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Proc. nº 643/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. O Governador Civil de Braga, por Despacho de 26 de Maio de 1995, com a rectificação de 29 de Junho de 1995, indeferiu o pedido de funcionamento do Bar L... para além das 22 horas referente ao ano de 1995, com fundamento nas queixas apresentadas pelos moradores, nos resultados da medição acústica efectuada e nos termos da alínea c) do artigo 73º do Regulamento de Polícia de Braga. Bar L..., Lda., interpôs, junto do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, recurso contencioso de anulação do despacho do Governador Civil de Braga, de 26 de Maio de 1995. Para tanto, sustentou uma inconstitucionalidade por omissão, consistente na circunstância de ainda não terem sido instituídas as regiões administrativas e, consequentemente, não ter sido extinta a figura do governador civil. A recorrente sustentou ainda que o artigo 408º do Código Administrativo, assim como o Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro (e ainda o regulamento de polícia elaborado ao abrigo deste), ao manter uma divisão administrativa (o Distrito) e um magistrado administrativo (o governador civil) com funções policiais (nos termos do artigo 4º, nº 3), é inconstitucional por violação do artigo 291º da Constituição. A recorrente afirmou, por último, que os artigos 1º, 2º, nºs 2, 3, 4 e 5, alíneas b), c), e) e f), 4º, 7º e 8º do mesmo diploma são inconstitucionais por violação dos artigos 167º, alíneas e) e n), e 168º, alíneas b), c) e d). No desenvolvimento de tal entendimento, a recorrente apenas se referiu às funções de polícia previstas no artigo 4º do Decreto- Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, sustentando que as alíneas b) e c) do nº 3 desse artigo se referem a matérias abrangidas pelas alíneas e) e n) do artigo 167º da Constituição e que essas mesmas disposições legais, assim como a alínea a) do mesmo preceito, se referem a matérias abrangidas pelas alíneas b), c) e d) do artigo 168º da Constituição.
O Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, por sentença de 7 de Janeiro de 1997, negou provimento ao recurso, mantendo o acto recorrido. Considerou que o Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro não tinha aplicação nos autos, dado que o acto recorrido não menciona esse diploma e que o regulamento de polícia a que se refere tal acto foi publicado, não ao abrigo do Decreto- Lei nº 252/92, mas sim ao abrigo do artigo 408º do Código Administrativo. Relativamente a esta norma, o Tribunal Administrativo do Círculo do Porto considerou não se verificar qualquer inconstitucionalidade.
2. Bar L..., Lda., interpôs recurso da sentença de 7 de Janeiro de
1997 para o Supremo Tribunal Administrativo. A recorrente sustentou nas respectivas alegações as mesmas questões de constitucionalidade suscitadas no recurso de anulação. Referindo- se à decisão de não apreciação da conformidade à Constituição do Decreto- Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, tomada pelo tribunal recorrido, a recorrente afirmou que o Regulamento de Polícia de Braga, de 15 de Junho de 1992, foi efectivamente aprovado ao abrigo do artigo 408º do Código Administrativo, sustentando, no entanto, que esta norma, bem como as que lhe sucederam, mantendo as funções de polícia do governador civil (Decreto-Lei nº
252/92, de 19 de Novembro), são inconstitucionais.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 26 de Fevereiro de
1998, negou provimento ao recurso. Considerou então que o acto impugnado foi praticado ao abrigo da norma da alínea c) do nº 2 (ter- se- á querido referir a alínea b) do nº 3) do artigo 4º do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, que atribui ao governador civil competência para conceder, nos termos da lei, autorizações ou licenças para o exercício de actividades. O tribunal entendeu que o fundamento da decisão de indeferimento do pedido de funcionamento do estabelecimento para além das 22 horas foi o facto de este produzir um excesso de nível sonoro considerado 'forte'. Apreciando a conformidade à Constituição da referida norma, o tribunal concluiu pela sua não inconstitucionalidade.
3. Bar L..., Lda., interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de 26 de Fevereiro de 1998, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 408º do Código Administrativo e 4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro.
Junto do Tribunal Constitucional o recorrente alegou, concluindo o seguinte: A – O acto impugnado foi praticado ao abrigo de disposição inconstitucional, já que, constitucionalmente o 'governador civil' deixou de ter funções policiais
(art. 291º da C.P.), B – sendo inconstitucionais, nesta parte, tanto a Lei nº 79/77, de 25 de Outubro, como o art. 408º do Código Administrativo, como o art. 4º, nº 3 do D.L. nº 252/92, de 19 de Novembro; C – aliás, esta última disposição legal também é inconstitucional, por incidir sobre matéria reservada à Assembleia da República (reserva absoluta), D – tendo sido violados os arts. 201º, 167º e 168º da C.P.
Por seu turno, a entidade recorrida contra-alegou, tendo tirado as seguintes conclusões: A inclusão de funções policiais no acervo de competências do Governador Civil, quer através do revogado art. 408º do Código Administrativo quer pelo art. 4º do Decreto-Lei nº 252/92, de Novembro não briga com o preceituado no art. 291º ou em outra disposição da Constituição.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação A Delimitação do objecto do recurso
5. A recorrente, nas alegações de recurso apresentadas junto do Tribunal Constitucional, sustentou uma inconstitucionalidade por omissão, consistente na circunstância de as regiões administrativas ainda não terem sido instituídas e, consequentemente, não ter sido extinta a figura do governador civil.
A inconstitucionalidade por omissão só pode ser apreciada pelo Tribunal Constitucional nos termos do artigo 283º da Constituição. Ora, a recorrente não tem legitimidade para requerer a apreciação ou verificação de uma inconstitucionalidade por omissão (artigo 283º, nº 1, da Constituição).
Nessa medida, o Tribunal Constitucional não deverá apreciar a inconstitucionalidade por omissão invocada pela recorrente.
6. A recorrente sustenta que as normas do artigo 408º do Código Administrativo, assim como as das alíneas a), b) e c) do nº 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, na medida em que conferem funções de polícia ao governador civil, são inconstitucionais, por violação do artigo 291º. nº 3, da Constituição.
A recorrente sustenta também que as normas contidas nas alíneas a), b) e c) do nº 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, são inconstitucionais por regularem matérias abrangidas pelos artigos 167º, nº 1, alíneas e) e n), e 168º, nº 1, alíneas b), c) e d), da Constituição (na redacção anterior à Revisão de 1997).
Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o seu objecto só pode ser constituído por normas que tenham sido efectivamente aplicadas pela decisão recorrida (cf. Acórdão nº 155/95, D.R, II, de 20 de Junho de 1995). O Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão recorrido, considerou expressamente que o acto impugnado foi praticado ao abrigo da alínea b) do nº 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro [no acórdão refere-se a alínea c) do nº 2 do mesmo artigo; no entanto, tendo em conta o sentido decisório, assim como a explicitação do conteúdo do preceito - fls. 131 - , pode concluir-se que a indicação daquela disposição resulta de um lapso de escrita].
É verdade que tanto o despacho impugnado como o acórdão do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto fizeram menção expressa a outras disposições
(artigos 73º do Regulamento Policial do Distrito de Braga e 408º do Código Administrativo). Porém, o artigo 73º do mencionado regulamento policial não consta do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade. Por outro lado, não cabe ao Tribunal Constitucional, no âmbito de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, determinar o direito infraconstitucional aplicável ao caso, mas sim apreciar a conformidade à Constituição das normas efectivamente aplicadas pela decisão recorrida. Ora, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu que o acto impugnado foi praticado ao abrigo da norma contida na alínea b) do nº 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, ou seja, este preceito foi o fundamento no plano normativo do acórdão proferido. Assim, o presente recurso de constitucionalidade tem por objecto a apreciação da conformidade à Constituição dessa norma. O Tribunal Constitucional não apreciará, portanto, a conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 408º, do Código Administrativo, e
4º, nº 3, alíneas a) e c), do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro.
B Apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 4º do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro
7. A norma impugnada tem a seguinte redacção: Artigo 4º Competência do governador civil
(...)
3 - Compete ao governador civil, no exercício de funções de polícia:
(...) b) Conceder, nos termos da lei, autorizações ou licenças para o exercício de actividades, tendo sempre em conta a segurança dos cidadãos, a prevenção de riscos ou de perigos vários que àqueles sejam inerentes;
(...)
A recorrente sustenta, em síntese, que tal preceito interpretado no sentido de permitir ao governador civil indeferir o pedido anual de funcionamento de um bar para além das 22 horas é inconstitucional, pelas seguintes razões:
a) O artigo 291º da Constituição não confere poderes de polícia ao governador civil;
b) O pressuposto da actividade do governador civil é a sua área de intervenção, o distrito, o que torna a matéria regulada pelo Decreto-Lei nº
252/92, de 19 de Novembro [aprovado ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo
201º da Constituição] abrangido pelas alíneas e) e n) do artigo 167º da Constituição, dando assim origem à inconstitucionalidade orgânica da norma em questão;
c) A matéria da alínea b) do nº 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº
252/92, de 19 de Novembro, está também abrangida pelas alíneas b), c) e d) do nº
1 do artigo 168º da Constituição, o que, de igual modo, torna a norma em apreciação organicamente inconstitucional.
8. O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 381/97, de 14 de Maio de 1997, apreciou a conformidade à Constituição das normas do Regulamento Policial do Distrito de Braga que conferem ao governador civil competência para aplicar uma coima, em virtude do cometimento da contra-ordenação traduzida na abertura de um estabelecimento para além da hora constante da respectiva licença. Nesse aresto, o Tribunal procedeu à caracterização da figura do governador civil. Afirmou então que este agente da Administração é o representante do Governo na divisão administrativa consubstanciada no distrito. De seguida, referindo-se aos respectivos estatuto e competência, o Tribunal Constitucional considerou que 'o que está em causa fundamentalmente são funções e competências do Governo projectadas, no seu exercício, em determinado espaço através de uma forma organizacional específica (e já tradicional)', concluindo que 'com o estabelecimento do estatuto orgânico e pessoal, das competências e regime dos actos praticados pelo governador civil, composição e competências dos órgãos consultivos e organização dos serviços dos governos civis' procedeu-se a uma organização de 'funções do Governo, que este, aliás, através da falada relação de subordinação hierárquica do governador civil, expressa na figura da
‘desconcentração vertical’, não perde originariamente'.
Da jurisprudência que se acaba de transcrever, resulta que o governador civil é um órgão administrativo que representa o Governo na área do distrito (é um 'delegado do Governo', como se afirma no Acórdão nº 381/97).
A recorrente sustenta que a norma impugnada, ao conferir funções de polícia ao governador civil, traduzidas no poder de não autorizar o funcionamento de um bar para além das 22 horas, viola o disposto no artigo 291º, nº 3, da Constituição.
O artigo 291º, nº 3, da Constituição confere ao governador civil competência para representar o Governo e para exercer os poderes de tutela na
área do distrito. Trata-se de uma disposição genérica que recorta de modo abrangente as atribuições do governador civil, permitindo amplas zonas de coincidência com as competências originárias do Governo. A disposição constitucional não exclui assim a competência para a prática de actos de âmbito essencialmente local, inseríveis, genericamente, no exercício da actividade administrativa. Esse preceito visa, antes, minimizar a necessidade de intervenção directa dos agentes da administração central em todas as situações circunscritas à área do distrito. O poder de conceder ou recusar autorizações de funcionamento de estabelecimentos nocturnos para além de determinadas horas integra a função administrativa. A autorização traduz-se numa decisão que, nos termos da lei, pondera os interesses eventualmente conflituantes (interesse comercial do explorador do estabelecimento, por um lado, e tranquilidade, segurança e sossego dos moradores, por outro), visando o objectivo geral de bem estar social. Consubstanciando o exercício dessa função uma actividade administrativa, é conveniente que a mesma seja realizada, em primeira linha, por um agente especialmente próximo e conhecedor das especificidades da situação a decidir, de modo a alcançar- se a solução mais adequada e a permitir- se, concomitantemente, uma diminuição do volume de questões submetidas à apreciação dos serviços administrativos centrais. O governador civil é esse agente (cf. artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro). A recorrente afirma, no entanto, que o governador civil não pode ter funções de polícia, invocando, para fundamentar tal entendimento, o disposto no artigo
291º, nº 3, da Constituição.
Ora, nos termos do artigo 272º, nº 1, da Constituição, a actividade administrativa de polícia tem por finalidades genéricas a defesa da legalidade democrática e a garantia da segurança interna e dos direitos dos cidadãos. Funções de polícia traduzem-se, assim, no conjunto de intervenções da Administração eventualmente limitadoras de liberdades individuais fundadas em razões que decorrem da disciplina exigida pela vida em sociedade. Tais intervenções visam assegurar a ordem pública, entendendo-se por esta o que respeita, nomeadamente, à tranquilidade dos cidadãos, à manutenção da ordem nos lugares públicos e à luta contra factores de perturbação social, nomeadamente contra o ruído (cf. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o princípio da igualdade, 1989, p. 120, nota 75).
A competência administrativa para autorizar o funcionamento de um bar nocturno para além das 22 horas (qualificada, no plano infraconstitucional, como função de polícia) pode ser atribuída ao governador civil enquanto delegado do Governo. O artigo 291º, nº 3, da Constituição não o impede. É verdade que nessa disposição o legislador constitucional não refere, expressamente, as funções de polícia, no entanto, essa circunstância não tem a consequência pretendida pela recorrente. A fórmula constitucional (ao fazer referência aos poderes de representação do Governo e ao exercício dos poderes de tutela) é suficientemente ampla para abranger também este tipo de funções. A aceitação do entendimento da recorrente implicaria que todas as matérias não expressa e literalmente previstas no artigo 291º, nº 3, da Constituição não pudessem integrar a esfera de competências do governador civil, esvaziando-se de conteúdo, des-se modo, o próprio preceito constitucional. Não é esse, porém, o sentido da disposição constitucional. O artigo 291º, nº 3, da Constituição, ao contrário do que sustenta a recorrente, legitima a solução normativa impugnada, pois é como representante do Governo que o governador civil autoriza e licencia determinadas actividades.
Nessa medida, a norma contida na alínea b) do nº 3, do artigo 4º do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, não viola o disposto no artigo 291º, nº 3, da Constituição.
9. A recorrente sustenta que a norma impugnada é organicamente inconstitucional, por regular matérias abrangidas nas alíneas e) e n) do artigo
167º da Constituição (correspondente ao actual artigo 164º). Todavia, tal afirmação pressupõe que a norma sub judicio, na dimensão concretamente aplicada, coincide com o âmbito da alínea e) do artigo 167º, o qual integra na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República a matéria respeitante aos regimes de emergência. Por seu turno, a alínea n) do mesmo preceito, também invocada pelo recorrente, integra nessa reserva de competência legislativa a matéria referente ao regime de criação, extinção e modificação territorial das autarquias locais. Ora, o acto do governador civil que a recorrente impugnou traduziu-se no indeferimento de um pedido anual de funcionamento de um bar para além das 22 horas, com fundamento no elevado nível sonoro produzido pelo estabelecimento. A norma sub judicio apenas confere ao governador civil competência para licenciar uma actividade potencialmente perturbadora do direito ao descanso e saúde dos moradores do prédio em que tal actividade se exerce. Não se trata, obviamente, de uma competência relativa a uma situação de excepção ou de estado de necessidade constitucional, promotora de alterações a nível dos fundamentos do Estado de Direito democrático. Tais constatações revelam que a norma de competência ao abrigo da qual tal acto foi praticado, na dimensão em que foi aplicada, não poderia, portanto, dizer respeito aos regimes do estado de sítio e do estado de emergência.
Por outro lado, tal norma não tem por objecto a criação, a extinção ou a modificação territorial das autarquias locais. Com efeito, a norma impugnada confere competências ao governador civil, que tem naturalmente a sua actividade circunscrita a uma área determinada, Não regula, no entanto, qualquer matéria conexa com a delimitação das autarquias locais. O argumento da recorrente assenta aliás numa evidente confusão entre a regulamentação das competências do governador civil e a criação, extinção ou alteração territorial de autarquias locais. Na verdade, a norma que estabelece as competências de um agente administrativo, nomeadamente a que permite ao governador civil negar a autorização de funcionamento de um bar nocturno para além das 22 horas, não tem qualquer conexão com a criação, extinção ou modificação territorial de uma autarquia local.
Conclui-se, assim, que a alínea b) do nº 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, não regula matérias abrangidas pelas alíneas e) e n) do artigo 167º da Constituição.
10. A recorrente afirma, por último, sem fundamentar, que a norma impugnada regula matérias abrangidas pelas alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo
168º da Constituição (correspondente ao actual artigo 165º)
Ora, o acto do Governador Civil de Braga, no exercício das respectivas competências, que a recorrente impugnou não procedeu à aplicação de uma pena ou medida de segurança ou de medida qualificável como tal. A recorrente não foi condenada pela prática de uma contra-ordenação, não lhe foi aplicada qualquer coima, ou medida com essa natureza. Assim, não tem qualquer sentido considerar que a norma de competência que fundamentou a prática de tais actos, na dimensão aplicada, se reconduz às alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 168º da Constituição.
Por outro lado, a matéria regulada pela norma de competência sub judicio não contende com a alínea b) do nº 1 do artigo 168º da Constituição
(direitos, liberdades e garantias). A norma impugnada não regula directamente matéria incluída na referida alínea b), pressupondo antes uma delimitação legal dos direitos. O poder de licenciar actividades em si mesmas potencialmente perturbadoras de outros direitos, e que por isso poderão não ser admitidas ou apenas sê-lo em certas condições, corresponde, apenas, ao exercício de uma competência normal da Administração Pública, na sua vertente de actividade de Polícia, isto é, preventiva e garantística dos direitos dos cidadãos.
Assim, a competência para tal matéria não atinge direitos fundamentais dos sujeitos jurídicos subordinados ao exercício dessa competência; mas destina-se, apenas, a proteger direitos fundamentais das pessoas que possam ser afectados pelas referidas actividades. Com efeito, o despacho do governador civil limitou temporalmente (até às 22 horas) o funcionamento de um bar nocturno num prédio para habitação, em função do nível de ruído detectado, quando até poderia revogar em absoluto a licença já concedida, para desse modo impedir a afectação de direitos dos particulares e a tranquilidade pública. A não autorização da actividade em questão, naquele período nocturno, não procede à delimitação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, visa apenas evitar comportamentos lesivos do direito geral à saúde, tranquilidade e ao descanso dos cidadãos, violadores, por essa via, do dever de respeito pela ordem pública inerente ao Estado de Direito democrático.
Há assim que concluir que a norma ao abrigo da qual o acto impugnado foi praticado não regula matérias abrangidas pela alínea b) do nº 1 do artigo
168º da Constituição.
III Decisão
11. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a. Não tomar conhecimento da inconstitucionalidade por omissão invocada; b. Não tomar conhecimento do objecto do recurso no que respeita à norma contida nos artigos 408º do Código Administrativo e alíneas a) e c) do nº 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro; c. Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 4º, nº 3, alínea b), do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, negando, nessa parte, provimento ao recurso, e confirmando, consequentemente, a decisão recorrida, de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 UCs.
Lisboa, 21 de Setembro de 1999 Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa