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Processo n.º 889/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A., S.A. e recorrida a Sociedade B., Ld.ª, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal de 26 de maio de 2010.
2. Por despacho de 19 de março de 2010, o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu liminarmente, “face à sua manifesta improcedência”, o recurso de revisão interposto pela recorrente. Deduzida reclamação para a conferência, a mesma não foi admitida, com a seguinte fundamentação:
«Conforme corrente entendimento doutrinário e jurisprudencial, o recurso extraordinário de revisão reveste, estruturalmente, a natureza de uma ação, e não, em sentido técnico-jurídico, de um recurso (A. Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. VI, pág. 373).
Nos termos gerais (art. 234º-A), constitui, assim, o recurso de agravo a forma de reação contra a decisão de indeferimento liminar a que se refere o art. 774º, nº 2, do C.P.Civil.
Não lhe sendo aplicável, quando interposto na Relação - dado tratar-se essa de norma específica dos recursos ordinários - o disposto no art. 700º, nº 3, daquele diploma, na parte em que prevê a reclamação para a conferencia de despacho do relator.
Transitada, por já transcorrido o prazo para dela recorrer, a decisão constante de fls. 135, não se admite, pois, a reclamação de fls. 139 e segs.».
3. Após várias vicissitudes processuais, a recorrente interpôs recurso constitucionalidade deste despacho, requerendo, entre o mais, a apreciação da inconstitucionalidade:
«(…) por violação do principio da proporcionalidade e do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do n.º 2, do artigo 774.º, do Código de Processo Civil (CPC), na redação anterior ao DL 303/2007 de 24.8 que corresponde ao atual n.º1 do mesmo artigo, quando interpretada no sentido de permitir que, na Relação, a decisão de indeferimento liminar de um recurso de revisão possa ser proferida apenas pelo relator, sem possibilidade de se lançar mão da subsequente reclamação para a conferência e ficando portanto inviabilizado o controlo dessa decisão em sede de recurso, uma vez que, como é unanimemente aceite pela doutrina e jurisprudência, não é possível interpor recurso para o Supremo de decisões, singulares, do Relator;
- (…) por violação do princípio da proporcionalidade e do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º3, do artigo 700.º do CPC, quando interpretada no sentido de não se aplicar no âmbito de um recurso de revisão, quando a decisão de indeferimento liminar daquele recurso (bem como a posterior decisão de não atender a reclamação efetuada), tenha sido tomada apenas pelo Desembargador relator, uma vez que, como é unanimemente aceite pela doutrina e jurisprudência, não é possível interpor recurso para o Supremo de decisões, singulares, do relator, ficando portanto o recorrente impedido de interpor o recurso a que tem direito.
4. O recurso de constitucionalidade não foi admitido no tribunal recorrido, com fundamento em intempestividade.
A recorrente reclamou do despacho de não admissão para este Tribunal. Através do Acórdão n.º 499/2011 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) a reclamação foi deferida «no que respeita à questão de inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 700.º, n.º 3, e 774.º, n.º 2, do CPC, quando interpretadas no sentido de não ser admissível a reclamação para a conferência da decisão singular do relator, no tribunal da relação, que indefere liminarmente o recurso de revisão».
5. Notificada para alegar, a recorrente concluiu o seguinte:
«1 – Existe unanimidade na doutrina e jurisprudência quanto ao facto de se dever recorrer, e não reclamar, da decisão que indefere liminarmente um recurso de revisão. Porém, nos presentes autos, tal decisão, singular, de indeferimento, foi tomada no Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que a recorrente apresentou reclamação dessa decisão, nos termos do n.º 3 do artigo 700.º do CPC.
2 - De forma inesperada, face à unanimidade da doutrina e jurisprudência, veio o Senhor Desembargador relator a decidir, a fls. 167, em 26.05.2010, pela inadmissibilidade da reclamação apresentada, por entender ser inaplicável o disposto no n.º 3, do artigo 700.º, do CPC, aos recursos de revisão, muito embora tenha sido o próprio Senhor Desembargador Relator a convocar essas normas gerais, ao decidir pelo indeferimento de forma singular, como só o artigo 705.º do CPC lho permite e também por entender que o n.º 2, do artigo 774º, do CPC, permite uma decisão singular de indeferimento liminar, num tribunal superior, insuscetível de reclamação para a conferência.
3 – Ora, é universalmente aceite na nossa doutrina e jurisprudência que nas presentes alegações vão amplamente citadas, que não é possível interpor, para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso de despachos, singulares portanto, do Senhor Desembargador Relator, como aliás, resulta com toda a clareza dos artigos 754.º, n.º1, e 721.º, n.º1, ambos do CPC, na anterior redação, ao referirem que cabe recurso… do acórdão da Relação....
4 - Aplica-se assim, e ao contrário do que se decidiu no despacho a propósito do qual se interpôs o presente recurso de constitucionalidade, no caso dos autos, o n.º 3, do artigo 700.º do CPC, e deve portanto admitir-se a reclamação apresentada, quando é certo que foi o Senhor Relator quem convocou as normas que dispõem sobre o recurso de apelação, como normas que são gerais sobre a matéria dos recursos, ao decidir como o fez, mediante despacho, para o que teve, necessariamente, de se socorrer dos poderes que lhe são conferidos pelos artigos 700.º e seguintes do CPC.
5 - Reputa-se assim de inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 13º, 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do n.º 2, do artigo 774.º do CPC (n.º1 na atual redação), quando interpretada no sentido de permitir que, na Relação, a decisão de indeferimento liminar de um recurso de revisão possa ser proferida apenas pelo relator, sem possibilidade de se lançar mão da subsequente reclamação para a conferência e ficando portanto inviabilizado o controlo dessa decisão em sede reclamação e posterior recurso, uma vez que, como é unanimemente aceite pela doutrina e jurisprudência, não é possível interpor recurso para o Supremo de decisões, singulares, do Relator.
6 - Como é igualmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 13.º, 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do n.º3, do artigo 700.º do CPC, quando interpretada no sentido de não se aplicar no âmbito de um recurso de revisão, quando a decisão de indeferimento liminar daquele recurso, bem como a decisão de não atender a reclamação efetuada, tenham sido tomadas apenas pelo relator, uma vez que, como é unanimemente aceite pela doutrina e jurisprudência, não é possível interpor recurso para o Supremo de decisões, singulares, do relator, ficando portanto o recorrente impedido de interpor o recurso a que tem direito.
7 - Nos termos da decisão proferida no Acórdão n.º 499/2011, pela Conferência, da 3.ª Secção, do Tribunal Constitucional defende-se aqui a inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 700.º, n.º 3 e 774.º, n.º2 (n.º1 na redação atualmente em vigor) do CPC, quando interpretadas no sentido de não ser admissível a reclamação para a conferência da decisão singular do relator, no Tribunal da Relação, que indefere liminarmente o recurso de revisão.
8 - O princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, da Constituição da República Portuguesa, impõe um tratamento idêntico, a situações idênticas. Este princípio proíbe o arbítrio, isto é, diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável e deve ser observado pelos Tribunais ao interpretarem e aplicarem qualquer norma jurídica (material ou adjetiva) ao caso sub-judice.
9 - Havendo, com atrás ficou demonstrado, unanimidade na jurisprudência, quanto à interpretação do n.º 3, do artigo 700.º e n.º 2, do artigo 774.º, ambos do CPC, quanto à aceitação da reclamação para a conferência dos Tribunais superiores, como forma de garantir os direitos das partes que se sintam prejudicadas pelas decisões dos senhores juízes relatores, vedar o acesso a este direito de reclamação nos autos recorridos, consubstancia uma violação clara daquele principio da igualdade.
10 - Ao impedir o acesso à reclamação para a conferência, no âmbito do recurso de revisão, pela circunstância de se tratar de um indeferimento liminar, suscetível de recurso e não de reclamação, mas desconsiderando porém, que a decisão de indeferimento foi proferida por um tribunal superior onde o poder jurisdicional reside no órgão colegial, foi eliminado, com ofensa do principio da proporcionalidade, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, desde logo materializado no acesso ao controlo jurisdicional a efetuar pela conferencia da secção do Tribunal da Relação e também no posterior direito ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que se poderia seguir.».
6. A recorrida contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1 O Recurso Extraordinário Abre um Processo Novo
2 É verdadeira ação autónoma
3 Do despacho de indeferimento liminar no recurso extraordinário de revisão previsto no artigo 771º, proferido no Tribunal da Relação admite recurso imediato para o Supremo Tribunal de Justiça, não se aplicando o artigo 700º, nº 3 do CPC.
4 A questão levantada agora pela recorrente não aconteceu por, nos termos legais, não teve, nem tinha que ter, aplicação ao caso concreto.
5 Nem tal questão foi apreciada pelas Instâncias por omissão da recorrente em sede própria
6 A autora teve oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final.».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. O objeto do presente recurso é integrado pelas «normas conjugadas dos artigos 700.º, n.º 3, e 774.º, n.º 2, do CPC, quando interpretadas no sentido de não ser admissível a reclamação para a conferência da decisão singular do relator, no tribunal da relação, que indefere liminarmente o recurso de revisão». Este objeto foi definido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 499/2011, mediante o qual foi parcialmente revogado o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, fazendo caso julgado quanto à admissibilidade do recurso (artigo 77.º, n.º 4, da LTC).
Aquelas disposições do Código de Processo Civil (na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto) têm a seguinte redação:
«Artigo 700.º
Funções do relator – Reclamação para a conferência
1 – (…)
2 – (…)
3 – Salvo o disposto no artigo 688.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.
(…)».
«Artigo 774.º
Indeferimento imediato
1 – (…)
2 – Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 687.º, o tribunal a que for dirigido o requerimento indeferi-lo-á quando não vier deduzido ou instruído nos termos do artigo anterior e também quando se reconheça logo que não há motivo para revisão.
(…)».
2. De acordo com o requerimento de interposição do recurso está em causa a violação dos princípios da proporcionalidade e do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Bem como a violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, n.º 1, da CRP, muito embora este parâmetro seja convocado pela primeira vez nas alegações.
Como o objeto do recurso de constitucionalidade é definido no respetivo requerimento de interposição e a LTC é particularmente exigente quanto às menções que nele devem constar, o Tribunal entende (Acórdão n.º 107/2011, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) que:
«(…) a verdade é que, quanto ao recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, o n.º 2 do artigo 75º-A da LTC exige que, no referido requerimento, se indique o parâmetro constitucional alegadamente violado; ora, não devendo o Tribunal desconsiderar esta exigência, não atribuindo a mínima relevância preclusiva à declaração assim imposta, a identificação do parâmetro constituirá um elemento da caracterização do recurso, definindo a extensão da questão de inconstitucionalidade que a parte quer ver tratada, de acordo, aliás, com o princípio do pedido adotado na LTC, que entrega ao recorrente a incumbência de definir o âmbito do recurso.
Mas é útil recordar, ainda neste domínio, que a tarefa do Tribunal se rege pelo princípio iura novit curia segundo o qual a responsabilidade pela escolha, interpretação e aplicação do direito ao caso concreto cabe unicamente ao Tribunal, como é exigido pelo atributo que verdadeiramente caracteriza a atividade jurisdicional: a liberdade de julgamento. O Tribunal não está impedido, portanto, de averiguar da conformidade constitucional da norma segundo regras jurídicas não invocadas pelo recorrente. É a ele que incumbe «administrar a justiça» assegurando «a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (...) e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados», aplicando o direito ex officio, com sujeição à lei. Às partes cabe trazer ao tribunal os dados da questão e formular o pedido – da mihi factum, dabo tibi ius; narra mihi factum, narro tibi ius –, mas não podem limitar a autoridade do tribunal quanto à escolha e interpretação do direito. É neste contexto de liberdade de julgamento que rege a disciplina do artigo 79.º-C da LTC, que permite ao Tribunal julgar inconstitucional a norma objeto do recurso com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada. O poder assim conferido deve ser exercido sempre que o Tribunal entender que a norma não se mostra conforme com a Constituição por um motivo que não foi invocado pelo recorrente. O artigo 79.º-C tem, portanto, uma ratio que se interliga com o princípio constante do artigo 204.º da Constituição, de acordo com o qual os tribunais não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. É para defesa desta garantia que se permite que o Tribunal Constitucional julgue inconstitucional (ou em casos de ilegalidade especialmente agravada, ilegal) a norma objeto do recurso, ainda que o fundamento não tenha sido invocado pela parte – para assegurar, em último termo, que os tribunais não apliquem uma norma que ofenda a Constituição. Ela é, em suma, uma “garantia de uma decisão judicial em conformidade com a Constituição no caso concreto” (J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da Republica Portuguesa Anotada, vol. II, Coimbra Editora, 2010, p. 519)».
O Tribunal apreciará, pois, a questão de constitucionalidade por referência aos parâmetros indicados no requerimento de interposição de recurso (princípios da proporcionalidade e do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 18.º e 20.º da CRP), sem prejuízo do que se dispõe no artigo 79.º-C da LTC.
A recorrente entende que a interpretação normativa que é objeto do presente recurso viola os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, na medida em que permite que a decisão de indeferimento liminar de um recurso de revisão seja tomada pelo relator, sem haver reclamação subsequente para a conferência. Com a consequência de o controlo do despacho ficar inviabilizado quer em sede de reclamação quer em sede de recurso, uma vez que não é possível recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões singulares do relator. Em suma, segundo a recorrente a decisão singular de indeferimento do recurso de revisão, quando proferida no tribunal da relação, não é suscetível de impugnação.
3. O artigo 20.º, n.º 1, da CRP assegura a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. É entendimento reiterado deste Tribunal que desta norma constitucional não decorre a consagração de um direito geral de recurso das decisões judiciais, com o consequente dever de o legislador consagrar, em regra, o acesso a diferentes graus de jurisdição. “A existência de limitações à recorribilidade funciona como um mecanismo de racionalização do sistema judiciário e por isso se aceita que o legislador disponha de liberdade de conformação quanto à definição dos requisitos e graus de recurso” (Acórdão n.º 399/2007. E, entre outros, 125/98, 149/99, 431/2002 e 106/2006. Todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.). Sem prejuízo de se dever entender que a CRP pressupõe a recorribilidade das decisões dos tribunais ao aludir a instâncias, estando, por isso vedado ao legislador “abolir o sistema de recursos in toto ou afetá-lo substancialmente através da consagração de soluções que restrinjam de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se traduzam na supressão tendencial dos recursos” (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada2, Tomo I, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, anotação ao artigo 20.º, ponto XXI. E, ainda, Lopes do Rego, “Acesso ao direito e aos tribunais”, Estudos sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional, Aequitas/Editorial de Notícias, 1993, p. 80 e s.).
Sucede, porém, que a questão de constitucionalidade que cumpre apreciar e decidir não envolve sequer qualquer limitação à recorribilidade da decisão judicial que indefira o requerimento de interposição de recurso de revisão.
4. Considerando que nos autos que deram origem ao presente recurso era aplicável a lei processual civil na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, é de concluir que o despacho que indeferiu o requerimento de interposição de recurso de revisão era passível de recurso. Resulta da própria decisão recorrida que, ao reclamar, a recorrente errou quanto ao meio de impugnação daquele despacho (cf. supra ponto 2. do Relatório). A decisão em causa era recorrível e não reclamável.
O entendimento doutrinal maioritário vai no sentido de o despacho de indeferimento proferido ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 774.º do CPP, ser impugnável por meio de agravo, já que tal despacho corresponde ao de indeferimento liminar da petição inicial – artigos 234.º-A, n.º 2, 475.º, n.º 2, e 772.º, n.º 4, do CPP (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, Coimbra Editora, 2003, anotação aos artigos 688.º, ponto 2. e 774.º, ponto 6., Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, Almedina, 2005, p. 379, Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, 2007, p. 236. Na jurisprudência, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de maio de 2009, Processo 1204/06.8YLSB-AL100 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de abril de 2010, Processo 629-C/2001.P1, disponíveis em www.dgsi.pt).
Esta posição alicerça-se no disposto no n.º 1 do artigo 688.º, na redação anterior ao Decreto-Lei de 2007, nos termos do qual do despacho que não admita a apelação, a revista ou o agravo pode o recorrente reclamar para o presidente do tribunal que seria competente para conhecer do recurso (excluindo-se, portanto, a revisão), mas também no entendimento de que o denominado “recurso de revisão” não tem, em bom rigor, natureza de recurso – é uma ação – ou que a tem somente em parte – é um misto de recurso e de ação (sobre isto, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume VI, Coimbra Editora, reimpressão, 1981, anotação ao artigo 772.º, ponto 1. e Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, Coimbra Editora, 2008, anotação ao artigo 771.º, ponto 4.). De onde decorre que, quando o recurso de revisão é interposto no tribunal da relação, este tribunal superior funciona (ou funciona também) como tribunal de 1.ª instância e não enquanto tribunal de recurso propriamente dito, o que permite a equiparação do despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso (artigo 774.º, n.º 2, do CPC) ao despacho de indeferimento liminar da petição (artigo 234.º-A, n.º 1, do CPC) e ao despacho que confirme o não recebimento da petição inicial (artigo 475.º, n.º 2, do CPC), dos quais cabe agravo de harmonia com a norma segundo a qual as decisões proferidas no processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originariamente sujeitas no decurso da ação em que foi proferida a sentença a rever (artigos 234.º, n.º 2, 475.º, n.º 2, e 772.º, n.º 4, do CPC, na redação anterior a 2007). O que vale por dizer que a reclamação a que se refere o n.º 3 do artigo 700.º do CPC, na redação anterior a 2007, foi prevista para os casos em que o tribunal superior funciona estritamente como tribunal de recurso, sendo uma norma privativa dos recursos ordinários.
5. Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, aquele artigo 688.º, n.º 1, passou a dispor que do despacho que não admita o recurso (não apenas recurso ordinário) pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer. Passou a caber ao relator proferir decisão que o admita ou mantenha o despacho reclamado (artigo 688.º, n.º 4), sendo esta última reclamável para a conferência (artigo 700.º, n.º 3. No sentido de o recorrente poder requerer que sobre a matéria do despacho recaia acórdão, cf. a Decisão Sumária n.º 386/2010, confirmada pelo Acórdão deste Tribunal n.º 457/2010, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, e a doutrina aqui citada).
Já depois das alterações de 2007, é que alguma doutrina passou a especificar que, quando o indeferimento do requerimento de interposição de recurso ocorra na relação, a admissibilidade de recurso depende de prévia reclamação para a conferência – artigo 700.º, n.º 3, do CPC (assim, Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, Almedina, 2009, p. 355, e Lebre de Freitas, ob. cit., 2008, anotação ao artigo 774.º, ponto 5.). Outros autores não fazem qualquer especificação daquele tipo, continuando a sustentar expressamente que o recorrente pode interpor recurso ordinário da decisão do indeferimento liminar, aplicando-se por analogia o n.º 2 do artigo 234.º-A, não sendo aplicável a reclamação do artigo 688.º, por a mesma ser utilizável apenas quanto a recursos ordinários ou por a rejeição do recurso de revisão não se adequar ao regime geral da reclamação contra o indeferimento, uma vez que este tipo de recurso se assemelha, ao menos num primeiro momento a uma ação autónoma (Cardona Ferreira, ob. cit., p. 236, Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil. Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, p. 204, e Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2009, p. 306). Outro autor há que distingue o meio impugnatório consoante o despacho de indeferimento seja proferido num tribunal de 1.º grau, caso em que há recurso para a relação, ou num tribunal superior, hipótese em que a decisão do relator é reclamável para a conferência ao abrigo do artigo 700.º, n.º 3, do CPC (Correia de Mendonça/Henrique Antunes, Dos recursos, Quid Juris, 2009, p. 369 e s.).
6. Em face das considerações expostas, há que não julgar inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 700.º, n.º 3, e 774.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, quando interpretadas no sentido de não ser admissível a reclamação para a conferência da decisão singular do relator, no tribunal da relação, que indefere liminarmente o recurso de revisão, por violação dos artigos 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa. Esta interpretação normativa não limita o acesso a um outro grau de jurisdição, uma vez que é recorrível a decisão judicial que indefira o requerimento de interposição de recurso de revisão.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.
Lisboa, 6 de junho de 2012.- Maria João Antunes – Gil Galvão – Carlos Pamplona de Oliveira – Rui Manuel Moura Ramos.