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Processo nº 996/98 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. O PROCURADOR-GERAL ADJUNTO em funções neste Tribunal vem, ao abrigo do disposto no artigo 700º, nº 2, do Código de Processo Civil e 78º-B, nº 2, da Lei nº 28/82, reclamar para a conferência do despacho do relator (de 8 de Julho de
1999), que desatendeu a reclamação por nulidade que, em 11 de Maio de 1999, apresentou, depois de tomar conhecimento da decisão que, em 5 desse mesmo mês, esta Secção registou no Livro de Lembranças, julgando inconstitucional a norma constante do artigo 15º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho.
No entender daquele Magistrado, a nulidade então arguida – uma nulidade de processo – decorreria de ter havido preterição do contraditório, uma vez que 'o Ministério Público não foi notificado, após apresentação da alegação do recorrente, do douto despacho que determinou a produção de alegações neste Tribunal'.
É neste entendimento que o reclamante insiste, argumentando do modo que segue:
1º Nos autos em causa, atinentes ao contencioso da magistratura dos Tribunais Administrativos e Fiscais, figuram como recorrente o Dr. J... e como entidade recorrida o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
2º Porém, uma das questões de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente – a
única, aliás, que foi julgada procedente por este Tribunal – tem directa incidência na definição do estatuto e dos poderes de intervenção processual da magistratura do Ministério Público no âmbito do contencioso administrativo.
3º Na verdade, questiona o recorrente, em recurso fundado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, a norma constante do artigo 15º da LPTA, alegando que a interpretação realizada pelo Supremo Tribunal Administrativo se configuraria como violadora do disposto nos artigos 202º, nº 2, 203º e 219º, nºs
1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, já que permitiria – apesar do carácter reservado do órgão jurisdicional 'conferência' – que o agente do Ministério Público nele tivesse intervenção, na sessão em que o Supremo Tribunal Administrativo indeferiu o pedido do recorrente, desacompanhado deste.
4º Ora, perante tal questão jurídico-constitucional, com directa incidência na definição do estatuto e dos poderes processuais do representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo, deveria o Ministério Público ter assumido, no âmbito do recurso de fiscalização concreta interposto, a posição de recorrido, dado o evidente e inquestionável interesse em contradizer a tese sustentada pelo recorrente e a directa incidência da decisão que viesse a ser proferida no seu estatuto processual.
5º Cumprindo, para tal, facultar-lhe, quanto a matéria em causa, a posição de recorrido no âmbito do presente recurso de constitucionalidade, notificando-se-lhe o douto despacho que determinou a produção de alegações, a fls. 203, logo após a apresentação da alegação por parte do recorrente.
6º Na verdade, não tinha o Ministério Público legitimidade para interpor recurso de fiscalização concreta, face ao teor da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, por não ser 'parte vencida'; mas sendo directamente afectado, no seu estatuto processual, pela dirimição da questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente – e julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Administrativo.
7º Só esta tramitação – traduzida em qualificar como 'recorrido' também o Ministério Público, facultando-lhe a oportunidade processual para se pronunciar sobre questão que contende directamente com a definição do seu próprio estatuto processual – assegura o respeito pela regra do contraditório, da qual emerge a necessidade impreterível de ouvir no processo todos os sujeitos processuais que possam ser directamente afectados, na sua esfera ou estatuto jurídico, pela decisão a proferir.
8º Na verdade, afigura-se que – salvo melhor opinião – o conceito de recorrido tem de ser um conceito funcional, adequado à específica natureza das questões controvertidas no recurso – e não num conceito formal, que decorra automaticamente do facto de alguém figurar como parte principal vencida no processo em que se inseriu o recurso de constitucionalidade.
9º E levando tal entendimento inevitavelmente à conclusão de que pode ser indispensável, em determinados casos, o contraditório do Ministério Público no
âmbito do recurso de fiscalização concreta interposto, sempre que a decisão a proferir transcenda o interesse directo das partes, para relevar directamente em sede de interesses públicos ou do Estado.
10º Em favor desta tese, invoca-se o precedente segundo o qual deverá ser ouvido como recorrido o Ministério Público, sempre que as partes numa acção cível controvertam uma questão atinente apenas a custas, incidindo exclusivamente sobre estas o objecto do recurso de constitucionalidade interposto (cfr., v.g. o Acórdão nº 247/99, proferido no processo nº 103/96, da 2ª Secção, em que foi admitido a produzir contra-alegações o Ministério Público, em recurso de fiscalização concreta enxertado em acção cível, com fundamento em que a questão de constitucionalidade suscitada versava exclusivamente sobre o débito de custas, tendo consequentemente interesse em contradizer o Estado, representado pelo Ministério Público).
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. No despacho reclamado, escreveu-se: Preceituando o artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil que, 'fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa', o que, então, importa saber é se, tal como sustenta o Ministério Público, ele devia ter sido notificado para alegar, uma vez apresentadas as alegações do recorrente. Pois bem: como resulta do artigo 698º, nº 2, do Código de Processo Civil – aqui aplicável ex vi do disposto nos artigos 69º e 79º-B, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, com a especialidade de que as alegações são sempre produzidas neste Tribunal (cf. artigo 79º, nº 1, da respectiva Lei) -, nos recursos de constitucionalidade, apenas alegam o recorrente e o recorrido. Por isso, no presente caso, apenas ao recorrente Dr. J... e ao recorrido Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais tinha que ser notificado o despacho que mandou alegar. E foi o que se fez. Conclusão diferente não pode extrair-se do artigo 3º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil. De facto, o nº 2 prescreve que 'só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida', Ora, o julgamento de inconstitucionalidade de uma norma legal (no caso, do artigo 15º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos), que regula a intervenção processual do Ministério Público no âmbito do recurso contencioso administrativo, não é, seguramente, uma 'providência' tomada 'contra determinada pessoa'. Quanto ao nº 3 do mesmo artigo 3º, o que aí se prescreve é que 'o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem'. Ora, o Ministério Público, no presente recurso não era parte, pois não era recorrente, nem recorrido. Por isso, não tinha que ser ouvido sobre a posição assumida pelo recorrente sobre uma das questões que constituíam objecto do recurso. Não foi, pois, cometida a nulidade processual invocada.
É esta conclusão que, pelas razões aduzidas, aqui se reitera.
Insiste-se, pois, em que o facto de uma das normas que constituíam objecto do recurso – a que foi julgada inconstitucional – ter 'directa incidência na definição do estatuto e dos poderes de intervenção processual na magistratura do Ministério Público no âmbito do contencioso administrativo' não é suficiente para que, no recurso de constitucionalidade, se deva reconhecer o estatuto de recorrido ao Ministério Público. A posição de recorrido tem-na apenas a parte processual que, na decisão impugnada, viu a sua tese triunfar. Essa é que tem interesse em contradizer.
Sublinha-se, por último, que o caso de espécie sobre que incidiu o acórdão nº
247/99 (publicado no Diário da República, II série, de 13 de Julho de 1999), que apreciou a constitucionalidade das normas constantes dos artigos 35º, nº 1, e
8º, nº 3, do Código das Custas Judiciais de 1962, não tem similitude com a hipótese dos autos. De facto e desde logo, estando ali em causa uma questão de custas judiciais de que o Estado era credor, o verdadeiro recorrido era o próprio Estado, representado pelo Ministério Público – e não propriamente a outra parte no processo -, como bem decorre dos seguintes artigos do Código das Custas Judicias: artigos 58º, nº 1 (dúvidas sobre a conta); 59º, nº 6 (notificação da conta); 60º, nºs 1 e 2, alínea c), 61º, nº 1, e 62º (este último, conjugado com o artigo 680º, nº 1, do Código de Processo Civil) – atinentes à reclamação da conta, à reforma da mesma e ao recurso da decisão da reclamação e da que for proferida sobre dúvidas do contador – e artigos 116º, 118º e 122º, atinentes à execução por custas. E como decorre também do artigo 37º, nº 3, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, que reconhece legitimidade ao Ministério Público para requer que seja retirado o apoio judiciário antes concedido.
Há, assim, que indeferir a reclamação e confirmar o despacho reclamado.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). indeferir a reclamação apresentada;
(b). e, em consequência, confirmar o despacho reclamado, que decidiu não verificar a nulidade de processo arguida. Lisboa,21 de Setembro de 1999 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida