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Proc. nº. 451/99 TC – 1ª Secção Relator: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
J..., com os sinais dos autos, intentou acção no Tribunal de Trabalho de Portalegre contra a Junta de Freguesia de Cabeço de Vide pedindo a declaração de nulidade do contrato de trabalho a termo que celebrara com aquele
órgão autárquico e a condenação da Ré no pagamento da quantia de 165.726$00, acrescida das prestações pecuniárias que se vencessem até à data da sentença e dos respectivos juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento bem como da indemnização por despedimento prevista no artigo 13º nº. 3 do DL nº.
64-A/89 ou a reintegrar o A . no seu posto de trabalho.
A acção foi julgada procedente e provada, tendo sido declarados ilícito o despedimento do A . e nula a estipulação de termo no contrato de trabalho em causa e condenada a Ré a pagar ao A . a quantia de 2.346.255$00 acrescida juros de mora.
A Ré recorreu da sentença para o Tribunal da Relação de Évora, recurso que, admitido, foi parcialmente provido, devendo abater-se a quantia de
551.467$00 ao montante da condenação em 1ª instância.
A Ré voltou a recorrer, agora para o STJ, tendo o recurso sido admitido no tribunal recorrido.
No parecer que então emitiu, o Magistrado do Ministério Público junto do STJ pronunciou-se no sentido de o recurso não ser admissível atento o valor da causa, não sendo relevante o valor da condenação.
Notificada para se pronunciar, a Junta recorrente sustentou que o recurso deveria ser admitido, atendendo ao valor da condenação em 1ª instância; nessa resposta a recorrente não suscitou qualquer questão de constitucionalidade.
Por acórdão de fls. 172 e segs., o STJ não admitiu o recurso com fundamento no disposto no artigo 315º do Código de Processo Civil - o valor da causa é aquele em que as partes tiverem acordado, expressa ou tacitamente, salvo se o juiz fixar outro valor, sendo certo que, no caso, nem houve impugnação do valor da causa indicado pelo A . nem o juiz alterou esse valor.
Mesmo na tese da recorrente – escreveu-se no mesmo acórdão – o recurso não seria admissível já que o valor da condenação se fixara na Relação em valor inferior ao da respectiva alçada.
A recorrente pediu a aclaração deste acórdão.
No requerimento, admitindo que o aresto em causa tivesse adoptado a tese de que 'se deva ter como valor da alçada o valor que em cada momento se foi fixando pela condenação', acrescenta a requerente.
'Mas não tem a recorrente a certeza de ser esse o alcance do douto acórdão.
Ora, tem a recorrente interesse em que isso se esclareça por se considerar que a recusa do conhecimento do recurso se apoia numa interpretação inconstitucional da lei que o coloca na dependência das alçadas, além de violar um princípio de igualdade constitucionalmente previsto.'
O pedido de aclaração foi indeferido.
A recorrente arguiu, depois, a nulidade do acórdão.
Alega a recorrente na parte que interessa:
'No nosso entendimento consideramos que a situação encontrada por Vossas Excelências colide, de forma clara, com o entendimento implicitamente perfilhado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, o qual para efeitos de recurso atendeu ao valor resultante da condenação e não ao valor fixado na primeira instância. Esta colisão a que atrás nos aludimos e a atender-se à solução defendida por Vossas Excelências, traduz-se numa violação do princípio do caso julgado do acórdão do Tribunal da Relação de Évora que conheceu o recurso de apelação, impondo ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso de revista interposto.'
Desatendida a reclamação, a recorrente interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70º nº. 1 alínea b) da Lei nº.
28/82, dizendo que 'o recurso assenta na violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da Constituição da República e na violação do princípio da intangibilidade do caso julgado, embora não garantido explicitamente no texto do diploma fundamental, não pode deixar de considerar-se por esse consagrado'.
A recorrente foi depois notificada para, nos termos do artigo 75º-A nº. 5 da Lei nº. 28/82
, 'indicar as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie (nº. 1)' e 'precisar melhor as partes das peças processuais – requerimento de aclaração e requerimento de arguição de nulidade – em que se contém a invocação da norma ou princípio constitucional que considera violado'.
Na resposta ao convite do tribunal a recorrente disse, entre o mais, o seguinte:
'A recorrente alicerçou o recurso para o Tribunal Constitucional na violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República, tendo invocado expressamente essa inconstitucionalidade no requerimento de aclaração apresentado e na violação do princípio da intangibilidade do caso julgado, implicitamente previsto no artigo 282º nº. 3 da CRP, tendo suscitado de forma implícita a inconstitucionalidade no requerimento onde arguiu a respectiva nulidade.
Acerca da violação do princípio da igualdade invocou-se expressamente a inconstitucionalidade do acórdão no requerimento de aclaração (...)
..............................................................................................................
No caso em apreço arguiu-se a nulidade do douto acórdão e, implicitamente, a inconstitucionalidade do mesmo por violação do princípio do caso julgado (...)'
Deste requerimento não consta a indicação de qualquer norma a que seja imputado vício de inconstitucionalidade.
Foi, depois, proferido despacho de não admissão do recurso com o fundamento de a recorrente não ter indicado norma cuja inconstitucionalidade pretenda ver apreciada pelo Tribunal Constitucional 'insistindo (ela) na inconstitucionalidade do acórdão e não de qualquer norma jurídica'; o recurso não seria também admissível pelo facto de não se poder considerar feita 'durante o processo' a suscitação de inconstitucionalidade no requerimento de aclaração ou na reclamação por nulidade.
É deste despacho que vem a presente reclamação sustentando, em síntese, a reclamante que:
· só era possível suscitar as questões de inconstitucionalidade nas peças em que o fez
· identificara 'com clareza quais as normas a cuja inconstitucionalidade se reporta: art. 13º da Constituição no que tange ao Princípio da Igualdade e art. 282º nº. 3 – implicitamente – no que tange ao Princípio da Intangibilidade do Caso Julgado', acrescentando a este propósito 'No entendimento da recorrente os Acórdãos do STJ que se recusam a conhecer o recurso de revista e que não atendem ao caso julgado violam as normas constitucionais supracitadas, encontrando-nos assim perante uma inconstitucionalidade atempadamente suscitada pela recorrente'.
Sobre a reclamação foi ouvido o Ministério Público que se pronunciou no sentido do indeferimento.
Cumpre decidir.
O recurso não foi admitido pelo despacho reclamado em termos que não podem deixar de ser confirmados por este Tribunal.
Na verdade, a recorrente não explana qualquer razão que faça soçobrar o primeiro e decisivo fundamento daquele despacho – não ter sido suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
A recorrente parece, com efeito, desconhecer – mesmo depois de confrontada com o teor do despacho de não admissão do recurso – que o recurso previsto no artigo
70º nº. 1 alínea b) da Lei nº. 28/82 pressupõe a aplicação de uma norma 'cuja inconstitucionalidade' (inconstitucionalidade da norma) haja sido suscitada pelo recorrente durante o processo.
No recurso, em fiscalização concreta de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional aprecia e julga a constitucionalidade de normas, não de decisões judiciais, ainda que aquelas sejam ponderadas na dimensão e com a interpretação que lhes foi dada nas sentenças ou acórdãos recorridos.
Ora, o erro da recorrente manifesta-se logo no momento em que ela intenta responder à notificação que lhe é feita nos termos do artigo 75º-A nº. 5 da Lei nº. 28/82 no sentido de 'indicar a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie', notificação essa que se impunha pela circunstância de a recorrente, no requerimento de interposição do recurso, não ter cumprido o comando expresso no artigo 75º nº. 1 da Lei nº. 28/82.
Omitia ela, com efeito, a indicação de qualquer norma de direito infraconstitucional cuja inconstitucionalidade tivesse suscitado, limitando-se a invocar a violação dos princípios da igualdade e da 'intangibilidade do caso julgado'.
A omissão, fazia, de resto, indiciar já que a 'inconstitucionalidade' arguida se reportava directamente à decisão judicial impugnada e não a qualquer norma por ela aplicada.
Se no pedido de aclaração do acórdão do STJ recorrido, a recorrente ainda ensaiava a arguição de uma inconstitucionalidade normativa, ao afirmar que 'tem a recorrente interesse em que isso se esclareça por se considerar que a recusa de conhecimento do recurso se apoia numa interpretação inconstitucional da lei que o coloca na dependência das alçadas, além de violar um princípio de igualdade constitucionalmente previsto' (mas nunca indicando qual o preceito em causa), já na arguição de nulidade subsequente a recorrente se reportou expressamente ao acórdão do STJ, dizendo que a solução acolhida, colidindo com o entendimento perfilhado pela Relação de Évora, se traduz numa 'violação do princípio do caso julgado', continuando, ainda, sem indicar a norma que, no seu entendimento, seria inconstitucional.
Ora, como atrás se disse, no requerimento de resposta à notificação feita nos termos do artigo 75º-A nº. 5 da Lei nº. 28/82, a recorrente deixa patente a imputação da inconstitucionalidade ao acórdão impugnado, quando escreve:
'Acerca da violação do princípio da igualdade, invocou-se expressamente a inconstitucionalidade do acórdão no requerimento de aclaração (...)' (sublinhado nosso).
E mais adiante:
'No caso em apreço arguiu-se a nulidade do acórdão e, implicitamente, a inconstitucionalidade do mesmo por violação do princípio do caso julgado (...)'
(sublinhado também nosso).
Na reclamação agora em apreciação, a recorrente, na mesma linha de argumentação, diz:
'Em qualquer dos casos, considera a recorrente ter suscitado a inconstitucionalidade do Acórdão de forma clara, tendo o mesmo violado o art.
13º da Constituição quanto ao Princípio da Igualdade e quanto ao Princípio da Intangibilidade do Caso Julgado o fez implicitamente (...)'.
Por fim, na mesma peça, a recorrente 'considera ter identificado com clareza quais as normas a cuja inconstitucionalidade se reporta: art. 13º da Constituição (...) e art. 282º nº. 3 (...)'.
São despiciendas quaisquer outras considerações para indeferir a reclamação.
A recorrente, ao que parece interpretando mal o disposto no artigo 70º nº. 1 al. b) e 75º-A nº. 1 da Lei nº. 28/82, nunca suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma – as inconstitucionalidades que arguiu imputou-as a decisões judiciais -, convicção que ainda se reforça pelo facto de indicar normas constitucionais ofendidas e não também as normas infraconstitucionais que pretensamente as infringiam, pois eram estas as que o Tribunal poderia apreciar e cuja inconstitucionalidade a recorrente deveria ter suscitado.
Não se mostravam assim preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso previstos no artigo 70º nº. 1 alínea b) da Lei nº. 28/82, pelo que bem se decidiu no despacho reclamado, não admitindo o recurso.
Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Sem custas por não serem devidas pela reclamante.
Lisboa, 20 de Outubro de 1999- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa