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Proc. n.º 171/99 ACÓRDÃO Nº 215/2000
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: I - RELATÓRIO
1. - A e mulher, propuseram contra o BANCO ... e contra B e mulher, no Tribunal Judicial de Paredes, uma acção ordinária pedindo: a. que os demandados reconheçam o seu direito de propriedade sobre o prédio urbano, que descrevem, inscrito no artigo 113º da matriz e na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 17.900; b. que se declare nula e de nenhum efeito a arrematação efectuada em 14 de Maio de 1979 pelos réus B e mulher no processo n.º 119/78, do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira; c. que se declare nula e de nenhum efeito a arrematação efectuada em 7 de Novembro de 1988 pelo réu BANCO... no processo n.º 106/85, do Tribunal Judicial de Paredes; d. que se ordene o cancelamento da inscrição n.º 7.158 da Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira; Por decisão de 17 de Janeiro de 1992, o senhor Juiz de Círculo de Paredes julgou verificada a ineptidão da petição inicial, absteve-se de conhecer do pedido e absolveu da instância os réus B e mulher e o BANCO....
2. - Desta decisão interpuseram os autores recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto, tendo o BPA recorrido subordinadamente. A Relação, por acórdão de 14 de Janeiro de 1993, decidiu conceder provimento ao agravo, determinando o prosseguimento do processo.
Notificado deste acórdão, foi a vez de o Banco... se não conformar com o assim decidido interpondo recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça.
Neste Tribunal, veio a ser proferido, em 29 de Setembro de 1993, um acórdão pelo qual se negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão da Relação, assim se revogando o despacho saneador na parte em que considerou inepta a petição inicial.
3. - Voltando os autos ao Tribunal de Círculo de Paredes, foi proferido um novo despacho saneador, prosseguindo a instância, ainda que o BANCO... tenha agravado do novo saneador.
Em 29 de Abril de 1997, veio a ser proferida a decisão final da acção, na qual se julgou a acção proposta por A e mulher improcedente e não provada e se absolveu os réus, BANCO... e B e mulher, dos pedidos formulados.
4. - Os autores não se conformaram com o assim decidido, tendo levantado recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo o agravo do despacho saneador suscitado pelo BANCO... subido com a apelação.
Na Relação do Porto, veio a ser proferido, em 19 de Maio de 1998, um acórdão que negou provimento ao recurso por se ter entendido que
'competia aos autores, como elemento constitutivo do seu direito, provar que o questionado prédio era sua propriedade. Porém, não obstante terem invocado a compra do prédio por escritura pública, não conseguiram provar que o direito de propriedade já existia na titularidade dos vendedores, e o usucapião, também o não lograram provar, como se decidiu na sentença recorrida, e bem, aliás.'
Os autores, ainda inconformados, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Nas suas alegações, os recorrentes sustentaram, na parte em que ao presente recurso interessa, o seguinte:
'AJ) o conceito de TERCEIRO, para efeitos do registo predial (artº
5º, n.º 1 do C.R.Predial) subscrito pelo douto Acórdão uniformizador do S.T.Justiça, n.º 15/97, publicado no Diário da República, 1ª Série- A, de
4/7/1997, pág. 3295, não deve ser seguido no caso dos autos, por colidir abertamente com as normas constitucionais que protegem o direito à propriedade privada, sua transmissão e ao direito de não ser expropriado sem uma indemnização.'
AL) Ora se os AA. forem privados do seu direito de propriedade, depois do mesmo reconhecido como válido e eficaz, à custa do registo de uma aquisição a non domino, tal equivale na prática, a uma expropriação forçada e sem indemnização, pois não podem demandar os vendedores a pedir a restituição do preço alegando que estes não eram donos, por carência de fundamento. AM) Por outro lado, os AA não viram até à data atacado pelos RR e ou quem quer que seja a validade e eficácia da escritura pública de 27/11/1978, pelo que o seu direito permanece por inteiro e só em sede própria poderá ser posto em causa. AN) Ora a seguir-se eventualmente o entendimento do douto Acórdão n. 15/97, tal poderia significar que in casu apesar dos AA e ora recorrentes serem donos do prédio por o terem adquirido ao seu legítimo dono e possuidor, ficariam privados do mesmo, sem o competente processo e ou indemnização, em favor de uma aquisição A NON DOMINO, apenas porque registada, sendo certo que o registo predial não é OBRIGATÓRIO NEM CONSTITUTIVO DE DIREITOS. AO) Não deve vir assim a ser eventualmente seguido o entendimento do douto Acórdão n. 15/97 e no caso deve o TRIBUNAL RECUSAR-SE a aplicá-lo, in CASU, por materialmente inconstitucional.'
Nas suas alegações, o BANCO... faz a história da questão e de como chegou à aquisição do imóvel em causa, considerando que a acção e o recurso têm de improceder uma vez que os AA não logram fazer a prova dos fundamentos do pedido.
O STJ, por acórdão de 28 de Janeiro de 1999, decidiu negar a revista, confirmando assim o acórdão da Relação.
Para chegar a tal conclusão, o STJ equacionou e resolveu as seguintes questões: a. podem os recorrentes e autores ser considerados titulares do direito de propriedade do prédio em causa nos autos? b. e, por causa disso, nas arrematações de 11 de Maio de 1979 e de 7 de Novembro de 1988 foi vendido um bem que não estava na titularidade jurídica do executado dos autos, tendo o acórdão recorrido violado o direito substantivo indicado pelo recorrente? c. violando inclusivamente as normas constitucionais respeitantes ao direito de propriedade?
Para responder às questões suscitadas nos autos, o acórdão do STJ, depois de elencar os factos provados nos autos, começa por transcrever a decisão tirada por aquele mesmo Tribunal em 20 de Maio de 1997 e que consta do acórdão uniformizador n.º 15/97 (publicado no Diário da República,
1ª Série - A, de 4 de Julho de 1997):
'A transmissão da titularidade do direito de propriedade é apenas um efeito essencial do contrato de compra e venda. Simplesmente, a eficácia não pode ser vista somente num plano interno (entre vendedor e comprador ou seus herdeiros), mas também num plano exterior (em relação a terceiros). E, neste plano, há que tomar em conta os princípios do registo predial (...)'
E conclui a citação do mencionado acórdão referindo que
'Terceiro para efeitos do registo predial são todos os que tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente posteriormente'.
E, prosseguindo o acórdão, procura demonstrar que não se tendo alegado a usucapião do imóvel, a escritura de compra e venda do prédio só transmite a propriedade relativamente a terceiro (na dimensão atrás referida) se
'foi acompanhada do registo desse acto, em data anterior à penhora e à arrematação'.
O acórdão conclui que não existe também qualquer violação das normas constitucionais atinentes ao direito de propriedade, uma vez que este direito não é garantido em termos absolutos, mas apenas dentro dos limites previstos e definidos na Constituição.
Quanto ao mérito do recurso de revista, escreve-se no acórdão recorrido o seguinte:
'Os recorrente A e mulher tem indiscutivelmente a seu favor a circunstância de terem, por escritura pública, comprado o prédio urbano referido nos autos. Não conseguiram, porém, demonstrar (quer eles quer os vendedores F e mulher) a aquisição do direito de propriedade através de quaisquer das formas de aquisição originária (incluindo o invocado usucapião). Conclui-se, por isso, ser fora de questão que não podem ser havidos como titulares dum direito de propriedade com aptidão para causar a nulidade das arrematações.
Com efeito, Porque os exequentes/arrematantes, procederam ao registo das penhoras sobre o prédio, em época anterior ao registo da aquisição dos recorrentes, é obvia a sua posição de terceiros. E, porque esta última posição é indiscutível, reconhece-se a final que na data da arrematação a aquisição feita pelos recorrentes não podia ter a eficácia que estes pretendem. Acresce que esta situação não contende com qualquer princípio constitucional nem ataca o direito de propriedade no modo em que este é proclamado pela Constituição.'
Conclui-se negando a revista, mas com uma declaração de afastamento quanto à fundamentação, do seguinte teor: 'Voto a decisão por se não ter provado a usucapião, já que, quanto ao conceito registral de terceiro, sigo a concepção restritiva de origem italiana (defendida por Manuel de Andrade, que
é a mais próxima dos conceitos juridico-culturais dos povos mediterrânicos)'.
5. - Não se conformando com o assim decidido, A e sua mulher vieram interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
Não tendo indicado no requerimento de interposição todos os elementos exigidos pela Lei do Tribunal Constitucional, foram os recorrentes convidados a completar tal requerimento, o que fizeram pelo de fls. 402, dos autos.
De acordo com este requerimento, os recorrentes pretendem que o Tribunal aprecie a conformidade à Lei Fundamental da norma do artigo 5º, n.º1, do Código de Registo Predial (Decreto-Lei n.º224/84, de 6 de Julho, com alterações posteriores) enquanto entende que terceiros, para efeitos do registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente.
Segundo os recorrentes, tal entendimento viola os artigos 20º e 62º (no requerimento referem, sem dúvida, por lapso, o artº 60º) da Constituição.
Neste Tribunal, os recorrentes apresentaram as suas alegações, tendo aí formulado as seguintes conclusões:
'A) O douto acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 15/97, com a formulação que deu ao conceito de terceiro para efeitos do disposto no artigo 5º, n.º1 do C.R.Predial, viola, in casu o direito de propriedade privada do recorrente , sobre o prédio dos autos, que adquiriu por escritura pública de 27/11, 1978, ao seu legítimo dono e possuidor, Sr.F e mulher, o qual ainda não foi posto em causa até à presente data, em juízo competente, máxime, pelo recorrido, e se encontra consagrado constitucionalmente, pois permitiu a sua aplicação aos presentes autos, o que teve como consequência ser privado do mesmo sem a correspondente indemnização. B) Na verdade, o Tribunal ao aplicar a noção de terceiro sufragada no douto acórdão n.º 15/97, deu prevalência à penhora registada em detrimento da aquisição anterior não registada, apesar de aquela ser a non domino, o que, na prática, significou, de forma indirecta uma expropriação sem pagamento da justa indemnização em processo próprio do prédio do recorrente. C) O douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/1/99, constante dos autos, devia assim ter recusado a aplicação, por inconstitucionalidade, do douto acórdão n.º 15/97 e não o fazendo cometeu o mesmo vício, que urge reparar. D) O título do recorrente, ou seja, a escritura pública de 27/11/78, não pode deixar de ser valorada no lugar que lhe compete, atenta a unidade do nosso sistema jurídico e hierarquia de fontes e valores nele estabelecida, dado produzir todos os seus efeitos civis, sem os constrangimentos do douto acórdão n.º 15/97, o qual não pode deixar de ser repudiado, porque contrário a vários princípios constitucionais, como os da substanciação, da razoabilidade, da boa-fé, da primazia do direito substantivo civil sobre o registral, da hierarquia das normas e do direito à propriedade privada, nas suas várias vertentes e a não ser expropriado sem justa indemnização. E) A formulação dada ao conceito de terceiro no douto acórdão n.º 15/97, foi tão ampla que ultrapassa claramente a sua natureza interpretativa e integradora de eventuais lacunas no sistema, invadindo de modo inequívoco o órgão legislativo competente, sendo que este não o quis e ou consentiu, pelo que existe in casu, inconstitucionalidade orgânica ou formal. F) Nem o legislador ordinário nem o Tribunal podia ou pode dar prevalência à ficção registral em detrimento da realidade substantiva civil, atenta a unidade do nosso sistema jurídico constitucional, como um todo e os valores e hierarquias dominantes, pelo que a aquisição a domino, embora não registada, sempre prevalecerá sobre o registo de uma penhora e aquisição a non domino, dado ser este o sentir dominante da nossa comunidade jurídica, baseada no sistema romano-cristão, pelo menos se e enquanto o registo não tiver efeito constitutivo, atenta a imperfeição deste. g) Violou assim o douto acórdão n.º 15/97, entre outros princípios constitucionais, os supra referidos e plasmados genericamente nos artºs 20º, 62º e 112º da Constituição da República Portuguesa, pelo que não pode ser aplicado nos presentes autos, devendo o douto acórdão de 28/1/99, ser reformulado tendo em conta a dita inconstitucionalidade que se espera ver decretada, tudo com as legais consequências, pois só assim será feita Justiça.'
Também o Banco recorrido apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
'a) Deve ser apurada e decidida previamente a legitimidade e a boa fé dos recorrentes; e, b) não deve tomar-se conhecimento do recurso, por não se encontrarem verificados os pressupostos legais, ou, quando assim não se entender, deve ser negado provimento ao mesmo, por carecer de fundamento.'
Os recorrentes responderam à questão prévia suscitada, defendendo o seu indeferimento, e o provimento do recurso.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTOS:
6. – De acordo com o requerimento de interposição do recurso, os recorrentes pretendem que se aprecie a conformidade constitucional do artigo 5º, n.º1, do Código de Registo Predial, com o entendimento de que terceiros, para efeitos do registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente.
O BANCO... recorrido veio suscitar a questão prévia do não conhecimento do recurso por entender que os recorrentes não suscitaram durante o processo qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Com efeito, o BANCO... defende que os recorrentes suscitam a inconstitucionalidade da própria decisão, só nas alegações pondo em causa o acórdão uniformizador n.º
15/97.
A questão prévia não pode proceder.
De facto, os recorrentes suscitaram claramente, nas suas alegações da revista, a questão da inconstitucionalidade material da norma – artigo 5º do Código de Registo Predial - que contém o conceito de terceiro que o mencionado acórdão uniformizador definiu (n.º 99), referindo também a própria inconstitucionalidade do acórdão (n.º 101). Nessa mesma peça, os recorrentes referem (n.º 102) os preceitos constitucionais que consideram violados se aquela interpretação normativa vier a ser sufragada na decisão.
Uma vez proferido o acórdão do STJ, os recorrentes interpuseram o presente recurso de constitucionaldade, mas sem explicitarem a interpretação normativa que consideravam inconstitucional e sem indicarem outros elementos legalmente exigidos. Convidados para completarem a indicação vieram esclarecer esses elementos por forma satisfatória (requerimento de fls. 402).
A interpretação normativa que os recorrentes questionam coincide, ponto por ponto, com a que foi adoptada no acórdão uniformizador n.º
15/97, do STJ, o que leva o recorrido a duvidar se a questão de constitucionalidade se dirige à norma ou à decisão – hipótese em que não seria de admitir o recurso.
Porém, no caso, a decisão recorrida adopta integralmente o raciocínio que gerou o acórdão uniformizador, transcrevendo-o em boa parte. E, para além disso e decisivamente, utiliza a interpretação normativa agora questionada como fundamento decisório (ainda que não único...). De facto que assim foi demonstra-o, inequivocamente, o seguinte passo do acórdão recorrido:
'E essa demonstração (numa hipótese onde falhe a prova dum dos meios de aquisição originária – por exemplo, onde falhe a prova do imóvel ter sido usucapido) se referida a terceiro (entendido este com a dimensão atrás relatada)
– sublinhado agora - pressupõe a garantia de que a transmissão do direito de propriedade do imóvel (escritura de compra e venda, por exemplo) foi acompanhada do registo desse acto, em data anterior à penhora e à arrematação'.
É assim claro que a interpretação do artigo 5º, n.º1, do Código de Registo Predial que vem questionada foi aplicada na decisão recorrida e, tendo sido questionada a sua constitucionalidade durante o processo, a questão prévia suscitada pelo BANCO... tem de ser indeferida, devendo o processo prosseguir para se conhecer do recurso de constitucionalidade interposto.
7. – Vejamos agora a questão de constitucionalidade suscitada nos autos.
Tal como vem equacionada pelos recorrentes, tal questão reporta-se ao artigo 5º, n.º1, do Código de Registo Predial, cujo teor é o seguinte: 'Os factos sujeitos a registo só produzem efeito contra terceiros depois da data da respectiva inscrição'. Esta norma, com a interpretação que decorre da decisão relativamente à noção ampla de ‘terceiros’ seria violadora dos artigos 20º e 62º da Constituição.
Torna-se necessário, antes de mais, fazer uma curta explanação do sistema registral português, com particular incidência na polémica que tem dividido a doutrina e a jurisprudência sobre qual seja o exacto conceito de ‘terceiro’ para efeitos do mencionado artigo 5º do Código de Registo Predial
(C.R.P.) e o que foi utilizado na decisão recorrida, para depois analisar a questão de constitucionalidade que vem suscitada.
8. – O sistema de registo predial português assenta na relevância dada à realidade do prédio como suporte do registo.
Operando-se a transmissão da propriedade por mero efeito do contrato (princípio da consensualidade), o registo é meramente declarativo e o seu efeito é de simples oponibilidade, salvo no que se refere à hipoteca, em que a eficácia entre as partes depende da realização do registo (artigo 4º do C.R.P.), sendo assim o seu efeito constitutivo.
O registo confere a protecção de uma presunção ilidível
(artigo 7º do C.R.P.) que, em certos casos não pode ser atacada (cf. artigo 291º do Código Civil).
O actual C.R.P. introduziu um princípio de legitimação dos direitos segundo o qual não se pode outorgar o acto sem se ter inscrito o direito. Conexo com ele, refere-se o princípio do trato sucessivo segundo o qual o registo definitivo de aquisição de direitos ou de constituição de encargos depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem os transmite ou onera.
(artigo 34º do C.R.P.).
Tendo o registo, em regra, valor declarativo, torna-se indispensável quando as partes quiserem tornar eficaz o seu direito contra terceiros, passando o registo a ser condição de oponibilidade a terceiros.
Assim, uma vez que o registo predial se destina a dar publicidade à situação jurídica dos prédios com vista à segurança do comércio jurídico de imóveis e só produzindo efeitos em relação a terceiros depois de inscritos no registo, não pode deixar de se estabelecer uma ligação entre o princípio da legitimação e o conceito de terceiro.
Mas terceiros serão apenas os titulares de direitos incompatíveis provindos do mesmo transmitente? Ou serão todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente (como decidiu o acórdão n.º 15/97, do STJ)? Ou apenas os que adquirem a titulo oneroso e de boa fé, ou seja com desconhecimento da aquisição conflituante?
Na jurisprudência, vinha dominando há alguns anos o conceito restrito de «terceiros» perfilhado por Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 19), sendo vários os acórdãos que sustentam tal entendimento, citando-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 3-10-1992
(in Col. Jur., Ano XVII, 1992, tomo 4, pág. 309) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8-12-1988 (in B.M.J., n.º 382, pág. 463).
A este conceito restrito de «terceiros» vem sendo oposto um conceito amplo defendido pelos Prof.s Carlos Ferreira de Almeida
('Publicidade e Teoria dos Registos', Coimbra, 1966) e Oliveira Ascensão
('Direitos Reais', pág. 409 e ss e 'Efeitos substantivos do Registo Predial na Ordem Jurídica Portuguesa', pág. 29/30), pelo Prof. Menezes Cordeiro (Direitos Reais – Sumários, 1984/1985, pág. 55) e adoptado no acórdão do STJ de 12-7-63
(in B.M.J., 129, pg. 388), no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de
22-7-1986 (in 'Col. Jur., Ano XI, 1986, tomo 4, pg. 72) e .no Acórdão do STJ, de
18 de Maio de 1994 (in Colectânea de Jurisprudência, Ano II, tomo 2, pág. 1139.
Por outro lado e ainda na doutrina, enquanto o Prof. Oliveira Ascensão defende, como se referiu, o conceito amplo, já os Prof.s Orlando de Carvalho ('Terceiros para efeito de Registo', Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LXX, pág. 97 e ss) e o Prof. Manuel Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 19), defendem o conceito restrito de
«terceiros».
Os Prof.s Antunes Varela e Henrique de Mesquita (in
'Revista de Legislação e de Jurisprudência', em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Junho de 1992, Anos 126 e 127º, pág. 374 e segs e 19 e segs.), defendem que «terceiros» 'são não só aqueles que adquiram do mesmo alienante direitos incompatíveis, mas também aqueles cujos direitos, adquiridos ao abrigo da lei, tenham esse alienante como sujeito passivo, ainda que ele não haja intervindo nos actos jurídicos (penhora, arresto, hipoteca judicial, etc.) de que tais direitos resultam.'.
Entendimento semelhante foi o defendido pelo prof. Vaz Serra (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103, pág. 105, onde se escreveu que 'A noção de terceiro em registo predial é a que resulta da função do registo, do fim tido em vista pela lei ao sujeitar o acto a registo, e, pretendendo a lei assegurar a terceiros que o mesmo autor não dispôs da coisa ou não a onerou senão nos termos que constarem do registo, esta intenção legal é aplicável também ao caso da penhora, já que o credor que fez penhorar a coisa carece de saber se esta se encontra, ou não livre, livre e na propriedade do executado.'
Defendem ainda este conceito amplo de terceiros Pires de Lima e Antunes Varela, 'Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª Ed., em comentário ao n.º 4 do artigo 819 e também Anselmo de Castro, A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial, 3ª Ed. Pág. 161).
O Prof. Luiz Carvalho Fernandes (Revista da Ordem dos Advogados, Ano 57, III, Dezembro de 1997, pág. 1303 e segs.), com algumas reservas segue o entendimento plasmado no Acórdão do STJ n.º 15/97, sendo as reservas respeitantes à exigência da boa fé e à exigência de que os direitos incompatíveis tenham por fonte actos jurídicos sucessivos do mesmo alienante, requisito este que, porém, considera dispensável. De acordo com o entendimento exposto, 'um terceiro de má fé, ainda que beneficiando de registo prioritário, pode ver o correspondente direito «arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente»'.
A divergência acabou por ter de ser aplanada jurisprudencialmente, mas mesmo aqui a respectiva uniformização não foi simples. De facto, o STJ tirou, em 20 de Maio de 1997, o Acórdão 15/97, já atrás referido, em que se optou pelo conceito amplo de «terceiros».
Porém, mais recentemente, em 18 de Maio de 1999, o STJ voltou a apreciar a questão e, depois de se dar conta das diferentes posições jurisprudenciais e doutrinais sobre a matéria, veio a proferir novo acórdão uniformizador em que se revê a doutrina fixada no acórdão de 20 de Maio e 1997 e se estabelece que 'terceiros, para efeito do disposto no artigo 5º do Código de Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa' (Diário da República, Iª Série – A, de 10 de Julho de 1999).
Ainda mais recentemente – em 11 de Dezembro de 1999 o Governo decidiu alterar o Código de Registo Predial em vigor e uma das alterações que introduziu na nova versão desse diploma, que foi republicado, foi o acrescentamento de um novo número 4 ao artigo 5º, em que se estabelece que:
'Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.'
Adiante-se desde já que, para o caso dos autos, apenas interessa o acórdão de 1997 cuja interpretação foi utilizada na decisão recorrida, pelo que as referências ao acórdão de 1999 e à alteração legal se limitam, respectivamente, à notícia da sua publicação e ao sentido da decisão uniformizadora.
Refira-se ainda que não tendo este Tribunal competência para sindicar a 'aplicação' do direito ordinário feita pelo tribunal recorrido, todo o exposto se destina a dar notícia do estado da questão e das diferentes orientações jurisprudenciais e doutrinais sobre esta matéria.
9. – Constata-se, assim, que na decisão recorrida foi utilizado o conceito amplo de terceiros. De facto, não tendo os ora recorrentes conseguido demonstrar nos autos a aquisição do direito de propriedade sobre o bem em causa através de qualquer das formas de aquisição originária (v.g., a usucapião) a decisão também os não considerou adquirentes de um direito causador da nulidade das arrematações. A mesma decisão entendeu que, tendo os recorridos e exequentes procedido ao registo da penhora em época anterior ao registo da aquisição pelos recorrentes, não podem deixar de ser considerados ‘terceiros’, do que decorre que, na data da arrematação, a aquisição feita pelos recorrentes não podia ter a eficácia que eles pretendem.
É assim manifesto que, no caso em apreço, o acórdão adoptou a ‘noção ampla de terceiro’.
Na prática, este conceito lato de terceiro pode restringir-se conforme se verifique a possibilidade ou impossibilidade lógica e jurídica de situações relativas entre as pessoas, em que a oponibilidade e a inoponibilidade tenham relevância: o conceito técnico ou estrito de terceiro deriva da observação da vida jurídica real quando mostra que só em relação a um número limitado de pessoas se pode pôr o problema da inoponibilidade (veja-se, neste sentido, Ferreira de Almeida, 'Publicidade e Teoria dos Registos', pág.
262).
No caso, trata-se de uma situação, em que os Autores e recorrentes compraram o prédio em questão, mas não registaram a aquisição, vindo mais tarde esse prédio a ser penhorado e depois arrematado numa execução movida contra o primitivo vendedor, tendo o arrematante registado em seu favor a aquisição. Posteriormente, o prédio foi penhorado em execução movida por um Banco (exequente) contra o arrematante, tendo o exequente adquirido nessa execução o prédio e registado de imediato essa aquisição. Num tal situação, verifica-se que há terceiros que beneficiam de tutela dos seus direitos, tutela essa fundada no registo, através da qual vêem assegurado um direito de que, na tese dos Autores, não são titulares, uma vez que, nesse entendimento, ambas as alienações derivadas das arrematações judiciais foram alienações a non domino, nulas, segundo o direito substantivo e no entendimento dos autores.
A questão que vem suscitada nos autos é a de saber se este entendimento do regime do registo predial viola o direito de acesso aos tribunais (artigo 20º da Constituição) e o direito de propriedade, enquanto dele resulta o equivalente a uma expropriação sem o pagamento de justa indemnização.
10. - Refira-se ainda que os recorrentes indiciam, nas suas alegações, que uma tal interpretação poderia estar a invadir as competências do órgão legislativo e, por aí, estar afectada de inconstitucionalidade orgânica ou formal.
Este aspecto da argumentação dos recorrentes é claramente de afastar: trata-se de uma mera interpretação de uma norma no sentido de fixar o seu entendimento, numa matéria que tem vindo a dividir a doutrina e a jurisprudência nacionais, como ficou referido atrás.
Não existe qualquer criação de norma a não ser a 'norma do caso', actividade que é própria do juiz - e que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar.
Nem sequer se pode argumentar com o facto de, na hipótese concreta, se ter feito apelo a um acórdão uniformizador de jurisprudência: é conhecido qual o valor actual destas decisões – meros julgamentos ampliados de revista, sempre sujeitos a revisão e cuja força passa a decorrer unicamente da autoridade e força persuasiva da decisão das Secções Cíveis reunidas em plenário, assim se fomentando a sempre desejável uniformidade da jurisprudência.
Não há, portanto, que conhecer de qualquer invasão dos poderes do órgão legislativo, na medida em que ocorre um mero exercício do poder de interpretar e aplicar a lei que cabe aos tribunais (artigo 201º a 204º da Constituição).
11. - Alegam ainda os recorrentes que a interpretação feita nos autos viola o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela judicial efectiva, consagrada no artigo 20º da Constituição.
Porém, não têm qualquer razão.
O artigo 20º da Constituição assegura o acesso ao direito e aos tribunais – acesso que não pode ser negado por razões económicas -
, incluindo-se neste direito o de que o processo seja julgado mediante processo equitativo e que a decisão seja proferida num prazo razoável.
Não se vê como se pode dizer violado o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, pela interpretação dada na decisão recorrida ao artigo 5º, n.º1, do Código de Registo Predial.
12. - Finalmente, alegam os recorrentes que a interpretação feita nos autos, na medida em nele se dá prevalência à penhora registada em detrimento de uma aquisição anterior não registada, apesar de aquela ser «a non domino», corresponde, de forma indirecta, a uma verdadeira expropriação sem pagamento de justa indemnização, o que contende com o preceituado no artigo 62º da Constituição.
Vejamos se assim é, de facto.
12.1. – De acordo com o preceituado no n.º1 do artigo
62º da Constituição, o direito de propriedade é garantido a todos e bem assim a sua transmissão em vida e por morte, 'nos termos da Constituição'.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (in
'Constituição da República Portuguesa Anotada', 3ª Edição Revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 332), 'o direito de propriedade abrange pelo menos quatro componentes: (a) o direito de adquirir bens; b) o direito de usar e fruir dos bens de que se é proprietário; (c) o direito de os transmitir; (d) o direito de não ser privado deles.
O direito de propriedade, enquanto direito de não ser privado de bens próprios, tem natureza análoga aos 'direitos, liberdades e garantias', beneficiando do respectivo regime específico; porém, não é um direito nem absoluto nem ilimitado, na medida em que apenas é garantido 'nos termos da Constituição'.
O que não obsta a que o direito de propriedade venha a sofrer restrições mais ou menos profundas, quer por virtude da concretização de limites imanentes quer por ter de se coordenar com outros imperativos constitucionais ou sempre que entre em colisão com outros direitos fundamentais. Neste aspecto, o titular do direito de propriedade apenas goza de forma absoluta da garantia constitucional de não ser arbitrariamente privado dela e, se o vier a ser, sem que para tal tenha contribuído, do direito de ser indemnizado.
Ora, no entender dos recorrentes, o que estaria em causa nos autos era o direito de não serem privados do bem que, no seu entender, lhes pertence, sem o pagamento de justa indemnização.
É certo que viram o prédio que tinham adquirido, mas cuja aquisição não registaram, ser penhorado como pertencendo ainda ao vendedor, e depois sucessivamente arrematado em execuções movidas, primeiro, contra aquele vendedor
(que ainda constava no registo como proprietário) e depois contra o arrematante judicial, que logo registou a aquisição; subsequentemente, depois de nova penhora, o prédio veio a ser arrematado pelo Banco, ora recorrido, tendo o Banco registado também, de imediato, a aquisição judicial.
Na verdade, para além de procurarem ignorar a omissão do registo da aquisição, que é totalmente imputável aos próprios recorrentes, o que estes contestam é o aspecto negativo da eficácia do registo de imóveis em relação a terceiros. Este aspecto pode formular-se do seguinte modo: os factos sujeitos a registo e não registados não são oponíveis a terceiros. Tais factos só são invocáveis entre as próprias partes ou seus herdeiros ou representantes; assim, todos os outros seriam terceiros (artigo 4º do Código de Registo Predial).
O sistema português de registo predial é um sistema de título, em que a produção do efeito real depende apenas da causa de atribuição e do acordo em que se estabelece a vontade de atribuir e de adquirir (artigo 408º, n.º1 do Código Civil), pelo que é indispensável um princípio de publicidade compensador da causalidade (cf. Prof. Dr. Orlando de Carvalho, in 'Terceiros para efeito de registo', Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LXX,
1994, pág, 97-106). Sendo o registo predial português um registo de aquisições, declarativo e não constitutivo, mera condição de eficácia da aquisição, enquanto não houver qualquer registo, prevalece a primeira aquisição (artigo 408º do Código Civil).
Mas, a partir do momento em que se proceda ao registo de uma das aquisições subsequentes, há que ter em conta o regime de efeitos do registo predial: quem seja parte num dado negócio de imóveis corre o risco de, com base numa situação registral anterior, que goza da presunção do artigo 7º do CRP, ver constituída e registada em favor de outrem um direito incompatível com o que resulta do seu negócio e que prevalecerá sobre ele, por beneficiar de registo prioritário.
Assim, pode dizer-se que, se um prédio for comprado a certo vendedor e vier a ser penhorado em execução contra este vendedor, 'a circunstância de a penhora não ser um acto de transmissão operada pelo executado, isso não obsta a que o penhorante obtenha um direito contra o executado, direito que pode considerar-se emanado deste, embora sem a sua intervenção' (Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 103º, pág. 165).
O registo destina-se a dar publicidade à situação jurídica das coisas imóveis por forma a conferir segurança ao comércio jurídico imobiliário, pelo que se A, inscrito no registo como proprietário de determinado prédio, o vende a B sem que este registe a aquisição, a lei protege aquele a quem A, sem dispor já de qualquer direito sobre o imóvel, de acordo com a lei substantiva, proceda a nova venda, se este comprador registar a aquisição em primeiro lugar (neste sentido, Antunes Varela e Henrique de Mesquita, Rev. Leg. e Jur., Ano 127º, pág. 20/21). E prosseguem estes comentadores: 'Com esta solução, não se pretende punir o transmitente, por ter feito duas transmissões da mesma coisa, mas sim proteger aquele que confiou na aparência criada pelo registo' (ibidem, pág. 21).
Igual protecção deve ser assegurada a todos os que adquirem e registam determinados direitos sem a intervenção do titular inscrito, como no caso da penhora, por exemplo.
É certo que, de acordo com a Constituição, o direito de propriedade bem como a sua transmissão em vida ou por morte é garantido 'nos termos da Constituição', o que significa que tem de se compaginar com outros imperativos constitucionais, sofrendo as limitações impostas por estas exigências.
No caso em apreço não ocorreu qualquer expropriação de bem imóvel ou uma qualquer situação que se possa assemelhar a um alegado
«confisco».
Do que se trata, è da prevalência que a lei ordinária confere, por efeito do registo predial, à aquisição registada em contraposição à aquisição anterior não registada. Nesta prevalência se traduziria, para além da normal eficácia declarativa do registo predial – ou eficácia consolidativa, na terminologia do Prof. Carvalho Fernandes (ob. cit., pág. 1306) – a sua relevância aquisitiva.
Será constitucionalmente admissível esta 'ablação' da propriedade por virtude do regime de efeitos do registo predial português?
O registo predial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (artigo 1º do CRP), ou seja dar publicidade aos direitos inerentes
àqueles prédios (ou objectos sujeitos a registo).
O perfeito conhecimento da situação jurídica dos objectos sujeitos a registo é absolutamente essencial à certeza e segurança do comércio jurídico de imóveis, segurança jurídica que actualmente subjaz a todo o ordenamento jurídico em que assenta um Estado de Direito.
De facto, a segurança de que o homem necessita para planear e reger toda a sua vida de forma responsável e com respeito pelos fins comunitários é um dos elementos constitutivos do Estado de Direito e que se deduz do artigo 2º da Constituição.
No caso, esta segurança jurídica tem a ver com o interesse de ordem geral: o registo, na medida em que confere publicidade e segurança ao acto registado, está a realizar a certeza e a segurança do direito ou do facto sujeito a registo e, do mesmo passo, torna seguro o comércio jurídico que possa ter por objecto os factos ou direitos registados, assim se fomentando também o princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica, reconhecida na Lei Fundamental após a Revisão de 1997 [artigo 80º, alínea c) da Constituição].
O princípio geral da segurança jurídica ínsito no princípio do Estado de Direito prevê que qualquer cidadão possa, de antemão, saber que aos actos que praticar ou negócios que realizar se ligam determinados efeitos, incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas decorrentes de normas jurídicas em vigor, por forma que cada um tenha plena consciência das consequências da sua actividade (ou da sua omissão) na comunidade.
Este princípio está intimamente relacionado com o princípio da confiança na medida em que o registo, enquanto constitui publicidade do seu conteúdo, torna este digno de crédito, isto é, as pessoas, em geral, têm de poder confiar nos factos constantes do registo.
Por um lado, a segurança registral, quando o registo é definitivo, faz presumir que o direito existe e pertence ao titular inscrito
(admitindo prova em contrário).
Por outro lado, a segurança jurídica registral visa a protecção de terceiros que fizeram aquisições confiando na presunção registral resultante do registo anterior em favor do transmitente.
Assim, o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança que decorrem do princípio do Estado de Direito democrático constante no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa credenciam a prevalência registral que pode favorecer um adquirente «a non domino», na medida em que o princípio da publicidade que atribui essa prevalência determina a extinção do direito incompatível.
Não pode, em consequência, concluir-se pela inconstitucionalidade da interpretação do artigo 5º do Código de Registo Predial, enquanto considera que terceiros, para efeitos de registo predial são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente. Não pode, por isso, proceder o presente recurso de constitucionalidade.
III – DECISÃO:
Nos termos do que fica exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.
Custa pelos recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 Unidades de Conta.
Lisboa, 5 de Abril de 2000 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa