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Processo n.º 686/2013
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do …, CRL impugnou junto do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, nos termos do artigo 59.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), a decisão do Banco de Portugal que a condenou no pagamento da coima única de €100.000,00, com execução suspensa em 50%, por um período de quatro anos, pela prática, em concurso efetivo, de 29 contraordenações, previstas e punidas pelo artigo 211.º, alínea b), 22 contraordenações, previstas e punidas pelo artigo 211.º, alínea i), 2 contraordenações, previstas e punidas pelo artigo 210.º, alínea j), 1 contraordenação, prevista e punida pelo artigo 210.º, alínea d), 3 contraordenações previstas e punidas pelo mesmo artigo 210.º, n.º 1, alínea d), e 1 contraordenação ex vi dos artigos 202.º e 203.º, todos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF).
O Tribunal, concedendo parcial provimento ao recurso de impugnação judicial, reduziu para €75.000,00 a coima única aplicada pela autoridade administrativa recorrida.
A arguida, não se conformando com o julgado, dele recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando, além do mais, a questão da inconstitucionalidade dos artigos 210.º e 211.º do RGICSF, por violação dos princípios constitucionais da legalidade, tipicidade, determinabilidade e proporcionalidade consagrados nos artigos 29.º, nºs. 1 e 3, 30.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), pois que «a fixação dos limites da sanção numa relação que vai 1 para 1000 vezes mais (…) [deixa] nas mãos do decisor (…) uma excessiva latitude na fixação da sanção, que assim se pode tornar arbitrária e excessivamente dependente de critérios de mera oportunidade e não de legalidade».
O Tribunal da Relação concedeu parcial provimento ao recurso, por Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, mantendo a decisão recorrida mas atribuindo ao recorrente o benefício da suspensão do pagamento da coima nos termos que lhe haviam sido reconhecidos pela autoridade administrativa, na decisão impugnada. Porém, julgou não verificada a arguida inconstitucionalidade.
A arguida argui a nulidade (parcial) do referido acórdão, por omissão de pronúncia, e pediu a sua aclaração, tendo o Tribunal da Relação, por Acórdão de 4 de junho de 2013, indeferido ambos os requerimentos.
A arguida recorreu, então, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), dos referidos Acórdãos de 26 de fevereiro e 4 de junho de 2013 do Tribunal da Relação, a fim de ver apreciada a inconstitucionalidade dos referidos artigos 210.º e 211.º do RGICSF, por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade e dos artigos 29.º, nºs. 1 e 3, 30.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP, e, ainda, a inconstitucionalidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, por violação dos artigos 20.º, 32.º, nºs. 1 e 10, e 205.º da CRP.
O Tribunal recorrido admitiu o recurso.
O relator no Tribunal Constitucional determinou que os autos prosseguissem para alegações e se notificasse as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de não conhecimento da questão de inconstitucionalidade atinente do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por ausência de correspondência entre a norma cuja inconstitucionalidade foi, a esse propósito, suscitada, e aquela que constitui objeto do recurso.
A recorrente apresentou alegações, pugnando, além do mais, pelo conhecimento do recurso, na parte em que tem por objeto a norma do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por ter observado devidamente o ónus legal de prévia suscitação. Concluiu o alegado do seguinte modo:
I- O Tribunal Constitucional não deverá abster-se de se pronunciar sobre a inconstitucionalidade da alínea c) do n°1 do art° 379° do Código do Processo Penal (CPP), em face do disposto nos art.°s 20º, 32°, nºs 1 e 10, e 205° da CRP;
II- O Tribunal Constitucional deverá, consequentemente, notificar os ora Recorrentes para apresentarem as suas alegações re1ativamente ao recurso interposto, relativamente à questão enunciada em I;
III- A fixação dos limites da sanção numa relação que vai 1 para 1.000 vezes mais, sem quaisquer outras referências ou marcas individualizadoras, viola os referidos princípios constitucionais de legalidade, de tipicidade, de determinabilidade e proporciona1idade, deixando nas mãos do decisor (desde logo, da entidade de supervisão) uma excessiva latitude na fixação da sanção, que assim se pode tornar arbitrária e excessivamente dependente de critérios de mera oportunidade e não de legalidade.
IV- A fixação dos limites da sanção numa relação que vai 1 para 1.000 vezes mais, sem quaisquer outras referências ou marcas individualizadoras, esvazia de conteúdo os princípios da 1ega1idade e da tipicidade, equivalendo a, na prática, conferir ao aplicador/decisor um verdadeiro poder de, caso a caso, tipificar comportamentos, no momento da determinação da medida da coima.
V- As coimas ap1icáveis às contra-ordenações em discussão nos presentes autos, nos termos do artigo 210º do RGICSF, têm uma amplitude que vai, para as pessoas singulares, de €249,40 a €249.398,95 e para as pessoas coletivas de €748,20 a €748. 196,85.
VI- O artigo 210º do RGICSF é inconstitucional por violação princípios constitucionais de legalidade, de tipicidade, de determinabi1idade e proporcionalidade, mais concretamente, dos artigos 29°, nos 1 e 3, 30º, nº 1 e 18°, n.° 2 da Constituição da Repúb1ica Portuguesa.
VII- As coimas ap1icáveis às contra-ordenações em discussão nos presentes autos, nos termos do artigo 211° do RGICSF, têm uma amplitude que vai, para as pessoas singulares, de €997,60 a €997.595,79 e para as pessoas coletivas de €2.493,99 a € 2.493.989,49 (artigo 211° do RGICSF).
VIII- O artigo 211° do RGICSF é inconstitucional por violação princípios constitucionais de legalidade, de tipicidade, de determinabi1idade e proporcionalidade, mais concretamente, dos artigos 29°, ns. 1 e 3, 30°, n.° 1 e 18°, n.° 2 da Constituição da Repúb1ica Portuguesa.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. EX, deverá:
a) Ser ordenada a notificação dos Recorrentes para apresentarem as suas a1egações de recurso, re1ativamente à invocada inconstitucionalidade da alínea c) do n.º 1 do art° 379° do Código do Processo Penal (CPP), em face do disposto nos art.ºs 20º, 32°, ns 1 e 10, e 205° da CRP;
b) Ser, quanto ao mais, dado provimento ao presente recurso, declarando-se a inconstitucionalidade dos art.ºs 210° e 211° do RGICSF, com todas as legais consequências daí decorrentes, fazendo-se, deste modo, a costumada JUSTIÇA!
O recorrido Banco de Portugal contra-alegou, tendo, por seu lado, concluído:
A) O Tribunal Constitucional tem interpretado o disposto no nº. 2 do artigo 72º. da LOFPTC, de modo reiterado, como compreendendo todos os catos processuais prévios à prolação da decisão final. Com efeito, nos termos do preceito, o tribunal a quo deve ser confrontado com o problema de constitucionalidade em termos de ser
B) Conforme admitem os arguidos, a questão de ¡inconstitucionalidade da alínea c) do n. 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal “foi por si suscitada no requerimento de arguição de nulidades e de aclaração do douto acórdão, apresentado no TRL”, ou seja, foi suscitada já após a prolação de decisão final pelo Tribunal da Relação e, assim, em momento processualmente inoportuno.
C) Uma vez que, em regra, o poder jurisdicional se esgota com a prolação da sentença e dado que a eventual aplicação de norma ¡inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial nem a torna obscura ou ambígua, há-de entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de constitucionalidade - assim Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 366/96 (cfr. ainda, a título de exemplo, Acórdãos do TC nº. 290/85, n.º126/95, n.º521/95 e n.º670/94).
D) A consagração de uma moldura sancionatória na qual o limite máximo da sanção potencialmente aplicável é equivalente a 1000 vezes o seu valor mínimo não constitui, por si só, uma violação dos princípios da legalidade, tipicidade ou proporcionalidade, importando analisar, por um lado, se essa mesma amplitude constitui projeção de outros princípios de igual consagração constitucional e, por outro lado, se o poder de determinação da concreta sanção aplicável se encontra correta e concretamente delimitado na lei (concorrendo assim para a função de tipo de garantia) ou se, ao invés, constitui um poder discricionário do aplicador do direito.
E) A consagração de limites máximos particularmente elevados no âmbito do sector financeiro constitui uma necessidade imposta quer pela importância dos bens jurídicos a proteger, quer por questões de proporcionalidade relacionadas com a natureza e dimensão da generalidade das entidades sujeitas.
F) A consagração de limites particularmente reduzidos presta tributo ao princípio da culpa como forma de acautelar que a violação de normas eminentemente técnicas e, muitas vezes, de difícil compreensão, tenham forçosamente que ser sancionadas com coimas de elevado valor.
G) O poder de determinação da sanção concretamente aplicável ao caso concreto apresenta-se ao aplicador do direito como um poder extremamente vinculado (artigo 2O6º. do RGICSF), em obediência ao princípio da legalidade e tipicidade.
H) A consagração de uma moldura sancionatória no contexto do sector financeiro na qual o limite máximo da sanção potencialmente aplicável é equivalente a 1000 vezes o seu valor mínimo não constitui, desta forma, qualquer violação dos princípios da legalidade, tipicidade ou proporcionalidade pois presta obediência a outros princípios constitucionais de igual importância, encontrando-se igualmente acautelados os riscos de excessos de discricionariedade do aplicador do direito.
I) Bem andaram o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa e o Tribunal da Relação de Lisboa quando, apreciando a questão, decidiram no sentido da constitucionalidade das normas em apreço, aplicando-as; o que fizeram, aliás, na esteira do Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 241/2004.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Delimitação do objecto do recurso
A recorrente inclui no objeto do recurso as normas dos artigos 210.º e 211.º do RGICFS, cuja aplicação determinou a sua condenação, nos termos em que foi decidida pelo Acórdão recorrido de 26 de fevereiro de 2013, e, bem assim, a norma do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, à luz da qual foi apreciada, pelo Acórdão recorrido de 4 de junho de 2013, a arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, que deduziu nos autos.
No que respeita à norma do artigo 379.º, n.º 1, do CPP, verifica-se que ela apenas foi aplicada pelo acórdão de 4 de junho de 2013, que indeferiu o incidente pós-decisório deduzido, com esse fundamento legal, pela arguida, ora recorrente. A verificação do pressuposto da observância processualmente adequada do ónus legal de prévia suscitação da inconstitucionalidade desse preceito legal (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC) deve, por isso, ser aferida por referência ao requerimento pelo qual a recorrente arguiu a nulidade da decisão que apreciou o recurso, por ser este o momento processualmente oportuno para o efeito.
Ora, no referido requerimento, a arguida suscitou a inconstitucionalidade dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na «interpretação normativa» segundo a qual «basta ao TRL fazer uma referência genérica e acrítica a uma questão de Direito controvertida decidida pelo JPICL, para se poder considerar cumprido o dever fundamental dos Tribunais conhecerem, apreciarem e decidirem fundamentadamente as matérias levadas ao seu conhecimento ou que sejam de conhecimento oficioso» (cf. artigos 16.º e 17.º desse requerimento)
A questão de inconstitucionalidade suscitada perante o tribunal recorrido recaiu, pois, sobre as disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, quando interpretadas no referido sentido, e não sobre a norma do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, que se limita a determinar a nulidade da sentença quando «o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou que conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Inexiste, pois, tal como antes perspetivado pelo relator, exata correspondência entre a norma cuja apreciação foi requerida ao Tribunal Constitucional, no presente recurso – a do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP –, e aquela cuja inconstitucionalidade foi suscitada perante o tribunal recorrido.
Não tendo a recorrente suscitado perante o tribunal recorrido, tal como lhe era processualmente exigível, a precisa questão de inconstitucionalidade que constitui objeto do presente recurso – ou nele incluído a precisa norma cuja inconstitucionalidade suscitou perante o tribunal a quo –, não pode o recurso, nesta parte, prosseguir para apreciação do respetivo mérito, por inobservância do referido ónus legal de prévia suscitação (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC).
Quanto às normas dos artigos 210.º e 211.º do RGICFS, que cointegram o objeto do presente recurso, verifica-se, por seu lado, que, embora o recorrente não o tenha referido expressamente, estão especificamente em causa as normas constantes do corpo dos artigos 210.º e 211.º do RGICFS, na redação original, na parte em que fixavam, como limites mínimo e máximo das coimas aplicáveis às pessoas coletivas, pela prática das diferentes contraordenações previstas nas suas alíneas, as quantias de 150.000$00 a 150.000.000$00 (€748,20 a €748.196,85) e de 500.000$00 a 500.000.000$00 (€2493,99 a €2.493.989,49).
Foi desse modo que a recorrente perspetivou a questão de inconstitucionalidade, que as tem por objeto, aquando do recurso interposto perante o tribunal recorrido, e foi assim que este a entendeu, formulando um juízo de não inconstitucionalidade centrado na estatuição cominatória dos referidos preceitos legais e não nas contraordenações tipificadas nas respetivas alíneas. Porém, estando em causa decisão que aplicou à recorrente, que é uma pessoa coletiva, diversas coimas cujo montante foi determinado em função dos parâmetros quantitativos legalmente previstos para essa específica categoria de pessoas, é evidente que apenas se justifica apreciar os sindicados preceitos legais, na parte que se refere aos limites mínimo e máximo da coima aplicável às pessoas coletivas, e não também na parte em que se estabelecem os parâmetros de punição das pessoas singulares.
Cumpre, pois, numa leitura processualmente integrada e útil do requerimento de interposição do recurso, restringir o seu objeto às normas constantes do dos artigos 210.º e 211.º do RGICFS, na sua redação original, na parte em que fixam os limites mínimo e máximo da coima aplicável às pessoas coletivas.
Quanto ao mérito
3. Conclui a recorrente, nas suas alegações, que «[a] fixação dos limites da sanção numa relação que vai 1 para 1.000 vezes mais, sem quaisquer outras referências ou marcas individualizadoras, viola os (…) princípios constitucionais de legalidade, de tipicidade, de determinabilidade e proporcionalidade, deixando nas mãos do decisor (desde logo, da entidade de supervisão) uma excessiva latitude na fixação da sanção, que assim se pode tornar arbitrária e excessivamente dependente de critérios de mera oportunidade e não de legalidade».
Como salientou o tribunal recorrido, a questão da conformidade constitucional da norma do artigo 211.º do RGICSF, na sua redação original, na parte em que fixa os limites mínimo e máximo das coimas aplicáveis, foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 41/04, que decidiu pela sua não inconstitucionalidade.
Afirmou-se, então, em fundamento desse juízo negativo, o seguinte:
«(…) A segunda questão de constitucionalidade suscitada refere se à amplitude e consequente indeterminação da moldura punitiva prevista no artigo 211º do RGICSF.
Questão semelhante foi já abordada em anteriores arestos deste Tribunal (Acórdãos nºs 574/95 e 572/2001, ambos relativamente ao artigo 670º do Código do Mercado de Valores Mobiliários, que fixava uma coima com o montante mínimo de 500.000$00 e o máximo de 300.000.000$00). Os Acórdãos em causa pronunciaram-se em sentido divergente.
O problema que neste caso, como no dos arestos citados, emerge é o de uma eventual violação do princípio da legalidade pela excessiva amplitude existente entre a medida mínima e a medida máxima da coima. A excessiva amplitude poderia transferir para a Administração que aplica a coima o poder de definir sanção sem se evidenciarem os critérios que impediriam o mero funcionamento da oportunidade ou outros interesses não controláveis, em termos de legalidade, pelos destinatários das normas. Em última análise, a excessiva amplitude tornaria imprevisível a sanção e transferiria incontrolavelmente para o aplicador do Direito a fixação da sanção que, em rigor, caberá ao legislador.
Com efeito, a norma que se analisa prevê coimas cujos valores são de uma ordem de grandeza profundamente diferente, correspondendo o limite máximo a uma multiplicação por mil do limite mínimo.
Há, assim, indiscutivelmente uma variação elevadíssima entre o mínimo e o máximo da coima que, em abstrato, traduziriam o efeito de transferência para o aplicador do Direito o poder prático de criar a sanção. No entanto, se este argumento poderá ser em geral relevante para um juízo de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade, sobretudo quando estejam em causa penas, há razões específicas relacionadas com este tipo de ilícitos explicativos desta variação de limites que têm de ser consideradas.
Trata-se, com efeito, de ilícitos especialmente graves relacionados com a atividade de instituições de crédito e atividade financeira em que apenas pode estar em causa o perigo para os bens jurídicos ou já danos especialmente graves para a atividade financeira e para pessoas singulares. O facto de o legislador ter fixado no Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (artigo 18º) critérios específicos de determinação da medida da coima, como o do impedimento de que a sanção seja compensada economicamente com os benefícios retirados da infração bem como a dificuldade de determinar esse benefício, revelam que o problema da amplitude só é solucionável neste domínio de infrações pela elevação dos limites máximos. É exatamente essa a perspetiva que leva o legislador alemão a admitir que a medida da coima possa ser elevada até ao necessário para compensar o benefício económico resultante da infração (cf., sobre tal posição do legislador alemão, FERNANDA PALMA e PAULO OTERO, Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXXVII, 1996, p. 557 e ss.), caminho pelo qual não enveredou, totalmente, o legislador português, que previu um critério geral de determinação da medida da coima mais moderado, fixando-se um limite para a ultrapassagem do limite máximo da coima (artigo 18º, nº 2, do Regime Geral das Contra Ordenações). Mas uma tal moderação não pode significar uma renúncia a impedir qualquer compensação económica com a prática da infração (artigo 19º, nº 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações).
Os critérios de determinação da medida da coima exigem, por outro lado, uma fundamentação da coima aplicada pela Administração que não se compadece com meras razões de oportunidade, mas que tem de ponderar a dimensão da gravidade do facto, da culpa do agente e da sua situação económica.
Por outro lado, a elevação dos limites máximos das coimas é, nestes domínios de atividade económica, uma alternativa à legislação de sanções penais, justificada pelo princípio da necessidade da pena.
Assim, se várias e importantes razões justificam limites bastante elevados para as coimas nesta área, também não é menos verdade que uma certa natureza “técnica” das condutas infratoras pode levar a subsumir na previsão legal destas normas condutas cuja gravidade de culpa é bastante baixa. A distância elevada entre o limite mínimo e o máximo da coima é, deste modo, como foi referido no Acórdão nº 574/95, um tributo justificado do princípio da legalidade ao princípio da culpa. A sobreposição a todas estas considerações de uma afirmação formal da legalidade sem atribuição de qualquer relevância às especificidades da política legislativa neste setor de atividade, acabaria por impedir, em última análise, uma qualquer ideia de elevada atenuação da culpa em função de alguma dificuldade de certos agentes disporem de todo o conhecimento adequado para evitar estas infrações que não pressupõem intuições éticas imediatas, mas um certo saber técnico e uma lógica de competência e de responsabilidade profissional.
Por estas razões, o Tribunal Constitucional conclui que o artigo 211º do RGICSF não viola o princípio da legalidade devido à amplitude de variação das coimas entre o limite mínimo de 200.000$00 e 200.000.000$00.».
Ora, afigura-se ser de reiterar, no caso vertente, a jurisprudência firmada no transcrito acórdão, sendo certo que as razões nele enunciadas assumem particular intensidade argumentativa quando aplicadas à punição de pessoas coletivas, atenta a sua muito maior e variável capacidade económico-financeira, em domínios de intervenção como o presente, sendo, por outro lado, irrelevante, para o efeito, o grau de gravidade das contraordenações em causa, justificando-se para ambas as normas ora sindicadas, que balizam a respetiva punição em termos proporcionalmente idênticos, o mesmo juízo de não inconstitucionalidade.
4. Pelo exposto, decide-se:
a) Não conhecer a questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal;
b) Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 210.º e 211.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na parte em que fixam os limites mínimo e máximo das coimas aplicáveis às pessoas coletivas;
c) Em consequência, negar, nessa parte, provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.
Lisboa, 14 de fevereiro de 2014. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – – Lino Rodrigues - Catarina Sarmento e Castro Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.