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Processo n.º 141/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente casa das Peles, A., S.A. e recorrido o Ministério Público, o relator proferiu a Decisão Sumária n.º 211/2012, que decidiu não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(…) 3. Na parte do recurso que vem interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a recorrente invoca que a decisão recorrida – despacho do Relator no Tribunal da Relação de Évora de 19.01.2012 – aplicou norma que foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral pelo Acórdão n.º 27/2006.
O citado Acórdão n.º 27/2006 declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, conjugada com o artigo 411.º do Código de Processo Penal, quando dela decorre que, em processo contraordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta.
Acontece que esta dimensão normativa, que foi declarada inconstitucional, não foi aplicada pelo despacho recorrido, como ratio decidendi do mesmo. Na verdade, o despacho recorrido parte do pressuposto que «o prazo para a resposta é igual ao do recurso e estabelecido no RGCO», ou seja, que em processo de contraordenação é de 10 dias quer o prazo de interposição do recurso para a Relação, quer o de apresentação da respetiva resposta, nos termos dos artigos 74.º, n.ºs 1 e 4 e 41.º do Regime-Geral de Contraordenações (RGCO). Este elemento – a duração do prazo para motivar o recurso comparativamente com o prazo para a resposta – é parte integrante da dimensão normativa que foi julgada inconstitucional no citado Acórdão n.º 27/2006, e, como vimos, é formulado diversamente na interpretação normativa aplicada na decisão recorrida.
Não existe, assim, coincidência entre a dimensão normativa que foi declarada inconstitucional pelo Acórdão n.º 27/2006 e aquela que foi aplicada no despacho do Tribunal da Relação de Évora aqui recorrido.
Pelo que não estão verificados os pressupostos necessários ao conhecimento do objeto do recurso na parte em que vem interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
4. No que respeita ao recurso na parte em que vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pretende o recorrente a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 74.º, n.º 1, do RGCO, quando interpretado, segundo se percebe, no sentido de não conferir um prazo de 20 dias para a interposição do recurso, idêntico aos 20 dias que o recorrente entende serem o prazo de resposta.
O recurso interposto ao abrigo da citada alínea b) exige, além do mais, que o tribunal recorrido tenha aplicado a norma ou interpretação normativa que o recorrente reputa inconstitucional como fundamento da sua decisão.
Ora, resulta do acima exposto que o tribunal recorrido não interpretou a norma em causa (conjugada com o artigo 41.º do mesmo RGCO) no sentido de conferir um prazo de 20 dias, quer para a resposta, quer para o recurso. Antes entendeu que da interpretação das normas em causa resulta que o prazo para a interposição do recurso e o prazo de resposta é igual e tem a duração de 10 dias.
Note-se, ainda, que o recorrente não pode pretender – por via do recurso de constitucionalidade – substituir a interpretação do direito infraconstitucional efetuada pelo tribunal recorrido (prazo de 10 dias) pela interpretação que ele, recorrente, entende mais correta (prazo de 20 dias). Na verdade, o Tribunal Constitucional apenas pode apreciar a constitucionalidade de uma norma ou interpretação normativa aplicada na decisão, mas não pode pronunciar-se sobre a correção dos juízos de direito infraconstitucional nela efetuados que, para este Tribunal, constituem um dado adquirido.
Não está, assim, verificado um dos pressupostos necessários ao conhecimento do objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
5. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer na íntegra do objeto do recurso. (…)»
2. Notificada da decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«CASA DAS PELES A., S.A., recorrente no processo à margem referenciado, não se conformando com a douta decisão sumária, de 2009.09.28, vem, ao abrigo do disposto no art.º 78.°-A/3 e 4 da LTC, RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. No requerimento de interposição de recurso para este Venerando Tribunal Constitucional, apresentado em 2012.02.06, a ora reclamante invocou, além do mais, o seguinte:
“2. (...) Além de o douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.° 1/2009, de 2008.12.04, nem sequer “constituir jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais” (v. art.º 445.°/3 do CPP), as normas do art.º 74.°/1 do RGCO e do art.º 413.° do CPP nunca poderiam ser aplicadas in casu com o sentido e alcance normativo que lhes foi atribuído, sob pena de frontal violação dos princípios da igualdade, proibição de arbítrio e indefesa, da confiança e segurança, da legalidade e da separação de poderes, consagrados nos art.ºs 2.°, 9.°, 13.°, 18.°, 20.°, 32.°, 165.°, 203.° e 204.° da CRP.
De resto, sob pena do maior arbítrio e incerteza, e face aos princípios constitucionais da segurança, confiança e Estado de Direito Democrático (v. art.ºs 2.°, 9.°, 18.°, 20.° e 32.° da CRP), parece-nos inquestionável que “o princípio da legalidade processual exige pelo menos, que os poderes discricionários se não sobreponham aos critérios normativos” (v. Ac. TC n.° 934/96, de 1996.07.10, in www.tribunalconstitucional.pt), e que “a lei tem de ser direta, expressa, clara e precisa — como são exigências do princípio da legalidade” (v. Ac. STJ 2010.12.09, Proc. 156/10.4YFLSB, in www.dgsi.pt).
3. O presente recurso tem assim como fundamento as seguintes questões, que foram suscitadas expressamente na reclamação deduzida pela ora recorrente em 2011.12.13, que aqui se dá por integralmente reproduzida:
a) Inconstitucionalidade do art.º 74.°/1 do RGCO, por violação dos art.ºs 2.°, 9.°, 18.°, 20.° e 32.° da CRP, não podendo ser aplicado in casu (v. art.ºs 204.º e 282.° da CRP; cfr. Ac. TC n.° 27/2006, Proc. 27/2006), sendo o prazo de recurso igual ao que se encontra legalmente estabelecido para a respetiva resposta — 20 dias —, nos termos expressis et apertis verbis consagrados no art.º 413.º/1 do CPP (v. art.ºs 13.°, 20.°, 203.° e 204.° da CRP; cfr. art.ºs 9.° e 10.° do C.Civil e art.º 74.°/4 do RGCO);
b) Aplicação pela decisão recorrida de norma já declarada inconstitucional com força obrigatória geral (v. Ac. TC n.° 27/2006, de 10 de janeiro), com sentido normativo que viola ainda os princípios constitucionais da igualdade, na dimensão especifica da igualdade de armas, do processo equitativo e leal (due process of law), da proibição do arbítrio e da indefesa, da confiança e da segurança, da legalidade, do acesso ao direito e a garantia do duplo grau de recurso (v. art.ºs 2.°, 9.°, 13.°, 18.°, 20.°, 32.°/1, 5 e 10 e 282.° da CRP), o que é inadmissível”
Por seu turno, no requerimento da ora reclamante, de 2012.04.13, apresentado em cumprimento do douto despacho deste Venerando Tribunal, de 2012.04.04, veio ainda esclarecer-se que “recurso interposto em 2012.02.06, ao abrigo do disposto nas alíneas b e g) do n.° 1 do art.º 70.º da LTC, tem como fundamento as seguintes questões:
a) Art.º 70.°/1/b) da LTC — Inconstitucionalidade do art.º 74.°/1 do RGCO, por violação dos art.ºs 2.°, 9.°, 18.°, 20.º e 32.° da CRP, não podendo ser aplicado in casu (v. art.ºs 204.° e 282.° da CRP; cfr. Ac. TC n.° 27/2006, Proc. 27/2006), sendo o prazo de recurso igual ao que se encontra legalmente estabelecido para a respetiva resposta — 20 dias —, nos termos expressis et apertis verbis consagrados no art.º 413.°/1 do CPP (v. art.ºs 13.°, 20.°, 203.° e 204.º da CRP; cfr. art.ºs 9.° e 10.º do C. Civil e art.º 74.°/4 do RGCO);
b) Art.º 70.°/l/b) da LTC — Inconstitucionalidade da norma em causa, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, do processo equitativo e leal (due process of law), da igualdade de armas, da proibição do arbítrio e da indefesa, da confiança e da segurança, da legalidade, do acesso ao direito e a garantia do duplo grau de recurso (v. art.ºs 2.°, 9.º, 13.º, 18.°, 20.º, 32.°/1, 5 e 10 e 282.° da CRP);
c) Art. 70°/1/ da LTC — Aplicação pela decisão recorrida da referida norma, já declarada inconstitucional com força obrigatória geral (v. Ac. TC n.° 27/2006, de 10 de janeiro)”.
O douto despacho reclamado decidiu “não conhecer na íntegra do objeto do recurso”, concluindo-se quanto à questão de inconstitucionalidade invocada, relativamente ao art. 74° do RGCO, além do mais o seguinte:
“ Resulta do acima exposto que o tribunal recorrido não interpretou a norma em causa (conjugada com o artigo 41.° do mesmo RGCO) no sentido de conferir um prazo de 20 dias, quer para a resposta, quer para o recurso. Antes entendeu que da interpretação das normas em causa resulta que o prazo para a interposição do recurso e o prazo de resposta é igual e tem a duração de 10 dias.
Note-se, ainda, que o recorrente não pode pretender — por via do recurso de constitucionalidade — substituir a interpretação do direito infraconstitucional efetuada pelo Tribunal recorrido (prazo de 10 dias) pela interpretação que ele, recorrente, entende mais correta (prazo de 20 dias). Na verdade, o Tribunal Constitucional apenas pode apreciar a constitucionalidade sobre a correção dos juízos de direito infraconstitucional nela efetuados que, para este Tribunal, constituem um dado adquirido.
Não está, assim, verificado um dos pressupostos necessários ao conhecimento do objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da LTC”.
Salvo o devido respeito — e é verdadeiramente muito —, não podemos concordar com a conclusão alcançada, pelas razões que serão enunciadas nas páginas subsequentes, pois questão de inconstitucionalidade invocada decorre, em primeira linha, do sentido normativo atribuído ao art.º 74.° do RGCO, resultante da existência, invocação e aplicação simultânea de normas que estabelecem prazos diferentes para o mesmo meio processual — 10 e 20 dias — impondo operações exegéticas de compatibilização, sem qualquer precisão, determinação, certeza ou calculabilidade ex ante do prazo efetivamente aplicável — 10 ou 20 dias.
2. No presente processo, a recorrente e ora reclamante invocou repetidamente que o art.º 74.° do RGCO é inconstitucional, por violação, além do mais, dos princípios da confiança, segurança, da tutela judicial efetiva e do Estado de Direito Democrático, quando interpretado com o sentido normativo que lhe foi atribuído no Tribunal recorrido, concluindo-se que “o prazo para a resposta é igual e tem a duração de 10 dias” (v. decisão reclamada).
Como tem constituindo jurisprudência pacífica deste Venerando Tribunal Constitucional, os referidos princípios constitucionais (v. art.ºs 2.°, 9.°/b), 18.° e 20.° da CRP), “garante(a) inequivocamente um mínimo de certeza e segurança das pessoas quanto aos direitos e expectativas legitimamente criados no desenvolvimento das relações jurídico-privadas, podendo afirmar-se que, com base em tal princípio, não é consentida uma formação tal que afete de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar” (v. Ac. TC n.° 365/91, DR, II Série, de 91.08.27; cfr. Acs. TC n.° 20/83, BMJ 335/165; n.° 133/86, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 7.°/II/839; n.° 259/88, BMJ 381/117; n.° 287/90, DR, II Série, 42/1943; n.° 303/90, DR, I Série, de 90.12.26, pág. 5220; n.° 56/92, DR, II Série, de 92.08.18, pág. 36; n.° 473/92, DR, 1 Série, de 93.01 .22, págs. 260-261).
No mesmo sentido, escreveu-se expressivamente no douto Acórdão n.° 303/90, deste Venerando Tribunal: “Neste princípio está, entre o mais, postulada uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas (...). Consoante o que se referiu no dito Acórdão deste Tribunal n.° 17/84, “o cidadão deve poder prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas. Ele deve poder confiar em que a sua atuação de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as suas consequências juridicamente relevantes” (DR, I Série, de 90.12.26, pág. 5220).
Além disso, tem-se entendido em situações similares que “o grau de exigência de determinabilidade e precisão da lei há de ser tal que garanta aos destinatários da formação um conhecimento preciso, exato e atempado dos critérios legais que a Administração há de usar, diminuindo desta forma os riscos excessivos que, para esses destinatários, resultariam de uma normação indeterminada quanto aos próprios pressupostos de atuação da Administração e que forneça à Administração regras de conduta dotadas de critérios que, sem julgarem a sua liberdade de escolha, salvaguardem o «núcleo essencial» da garantia dos direitos e interesses dos particulares constitucionalmente protegidos em sede de definição do âmbito de previsão normativa do preceito (Tatbestand)” (v. Ac. TC n.° 285/92, Proc. 383/92, in www.tribunalconstitucional.pt; cfr. Ac. TC n.° 252/2005, Proc. 560/01, in www.tribunalconstitucional.pt).
Em defesa dos princípios do Estado de Direito e da proteção da confiança, Casalta Nabais aduz ainda o seguinte:
“(...) É que a ideia de proteção da confiança não é senão o princípio da segurança jurídica na perspetiva do indivíduo, ou seja, a segurança jurídica dos direitos demais posições e relações jurídicas dos indivíduos, segundo a qual estes devem poder confiar em que tanto à sua atuação como à atuação das entidades públicas incidente sobre os seus direitos, posições e relações jurídicas, adotada em conformidade com normas jurídicas vigentes, se liguem efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculado com base nessas mesmas normas. Mas esta proteção da confiança pressupõe, por seu turno, a segurança jurídica do direito objetivo, ou seja, das normas jurídica enquanto padrões ou critérios de atuação dos indivíduos e de decisão das entidade públicas, que se exprime, de um lado, na estabilidade ou segurança jurídica ex post, que implica não poderem ser arbitrariamente modificados os critérios ou padrões de atuação dos particulares por parte das entidades públicas, e na previsibilidade ex ante que exige certeza e calculabilidade por parte dos cidadãos em relação aos efeitos jurídicos dos atos públicos, mormente dos atos normativos” (v. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 1998, pp. 395 e segs.).
De resto, o princípio da segurança jurídica “projeta exigências diferenciadas dirigidas ao Estado, que vão desde as mais genéricas de previsibilidade e calculabilidade da atuação estatal, de clareza e densidade normativa das regras jurídicas e de publicidade e transparência dos atos dos poderes públicos, designadamente os suscetíveis de afetarem negativamente os direitos dos particulares, até às mais específicas de observância dos seus direitos, expectativas e interesses legítimos e objetivamente dignos de proteção” (v. J. Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 2003,p.p. 816).
Registe-se a finalizar que, mesmo no domínio do direito civil, a determinabilidade do objeto das obrigações assumidas integra inequivocamente um requisito de validade do respetivo negócio jurídico (v. art.º 280.º do C. Civil; cfr. Ac. STJ de 1995.11.15, Proc. 87204; Ac. Uniformizador do STJ, de 2001.01.23, DR, 1.ª Série, de 2001.03.08), pois, como bem salienta Menezes Cordeiro, “o negócio jurídico, para poder ser executado, deve dar azo a condutas cognoscíveis pelas partes” (v. Tratado de Direito Civil Português, 2005, 1/1/688 e Parecer in CJ XVII/II /61), sob pena de nulidade, por o respetivo objeto ser indeterminado e indeterminável (v. Vaz Serra, Anotação RLJ, 107, p.p. 255 e segs.).
3. No caso sub judice verifica-se que, como bem se salientou no douto despacho reclamado, o Tribunal recorrido “entendeu que da interpretação das normas em causa resulta que o prazo para a interposição do recurso e o prazo de resposta é igual e tem a duração de 10 dias”.
Mesmo não se sindicando os termos da decisão do Tribunal recorrido, no quadro da correção ou bondade da “interpretação do direito infraconstitucional efetuado pelo Tribunal recorrido” (v. douto despacho recorrido), é manifesto que a referida decisão procurou simplesmente compatibilizar normas que fixam prazos diferentes, como se estabelecessem um prazo único, de 10 dias.
Com efeito, o art.º 74.º do DL 433/82, de 27 de outubro, na redação do DL 244/95, de 14 de setembro (doravante RGCO), sob a epígrafe “regime de recurso”, estatui:
“ 1 - O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a partir da sentença ou do despacho, ou da sua notificação ao arguido, caso a decisão tenha sido proferida sem a presença deste.
2 - Nos casos previstos no n.° 2 do artigo 73.°, o requerimento deve seguir junto ao recurso, antecedendo-o.
3 - Nestes casos, a decisão sobre o requerimento constitui questão prévia, que será resolvida por despacho fundamentado do tribunal, equivalendo o seu indeferimento à retirada do recurso.
4 - O recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma”.
Por seu turno, o art.º 413.° do Código de Processo Penal, na redação da Lei 48/2007, de 29 de agosto, para o qual remete o citado artigo 74.°/4 do RGCO, determina expressis et aperts verbis o seguinte:
“1 - Os sujeitos processuais afetados pela interposição do recurso podem responder no prazo de 20 dias, contados da data da notificação referida nos n.° s 6 e 7 do artigo 411.°
2 - Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, o prazo estabelecido no número anterior é elevado para 30 dias”.
A desconformidade com normas e princípios constitucionais não reside assim na “correção dos juízos de direito infraconstitucional efetuados (na decisão recorrida), que para este douto Tribunal, constituem um dado adquirido” (v. decisão reclamada).
A questão de inconstitucionalidade invocada decorre, em primeira linha, do sentido normativo atribuído ao art.º 74.° do RGCO, resultante da existência, invocação e aplicação simultânea de normas que estabelecem prazos diferentes para o mesmo meio processual — 10 e 20 dias — impondo operações exegéticas de compatibilização, sem qualquer precisão determinação certeza ou calculabilidade ex ante do prazo efetivamente aplicável — 10 ou 20 dias.
O referido circunstancialismo, independentemente da correção dos fundamentos jurídicos de natureza infraconstitucional que poderão ditar a opção por um ou por outro dos referidos prazos, não permitiam nem permitem à reclamante, nem a qualquer recorrente na mesma situação, “prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ela ou perante ela e preparar-se para se adequar a elas” (v. Ac. TC n.° 303/90, DR, I Série, de 90.12.26, pág. 5220), impedindo qualquer “previsibilidade ex ante, que exige certeza e calculabilidade por parte dos cidadãos em relação aos efeitos jurídicos dos atos públicos, mormente dos atos normativos” (v. Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, 1998, pp. 395 e segs.), o que depende inequivocamente da “clareza e densidade normativa das regras jurídicas” (v. J. Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 2003,p.p. 816), que in casu não existe.
5. Adiante-se ainda neste particular que, como tem constituído jurisprudência pacífica deste Venerando Tribunal Constitucional:
a) “Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade pode questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão só uma interpretação que do mesmo se faça” (v. Ac. TC n.° s 367/94, de 11 de maio, Proc. 797/93);
b) “Em causa está a interpretação de normas, pelo que é determinante do juízo a proferir o concreto teor da decisão recorrida, quer na dimensão com que configurou o problema posto no STA, quer no entendimento com que aplicou as normas questionadas ao caso” (v. Ac. TC n.° 366/94, de 6 de março, Proc.º 226/94);
c) “É necessário que a desconformidade com normas princípios constitucionais tenha sido imputada, de modo claro, percetível (...) a uma norma precisamente determinada, ainda que em certo sentido mediatizado pela decisão recorrida” (v. Ac. TC n.° 433/2006, de 12 de julho, Proc. 430/2006; cfr. Ac. TC n.° 482/2005, de 27 de setembro, Proc. 555/05);
d) “Quando o recorrente pretenda questionar uma certa interpretação de uma norma (...) tem ele não só o ónus de identificar o preceito de que se extrai essa norma, mas também o de precisar o sentido normativo que reputa de inconstitucional” (v. Ac. TC n.° 472/00 de 7 de novembro, Proc. 381/00), ou que “se indique esse sentido (essa interpretação)” (v. Ac. TC n.° 424/00, de 11 de outubro, Proc. 575/99).
Nesta linha, referindo-se expressamente à questão em análise, Jorge Bacelar Gouveia escreveu, além do mais, o seguinte:
“Do ponto de vista do objeto do processo de fiscalização concreta da constitucionalidade, ao contrário do que literalmente se inculca, não se trata apenas do recurso das decisões de tribunais que aplicaram certa norma, constitucional ou inconstitucionalmente, mas também acolhe a aplicação como parâmetro decisório de certa decisão interpretativa que não seja adequada segundo um juízo de conformidade constitucional, o que implica a existência de dois distintos objetos processuais
- a norma aplicada ou não aplicada contra a CRP
- uma certa interpretação da norma considerada inconstitucional” (v. Manual de Direito Constitucional, 11/1358).
No caso sub judice a questão de constitucionalidade entretanto suscitada prende-se desde logo, com a validade constitucional do sentido normativo atribuído na decisão recorrida à norma em causa, pelo que a admissibilidade do presente recurso nunca poderia ser posta em causa (v. art.º 70.°/1/b) da LTC), pois a questão de inconstitucionalidade invocada decorre, em primeira linha, do sentido normativo atribuído ao art.º 74.º do RGCO, resultante da existência, invocação e aplicação simultânea de normas que estabelecem prazos diferentes para o mesmo meio processual — 10 e 20 dias — impondo operações exegética de compatibilização, sem qualquer precisão, determinação, certeza ou calculabilidade .ex ante do prazo efetivamente aplicável — 10 ou 20 dias.
De resto, sob pena do maior arbítrio e incerteza, “o princípio da legalidade processual exige, pelo menos, que os poderes discricionários se não sobreponham aos critérios normativos” (v. Ac. TC n.º 934/96, de 1996.07.10, in www.tribunalconstitucional.pt; cfr. João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, I/198; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p.p. 386-387), considerando-se pacificamente, no específico domínio das normas reguladoras do processo contraordenacional, que “a lei tem de ser direta, expressa, clara e precisa — como são exigências do princípio da legalidade” (v. Ac. STJ de 2010.12.09, Proc. 156/10.4YFLSB, in www.dgsi.pt).
Assim, estabelecendo-se no art.º 413.° do CPP, de forma “direta, expressa, clara e precisa” (v. Ac. STJ de 2010.12.09, Proc. 156/10.4), o prazo de vinte dias para os recorridos apresentarem a sua contra-alegação, nunca poderia, à luz de critérios de segurança, confiança e previsibilidade jurídica, ser considerada a aplicação in casu do art. 74° do RGCO, com o sentido normativo que lhe foi concretamente atribuído na decisão recorrida, conducente à fixação de um prazo casuisticamente reduzido para dez dias, para a ora reclamante interpor recurso e apresentar a respetiva motivação Cv. Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contraordenação — Anotações ao Regime Geral, 2007, p.p. 552, nota 3; António Leones Dantas, Considerações sobre o processo das contraordenações: as fases do recurso e da execução, in Revista do Ministério Público, n.° 57, Ano 15°, p.p. 71).
O art.º 413°/1 da CRP estabelece de forma “direta, expressa, clara e precisa” (v. Ac. STJ de 2010.12.09, Proc. 156/10.4) que “os sujeitos processuais afetados pela interposição do recurso podem responder no prazo de 20 dias”, pelo que, não tendo sido sequer invocada a inconstitucionalidade deste normativo do CPP, não pode ser postergado o dever de obediência à lei (v. art.ºs 203.° e 204.° da CRP e art.º 8.° do C. Civil), interpretando-se de forma casuística, derrogatória e abrogante as prescrições contraditórias do art.º 74.° do RGCO e do art.º 413.° do CPP, criando-se por via interpretativa e jurisprudencial um novo regime legal, destinado a sanar a posteriori a manifesta e já declarada inconstitucionalidade do citado art.º 74.°/1 do RGCO.
6. Registe-se ainda que não compete aos Tribunais o exercício de funções legislativas (v art.ºs 203.° e 204.° da CRP), revogando e alterando prazos processuais tipificamente estabelecidos em normas legais expressas — in casu do art.º 413.°/1 do CPP —, editadas no domínio da reserva legislativa de competência da Assembleia da República (v. art.º 165°/l/c) e d) da CRP).
Aliás, “a lei tem de ser direta, expressa, clara e precisa — como são exigências do princípio da legalidade” (v. Ac. STJ de 2010.12.09, Proc. 156/10.4YFLSB, in www.dgsi.pt), impondo-se aos Tribunais, que estão sujeitos à Constituição e à lei (v. arts. 203.° e 204.° da CRP; cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3.ª ed., p.p. 161 e segs.; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, 1988, IV/251 e segs.; Mário de Brito, Acesso ao Direito e aos Tribunais, in O Direito, 1995, III — IV/351-353; Carlos Lopes do Rego, Acesso ao Direito e aos Tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 1993, p.p. 45 e segs.), sendo certo que “o limite da interpretação é a letra, o texto de norma, cabendo-lhe desde logo uma função negativa — a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma quaisquer correspondência ou «ressonância» nas palavras da lei” (v. Parecer PGR n.° 41/94, de 1994.05.12, in www.dgsi.pt).
Em síntese, como se decidiu no douto despacho do Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, de 2011.06.27, expressamente citado no requerimento de interposição de recurso apresentado pela ora reclamante, em 2011.11.16, que aqui seguimos de perto:
“Como sublinha o Reclamante, o Tribunal Constitucional tem vindo sucessivamente a declarar inconstitucional a norma do art.º 74.º, n° 1 do RGCO (DL 433/82, de 27.10, na redação que lhe foi dada pelo DL n.° 244/95, de 14.09), na medida em que da mesma resultam prazos distintos para motivar e para responder no processo de contraordenação, por violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de princípio de igualdade de armas, de proibição do arbítrio e do processo equitativo, ínsitos nos art.ºs 13.° e 20.º, n.º 4 da Constituição (vide Acórdãos do TC 208/93, 213/93, 263/93, 47/95,1229/96, 462/2003 e, mais recentemente, 27/2006, de 10.01.2006).
Em face da jurisprudência obrigatória fixada no último dos mencionados arestos do Tribunal Constitucional, o n.º 1 do art.º 74.° do GGCO terá de ser correctivamente interpretado no sentido de que o prazo de interposição do recurso da decisão judicial em processo contraordenacional só pode ser o previsto no Código de Processo Penal para a resposta ao recurso penal, ou seja o de 20 dias (art.º 413.° n.° 1 do CPP, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 48/2007).
É verdade que o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador n.° 1/2009 (D.R. série I-A, de 16.01.2009) fixou jurisprudência no sentido de que, «em processo de contraordenação, é de dez dias quer o prazo de interposição de recurso para a Relação, quer o da respetiva resposta», assim parecendo ultrapassar a referida inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional.
Acontece que, como assinala o Reclamante, «determinando o art.º 74.º, n.° 4 do RGCO que as lacunas na regulamentação do recurso em processo contra-ordenacional deverão ser preenchidas através da aplicação subsidiária do regime previsto para o processo penal, não será legítimo adaptar de 20 para 10 dias o prazo estipulado no art.º 413.°, n.°1 do CPP para resposta ao recurso, porquanto tal consubstanciaria, na realidade, a aplicação de uma norma criada pelo intérprete, em violação do princípio da legalidade do processo contra-ordenacional, consagrado no art.º 43.° do RGCO.
“Ler”10 dias onde expressamente se diz que são 20 dias que o recorrido dispõe para responder ao recurso, implicaria uma interpretação/aplicação corretiva, postergada pelo art.º 8.°, n.° 2 do Código Civil
Não pode conceber-se que fique à disposição dos tribunais o poder de definir qual é o prazo para a apresentação do recurso — recurso que se apresenta como uma garantia suprema da defesa dos cidadãos — muito menos a posteriori, isto num momento posterior ao da prática do ato.
Face aos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica, corolários do princípio do estado de direito (art.º 20.º da CRP), o prazo aplicável à interposição do recurso deve ser sempre o mais favorável ao arguido, ou seja o de 20 dias.
O despacho reclamado violou, pois, o disposto nos artigos 13.º, 32.º, n.°s 1, 5 e 10 da Constituição e 74.º, n.° 1 do DL n.° 433/82, de 14.09, contrariando ainda, inequivocamente, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral imposta pelo Acórdão n.° 27/2006 do Tribunal Constitucional, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que mande conhecer do recurso interposto, porque apresentado tempestivamente” (v. Proc. 289/10.6, in www.dgsi.pt; cfr. Acs. Rel. do Porto de 2006.09.27, Proc. 61260; de 2001.04.18, Proc. 41523/00; Ac. Rel. Lisboa de 2006.06.06, Proc. 575/06; Ac. Rel. de Coimbra de 2004.05.05, Proc. 785/04).
7. Registe-se a finalizar que o art.º 70.°/l/b) da LTC, tem que ser interpretado em conformidade com o direito de acesso aos Tribunais da ora reclamante, constitucionalmente consagrado, possibilitando-lhe a obtenção tutela judicial efetiva (v. art.ºs 20.° e 268.°/4 da CRP).
Com efeito, o artigo 20.°/1 da CRP determina:
“A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
A garantia da via judiciária impõe-se, como direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a todas as entidades públicas e privadas (v. art.ºs 17.° e 18.°/1 da CRP) e naturalmente, também aos Tribunais, sujeitos à Constituição e à lei (v. art.ºs 203.° e 204.° da CRP; cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3.ª ed., p.p. 161 e segs., Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, 1988, IV/251 e segs.; Mário de Brito, Acesso ao Direito e aos Tribunais, in O Direito, 1995, III — IV/351-353; Carlos Lopes do Rego, Acesso ao Direito e aos Tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 1993, p.p. 45 e segs.).
Nesta linha, escreveu doutamente Garcia de Enterria:
“La jurisprudência no puede emplearse en crear impedimentos o limitaciones a los derechos fundamentales, y menos aún derecho a la tutela judicial efetiva, de cuyo ejercicio resulta justamente la possibilidade misma de que las decisiones judiciales se produzean” ... “y lo que es inconstitucional, en efecto, es utilizar los poderes interpretativos y aplicativos de las leys para crear impedimentos o limitaciones a derechos fundamentales, y en particular al derecho de libre acesso de los ciudadanos a la justicia para obtener de ella una tutela efetiva a los derechos e intereses legítimos” (v. Revista Española de Derecho Administrativo, n.° 46, p.p. 177).
O reputado administrativista espanhol refere ainda que “lo esencial es llegar al fondo de los recursos, a lo que deben subordinarse las formalidades procesales, evitando su sustantivización; que las exceciones a la admisión de los recursos son de interpretación, no ya enunciativa o declarativa, sino positivamente restrictiva, en cuanto reglas odiosas por contradecir o limitar esse derecho fundamental y natural; que lo esencial es hacer posible el ejercicio de dicho derecho, para lo cual debe buscarse siempre en toda cuestión disputada sobre la materia la interpretación precisamente más favorable a este efecto” (v. Eduardo García de Enterría citado, in Juán Maria Pemán Gavín, Algunas Manifestaciones del principio «Pro Actione» en la reciente Jurisprudencial del Tribunal Supremo, Revista de Administración Pública, Madrid, n.° 104, p.p. 252).
O referido ensinamento foi acolhido e já por diversas vezes reiterado pela jurisprudência espanhola, referindo-se que “la Sala no puede dejar de apuntar la también reciente doctrina jurisprudenciai (...) que insiste en la necesidad de mantener que en la materia de los requisitos o presupuestos procesales (inadmisibilidad) los criterios informantes del sistema — art. 24.1 de la Constitución y Exposición de Motivos de la Ley — son los de flexibilidad y apertura com la finaiidad de lograr una completa o plena garantia jurisdiccional por parte de todos los litigantes (ya sean personas físicas ou jurídicas) y que sólo se logra si el Tribunal da una respuesta adecuada y congruente com la temática planteada sin escudarse en razones formales que en la mayoría de los casos — y por las especialidades del proceso contencioso — suponen auténticas denegaciones de justicia (S. de febrero 1982, Arz. 931, Ponente: Martín Martín)” (Juán Maria Pemán Gavín, ob. cit., p.p. 258).
8. O entendimento defendido pela ora reclamante é, de resto, o único compatível com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva (v. art.º 20.º da CRP), e com a garantia do acesso aos Tribunais (v. art.º 20.º da CRP e art.º 2.°/2 do CPC), desconsiderando-se aplicação de critérios contra cives e desconformes com o princípio pro actionem.
NESTES TERMOS,
Deverá ser julgada procedente a presente reclamação, admitindo-se o recurso interposto pela ora reclamante e prosseguindo o presente processo os seus ulteriores termos, com as legais consequências.»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal apresentou a seguinte resposta:
«1º
Casa das Peles, A., S.A. recorreu para o Tribunal Constitucional da decisão proferida pelo Senhor Vice-Presidente da Relação de Évora que indeferiu a reclamação do despacho que, na primeira instância, não admitira, por extemporaneidade, o recurso interposto para aquela Relação.
2º
Para assim decidir aplicaram-se, única e exclusivamente, os artigos 74.º, n.ºs 1 e 4 e 41.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), na interpretação do Acórdão de Uniformização da Jurisprudência n.º 1/2009, ou seja, que em processo de contraordenação é de 10 dias, quer o prazo de interposição do recurso para a Relação, quer o da apresentação da respetiva resposta.
3º
O Acórdão nº 1/2009, solucionando divergências jurisprudenciais, veio, inequivocamente, estabelecer qual o prazo para recorrer e responder: 10 dias.
4º
Se a recorrente pretendia levantar uma questão de inconstitucionalidade, ela teria, necessariamente, de estar relacionada com o prazo assim fixado, eventualmente considerando-o excessivamente curto.
5º
Ora, como muito bem se demonstra na douta Decisão Sumária, a dimensão normativa enunciada pela recorrente não tem qualquer suporte na decisão recorrida.
6º
Faltando, pois, um requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, na reclamação agora apresentada, a recorrente nada diz sobre as razões processuais porque entende que aquele requisito se verifica.
7º
Na verdade, na reclamação desenvolve-se a seguinte afirmação:
“Salvo o devido respeito – e é verdadeiramente muito - , não podemos concordar com a conclusão alcançada, pelas razões que serão enunciadas nas páginas subsequentes, pois a questão de inconstitucionalidade invocada decorre, em primeira linha, do sentido normativo atribuído ao art.º 74.º do RGCO, resultante da existência, invocação e aplicação simultânea de normas que estabelecem prazos diferentes para o mesmo meio processual 10 e 20 dias – impondo operações exegéticas de compatibilização, sem qualquer precisão, determinação, certeza ou calculabilidade ex ante do prazo efetivamente aplicável – 10 ou 20 dias”.
8º
Mas, mesmo quanto a estas afirmações, a recorrente, em nossa opinião, não tem razão, atendendo à concreta situação e à questão que se coloca nestes autos.
9º
Efetivamente, desde que foi proferido e publicado o Acórdão de Uniformização da Jurisprudência n.º 1/2009, ficou estabelecido de forma clara e inequívoca que em processo contraordenacional o prazo de interposição do recurso para a Relação é de 10 dias.
10º
Quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, parece-nos evidente que não há correspondência entre a dimensão normativa aplicada e julgada inconstitucional pelo acórdão n.º 27/2006.
11.º
Aliás, o Acórdão Uniformizador n.º 1/2009, foi proferido, tendo em consideração o Acórdão do Tribunal Constitucional, como bem se refere na decisão recorrida, proferida na Relação.
12.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada decidiu não conhecer do objeto do recurso, por um lado, no que respeita ao recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por falta de coincidência entre a dimensão normativa que foi declarada inconstitucional pelo Acórdão n.º 27/2006 e aquela que foi aplicada no despacho do Tribunal da Relação de Évora aqui recorrido; e, por outro, no que concerne à parte do recurso fundada na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por falta de coincidência entre a interpretação normativa reputada inconstitucional pelo recorrente e a interpretação normativa adotada pela decisão recorrida, como sua ratio decidendi.
A presente reclamação em nada abala estas conclusões.
De um lado, porque é evidente a falta de coincidência entre a interpretação normativa julgada inconstitucional no Acórdão n.º 27/2006, e a interpretação normativa adotada pela decisão recorrida, que, precisamente, teve em consideração aquela declaração de inconstitucionalidade. As razões dessa diferença estão perfeitamente explicitadas na decisão sob reclamação, sendo desnecessário repeti-las.
Do outro, porque é também notório que a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade o reclamante pretende ver apreciada, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não tem qualquer correspondência na decisão recorrida, pelas razões que igualmente constam da decisão sumária reclamada e que a reclamação em nada contraria.
Deve, por isso, manter-se na íntegra a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de maio de 2012.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.