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Processo n.º 1081/13
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), em que é recorrente A., Lda. e recorrido o INSTITUTO DA VINHA E DO VINHO, I.P., o primeiro interpôs recurso obrigatório, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão (sumária) do STA proferida em 5 de junho de 2013 (cfr. fls. 380-396) – a qual negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgara totalmente improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa dos atos de liquidação de taxas de promoção, relativas aos meses de dezembro de 2004 e julho de 2008, devidas ao Instituto da Vinha e do Vinho – com vista à apreciação da constitucionalidade da alegada norma extraída do § 3 do artigo 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), quando interpretada no sentido de implicar “a negação da competência exclusiva atribuída ao Tribunal de Justiça da União Europeia para julgar questões prejudiciais relativas à interpretação de normas do direito comunitário, quando as mesmas são suscitadas em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional, cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno” (cfr. fls. 473).
2. Pela Decisão Sumária n.º 17/2014, de 13 de janeiro de 2014 (cfr. fls. 482-488), decidiu a relatora neste Tribunal não conhecer do objeto do recurso por falta de suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido e, ainda, por falta de objeto normativo.
3. A recorrente, inconformada, reclama para esta conferência do julgado (cfr. fls 492-496) invocando, em síntese:
«(…) Na decisão sumária ora notificada, este Alto Tribunal decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso, porquanto:
(i) por um lado, «[ ... ] não pode concluir-se que a Recorrente tenha dado cumprimento ao ónus da prévia e adequada suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa [ ... ]»;
(ii) por outro lado, «o pretendido recurso não Incide sobre uma interpretação normativa […]».
- cf. página 7 da Decisão Sumária proferida nos autos.
Vejamos,
No modesto entendimento da Recorrente, a questão de inconstitucionalidade colocou-se nos presentes autos em virtude da interpretação que foi feita pelo Supremo Tribunal Administrativo ('STA') no seu aresto, sobre a desnecessidade de pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia ('TJUE') quanto ao âmbito da obrigação de notificação prévia prevista no artigo 108.°, n.º 3, do Tratado de Funcionamento da União Europeia ('TFUE').
Relembre-se que, nos termos do disposto no artigo 267.° do TFUE, o reenvio prejudicial só é obrigatório para o Tribunal superior (ou seja, para o Tribunal cuja decisão não é suscetível de recurso judicial previsto no direito interno) .
Logo, é perante o respetivo não cumprimento do dever de reenvio, através de uma interpretação/aplicação do disposto no artigo 267.° do TFUE manifestamente inconstitucional, que vem invocada pela Recorrente semelhante inconstitucionalidade,
Que, pela sua própria natureza - por contrariar frontalmente o princípio do juiz legal/natural consagrado nos artigos 216.°, n.º 1 e 217.°, n.º 3, da Constituição e o disposto nos n.ºs 1 a 4 do artigo 8.º da Constituição -, era tudo menos expectável, não sendo exigível à Recorrente que levantasse em momento anterior essa questão de inconstitucionalidade.
De todo o modo,
A verdade é que a inconstitucionalidade da interpretação em causa foi suscitada na peça processual de arguição de nulidades do Acórdão proferido pelo STA, a fls .. dos autos, Requerimento que pela sua própria natureza - relembre-se, arguição de nulidade do Acórdão proferido pela última instância -, só aquele Tribunal dispunha ainda de poder jurisdicional para apreciar e decidir.
Com efeito, ainda era jurisdicionalmente possível ao Tribunal, após a prolação da decisão final, pronunciar-se sobre as nulidades arguidas e, consequentemente, sobre a inconstitucionalidade apontada in casu - aliás, como o STA veio a fazer nos autos, com a prolação do Acórdão de 10 de julho de 2013.
Se, na verdade, o poder jurisdicional do STA quanto a essa questão da inconstitucionalidade da interpretação/aplicação que fez do disposto no artigo 267.º, n.º 3, do TFUE, se tivesse esgotado com a prolação da decisão final, não poderia o mesmo Tribunal ter-se sobre a mesma pronunciado, o que - repita-se - não sucedeu no caso, tendo o STA apreciado, com efeito, a inconstitucionalidade invocada, reexaminando essa questão e fundamentado a sua interpretação do disposto no artigo 267.º, n.º 3, do TFUE,
Razão pela qual se encontra cumprido, in casu, no modesto entendimento da Recorrente, o critério de suscitação processualmente adequada da questão de inconstitucionalidade,
Tendo o Tribunal recorrido sido, na verdade, confrontado com uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa.
Na verdade, quanto a este ponto, não se esquece que o objeto de fiscalização de inconstitucionalidade no nosso ordenamento jurídico são as normas, não já as decisões judiciais.
Em consequência, no recurso de constitucionalidade é relevante a invocação da inconstitucionalidade de normas numa determinada interpretação, precisamente a interpretação que lhes tenha sido dada na decisão recorrida.
Sucede que, no modesto entendimento da Recorrente, o Acórdão recorrido, ao pronunciar-se sobre o não reenvio para o Tribunal de Justiça da União Europeia no que se refere ao âmbito da obrigação de notificação prévia prevista no n.º 3 do artigo 108..ºdo TFUE em face da medida parafiscal em causa nos autos, plasmou uma interpretação do disposto no artigo 267.° do TFUE confessada mente inconstitucional, por contrariar o princípio do juiz legal/natural consagrado nos artigos 216.º, n.º 1 e 217.º, n.º 3, da Constituição e o disposto nos n.ºs 1 a 4 do artigo 8.0 da Constituição.
Com efeito, apesar de o alcance da obrigação de notificação prévia previsto no atual artigo 108.º, n.º 3, do TFUE, e não abrangência da medida parafiscal em causa nos autos por essa obrigação, consubstanciarem o parâmetro da decisão proferida pelo STA nos autos,
Aquele Tribunal não permitiu que a instância autorizada em último grau a proceder à interpretação do direito da União Europeia se pronunciasse sobre aquela norma de direito comunitário primário,
Tendo efetuado uma interpretação do artigo 267.º do TFUE no sentido de autorizar o Tribunal recorrido, apesar de ser a última instância de recurso, a denegar o reenvio prejudicial (reenvio tendente a obter a correta interpretação do alcance da obrigação de notificação prévia prevista no n.º 3 do artigo 108.º do TFUE em face da medida parafiscal em causa nos autos) que viola o princípio constitucional do juiz natural ou legal,
Na medida em que o juiz comunitário vem a ser o intérprete último do artigo 108.º do TFUE, pois só ele pode garantir a aplicação uniforme do direito da União Europeia, que é acolhido diretamente no nosso ordenamento por força do disposto nos nºs 1 a 4 do artigo 8.º da Constituição.
Razão pela qual, no modesto entendimento da Recorrente, a questão de inconstitucionalidade da norma (em concreto, do artigo 267.º do TFUE) de que o Tribunal a quo fez aplicação nos autos e que decorre da violação do princípio constitucional do juiz legal ou natural, entra nos poderes de cognição deste Alto Tribunal.
Termos em que a presente reclamação deverá ser deferida e, em consequência, ser apreciada pelo Tribunal Constitucional a questão da inconstitucionalidade do disposto no artigo 267.º do TFUE, na interpretação que lhe foi dada pelo Supremo Tribunal Administrativo.».
4. O recorrido Instituto da Vinha e do Vinho IP, notificado para o efeito, não apresentou resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Alega a recorrente, na presente reclamação, em suma, que não lhe era exigível que suscitasse a alegada questão de constitucionalidade em momento anterior à arguição de nulidades do Acórdão do STA por a alegada interpretação feita pelo STA sobre a desnecessidade de pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia ser «tudo menos expectável” – pelo que a suscitação na peça processual de arguição de nulidades preenche o requisito da suscitação processualmente adequada – e, ainda, que o tribunal recorrido se confrontou com uma “verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa”, o que também inclui “a invocação da inconstitucionalidade de normas numa determinada interpretação”.
Não assiste razão à reclamante.
Por um lado, não apresenta qualquer argumento novo que ponha em crise o decidido quanto à falta de suscitação prévia adequada pois face à pré-existência de jurisprudência consentânea com a decisão de não proceder ao reenvio jurisdicional, a recorrente podia ter antecipado a possibilidade de aplicação da alegada interpretação normativa que pretende ver sindicada, no momento em que, deduzindo alegações de recurso perante o Supremo Tribunal Administrativo, solicitou ao tribunal a quo a colocação de uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
Por outro lado, e como se ajuizou na Decisão Sumária, o que se sujeita à reapreciação deste Tribunal é a concreta decisão do tribunal a quo de “não se proceder ao reenvio oportunamente requerido”, isto é, o ato jurisdicional em sentido próprio – e não qualquer norma, ou interpretação nela fundada, não se configurando como tal o que a recorrente, na presente reclamação, apresenta como sendo dada interpretação do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia pois que, pese embora a formulação aparentemente genérica e abstrata, continua a estar em causa o juízo formulado, no caso concreto, sobre a necessidade de se proceder ao reenvio prejudicial pretendido pela recorrente.
Ora, como este Tribunal tem reiteradamente sublinhado, o recurso de constitucionalidade é um instrumento de fiscalização da constitucionalidade das normas jurídicas, pelo que não releva, para o efeito do seu conhecimento, as inconstitucionalidades diretamente imputadas, como é o caso, à forma como o tribunal recorrido apreciou as questões de direito material ou adjetivo que, no exercício das suas funções jurisdicionais, lhe cumpre decidir.
Não estando em causa a inconstitucionalidade de qualquer norma, ou verdadeira interpretação, também não pode, por esta razão, o recurso prosseguir para apreciação de mérito, como sustentado na Decisão Sumária ora reclamada.
Além de que, tendo-se alegado contradição entre uma decisão judicial nacional e o Direito da União Europeia, essa questão, de acordo com a jurisprudência constitucional consolidada, situar-se-ia fora dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional.
6. Em suma, e face ao exposto, é de concluir pelo indeferimento da reclamação.
III – Decisão
7. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, nos termos do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 6 de março de 2014. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.