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Processo n.º 1297/2013
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13 A/98, de 26 de fevereiro (LTC), a apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 381.º, n.º1, do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual “o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão”.
Fundamentou o seu pedido na circunstância de tal interpretação normativa ter sido julgada materialmente inconstitucional, no âmbito da fiscalização concreta, através do Acórdão n.º 428/2013 e das Decisões Sumárias n.º 587/2013, 589/2013, 590/2013, 614/2013 e 637/2013.
Invoca ainda que a fundamentação constante do Acórdão n.º 428/2013 foi adotada no Acórdão n.º 469/2013, que julgou inconstitucional a referida disposição, na interpretação segundo a qual “o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, sem que o Ministério Público tenha utilizado o mecanismo de limitação de pena a aplicar em concreto a um máximo de cinco anos de prisão previsto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal”.
2. Notificada nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, a Assembleia da República, através da respetiva Presidente, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
II – Fundamentação
Delimitação do objeto do processo
3. A generalização dos juízos de inconstitucionalidade com fundamento na repetição do julgado e a consequente declaração com força obrigatória geral, segundo um processo de fiscalização abstrata, nos termos do artigo 82º da LTC, pode ser requerida por iniciativa de qualquer dos juízes do Tribunal Constitucional ou do Ministério Público sempre que a mesma norma tiver sido julgada inconstitucional em três casos concretos.
A declaração com força obrigatória geral, quando seja confirmado o juízo de inconstitucionalidade, deve limitar-se às normas que foram julgadas inconstitucionais e nos limites em que o foram, implicando uma estrita sobreposição ou coincidência entre as normas ou dimensões normativas julgadas inconstitucionais e que suportam o pedido de generalização deduzido (acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 74/1988 e 83/2001, e, na doutrina, LOPES DO REGO, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, 2010, pág. 313).
No presente caso, o magistrado do Ministério Público requereu a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 381.º, n.º1, do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual “o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão”. E, por outro lado, as decisões sumárias que fundamentam a repetição do julgado e constituem pressuposto processual do pedido de generalização incidiram sobre essa mesma interpretação normativa.
Nestes termos, o processo apenas pode prosseguir quanto a essa interpretação normativa por ser aquela que é identificada como constituindo objeto do pedido e relativamente à qual se verificam os pressupostos previstos nos artigos 281º, n.º 3, da Constituição e 82º da LTC.
Não havendo, por conseguinte, de atender-se ao juízo de inconstitucionalidade formulado no Acórdão n.º 469/2013, que se invoca no pedido apenas em reforço de fundamentação. Com efeito, esse acórdão, por remissão para o acórdão n.º 428/2013, julgou inconstitucional a referida disposição do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual “o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, sem que o Ministério Público tenha utilizado o mecanismo de limitação de pena a aplicar em concreto a um máximo de cinco anos de prisão previsto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal”. Essa interpretação normativa tem um alcance mais diverso daquela que foi julgada inconstitucional naquele outro aresto e não pode reconduzir-se ao objeto do processo de generalização. Para além de que se não encontra preenchido relativamente a essa outra interpretação o pressuposto da repetição de julgado em três casos concretos.
4. Acresce que, à luz dos princípios de hermenêutica jurídica, a interpretação sindicada no acórdão n.º 469/2013 não é sequer extraível da norma do artigo 381º do CPP, que interessa considerar.
A norma em causa, que se encontra inserida no Título I do Livro VIII do CPP, referente aos processos especiais na modalidade de processo sumário, na redação resultante da Lei n.º 20/2013, é do seguinte teor:
1 - São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito, nos termos dos artigos 255.º e 256.º:
a) Quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial; ou
b) Quando a detenção tiver sido efetuada por outra pessoa e, num prazo que não exceda duas horas, o detido tenha sido entregue a uma autoridade judiciária ou entidade policial, tendo esta redigido auto sumário da entrega.
2 - O disposto no número anterior não se aplica aos detidos em flagrante delito por crime a que corresponda a alínea m) do artigo 1.º ou por crime previsto no título III e no capítulo I do título v do livro II do Código Penal e na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário.
O artigo 16º do CPP respeita, por sua vez, à competência do tribunal singular e terá de ser articulado com o precedente artigo 14º, que se refere à competência do tribunal coletivo.
Esse primeiro preceito dispõe o seguinte:
Artigo 16º
Competência do tribunal singular
1 - Compete ao tribunal singular, em matéria penal, julgar os processos que por lei não couberem na competência dos tribunais de outra espécie.
2 - Compete também ao tribunal singular, em matéria penal, julgar os processos que respeitarem a crimes:
a) Previstos no capítulo II do título V do livro II do Código Penal, ou;
b) Cuja pena máxima, abstratamente aplicável, seja igual ou inferior a cinco anos de prisão.
c) Que devam ser julgados em processo sumário.
3 - Compete ainda ao tribunal singular julgar os processos por crimes previstos no artigo 14º, nº 2, alínea b), mesmo em caso de concurso de infrações, quando o Ministério Público, na acusação, ou, em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a cinco anos.
4 - No caso previsto no número anterior, o tribunal não pode aplicar pena de prisão superior a cinco anos.
Por seu turno, aquele artigo 14, n.º 2, alínea b), para que remete o n.º 3 do artigo 16º, tem esta redação:
2 - Compete ainda ao tribunal coletivo julgar os processos que, não devendo ser julgados pelo tribunal singular, respeitarem a crimes:
[…)
b) Cuja pena máxima, abstratamente aplicável, seja superior a 5 anos de prisão mesmo quando, no caso de concurso de infrações, seja inferior o limite máximo correspondente a cada crime e não devam ser julgados em processo sumário.
O que resulta com evidência da interpretação conjugada destas disposições é que ao tribunal singular compete apreciar os processos que respeitarem a crimes que devam ser julgados em processo sumário, sendo que são sempre julgados nessa forma de processo os detidos em flagrante delito, independentemente do limite da pena aplicável. Em consonância com este regime legal está a alínea b) do n.º 2 do artigo 14º, que confere ao tribunal coletivo a competência para julgar os processos que respeitarem a crimes cuja pena máxima, abstratamente aplicável, seja superior a 5 anos de prisão, desde que não devam ser julgados em processo sumário, isto é, desde que se não trate de processos relativos a detidos em flagrante delito
Neste enquadramento sistemático, a competência que é deferida ao tribunal singular nos termos do n.º 3 do artigo 16º apenas poderá corresponder à sua intervenção em processo comum. Pretende-se dizer que o tribunal singular julga, em processo comum, os processos que respeitarem a crimes cuja pena máxima, abstratamente aplicável, seja superior a cinco anos de prisão – competência que originariamente pertence ao tribunal coletivo nos termos do artigo 14º, n.º 2, alínea b) -, desde que o Ministério Público requeira a limitação da pena a aplicar em concreto ao máximo de cinco anos.
Como é claro, esta intervenção processual do Ministério Público não tem qualquer efeito útil no âmbito do processo sumário, visto que este tipo de processo é sempre julgado pelo tribunal singular independentemente da pena aplicável, como também resulta da ressalva constante do segmento final da alínea b) do n.º 2 do artigo 14º. O requerimento do Ministério Público destina-se, pois, a operar uma modificação competencial quando se trate de crimes a que seja aplicável abstratamente pena superior a 5 anos de prisão, que normalmente caberiam na competência do tribunal coletivo. Mas essa consequência apenas poderá ocorrer no processo comum e nunca no processo sumário, tornando-se, por isso, de todo irrelevante que o Ministério Público exercite o poder processual previsto no artigo 16º, n.º 3, do CPP na pendência de um processo sumário.
Nesse sentido aponta inequivocamente a eliminação, na nova redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, no antigo n.º 2 do artigo 381º. Este preceito continha uma previsão similar à do artigo 16º, n.º 3, e compatibilizava-se com o anterior conteúdo normativo do n.º 1 desse artigo 381º, que remetia para processo sumário os detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não fosse superior a cinco anos. O requerimento do Ministério Público no sentido de dever ser aplicada, em concreto, pena inferior a essa, tinha o efeito prático de permitir que crimes puníveis, em abstrato, com pena superior a cinco anos pudessem, ainda assim, ser julgados em processo sumário pelo juiz singular.
A alteração legislativa resultante da Lei n.º 20/2013, quanto ao âmbito de aplicação do processo sumário, inviabilizou essa intervenção processual, e justifica que ela apenas possa ter agora lugar no domínio do processo comum.
O artigo 381º, n.º 1, do CPP não consente, portanto, uma interpretação segundo a qual “o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, sem que o Ministério Público tenha utilizado o mecanismo de limitação de pena a aplicar em concreto a um máximo de cinco anos de prisão previsto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal”.
O processo sumário é sempre aplicável relativamente a detidos em flagrante delito, independentemente da pena que ao caso for aplicável e daí também que não tenha de funcionar o mecanismo de limitação da pena a que se refere o artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Por todas estas razões o objeto do processo de generalização circunscreve-se à interpretação normativa julgada inconstitucional pelo acórdão n.º 428/13 e cujo juízo foi reiterado nas diversas decisões sumárias identificadas no requerimento formulado pelo representante do Ministério Público nos termos do artigo 82º da LTC.
Apreciação do mérito.
5. A questão que vem discutida é a de saber se respeita as garantias de defesa do arguido consagradas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 32º da Constituição a norma do artigo 381º, n.º 1, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, na parte em que remete para processo sumário, com intervenção do juiz singular, o julgamento de detidos em flagrante delito, independentemente do limite da pena aplicável, em termos de poder abranger o julgamento de crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável seja superior a cinco anos de prisão, ultrapassando o limite abstrato máximo da competência do juiz singular em processo comum.
Quanto à dilucidação desta questão, mantêm validade muitas das considerações formuladas no já citado acórdão n.º 428/2013, que interessa retomar.
Deve começar por notar-se que na versão inicial do CPP, por força da referida norma do artigo 381º, o processo sumário era aplicável aos detidos em flagrante delito por crime punível com pena até três anos de prisão, se fossem maiores de 18 anos à data do facto e a detenção fosse realizada por autoridade judiciária ou entidade policial. O julgamento devia ter lugar dentro de 48 horas após a detenção ou, sendo adiado, até cinco dias depois da data da detenção.
A revisão do CPP efetuada pela Lei n.° 59/98, de 25 de agosto, suprimiu o requisito da idade mínima e manteve como regra o limite máximo de pena de prisão não superior a três anos, mas permitiu, por efeito da nova redação dada ao n.º 2 do artigo 381º, o julgamento em processo sumário mesmo em relação a detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão superior a três anos, quando o Ministério Público entendesse que não deveria ser aplicada, em concreto, pena superior a esse limite. Por outro lado, o julgamento podia ser adiado até ao trigésimo dia posterior ao dia da detenção.
A Lei n.° 48/2007, de 29 de agosto, alargou, de novo, o âmbito de aplicação do processo sumário, que passou a ter lugar em relação a detidos em flagrante delito por crime punível com pena até cinco anos de prisão, mesmo em caso de concurso de crimes, e ainda com pena superior a cinco anos de prisão quando o Ministério Público, na acusação, entendesse que não devia ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a cinco anos, estendendo-se além disso às situações de detenção pela autoridade judiciária ou entidade policial e de detenção por qualquer pessoa se o detido for entregue no prazo de 2 horas àquela autoridade ou entidade.
A Lei n.º 20/2013 veio proceder a um novo alargamento do âmbito de aplicação do processo sumário, por força da nova redação dada ao artigo 381º, remetendo para essa forma de processo o julgamento de detidos em flagrante delito, sem qualquer especificação quanto ao limite da pena aplicável (n.º 1), excecionando apenas os crimes que constituem criminalidade altamente organizada, os crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, os crimes contra a segurança do Estado e os relativos à violação do Direito Internacional Humanitário (n.º 2). No pressuposto de que o processo sumário é aplicável em caso de flagrante delito, independentemente da pena aplicável, deixou de constar, na nova formulação do artigo 381º, a referência ao mecanismo de limitação da pena a aplicar em concreto que estava especialmente previsto no antigo n.º 2 do artigo 381º.
A ampliação, nesses termos, do âmbito do julgamento em processo sumário determinou igualmente modificações na repartição de competências entre os tribunais penais. A competência do tribunal coletivo, que estava circunscrita (para além dos casos já ressalvados no n.º 2 do artigo 381º) a crimes dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa ou cuja pena máxima, abstratamente aplicável, seja superior a cinco anos de prisão, passou a ser preterida pela intervenção do juiz singular, quando o crime deva ser julgado em processo sumário nos termos do n.º 1 desse artigo, mesmo quando a pena abstratamente aplicável seja superior a cinco anos de prisão (artigos 14º, n.º 2, e 16º, n.º 2, alínea c), do CPP). Sem alteração ficou o alargamento da competência do tribunal singular em processo comum em relação a processos crimes cuja pena máxima, abstratamente aplicável, seja superior a 5 anos de prisão, quando o Ministério Público tenha requerido na acusação a não aplicação, em concreto, de pena superior a esse limite.
Manteve-se, por outro lado, a possibilidade de o julgamento de detidos em flagrante delito ser efetuado pelo tribunal de júri relativamente a crimes cuja pena máxima, abstratamente aplicável, seja superior a oito anos de prisão, quando essa intervenção tenha sido requerida pelo Ministério Público, pelo arguido ou pelo assistente (artigos 13º, n.º 2, e 390º, n.º 1, alínea b)).
6. Tradicionalmente, a utilização do processo sumário em matéria penal surge associada à pequena e média criminalidade e mostra-se justificada pela verificação imediata dos factos através da detenção do agente em flagrante delito, o que permite dispensar outras formalidades e mais largas investigações que normalmente teriam lugar através das fases de inquérito e de instrução, no âmbito do processo comum (ANABELA MIRANDA RODRIGUES, Os processos sumário e sumaríssimo ou a celeridade e o consenso, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6º, Outubro-Dezembro de 1996, pág. 527).
O progressivo alargamento do âmbito de aplicação do processo sumário, mediante a elevação do limite da pena aplicável ao crime cometido em flagrante delito que pode ficar abrangido por essa forma de processo, é, por outro lado, explicável por uma lógica de produtividade e de eficácia, mas também de justiça, que têm como fundamento a exigência de celeridade processual. Tratar-se-á de um mecanismo norteado pela maximização da eficácia, otimização da reação político-criminal e descongestionamento dos tribunais (HENRIQUES GASPAR, Processos especiais, in «Jornadas de Direito Processual Penal. O novo Código de Processo Penal», Centro de Estudos Judiciários, Coimbra, 1993).
É nessa mesma linha de política legislativa que se enquadra a nova alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013, que na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 77/XII – que originou a aprovação desse diploma – é justificada simplesmente nestes termos:
A possibilidade de submeter os arguidos a julgamento imediato em caso de flagrante delito possibilita uma justiça célere que contribui para o sentimento de justiça e o apaziguamento social. Atualmente, a lei apenas possibilita que possam ser julgados em processo sumário, ou os arguidos a quem são imputados crime ou crimes cuja punição corresponda a pena de prisão não superior a cinco anos ou quando, ultrapassando a medida abstrata da pena esse limite, o Ministério Público entenda que não lhes deve ser aplicada pena superior a cinco anos de prisão. Contudo, não existem razões válidas para que o processo não possa seguir a forma sumária relativamente a quase todos os arguidos detidos em flagrante delito, já que a medida da pena aplicável não é, só por si, excludente desta forma de processo.
Impunha-se, assim, uma alteração legislativa que contemplasse esta possibilidade.
7. A primeira questão de constitucionalidade que o novo critério legal definido para o âmbito do julgamento em processo sumário coloca é o das garantias de defesa do arguido.
Nos termos do artigo 32º, n.º 1, da Constituição, o «processo criminal assegura todas as garantias de defesa ao arguido», o que engloba indubitavelmente «todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação» (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª edição, Coimbra, pág. 516). O n.º 2 do mesmo artigo, que associa o princípio da presunção da inocência do arguido à obrigatoriedade do julgamento «no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa» (n.º 2, in fine), tem subjacente o direito a um processo célere, partindo da perspetiva de que a demora do processo penal, além de prolongar o estado de suspeição e as medidas de coação sobre o arguido, acabará por esvaziar de sentido e retirar conteúdo útil ao princípio da presunção de inocência (idem, pág. 519).
No entanto, o princípio da aceleração de processo – como decorre com evidência do segmento final desse n.º 2 – tem de ser compatível com as garantias de defesa, o que implica a proibição do sacrifício dos direitos inerentes ao estatuto processual do arguido a pretexto da necessidade de uma justiça célere e eficaz (ibidem).
As exigências de celeridade processual não podem, por conseguinte, deixar de ser articuladas com as garantias de defesa, sendo que a Constituição, por força do mencionado n.º 2 do artigo 32º, valora especialmente a proteção das garantias de defesa em detrimento da rapidez processual. O que permite definir a forma ideal de processo como o resultado de uma tensão dialética entre esses dois fins constitucionalmente garantidos (ALEXANDRE DE SOUSA PINHEIRO/PAULO SARAGOÇA DA MATTA, Algumas notas sobre o processo penal na forma sumária, Revista do Ministério Público, ano 16º, Julho-setembro de 1995, n.º 63. pág. 160).
8. A forma de processo sumário corresponde a um processo acelerado quanto aos prazos aplicáveis e simplificado quanto às formalidades exigíveis.
Como princípio geral, vigora a redução dos atos e termos do julgamento ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa (artigo 386º, n.º 2).
Como decorrência desse critério geral, as especificidades do regime processual consignadas nos artigos 382º e seguintes do CPP refletem algumas limitações quanto à possibilidade de adiamento da audiência de julgamento, ao uso dos meios de prova e aos prazos em que a prova poderá ser realizada, e ainda em matéria de recursos, além de que preconizam o abandono do ritualismo de certos atos processuais em benefício de uma maior acentuação do caráter de oralidade.
O início da audiência de julgamento tem lugar no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, podendo ser protelado até ao limite do 5.º dia posterior à detenção, quando houver interposição de um ou mais dias não úteis, até ao limite do 15.º dia posterior à detenção, nos casos previstos no n.º 3 do artigo 384.º ou até ao limite de 20 dias após a detenção, sempre que o arguido tiver requerido prazo para preparação da sua defesa ou o Ministério Público julgar necessária a realização de diligências essenciais à descoberta da verdade (artigo 387º, n.ºs 1 e 2).
As testemunhas são sempre a apresentar, salvo quando haja lugar a novas diligências de prova e tenham sido notificadas pelo MP, sendo que a falta de testemunhas não dá lugar a adiamento da audiência, exceto se o juiz considerar o depoimento imprescindível para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (artigo 387º., n.ºs 3, 4 e 7).
A produção de prova está sujeita a limites temporais (artigo 387º, n.ºs 9 e 10).
O Ministério Público pode substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à detenção, exceto em caso de crime punível com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 5 anos, ou em caso de concurso de infrações cujo limite máximo seja superior a 5 anos de prisão, situação em que deverá apresentar acusação (artigo 389º, n.º 1).
A sentença é proferida oralmente, salvo se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excecionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, caso em que o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura (artigo 398º, n.ºs 1 e 5).
Só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo (artigo 391º, n.º 1), sendo que, por contraposição com os acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo, não há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões condenatórias do juiz singular ainda que apliquem pena de prisão superior a cinco anos (artigo 432º, alínea c)).
A estes diversos mecanismos de aceleração e simplificação processual, que conferem objetivamente ao julgamento sumário um caráter menos garantístico, não basta contrapor com a preservação, no processo sumário, dos princípios da necessidade e da verdade material (artigo 340º) e do princípio da proibição da valoração de provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência (artigo 355º, n.º 1), aplicáveis por efeito da remissão genérica efetuada pelo n.º 1 do artigo 386º. De facto, esses são princípios gerais do processo penal que nada obsta a que sejam também aplicáveis em julgamento em processo sumário. O ponto é que, a par desses critérios gerais atinentes à produção de prova, o processo de julgamento está reduzido a um mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa (artigo 386º, n.º 2) e contém limitações ao exercício do direito de defesa que, ainda que consentâneas com as características de uma forma sumária, não são compatíveis com a maior exigência que o julgamento de crimes mais graves coloca no plano das garantias de defesa.
E não constitui suficiente cláusula de salvaguarda o reenvio dos autos para o processo comum quando não tenha sido possível a realização das diligências de prova necessárias à descoberta da verdade dentro dos limitados prazos definidos para a realização da audiência, como prevê a alínea c) do n.º 1 do artigo 390º. Aí está ainda em causa a aplicação estrita do princípio da verdade material num caso pontual em que o processo sumário, pela exigência de celeridade, se não mostra adequado à complexidade ou dificuldade de obtenção de prova. Mas não é essa específica previsão, que já constava da versão originária do Código - quando o julgamento em processo sumário se reportava a crimes puníveis com pena não superior a três anos -, que pode atenuar as garantias de defesa que está associado ao processo sumário quando este deva prosseguir em relação a crimes a que correspondam as mais graves molduras penais.
9. Como o Tribunal Constitucional tem reconhecido, o julgamento através do tribunal singular oferece ao arguido menores garantias do que um julgamento em tribunal coletivo, porque aumenta a margem de erro na apreciação dos factos e a possibilidade de uma decisão menos justa (entre outros, os acórdãos n.ºs 393/89 e 326/90). É desde logo a maior abertura que a intervenção de órgão colegial naturalmente propicia à ponderação e discussão de aspetos jurídicos e de análise da prova que permite potenciar uma maior qualidade de decisão por confronto com aquelas outras situações em que haja lugar ao julgamento por juiz singular.
Daí que a opção legislativa pelo julgamento sumário deva ficar sempre limitada pelo poder condenatório do juiz definido em função de um critério quantitativo da pena aplicar, só assim se aceitando – como a jurisprudência constitucional tem também sublinhado – que não possa falar-se, nesse caso, numa restrição intolerável às garantias de defesa do arguido.
Acresce que a prova direta do crime em consequência da ocorrência de flagrante delito, ainda que facilite a demonstração dos factos juridicamente relevantes para a existência do crime e a punibilidade do arguido, poderá não afastar a complexidade factual relativamente a aspetos que relevam para a determinação e medida da pena ou a sua atenuação especial, mormente quando respeitem à personalidade do agente, à motivação do crime e a circunstâncias anteriores ou posteriores ao facto que possam diminuir de forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente.
E estando em causa uma forma de criminalidade grave a que possa corresponder a mais elevada moldura penal, nada justifica que a situação de flagrante delito possa implicar, por si, um agravamento do estatuto processual do arguido com a consequente limitação dos direitos de defesa e a sujeição a uma forma de processo que envolva menores garantias de uma decisão justa.
Como se deixou entrever, o princípio da celeridade processual não é um valor absoluto e carece de ser compatibilizado com as garantias de defesa do arguido. À luz do princípio consignado no artigo 32º, n.º 2, da Constituição, não tem qualquer cabimento afirmar que o processo sumário, menos solene e garantístico, possa ser aplicado a todos os arguidos detidos em flagrante delito independentemente da medida da pena aplicável.
Não subsiste motivo para que, em caso de flagrante delito, o recurso ao processo sumário se não mantenha dentro do limite abstrato máximo de competência do juiz singular quando intervenha em processo comum. Ainda que não haja obstáculo a que o âmbito de aplicação do processo sumário se estenda aos casos em que a pena a aplicar em concreto não deva ultrapassar os cinco anos por via do funcionamento de um mecanismo equivalente ao previsto no artigo 16º, n.º 3, do CPP, que o Tribunal considerou já não ser inconstitucional (acórdão n.º 296/90).
O legislador estabeleceu a repartição de competência entre o tribunal singular e o tribunal coletivo em processo comum em função da gravidade do crime imputado, não apenas por referência à tipologia do crime, mas também ao desvalor do resultado e à gravidade da moldura penal prevista - artigos 14º e 16º do CPP (quanto a este específico objetivo cfr. artigo 2º, n.º 1, alínea 57, da autorização legislativa que originou o CPP). E nada justifica, em face de todas as anteriores considerações, que esse mesmo critério valorativo não tenha aplicação quando haja lugar ao julgamento em processo sumário.
A solução legal mostra-se, por isso, violadora das garantias de defesa do arguido, tal como consagradas no artigo 32º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 381º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 32º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.
Sem custas.
Lisboa, 18 de fevereiro de 2014. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria de Fátima Mata-Mouros – Lino Rodrigues Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Maria José Rangel de Mesquita – Pedro Machete – Ana Guerra Martins – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Maria João Antunes (vencida, de acordo com a declaração junta) – Joaquim de Sousa Ribeiro (Não considero que o uso do processo sumário, para julgamento de crimes cuja pena máxima abstractamente aplicável seja superior a cinco anos de prisão, contenda, de forma constitucionalmente censurável, com as garantias de defesa do arguido, considerando a configuração actual daquela forma de processo e, sobretudo, a salvaguarda disposta pelo artº 390º, nº 1, al. c) do CPP. O que é constitucionalmente desconforme é que alguém possa ser condenado, em Tribunal singular, a mais de cinco anos de prisão).
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei no sentido da não declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 381.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, pelas razões que, de seguida, exponho:
1. Entendo que a tramitação vigente do processo sumário assegura o julgamento do arguido no mais curto prazo possível compatível com as garantias de defesa (artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição), harmonizando as finalidades que são apontadas ao processo penal de um Estado de direto democrático: a descoberta da verdade material e a realização da justiça, a proteção dos direitos dos cidadãos e o restabelecimento da paz jurídica comunitária e da paz jurídica do arguido, postas em causa com a prática do crime. Sem prejuízo de entender, no plano do direito infraconstitucional, que há outros pontos de harmonização político-criminalmente mais corretos, nomeadamente por assegurarem uma maior coerência sistemática, e de considerar que tem havido uma descaracterização censurável do processo sumário, podendo mesmo equacionar-se a sua transformação numa forma simplificada do processo comum. Diferentemente da tramitação prevista na versão primitiva do Código de Processo Penal (CPP), o direito vigente autonomiza uma fase pré-judicial (artigos 382.º e 384.º) e alarga, de forma evidente, os atos e os termos do julgamento (artigos 387.º, 389.º e 389.º-A do CPP).
A fase anterior ao julgamento em processo sumário contempla a possibilidade de o arguido requerer, desde logo, prazo para a preparação da sua defesa, não superior a 15 dias (artigos 382.º, n.ºs 3 e 5, 383.º, n.º 2, e 387.º, n.º 2, alínea c), do CPP), bem como a possibilidade de o Ministério Público ordenar diligências de prova essenciais à descoberta da verdade, o que é especialmente relevante, do ponto de vista das garantias de defesa, numa estrutura processual penal onde esta magistratura não tem o estatuto de parte processual (cf. artigos 382.º, n.ºs 4 e 5, e 387.º, n.º 2, alínea c), do CPP e, ainda, artigos 219.º da Constituição e 53.º do CPP). Na fase de julgamento, à extensão do âmbito do processo sumário correspondem soluções diferentes das previstas para os casos de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos (ou em caso de concurso de infrações cujo limite máximo não seja superior a 5 anos): o prazo máximo previsto para a produção de toda a prova eleva-se para 90 dias a contar da detenção, podendo, excecionalmente, por razões devidamente fundamentadas, designadamente por falta de algum exame ou relatório pericial, ir até 120 dias a contar da detenção (artigo 387.º, n.º 10, do CPP); o Ministério Público não pode substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à detenção (artigo 389.º, n.º 1, do CPP), o que, juntamento com o previsto no já referido artigo 382.º, n.º 4, é uma manifestação clara do princípio da acusação e, consequentemente, da estrutura acusatória do processo (cf. artigo 32.º, n.º 5, primeira parte, da Constituição). Além de que o juiz elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura, se for aplicada pena privativa da liberdade, o que tem também a ver com a possibilidade de o crime ser punível com pena de prisão superior a cinco anos, face ao limite legalmente estabelecido para a substituição da pena de prisão (artigo 389.º-A, n.º 5, do CPP).
Por outro lado, a audiência de julgamento está subordinada ao princípio do contraditório (entre outros, artigos 386.º, n.º 1, 387.º, n.ºs 4 e 6, 389.º, n.º 6, do CPP); não valem quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, para o efeito de formação da convicção do tribunal (artigo 386.º, n.º 1, e 355.º, n.º 1, do CPP); o tribunal pode sempre ordenar, oficiosamente ou a requerimento (nomeadamente do arguido), a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa (artigos 340.º, n.º 1, por força do artigo 386.º, n.º 1, e 387.º, n.ºs 4 e 7, do CPP); o processo é reenviado para a forma comum quando não tenha sido possível, por razões devidamente justificadas, a realização das diligências de prova necessárias à descoberta da verdade no prazo previsto no n.º 10 do artigo 387.º do CPP (artigo 390.º, n.º 1, alínea c), do CPP); regulando-se o julgamento em processo sumário pelas disposições do CPP relativas ao julgamento em processo comum, poderá sempre haver a reabertura da audiência para a determinação da sanção (artigos 371.º e 386.º do CPP); o arguido tem, nos termos gerais, o direito ao duplo grau de recurso, conhecendo a relação de facto e de direito, sempre que este tribunal confirme decisão de 1.ª instância que aplique pena de prisão superior a 8 anos, de acordo com os artigos 400.º, n.º 1, alínea f), 427.º, 428.º e 432.º do CPP (do ponto de vista jurídico-constitucional já é, porém, censurável a limitação decorrente da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do mesmo Código).
2. Entendo que as garantias de defesa do arguido não são necessariamente desrespeitadas por o julgamento caber ao tribunal singular. Ponto é que o processo criminal, globalmente considerado, assegure todas as garantias de defesa.
No plano do direito infraconstitucional, o critério da atribuição de competência aos tribunais de júri, coletivo e singular não assenta exclusivamente na gravidade da pena aplicável ao crime (artigos 13.º. 14.º e 16.º do CPP). A competência para julgar é atribuída (e foi sempre atribuída) por referência à pena abstratamente aplicável, à natureza dos crimes ou à maior ou menor facilidade de apreciação e valoração da prova por parte do tribunal. No que se refere ao tribunal singular, ao qual é também deferida competência residual, compete-lhe julgar os processos que respeitarem a crimes cuja pena máxima, abstratamente aplicável, seja igual ou inferior a 5 anos de prisão (alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º). E, ainda, uma vez que a formação da convicção do tribunal está aí especialmente facilitada: os processos que respeitarem aos crimes contra a autoridade pública (alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º), daqui resultando que o limite abstrato máximo da competência do juiz singular em processo comum não corresponde propriamente a cinco anos de prisão (cf. artigos 347.º, n.º 2, 350.º, n.º 1, 354.º e 355.º do Código Penal); e os que devam ser julgados em processo sumário por ter havido detenção em flagrante delito por autoridade judiciária ou entidade policial ou por outra pessoa que entregou o detido, em prazo curto, a autoridade judiciária ou entidade policial (alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º). Com a salvaguarda de esta forma de processo não se aplicar aos detidos em flagrante delito por crime que se inscreva na criminalidade altamente organizada, por crime contra a identidade cultural e a integridade pessoal, por crime contra a segurança do Estado ou por crime previsto na Lei Penal Relativa às Violações de Direito Internacional Humanitário (artigo 381.º, n.º 2, do CPP), valendo aqui, além de razões estritamente atinentes à determinação da competência do tribunal de júri (artigo 13.º, n.º 1, do CPP), o entendimento de que a natureza da criminalidade em presença anula ou diminui, do ponto de vista da valoração da prova, as vantagens associadas à detenção em flagrante delito. Independentemente, pois, da gravidada da pena abstratamente aplicável ao crime (a alguns dos crimes corresponde pena de prisão até 5 anos. Cf., por exemplo, artigos 160.º, n.ºs 4, 5 e 6, e 335.º do Código Penal).
No plano do direito constitucional não decorre um qualquer critério de atribuição de competência ao tribunal singular, ao tribunal coletivo ou ao tribunal de júri, decorrendo somente do artigo 207.º, n.º 1, da Constituição que o júri intervém no julgamento dos crimes graves, salvo os de terrorismo e os de criminalidade altamente organizada. E da jurisprudência anterior deste Tribunal não resulta propriamente o afastamento do julgamento por tribunal singular em função da pena máxima abstratamente aplicável ao crime. A questão é deixada em aberto, nomeadamente nos Acórdãos n.ºs 393/89 e 550/98, lendo-se até, na declaração de voto aposta pelo Conselheiro Luís Nunes de Almeida à primeira decisão, que partilha «o entendimento de que o “julgamento pelo tribunal singular (em vez de o ser pelo tribunal coletivo) não importa uma diminuição das garantias de defesa tal que deva ser havida constitucionalmente ilegítima”» (decisões disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). A propósito da discussão doutrinal e jurisprudencial que então teve lugar a propósito do n.º 3 do artigo 16.º do CPP, Figueiredo Dias defendeu que «não há rigorosamente nada na Constituição» que impeça a aplicação pelo tribunal singular de uma pena de prisão em medida superior à pré-determinada pelo Ministério Público. Isto é, superior à pena máxima que então limitava o julgamento pelo tribunal singular, segundo o critério da gravidade abstrata da pena aplicável ao crime – 3 anos de prisão, aos quais correspondem hoje 5 anos (“Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, Jornadas de Direito Processual Penal. O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, p. 20).
Diga-se, por último, que relativamente a crimes puníveis com pena de prisão superior a 8 anos, o arguido ou Ministério Público, que o poderá fazer em nome dos interesses da defesa, poderão requerer a intervenção do tribunal de júri, nos termos previstos no artigo 390.º, n.º 1, alínea b), do CPP, sendo os autos reenviados para processo comum. O tribunal de júri é o único, relembre-se, ao qual a Constituição defere competência para o julgamento de crimes graves, quando a defesa ou a acusação o requeiram.
Maria João Antunes