias hipóteses interpretativas que, atento os critérios gerais de interpretação da lei, nele tenham assento possível e questionando, desde logo, a seu propósito, a constitucional idade daquela que poderia comprometer, desde logo, o próprio conhecimento de mérito do incidente suscitado.
Não se afigura, contudo, verificada tal hipótese excecional.
Com efeito, o facto de uma dada interpretação da lei não corresponder àquela que se julga a correta - e, nem sequer, àquela que a generalidade da doutrina e jurisprudência tem defendido - não converte a decisão que a acolhe em decisão surpresa.
É que o que importa considerar, na perspetiva da legitimidade do recorrente para ver apreciada pelo Tribunal Constitucional questão de inconstitucionalidade a ela atinente, não é tanto o conteúdo da solução adotada - desde que, naturalmente, se contenha dentro dos parâmetros mínimos legalmente enunciados em matéria de interpretação da lei -, mas a equacionabilidade da própria questão ou problema interpretativo a que aquela pretende responder.
Ora, se é certo que, na vigência do regime anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, não era legítima qualquer dúvida interpretativa sobre a possibilidade de impugnar, designadamente por via da reclamação para a conferência, a decisão (singular) do presidente do tribunal superior que julgue reclamação deduzi da ao abrigo do artigo 688.° do CPC, a quem estava antes cometida tal competência, por ser hipótese então expressamente vedada por lei (artigo 689.°, n.º 2, do mesmo código), a verdade é que, com a nova redação conferida pelo citado decreto-lei às disposições conjugadas dos artigos 688.° e 700.° do CPC, passou a equacionar-se o problema de saber se a decisão proferida pelo relato r, no novo processamento legal de tal incidente (artigos 688.°, n.º 4, e 700.°, n.º 1, do CPC), é ou não passível de impugnação para a conferência (cf., entre outros, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil. Novo Regime, Almedina, 2007, pp. 163-165, Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, r Edição, Almedina, 2009, pp. 136-137, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, 2009, pp. 221-223, J.O. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 5ª Edição, Coimbra Editora, 2010, fls. 173-175.
Ora, é decisivamente a própria existência do debate em torno de tal questão interpretativa e a contenção do resultado interpretativo ora inovatoriamente questionado, na perspetiva da sua constitucionalidade, ainda nos parâmetros básicos a que o processo interpretativo deve obediência (artigo 9.° do CC) - por ter, desde logo, eco literal na redação dos preceitos em causa -, que liminarmente afastam a sua qualificação como de conteúdo imprevisível, insólito ou inesperado, hipótese que a jurisprudência constitucional tem, aliás, considerado verdadeiramente excecional ou anómala para o efeito de permitir o conhecimento de mérito pelo Tribunal Constitucional de questão de inconstitucionalidade não suscitada durante o processo.
Assim, e independentemente da sua bondade, sendo a interpretação sindicada um dos termos alternativos de resposta a problema debatido na comunidade jurídica, cuja evolução devem os seus operadores, de acordo com padrões de diligência técnica média, acompanhar, poderiam os ora recorrentes, se com estes se conformassem, prever a sua adoção pelo Tribunal recorrido, suscitando, a seu propósito, questão de inconstitucionalidade que este pudesse decidir e o Tribunal Constitucional reapreciar.
Não o tendo feito, como lhes competia, comprometeram, por força da regra geral de legitimidade consagrada nas disposições conjugadas dos artigos 70.°, n.º 1, e 72.°, n.º 1, da LTC, a possibilidade de a ver apreciada por este Tribunal Constitucional' (v. Proc. 79/2011, in www.tribunalconstitucional.pt).
3.3. Face a esta douta decisão, importar ter em conta in casu os seguintes factos relevantes:
a) No extenso requerimento apresentado no TCA (Sul), em 2012.09.20, o ML veio, 'ao abrigo do disposto no art. 700°, n.º 3 do Código de Processo Civil', apresentar reclamação para a conferência, não invocando, nem suscitando qualquer questão de inconstitucionalidade daquela norma processual, que não lhe permitia tal reclamação;
b) A pretensa questão de inconstitucionalidade dos arts. 700°/3 e 688° do CPC só foi referida pelo ML no requerimento de interposição de recurso para este Venerando Tribunal Constitucional, apresentado em 2012.12.03, na sequência do despacho do TCA (Sul), de 2012.11.15, que tinha decidido: 'é por demais evidente que a reclamação agora deduzida para a conferência é inadmissível, por força do disposto nos artigos 688º n.º 3 e 700º n.º 3, ambos do CPC';
c) No referido requerimento de interposição de recurso, de 2012.12.03 (v. ponto 4) e, agora de novo, na reclamação deduzida, em 2013.11.18 (v. ponto 8), o ML demonstrou conhecer perfeitamente a controvérsia jurisprudencial e doutrinária que desde há muito se desenvolveu em torno do sentido normativo dos citados arts. 700°/3 e 688° do CPC, face ao alcance que também agora se questiona: inadmissibilidade legal da reclamação para a conferência;
d) O ML omitiu em ambos os requerimentos apresentados qualquer referência ao douto acórdão deste Venerando Tribunal Constitucional n.º 354/2011, citando apenas, por ordem diversa e como se abonassem às suas peregrinas teses, as extensas referências doutrinais constantes daquele douto aresto...
É pois manifesto que a decisão proferida pelo TCA (Sul), de 2012.11.15, que indeferiu a reclamação para a conferência então deduzido. ao abrigo dos artigos 668° e 700°/3 do CPC, não era surpresa e não podia ser inesperada para o ML, pois o sentido normativo daqueles dispositivos legais, por não admitirem reclamação para a conferência, resultava claro dos citados normativos e já tinha sido e estava a ser doutrinal e jurisprudencialmente debatido, desde 2007.
Esta controvérsia era do perfeito conhecimento do Ilustre Mandatário do reclamante ou, pelo menos, devia ser, pois como se refere no Acórdão TC n.º 354/2011, compete aos operadores judiciários acompanhar, de acordo com padrões de diligência técnica média, os problemas debatidos na comunidade jurídica, prevendo a adaptação da alternativa desfavorável às suas teses, suscitando no TCA Sul a questão da inconstitucionalidade para que este a pudesse decidir e o Tribunal Constitucional a reapreciar.
3.4. Do exposto decorre inequivocamente que a douta decisão sumária agora reclamada não merece nem pode merecer qualquer censura, pois, como se verifica in casu e tem desde há muito constituído jurisprudência deste Venerando Tribunal Constitucional:
' Não pode considerar-se insólita ou inesperada uma decisão que, mediante interpretação declarativa do texto legal, faça aplicação de uma norma potencial e muito previsivelmente mobilizável para a resolução do caso concreto, porquanto instituinte de um possível desfecho para uma determinada controvérsia. E isto porque, ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em face da lei fundamental. Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do direito plausível de ser aplicado e, nessa perspetiva, quanto à sua conformidade constitucional. Assim sendo, pode concluir-se que o recorrente não podia ter-se por dispensado do ónus de suscitar a questão de constitucionalidade que agora coloca ao Tribunal Constitucional' (v. Ac. TC n.º 150/08, de 2008.03.04; cfr., rigorosamente no mesmo sentido, Acs. TC n.º 430/13, n.º 414/08, n.º 186/03, n.º 378/04 e n.º 479/89, todos in www.tribunalconstitucional.pt).
Face ao teor literal dos arts. 668° e 700°/3 do CPC, na redação do DL 303/2007, e à controvérsia sobre o seu alcance, é incontornável que a questão de inconstitucionalidade devia ter sido suscitada perante o TCAS, não podendo o ML tentar prevalecer-se continuadamente das suas próprias omissões e das suas imprudências técnicas ...
4. Em terceiro lugar, é manifesto que além de não ter sido oportunamente invocada qualquer questão de inconstitucionalidade pelo ML, o presente recurso nunca poderia ter por objeto a apreciação e decisão 'de eventuais erros de julgamento decorrentes de mera subsunção ao direito' ordinário (v. TC n.' 229/00, de 2000.04.05, Proc. 138/2000), 'ligados irremediavelmente a particularidades específicas do caso concreto' (v. Ac. TC n.º 401/2010, de 2010.10.27, Proc. 600/2010), e/ou 'a comportamentos do recorrente e à processual por si elaborada'(v. Ac. TC n.º 238/2012, de 2012.03.09, Proc. 147/12, todos in www.tribunalconstitucional.pt), como claramente pretende agora o ML.
Com efeito, o douto acórdão deste Venerando Tribunal Constitucional n.º 31/87, de 1987.01.28 (v. Proc. 192/84), agora de novo contraditoriamente invocado pelo Município de Loures na sua reclamação, como fundamento da pretensa violação do art. 20°/1 da CRP (v. ponto 8 da reclamação), decidiu expressamente que, no domínio do processo penal:
'A Constituição garante a todos, no n.º 2 do seu artigo 20°, «o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos».
Mas tal garantia não abrange a obrigatoriedade da existência, para todas as decisões, de um duplo grau de jurisdição (v. www.tribunalconstitucional.pt).
A invocação deste douto ares to apenas tem como virtualidade demonstrar a improcedência e absoluta inadmissibilidade das infundadas teses do ML.
4.1. Por um lado, à semelhança do que sucedeu no processo em que foi proferido o citado Ac. TC n.º 31/87,também nos presentes autos, não está em causa qualquer processo penal, em que a garantia do duplo grau de jurisdição se imponha por força do art. 32° da CRP, não tendo a decisão sub judice afrontado qualquer normativo constitucional (v.. neste sentido, Ac. TC n.º 186/89, de 1989.02.09, in www.tribunalconstitucional.pt;cfr.Ac. TC n.? 210/85, DR, 2° Série de 1989.01.04; cfr. Acs. ST J, de 2010.03.17, Proc. 104/07 .9TTBCL.P 1.S 1; de 2008.07.02, Proc. 07S4752; de 2007.05.10, Proc. 06B1868; Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 4° ed.. 1/418).
4.2. Por outro lado, no caso em análise nunca se verificaria qualquer ofensa da alegada garantia genérica do duplo grau de jurisdição, repetidamente e agora de novo invocada pelo ML, em defesa das suas próprias posições contraditórias, conforme resulta das seguintes razões principais:
a) Pelo douto e bem elaborado despacho do Senhor Presidente da Comissão Arbitra!' Exmo. Senhor Professor Freitas do Amaral, de 2011.10.12, foi declarado inadmissível e, consequentemente, rejeitado o recurso que o ML tinha interposto do douto Acórdão Arbitral, de 2011.01.06;
b) Em 2011.10.24, o ML deduziu reclamação daquele douto despacho para o Tribunal Central Administrativo Sul;
c) Pelo douto despacho do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2012.07.30, proferido em segundo grau de jurisdição, foi desatendida a reclamação deduzida pelo ML, em 2011.10.24, tendo-se concluído doutamente 'pela manifesta inadmissibilidade do recurso e da reclamação, quer por força da submissão do litígio ao Centro de Arbitragem Comercial (artigos 2° e 40° do Regulamento de Arbitragem do Centro), quer por força do artigo 27°, n.º 1 da Lei de Arbitragem Voluntária', referindo ainda que se compreende 'a atitude restritiva do legislador em matéria de recurso sobre arbitragem voluntária, atenta a preocupação de celeridade processual que normalmente preside à submissão de um litígio ao Tribunal Arbitral, e sem esquecer que a arbitragem voluntária tem um fundamento contratual, que inibe as partes de vir questionar uma ou mais normas a que antes se vincularam, o que configura um verdadeiro 'venire contra factum proprium' (v. fls. 10 do despacho);
d) Pelo douto despacho do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2012.11.15, foi rejeitada a reclamação para a conferência deduzida pelo ML, ex vi do disposto nos arts. 688° e 700°/3 do CPC, que não permitem tal reclamação (v.. no mesmo sentido, Acs. ST A de 2012.05.02, Proc. 899/11; de 2012.05.09, Proc. 1108/11; cfr. Ac. Trib. Relação de Lisboa de 2011.01.20, Proc. 1527/09.4, todos in www.dgsi.pt).
Nesta conformidade, temos de concluir que as questões suscitadas pelo ML foram objeto de três graus de jurisdição - despacho do Sr. Presidente da Comissão Arbitral, de 2011.10.12, despacho do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2012.07.30, que manteve aquela decisão e julgou improcedente a reclamação deduzido pelo ML, e despacho do TCA (Sul), de 2012.11.15, que rejeitou a reclamação para a conferência -, pelo que nunca seria invocável in casu qualquer violação do art. 20°/1 da CRP.
Aliás, na generosa mas descabida tese do ML, este teria direito a que a sua pretensão fosse apreciada em quarto grau de jurisdição pela Conferência do TCA, por forma a garantir-se ainda a possibilidade de recurso de revista da decisão que fosse proferida para o Venerando STA, e agora em quinto grau de jurisdição, o que demonstra claramente que no presente processo não está e nunca esteve em causa qualquer violação do art. 20°/1 da CRP.
5. Em quarto lugar e como finalmente se reconhece agora na reclamação apresentada pelo ML (v. ponto 14 da reclamação), o douto despacho do TCA (Sul), de 2012.11.15, não aplicou efetiva ou implicitamente, como ratio decidendi, as normas do crt, 40° do Regulamento do Centro de Arbitragem, cuja inconstitucionalidade o ML inicialmente também pretendia ver declarada (v. art. 70º/1/b) da LTC).
Com efeito, no douto despacho recorrido do TCA (Sul), de 2012.11.15, não estava e nunca esteve minimamente em causa o recurso da decisão final do tribunal arbitral, pelo que não se aplicou ou invocou, como ratio decidendi ou sequer como referência incidental, o art. 40° do Regulamento do Centro de Arbitragem, que nunca seria sequer convocável in casu.
O referido despacho limitou-se a rejeitar a reclamação para a conferência deduzida pelo ML, com fundamento único e exclusivo em normas de direito processual ordinário, constantes dos arts. 688° e 700°/3 do CPC, que integram e esgotam a sua ratio decidendi (v. arts. 70° e 72° e segs. da LTC), decidindo de forma absolutamente clara: 'é por demais evidente que a reclamação agora deduzi da para a conferência é inadmissível, por força do disposto nos artigos 688º n.º 3 e 700º n.º 3, ambos do CPC'.
6. Do exposto resulta assim claramente o seguinte:
a) A reclamação deduzida pelo ML, em 2013.11.18, é claramente intempestiva, devendo o reclamante ser notificado para pagar a respetiva multa e penalização (v. art. 139º do NCPC e art. 145° do CPC);
b) A douta decisão sumária reclamada não enferma de qualquer erro de julgamento, não tendo o ML suscitado, de modo processualmente adequado, a alegada questão de inconstitucionalidade das normas dos arts. 700º/3 e 688º do CPC ao longo do presente processo (v. art. 70º/1/b) da LTC), como se decidiu, em situação absolutamente idêntica, no douto Ac. TC n.º 354/2011 de 12 de julho;
c) O presente recurso nunca poderia ter por objeto a apreciação e decisão 'de eventuais erros de julgamento decorrentes de mera subsunção ao direito' ordinário (v. TC n.º 229/00, de 2000.04.05, Proc. 138/2000), 'ligados irremediavelmente a particularidades específicas do caso concreto' (v. Ac. TC n.º 401/2010, de 2010.10.27, Proc. 600/2010), e/ou 'a comportamentos do recorrente e à peça processual por si elaborada' (v. Ac. TC n.º 238/2012, de 2012.03.09, Proc. 147/12, todos in www.tribunalconstitucional.pt), como claramente pretende o ML;
d) Como se reconhece agora na reclamação do ML (v. ponto 14 da reclamação), o douto despacho do TCA (Sul), de 2012.11.15, não invocou, nem aplicou efetiva ou implicitamente, como ratio decidendi ou referência incidental, as normas do art. 40° do Regulamento do Centro de Arbitragem (v. art. 70º/l/b) da LTC).
NESTES TERMOS,
Deverá ser negado provimento à reclamação agora deduzida pelo ML, mantendo-se a douta decisão sumária n.º 621/2013, conforme se decidiu, perante situação de facto e de direito absoluta e rigorosamente idêntica, no douto Ac. Tribunal Constitucional n.º 354/2011, de 12 de julho.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Na decisão sumária reclamada decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, delimitado pelo recorrente quanto às normas constantes dos artigos 688.º, nº 3 e 700.º, nº 3 do Código de Processo Civil, por um lado, e do artigo 40.º do Regulamento do Centro de Arbitragem da Associação Comercial de Lisboa, por outro lado, com fundamento, respetivamente, na falta de verificação do pressuposto relativo à suscitação prévia da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido e na falta de verificação do requisito da efetiva aplicação da norma impugnada, a este respeito se concluindo não ter a decisão recorrida feito aplicação, como sua ratio decidendi ou fundamento jurídico, da alegada norma arguida de inconstitucionalidade pelo recorrente.
É desta decisão que agora se reclama.
4.1. Desde logo, relativamente às conclusões constantes da Decisão Sumária n.º 621/2013 quanto à insindicabilidade, pelo Tribunal Constitucional, das questões de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente quanto à norma contida no artigo 40.º do Regulamento do Centro de Arbitragem da Associação Comercial de Lisboa, decorre do teor da reclamação em análise que o recorrente se conforma com a decisão reclamada, admitindo o reclamante que «a verdade é que tal matéria não foi objeto da decisão do Exmo. Juiz Desembargador Relator do TCASul, pelo que não pode constituir objeto de recurso e apreciação nesta sede» (cfr. ponto 14., fls. 413-414).
4.2. Depois, quanto às conclusões exaradas sobre a admissibilidade do recurso para apreciação das normas constantes dos artigos 688.º, nº 3 e 700.º, nº 3 do Código de Processo Civil, alega o reclamante que «a interpretação normativa dos artigos 688°, n.º 3 e 700°, n.º 3 efetuada pelo Mmo. Juiz Relator do TCASul apresenta-se como 'surpreendente', 'inesperada' e 'insólita' numa dimensão objetivada do litigante médio devidamente representado por mandatário judicial, pelo que tal situação dispensa o recorrente do ónus de prévia e adequada suscitação de inconstitucionalidade (V. Acs. 374/00, 364/00, 120/02,415110,394/05), [não sendo exigível ao recorrente que] «antevisse a possibilidade de interpretação normativa ao caso concreto, de modo a impôr-se-lhe o ónus de suscitar a questão antes da decisão. (…) Aliás, a presente situação, atendendo à interpretação normativa feita pelo Mmo. Juiz Relator do TCASul, dos artigos 688°, n.º 3 e 700°, n.º 3, acaba por assumir contornos de imprevisibilidade, não sendo razoável e adequado exigir ao recorrente um juízo prévio de prognose relativamente à interpretação normativa em causa, em termos de se poder antecipar ao proferimento desta decisão, suscitando logo a questão de inconstitucionalidade, sendo que tal interpretação normativa constitui uma surpresa com a qual o recorrente não contava, nem lhe era exigível que contasse, já que a interpretação do Mmo Juiz Relator do TCASul dos referidos dispositivos legais não se enquadra nas hipóteses de interpretação razoáveis das normas em questão.» (cfr. Reclamação, pontos 11. A 13., fls. 412-413).
5. Assim, no que respeita à verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto quanto à norma constante do artigo 40.º do Regulamento do Centro de Arbitragem da Associação Comercial de Lisboa, admite expressamente o reclamante não ter sido aplicada a norma em questão na decisão judicial recorrida, termos em que resta concluir pela manutenção das conclusões a este respeito alcançadas na decisão sumária reclamada.
6. No que respeita às normas contidas nos artigos 688.º, n.º 3 e 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o recorrente admite que não suscitou em momento prévio à decisão recorrida a questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada, conforme lhe cabia por aplicação do artigo 72.º, n.º 2 da LTC, reiterando agora, em sede de reclamação, a natureza (alegadamente) surpreendente da decisão recorrida.
Para o efeito, o recorrente questiona a interpretação formulada na decisão recorrida aquando da aplicação daqueles preceitos da lei processual, que concluiu pela inadmissibilidade da reclamação deduzida para a conferência, contrapondo que «(…) estão excluídos da reclamação para a conferência, apenas os despachos de mero expediente do Relator (o que não é, manifestamente, o caso) e salvo o disposto no artigo 688°, do CPC, que apenas pode ser entendido, manifestamente, no sentido de não admissão da reclamação para a conferência, do despacho de não admissão do recurso interposto de acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), ainda, dos despachos que recebam recursos de acórdãos do tribunal de que o Relator faz parte, e, finalmente, os despachos do Relator do TCA que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal.» (cfr. Reclamação, fls. 410 a 411).
Assim, e como se lê na reclamação apresentada, «(…) o entendimento e interpretação sufragados pelo douto despacho que não admitiu a reclamação para a Conferência por parte do Recorrente, considerando-a inadmissível, por força dos arts. 688°, n.º 3 e 700°, n.º 3, impede e impossibilita que o Recorrente veja submetida à Conferência a sua reclamação, cuja decisão poderia vir a ser diferente, o que, constitui, desde logo, uma denegação de justiça, violando o n. ° 1 do artigo 20°, da Constituição da República Portuguesa, ao impedir o acesso aos tribunais, obstaculizando, em absoluto, o recurso, sendo que o legislador está impedido de eliminar, pura e simplesmente, a faculdade de recorrer, em absoluto, o que se encontra claramente contrário ao referido dispositivo legal, que garante que a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, o que é corroborado pelo Acórdão 31/87 BMJ 363 - 191, para além de impedir que se forme acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, impedindo, igual e nomeadamente, se a decisão não lhe for favorável, a possibilidade de interpor recurso de revista excecional previsto nos artigos 150° e seguintes do Código de Processo do Tribunais Administrativos, o que se encontra manifestamente contrário ao referido dispositivo constitucional (V. 'Recursos em Processo Civil', 3ª Ed. Revista e Atualizada 2010, de António Santos Abrantes Geraldes - Almedina (fls. 261 a 277); 'Guia de Recursos em Processo Civil, o Novo Regime Recursório Civil', 4ª Ed., de J.O. Cardona Ferreira (fls. 111 a 123); Coimbra Editora, 'Guia de Recursos em Processo Civil', 5ª Ed. , de J. O. Cardona Ferreira (fls. 153 a 155), Coimbra Editora; Armindo Ribeiro Mendes - 'Recursos em Processo Civil - Reforma de 2007' (fls. 109 a 113) - Coimbra Editora; Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes - 'Dos Recursos' (fls. 211 a 224) - Quid Juris; 'Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil', 2ª Ed. de Luis Filipe Brites Lameiras (fls. 133 a 137) - Almedina.» (cfr. idem, fls. 411 a 412).
É nessa sequência que o reclamante alega que «não podia, assim, admitir-se ou prever-se, em absoluto, perante a letra e o espírito das referidas normas do CPC, da Doutrina e Jurisprudência, que, perante a reclamação para a conferência do douto despacho do Relator, a decisão fosse a de muito sinteticamente, o Exmo. Relator vir considerar inadmissível a reclamação com a mera invocação dos referidos artigos e sem qualquer outra fundamentação», justificando a falta de suscitação prévia da questão de constitucionalidade no entendimento de que «não poderiam, assim, as referidas normas ser alvo de outras interpretações, pelo que o 'insólito' provocado pelo douto despacho do Exmo. Juiz Desembargador Relator do TCASul, não impunha ao Recorrente o referido ónus de suscitação prévia, atendendo à sua total imprevisibilidade».
7. Do teor da reclamação resulta que o recorrente pretende ver justificado o incumprimento do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo pela imprevisibilidade da interpretação sufragada pelo aresto recorrido - que qualifica de insólita -, de modo que não lhe seria exigível que antevisse a possibilidade de ser seguida a interpretação normativa no caso concreto que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
8. Não lhe assiste, porém, razão.
Desde logo, toda a argumentação expendida pelo recorrente, ora reclamante, revela que, diferentemente do alegado, as razões determinantes para sustentar a pretensa imprevisibilidade da decisão normativa tomada no acórdão recorrido prendem-se com a sua discordância relativamente à interpretação efetivamente conferida pelo Tribunal recorrido às disposições contidas nos artigos 688.º, n.º 3 e 700.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, não se retirando daquelas razões um fundamento para justificar a inexigibilidade de antecipação da possibilidade de ser aquela a interpretação que viria a ser adotada. É que não basta manifestar a discordância quanto à interpretação seguida no aresto (mesmo que baseada em pretensa inconstitucionalidade da decisão normativa adotada), apresentando uma interpretação alternativa que, alegadamente, constituiria a única possível e plausível solução normativa a retirar da lei aplicada.
Isto, porquanto, mesmo que se possa configurar a convocação de outra ou outras possíveis dimensões normativas por aplicação das disposições legais em causa – designadamente a sustentada pelo recorrente (e aqui se sublinhando que não compete, em todo o caso, ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a correção de qualquer das teses normativas em confronto) –, caberia às partes o ónus de preverem a possibilidade de ser adotada a interpretação normativa menos favorável aos seus interesses, suscitando a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida.
Depois, porque, in casu, não se pode afirmar que a «única» interpretação possível dos artigos 700.º, n.º 3 e 688.º, n.º 3 do CPP é a sustentada pelo recorrente, sendo inesperada qualquer outra interpretação que não lhe corresponda.
Cumpre recordar que a exceção agora invocada à regra da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, de modo a admitir que, em face de uma «decisão-surpresa», é inexigível o cumprimento de tal ónus antes de a parte ser confrontada com o teor da decisão em causa, tem tido um entendimento jurisprudencial muito estrito, destinado a não transformar a exceção em regra.
Como se pode retirar do Acórdão n.º 421/2010 (disponível em www.tribconstitucional.pt), «(…) importa salientar que a jurisprudência constitucional vem fazendo um interpretação assaz exigente e rigorosa desta exceção, só a admitindo nos casos – absolutamente excecionais ou anómalos – em que o recorrente é efetivamente confrontado com uma concreta aplicação ou interpretação normativa de todo imprevisível e inesperada, não lhe sendo razoavelmente exigível impor a antecipação de que o tribunal iria optar pela convocação ou interpretação da norma.
Assim, conforme vem sendo afirmando pelo Tribunal Constitucional, recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica, ponderando a estratégia e orientação processuais mais adequadas à salvaguarda dos seus direitos e interesses.
Cabe, pois, às partes a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas (…)».
Este estrito juízo sobre as situações em que ao recorrente assiste razão para invocar a imprevisibilidade da interpretação normativa adotada na decisão recorrida, de modo a estar dispensado do cumprimento do ónus da suscitação prévia da questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, leva a que, no presente caso, se conclua pela improcedência da exceção invocada. Com efeito, a interpretação do n.º 3 do artigo 700.º do Código de Processo Civil conjugada com o disposto no n.º 3 do artigo 688.º, do mesmo Código, ali se prevendo a reclamação para a conferência «salvo o disposto no artigo 688.º», no sentido de excluir da reclamação para a conferência a decisão do relator do tribunal superior que julgue reclamação deduzida ao abrigo do artigo 688.º do CPC, não pode ser tida por insólita ou absolutamente inesperada.
Vejamos como a questão agora reclamada foi tratada neste Tribunal, nas seguintes passagens do Acórdão n.º 354/2011 (disponível em www.tribconstitucional.pt):
«(…)
Sucede que, estando em causa requerimento apresentado em juízo ao abrigo expresso do n.º 3 do artigo 700.º do CPC, era claramente previsível que a sua admissibilidade fosse preliminarmente aferida à luz deste normativo legal, pelo que, fora o caso excecional em que seja do mesmo acolhida interpretação com a qual não pudesse razoavelmente contar, por inesperada, insólita ou imprevisível, se impunha ao requerente suscitar questão de inconstitucionalidade ao mesmo atinente, antecipando as várias hipóteses interpretativas que, atento os critérios gerais de interpretação da lei, nele tenham assento possível e questionando, desde logo, a seu propósito, a constitucionalidade daquela que poderia comprometer, desde logo, o próprio conhecimento de mérito do incidente suscitado.
Não se afigura, contudo, verificada tal hipótese excecional.
Com efeito, o facto de uma dada interpretação da lei não corresponder àquela que se julga a correta – e, nem sequer, àquela que a generalidade da doutrina e jurisprudência tem defendido - não converte a decisão que a acolhe em decisão surpresa.
É que o que importa considerar, na perspetiva da legitimidade do recorrente para ver apreciada pelo Tribunal Constitucional questão de inconstitucionalidade a ela atinente, não é tanto o conteúdo da solução adotada – desde que, naturalmente, se contenha dentro dos parâmetros mínimos legalmente enunciados em matéria de interpretação da lei –, mas a equacionabilidade da própria questão ou problema interpretativo a que aquela pretende responder.
Ora, se é certo que, na vigência do regime anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, não era legítima qualquer dúvida interpretativa sobre a possibilidade de impugnar, designadamente por via da reclamação para a conferência, a decisão (singular) do presidente do tribunal superior que julgue reclamação deduzida ao abrigo do artigo 688.º do CPC, a quem estava antes cometida tal competência, por ser hipótese então expressamente vedada por lei (artigo 689.º, n.º 2, do mesmo código), a verdade é que, com a nova redação conferida pelo citado decreto-lei às disposições conjugadas dos artigos 688.º e 700.º do CPC, passou a equacionar-se o problema de saber se a decisão proferida pelo relator, no novo processamento legal de tal incidente (artigos 688.º, n.º 4, e 700.º, n.º 1, do CPC), é ou não passível de impugnação para a conferência (cf., entre outros, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil. Novo Regime, Almedina, 2007, pp. 163-165, Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, 2009, pp. 136-137, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, 2009, pp. 221-223, J.O. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 5ª Edição, Coimbra Editora, 2010, fls. 173-175).
Ora, é decisivamente a própria existência do debate em torno de tal questão interpretativa e a contenção do resultado interpretativo ora inovatoriamente questionado, na perspetiva da sua constitucionalidade, ainda nos parâmetros básicos a que o processo interpretativo deve obediência (artigo 9.º do CC) – por ter, desde logo, eco literal na redação dos preceitos em causa –, que liminarmente afastam a sua qualificação como de conteúdo imprevisível, insólito ou inesperado, hipótese que a jurisprudência constitucional tem, aliás, considerado verdadeiramente excecional ou anómala para o efeito de permitir o conhecimento de mérito pelo Tribunal Constitucional de questão de inconstitucionalidade não suscitada durante o processo.
Assim, e independentemente da sua bondade, sendo a interpretação sindicada um dos termos alternativos de resposta a problema debatido na comunidade jurídica, cuja evolução devem os seus operadores, de acordo com padrões de diligência técnica média, acompanhar, poderiam os ora recorrentes, se com estes se conformassem, prever a sua adoção pelo Tribunal recorrido, suscitando, a seu propósito, questão de inconstitucionalidade que este pudesse decidir e o Tribunal Constitucional reapreciar.»
9. Resta concluir, na linha da jurisprudência do Tribunal Constitucional agora citada, que a aplicação, já verificada noutras situações, do normativo legal em causa com o sentido que veio a ser adotado no despacho judicial recorrido – e que corresponde, aliás, a uma das linhas interpretativas debatidas na doutrina sobre a matéria – não permite considerar a inexigibilidade de antecipação, pelo recorrente, da dimensão normativa alegadamente inconstitucional, para efeitos de não suscitação prévia da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, pelo que não se mostra preenchido in casu o requisito de legitimidade previsto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC.
III – Decisão
10. Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta nos termos do artigo 7.º.do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, ponderados os critérios previstos no n.º 1 do artigo 9.º do mesmo diploma.
Lisboa, 13 de fevereiro de 2014. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.