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Processo n.º 1200/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Pela Decisão Sumária n.º 734/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«Um dos requisitos do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é a suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade cuja apreciação se requer perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
De acordo com o requerimento de interposição de recurso, o recorrente pretende a apreciação de norma aplicada pelo Tribunal da Relação de Évora no acórdão de 19 de março de 2013, já que se trata de norma reportada ao artigo 14.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (no acórdão de 10 de setembro foi aplicada norma atinente ao regime de nulidade da decisão). Sucede, porém, que antes de ser proferida a decisão recorrida não foi questionada a conformidade constitucional da norma cuja apreciação se requer a este Tribunal. Nomeadamente não foi questionada na motivação do recurso interposto do acórdão do tribunal de 1.ª instância.
O recorrente indica «o requerimento no qual foi invocada a nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em sede de recurso», mas neste momento processual já não estava a tempo de abrir a via do recurso de constitucionalidade interposto. Como o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa já se havia esgotado, o Tribunal da Relação de Évora já não podia conhecer da questão de constitucionalidade, viabilizando dessa forma a interposição de um recurso de constitucionalidade. O recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC pressupõe uma decisão anterior do tribunal a quo sobre a questão de constitucionalidade que é objeto do mesmo recurso.
A não verificação daquele requisito obsta ao conhecimento do objeto do recurso interposto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os fundamentos seguintes:
«Contrariamente ao que se diz na decisão singular ora reclamada, o recorrente não podia ter suscitado a questão da inconstitucionalidade na motivação do recurso interposto da decisão de 1.ª instância, porquanto a questão da inconstitucionalidade só surgiu após a prolação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2012, proferido em 12/09/2012 e publicado no DR n.º 206 Série I, de 24/10/2012.
Com efeito, o referido Acórdão Uniformizador foi proferido depois de proferida a decisão de 1.ª instância, pelo que nunca poderia o recorrente ter suscitado a questão da inconstitucionalidade na sua motivação de recurso da decisão de 1.ª instância.
Apenas o foi possível fazer no requerimento no qual foi invocada a nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, isto é após ter conhecimento do teor do mencionado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2012, proferido em 12/09/2012 e publicado no DR n.º 206 Série I, de 24/10/2012.
(…)
Portanto, no caso em apreço, e sendo o Acórdão do Tribunal da Relação de data posterior ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, deveria o mesmo decidir de acordo com a Jurisprudência uniformizada, o que não se verificou.
Por esse motivo, e só nesse momento processual, foi possível ao ora recorrente invocar a nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, bem como, só naquele momento poderia ter invocado a inconstitucionalidade do artigo 14.º do R.G.I.T., considerando a interpretação e aplicação que é feita do mesmo no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, contrariando o disposto no referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.
A invocação da inconstitucionalidade daquela norma não poderia ter sido feita em momento anterior, porquanto não tinha sido proferido ainda o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência acima citado».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público veio dizer o seguinte, relativamente ao que agora importa apreciar e decidir:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 374/2013 [734/2013], não se conheceu do objeto do recurso interposto para o Tribunal Constitucional por João Maria Galvão Rebotim porque, no momento processual próprio, o recorrente não suscitara a questão da constitucionalidade que identificou no requerimento de interposição do recurso, faltando, pois, esse requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC).
2º
Em síntese, é a questão da constitucionalidade do artigo 14.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) enquanto interpretado no sentido de que não tem que ser “realizado um juízo de prognose de razoabilidade acerca das condições de suspensão da pena por parte do arguido, tendo em conta a sua situação económica presente e futura”.
3º
No requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, o recorrente afirma, expressamente, que “na fundamentação da decisão de 1.ª instância e dos Acórdãos proferidos em sede de recurso” não é realizado o juízo de prognose atrás referido.
4º
Ou seja, se a interpretação reputada de inconstitucional foi, segundo o próprio recorrente, a aplicada na decisão de 1.ª instância, ele teve plena oportunidade de suscitar a questão na motivação do recurso interposto dessa decisão para a Relação de Évora, o que não fez, sendo certo que esse era o momento processual próprio, como bem se referiu na douta decisão, ora reclamada.
5.º
Nestas circunstâncias, a publicação do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 8/2012 (segundo o qual o juízo de prognose tem de ser realizado), ocorrida após ser proferida a sentença condenatória e antes da prolação do acórdão da Relação, não tem qualquer influência na exigência de cumprimento do ónus da suscitação prévia da questão de constitucionalidade.
(...)
10.º
Por tudo o exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso interposto, por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade cuja apreciação foi requerida. Tal questão tem a ver com norma que o então recorrente reportou ao artigo 14.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, por referência ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012, mediante o qual foi fixada a seguinte jurisprudência: “no processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no art. 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art. 50.º, n.º 1, do CP, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o art. 14.º, n.º 1, do RGI ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia».
A argumentação do reclamante em nada contraria o decidido. Contrariamente ao alegado, a questão de constitucionalidade poderia ter sido suscitada na motivação do recurso interposto da decisão de 1.ª instância para o tribunal da relação. É óbvio que não é com a fixação de jurisprudência que surge a questão que o reclamante pretende ver apreciada, uma vez que tal fixação é, ela própria, sintomática de divergência anterior quanto à mesma questão de direito. Por outro lado, é o então recorrente quem expressamente admite, no requerimento de interposição de recurso, que a norma por si indicada foi aplicada pelo tribunal de 1.ª instância (fl. 815). Questão diferente – que a este Tribunal não cabe apreciar – é a de saber se o Tribunal da Relação de Évora deveria ter decidido de acordo com a jurisprudência uniformizadora, o que, segundo o reclamante, não se verificou.
Há que confirmar, pois, a decisão que é objeto de reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria de Lúcia Amaral