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Processo n.º 635/12
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., SA, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. Decisão Sumária n.º 327/2013, fls. 161-167):
«4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 153), com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
5. Do teor do requerimento de interposição de recurso apresentado pela recorrente decorre que do mesmo constam: a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto – alínea b) do n.º 1 artigo 70.º (cfr. fls. 149); a indicação das normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie – «normas constantes dos artigos 400º, n.º 1 alíneas e) e f) do CPP, e artigo 432 nº 1 alínea b) do CPP» (cfr. fls. 149-150); a indicação da norma constitucional que se considera violada – «artigo 32º nº 1 da CRP » (cfr. fls. 149-150); e a indicação da peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a questão da inconstitucionalidade – «reclamação que originou a decisão recorrida» (cfr. fls. 150.)
6. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04).
Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.
7. Decorre do teor do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal que o recorrente pretende recorrer «(…) da decisão da reclamação, para o Sr. Presidente do STJ, a qual foi no sentido de não admissão do recurso interposto para esse tribunal (…)» (cfr. fls. 149) – ou seja, a decisão do Presidente do STJ proferida em 17/07/2012 que decidiu da reclamação apresentada pelo recorrente e no sentido do indeferimento da mesma (cfr. fls. 135-145).
8. Tendo em conta a decisão recorrida expressamente identificada pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, é por referência a esta e respetivo teor que deve ser analisado o preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade do recurso para este Tribunal.
9. Não se encontra preenchido, no caso em apreço, o pressuposto relativo à ratio decidendi, segundo o qual a decisão recorrida deve ter feito aplicação, como sua ratio decidendi ou fundamento jurídico, das alegadas dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente.
9.1 As alegadas dimensões normativas identificadas pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, relativas às «normas constantes dos artigos 400º, n.º 1 alíneas e) e f) do CPP, e artigo 432 nº 1 alínea b) do CPP» – e, segundo o mesmo recorrente aplicadas pelo tribunal recorrido (cfr. requerimento de interposição de recurso, 1.º, fls. 149) – são, no entendimento do recorrente, as seguintes:
«A) Que, sem qualquer indicação expressa ou apoio no texto normativo, se pode aplicar a norma constante do artigo 400 n.º 1 alínea f) do CPP, jogando mão do conceito abstrato de que o conteúdo normativo da expressão 'confirmar a decisão recorrida da 1.ª instância' pode ser alargado para alem do sentido literal definido pela expressão 'confirmar a decisão'. De forma a permitir considerar - se como uma 'confirmação da decisão anterior, passe o pleonasmo, uma decisão que alterou a anterior que ' enviava o arguido para casa' e a transformou noutra que' envia o arguido para a prisão'.
Apodítico é, que qualquer exegese, ainda que rudimentar, deteta , de imediato, a contradição interna de tal raciocínio.
B) A norma constante do artigo 400º nº 1 alínea e) do CPP quando aplicada com a interpretação de que o seu conteúdo também respeita aos acórdãos proferidos em recurso pelas relações e que apliquem pena privativa de liberdade, (quando tal conceito interpretativo não se encontra expressamente indicado no texto dessa norma e, é até, oposto ao expresso no mesmo) e ainda, a norma constante do artigo 432º nº 1 alínea b) do CPP quando aplicada com a interpretação de que o seu conteúdo também respeita aos recursos das decisões proferidas em recurso pelas relações, quando tal conceito interpretativo não se encontra aí claramente expresso nem é indicado no texto dessa norma.
9.2 Do confronto das alegadas interpretações normativas identificadas pelo recorrente com o teor da decisão do Presidente do STJ recorrida decorre que as mesmas não constituíram fundamento da decisão recorrida.
9.2.1 Por um lado, e quanto à alegada interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal (CPP) (cfr. 1.º, A), fls. 149), da leitura da decisão recorrida decorre que em nenhum passo a decisão recorrida se refere, na sua fundamentação (cfr. n.ºs 3 a 6) a tal alínea do artigo 400.º, n.º 1 do CPP.
9.2.2 Por outro, e quanto à alegada interpretação dos artigo 400.º, n.º 1, alínea e) – «interpretação de que o seu conteúdo também respeita aos acórdãos proferidos em recurso pelas relações e que apliquem pena privativa de liberdade» (cfr. 1.º, B), fls. 149) – e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP – «interpretação de que o seu conteúdo também respeita aos recursos das decisões proferidas em recurso pelas relações» (cfr. 1.º, B), fls. 149) – da leitura da decisão recorrida decorre que tal interpretação não se encontra no fundamento daquela.
Com efeito, em primeiro lugar, a propósito daquelas duas disposições do CPP – artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea b) – cuja alegada interpretação normativa o recorrente pretende ver sindicadas, escreve-se, na fundamentação da decisão recorrida, que:
«(…) A faculdade de recorrer pertence, assim, ao estatuto do arguido, concretizada nas condições objetivas de recorribilidade e subjetivas de legitimidade fixadas na lei.
No caso, a conjugação da norma do artigo 432º, n.º 1, alínea b), com as situações de (ir)recorribilidade de decisões da relação definidas no artigo 400º do CPP. determina, nos termos do artigo 400º, n. º 1, alínea e), do CPP, que são irrecorríveis os «acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade. (…)».
Não se afirma, assim, na decisão recorrida que da interpretação das disposições em causa ora sindicada – artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea b), ambas do CPP – resulta que o seu conteúdo respeita aos acórdãos proferidos pelas relações que apliquem pena privativa da liberdade.
Pelo contrário, a decisão recorrida fundamenta a decisão de indeferimento da reclamação da decisão apresentada na interpretação conjugada dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea c) – cuja inconstitucionalidade o recorrente não suscita no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
Pode, pois, ler-se na fundamentação da decisão recorrida quanto à interpretação conjugada dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea c) (cfr. n.º 3, fls. 142-143):
«(…) Não sendo razoavelmente possível, pelos elementos objetivos que o processo legislativo revela, identificar a vontade do legislador no sentido de permitir a conclusão de que na alínea e) do nº 1 do artigo 400.º do CPP disse mais do que quereria, não parece metodologicamente possível operar uma interpretação restritiva da norma.
Porém, a norma, levada isoladamente ao pé da letra, sem enquadramento sistémico, acolheria solução que é diretamente afastada pelo artigo 432º, nº 1, alínea c), produzindo uma contradição intrínseca que o equilíbrio normativo sobre o regime dos recursos para o STJ não pode comportar.
(...) A perspetiva, o sentido essencial e os equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime dos recursos para o STJ, com a prevalência sistémica, patente e mesmo imanente, da norma do artigo 432º, e especialmente do seu nº 1, alínea c), impõe, por isso, em conformidade, a redução teleológica da norma do artigo 400º, n.º 1, alínea e) do CPP, de acordo com o princípio base do artigo 432º, nº 1, alínea c) do CPP, necessária à reposição do equilíbrio e da harmonia no interior da regime dos recursos para o STJ», no sentido de o recurso não ser admissível para o STJ no caso que tenha sido aplicada uma pena não superior a 5 anos de prisão. (…)»
10. Não estando preenchido um requisito relativo à admissibilidade do recurso para este Tribunal, não pode, assim, conhecer-se do objeto do mesmo.»
2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, alegando, quanto à admissibilidade do recurso, o seguinte (cfr. fls. 173-177):
A., arguido, já com sinais nos autos, notificado da decisão sumária proferida nestes autos e com a mesma não se conformado, vem nos termos do nº3 do artigo 78º-A da Lei 85/89 de 7/9, na redação da Lei 13-A/98 de 26/2 da mesma apresentar
RECLAMAÇÃO, para a conferência, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. Na decisão sumária nº 327/2013, esse Venerando Tribunal veio a rejeitar o recurso do arguido, por não seu entendimento não ser possível conhecer do objeto do mesmo.
2. O fundamento para essa rejeição encontra-se expresso no ponto 9, dessa decisão, e reside no facto de no caso em apreço, não estar preenchido o pressuposto relativo à “ratio decidendi”, segundo o qual a decisão recorrida deveria ter feito aplicação como “ratio decidendi”, ou fundamento jurídico, das alegadas dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo requerente.
3. As dimensões normativas que foram invocadas pelo requerente no seu recurso para esse Tribunal foram as relativas às normas constantes dos artigos 400º, nº1, als. e) e f) e artigo 432º, nº1, al. b), todos do CPP, aplicadas pelo STJ na decisão recorrida e com as interpretações aí descritas.
4. No que toca à questão relativa às normas dos artigos 400º, nº1, al. f) e 432º, nº1, al.b), aceitamos a decisão sumária desse Venerando Tribunal.
5. Contudo, o mesmo já não se poderá estender quanto à questão da constitucionalidade da norma do artigo 400º, nº1, al. e) do CPP, tal como foi arguido no requerimento de recurso do arguido para esse Tribunal.
6. O artigo 400º, nº1, al.e) do CPP, diz-nos expressamente o seguinte:”Não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade.”
7. Ora, a decisão do STJ foi no sentido de rejeitar o recurso de um acórdão proferido em recurso pela relação que aplicou uma pena de prisão efetiva de 4 anos e 6 meses, revogando assim, a decisão proferida em 1ª Instância de aplicação desse mesmo tempo de pena, mas de forma suspensa.
8. Da análise destas permissas, constatamos, desde logo, que a decisão tomada pelo STJ foi contrária à vertida na lei processual penal, tal como a mesma se encontra definida e redigida no supra citado normativo, ou seja, esse Tribunal não aplicou essa norma no sentido literal decorrente do texto da mesma.
9. Não havendo dúvidas que a decisão foi contrária à norma, tal como esta está redigida, pode agora o arguido levantar a questão relativa à admissibilidade ou não do recurso interposto para esse Venerando Tribunal, no que concerne ao facto de se saber se efetivamente o STJ na sua decisão aplicou ou não a respetiva norma e qual o sentido com que o fez, nomeadamente se foi o suscitado pelo recorrente no seu requerimento.
10. Quanto ao facto da aplicação da norma pelo STJ na sua decisão, é o próprio TC que tal refere no ponto 9.2.2 da decisão sumária ao afirmar que: “a decisão do STJ assenta na interpretação conjugada dos artigos 400º, nº1, al. e) e artigo 432º, nº1, al. c).
11. Desta forma, o STJ aplicou efetivamente já referida norma na sua decisão, ainda que conjugada com outra norma.
12. Assim, resta-nos saber se o fez ou não com o sentido suscitado pelo recorrente.
13. Para tanto, torna-se necessário, agora, transcrever a fundamentação de que o STJ lançou mão, quanto a esta questão. “Não sendo razoavelmente possível, pelos elementos objetivos que o processo legislativo revela, identificar a vontade do legislador no sentido de permitir a conclusão de que na al. e), do nº1, do artigo 400º do CPP, disse mais do que quereria, não parece metedológicamente possível operar uma interpretação restritiva da norma.”
14. Continuando: “Porém a norma, levada isoladamente ao pé da letra, sem enquadramento sistémico, acolheria solução que é diretamente afastada pelo artigo 432º, nº1, al. c), produzindo uma contradição intrínseca que o equilíbrio normativo sobre o regime dos recursos para o STJ não pode comportar. (…) A perspetiva, o sentido essencial e os equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime de recursos para o STJ, com a prevalência sistémica patente e mesmo emanente da norma do artigo 432º e especialmente do seu nº1 al. c), impõe, por isso, a redução teleológica da norma do artigo 400º, nº1, al. e) do CPP, de acordo com o princípio base do artigo 432º, nº1, al. c), do CPP, necessária a reposição do equilíbrio e da harmonia no interior do regime de recursos para o STJ, no sentido de o recurso não ser admissível para o STJ no caso que tenha sido aplicada uma pena não superior a 5 anos de prisão.”
15. Face ao exposto, dúvidas não restam de que o STJ aplicou a norma do artigo 400º, nº1, al. e) do CPP conjugada com a do artigo 432º, nº1, al. c) do CPP, e com esta conjugação alcançou a interpretação supra exposta, interpretação essa que permitiu aplicar a norma contida na al. e) do nº1 do artigo 400º do CPP, com o sentido de restringir a admissibilidade dos recursos dos acórdãos que apliquem pena inferior a 5 anos de prisão.
16. Interpretação essa que não decorre da letra da lei dessa norma, mas sim de uma interpretação própria que o STJ extraiu de uma conjugação do conteúdo dessa norma e o conteúdo do texto da norma do artigo 432º, nº1 al. c) do CPP.
17. Interpretação essa, que não decorrendo expressamente do texto da norma, mas sim de combinações estranhas ao mesmo, e para as quais este tão pouco remete, viola desde logo, o princípio da garantia, da lealdade e da certeza jurídica que nos deveria transmitir o texto dessa norma.
18. o que nos recoloca no âmbito e no objeto do recurso do arguido para esse Venerando Tribunal.
19. Assim, resulta claro, que o Tribunal recorrido aplicou a referida norma e que o fez com a dimensão interpretativa suscitada pelo recorrente, ainda que para o fazer se tenha apoiado em uma outra norma, sobre a qual o recorrente nunca suscitou a sua inconstitucionalidade, o que não invalida que a inconstitucionalidade da norma suscitada pelo recorrente, e só desta norma, não possa nem deva ser apreciada por esse Venerando Tribunal (cfr. artigo 79º-C da LTC).
20. Face ao exposto, entende o recorrente que o recurso interposto deverá prosseguir, para ser apreciado quanto à questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 400º, nº1, al. e), quando aplicada com a interpretação de que o seu conteúdo também respeita aos acórdãos proferidos em recurso pelas relações que apliquem pena privativa da liberdade inferior a 5 anos (quando tal conceito interpretativo não se encontra expressamente indicado no texto dessa norma e, é até, oposto ao expresso no mesmo).
21. Norma essa, que foi aplicada pelo Tribunal recorrido na sua decisão, com a interpretação no sentido de o recurso não ser admissível, para o STJ, no caso de ter sido aplicado pena privativa da liberdade não superior a 5 anos de prisão.
22. A dimensão normativa invocada pelo recorrente prende-se apenas com o facto desta norma ter sido aplicada com a interpretação indicada pelo mesmo no seu recurso, e que é diversa ou mesmo oposta àquela que se encontra expressa no texto da mesma, independentemente dos motivos, razões ou conjugações normativas que tenham sido utilizadas para se chegar a essa interpretação.
23. Por isso, é que o que aqui está em causa é apenas e só a inconstitucionalidade da norma do artigo 400º, nº1, al. e) do CPP e não também de outras normas que possam ter sido utilizadas para se interpretar de forma enviesada o conteúdo daquela.
24. Concluímos assim, que a dimensão normativa com a qual o tribunal recorrido aplicou esta norma na sua fundamentação, corresponde exatamente àquela que foi invocada pelo recorrente, pelo que, em consequência, no entender do recorrente, encontram-se preenchidos os pressupostos para o prosseguimento do recurso, o que desde já se requer.
Nestes termos, deverá a presente reclamação ser julgada em conferência, nos termos do nº3 do artigo 78º-A da Lei 85/89 de 7/9, na redação da Lei 13-A/98 de 26/2.»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou resposta nos termos seguintes (cfr. fls. 182-194):
«1º
Pela Decisão Sumária 327/13, de 21 de junho (cfr. fls. 161-167 dos autos), a Ilustre Conselheira Relatora entendeu não tomar conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade, oportunamente interposto pelo ora reclamante, A..
2º
Considerou, desde logo, a Ilustre Conselheira Relatora, para decidir como decidiu (cfr. fls. 164-165 dos autos) (destaques do signatário):
“9. Não se encontra preenchido, no caso em apreço, o pressuposto relativo à ratio decidendi, segundo o qual a decisão recorrida deve ter feito aplicação, como sua ratio decidendi ou fundamento jurídico, das alegadas dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente.
9.1 As alegadas dimensões normativas identificadas pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, relativas às «normas constantes dos artigos 400º, n.º 1 alíneas e) e f) do CPP, e artigo 432 nº 1 alínea b) do CPP» – e, segundo o mesmo recorrente aplicadas pelo tribunal recorrido (cfr. requerimento de interposição de recurso, 1.º, fls. 149) – são, no entendimento do recorrente, as seguintes: (…)
9.2 Do confronto das alegadas interpretações normativas identificadas pelo recorrente com o teor da decisão do Presidente do STJ recorrida decorre que as mesmas não constituíram fundamento da decisão recorrida.
9.2.1 Por um lado, e quanto à alegada interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal (CPP) (cfr. 1.º, A), fls. 149), da leitura da decisão recorrida decorre que em nenhum passo a decisão recorrida se refere, na sua fundamentação (cfr. n.ºs 3 a 6) a tal alínea do artigo 400.º, n.º 1 do CPP.”
3º
E a Ilustre Conselheira Relatora complementa a sua argumentação acrescentando, logo a seguir (cfr. fls. 165-166 dos autos) (destaques do signatário):
“9.2.2 Por outro, e quanto à alegada interpretação dos artigo 400.º, n.º 1, alínea e) – «interpretação de que o seu conteúdo também respeita aos acórdãos proferidos em recurso pelas relações e que apliquem pena privativa de liberdade» (cfr. 1.º, B), fls. 149) – e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP – «interpretação de que o seu conteúdo também respeita aos recursos das decisões proferidas em recurso pelas relações» (cfr. 1.º, B), fls. 149) – da leitura da decisão recorrida decorre que tal interpretação não se encontra no fundamento daquela.
Com efeito, em primeiro lugar, a propósito daquelas duas disposições do CPP – artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea b) – cuja alegada interpretação normativa o recorrente pretende ver sindicadas, escreve-se, na fundamentação da decisão recorrida, que:
«(…) A faculdade de recorrer pertence, assim, ao estatuto do arguido, concretizada nas condições objetivas de recorribilidade e subjetivas de legitimidade fixadas na lei.
No caso, a conjugação da norma do artigo 432º, n.º 1, alínea b), com as situações de (ir)recorribilidade de decisões da relação definidas no artigo 400º do CPP determina, nos termos do artigo 400º, n. º 1, alínea e), do CPP, que são irrecorríveis os «acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade. (…)».
Não se afirma, assim, na decisão recorrida que da interpretação das disposições em causa ora sindicada – artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea b), ambas do CPP – resulta que o seu conteúdo respeita aos acórdãos proferidos pelas relações que apliquem pena privativa da liberdade.
Pelo contrário, a decisão recorrida fundamenta a decisão de indeferimento da reclamação da decisão apresentada na interpretação conjugada dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea c) – cuja inconstitucionalidade o recorrente não suscita no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.”
4º
Ora, com efeito, no seu requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o ora reclamante refere (cfr. fls. 149 dos autos):
“O objeto deste recurso é a apreciação da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 400º, nº 1 alíneas e) e f) do CPP, e artigo 432º nº 1 alínea b) do CPP, quando aplicadas com a interpretação que lhes conferiu o tribunal recorrido.”
No entanto, a alínea e) do nº 1 do art. 400º do Código de Processo Penal refere-se à irrecorribilidade “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade”, enquanto a alínea f) da mesma disposição, se refere à irrecorribilidade “de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.
Trata-se, pois, de realidades distintas, uma, que se reporta a decisões que apliquem pena não privativa de liberdade, a outra, a decisões que apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
5º
Ora, foi com base neste último fundamento - art. 400º, nº 1, alínea f) e art. 432º, nº 1, alínea b) (embora, por lapso certamente, se tenha referido a alínea c) do art. 432º do CPP), ambos do Código de Processo Penal, que o Tribunal da Relação de Lisboa recusou a admissão do recurso do recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. fls. 129 dos autos).
Sendo certo, aliás, que foi o magistrado do Ministério Público, junto do mesmo Tribunal da Relação, que suscitou a questão prévia de não admissibilidade do recurso, concluindo, na sua resposta ao recurso interposto pelo arguido (cfr. fls. 128 dos autos) (destaques do signatário):
“1ª Nos termos dos arts. 400º, nº 1, f) do CPP, não cabe recurso para o STJ do acórdão da Relação que confirma a sentença condenatória proferida – que condenou arguido em pena de prisão inferior a 8 anos – limitando-se somente a determinar a sua execução (que ficara suspensa na 1ª instância).
2ª O Acórdão recorrido não enferma de insuficiências (omissão de pronúncia, nulidades ou irregularidades, pelo que não merece qualquer censura, devendo ser mantido e confirmado nos seus precisos termos, assim negando-se provimento ao recurso.
6º
Invoca, contudo, o arguido, na sua reclamação para a conferência (cfr. fls. 173-174 dos autos) (destaques do signatário):
“3. As dimensões normativas que foram invocadas pelo requerente no seu recurso para esse Tribunal foram as relativas às normas constantes dos artigos 400º, nº 1, als. e) e f) e artigo 432º, nº 1, al. b), todos do CPP, aplicadas pelo STJ na decisão recorrida e com as interpretações aí descritas.
4. No que toca à questão relativa às normas dos artigos 400º, nº 1, al. f) e 432º, nº 1, al. b), aceitamos a decisão sumária desse Venerando Tribunal.
5. Contudo, o mesmo já não se poderá estender quanto à questão da constitucionalidade da norma do art. 400º, nº 1, al. e) do CPP, tal como foi arguido no requerimento de recurso do arguido para esse Tribunal.
6. O artigo 400º, nº 1, al. e) do CPP, diz-nos expressamente o seguinte: “Não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade”.
7. Ora, a decisão do STJ foi no sentido de rejeitar o recurso de um acórdão proferido em recurso pela relação que aplicou uma pena de prisão efetiva de 4 anos e 6 meses, revogando, assim, a decisão proferida em 1ª instância de aplicação desse mesmo tempo de pena, mas de forma suspensa.
8. Da análise destas premissas, constatamos, desde logo, que a decisão tomada pelo STJ foi contrária à vertida na lei processual penal, tal como a mesma se encontra definida e redigida no supra citado normativo, ou seja, esse Tribunal não aplicou essa norma no sentido literal decorrente do texto da mesma.
9. Não havendo dúvidas que a decisão foi contrária à norma, tal como esta está redigida, pode agora o arguido levantar a questão relativa à admissibilidade ou não do recurso interposto para esse Venerando Tribunal, no que concerne ao facto de se saber se efetivamente o STJ na sua decisão aplicou ou não a respetiva norma e qual o sentido com que o fez, nomeadamente se foi o suscitado pelo recorrente no seu requerimento.
10. Quanto ao facto da aplicação da norma pelo STJ na sua decisão, é o próprio TC que tal refere no ponto 9.2.2. da decisão sumária ao afirmar que “a decisão do STJ assenta na interpretação conjugada dos artigos 400º, nº 1, al. e) e artigo 432º, nº 1, al. c)”.
11. Desta forma, o STJ aplicou efetivamente [a] já referida norma na sua decisão, ainda que conjugada com outra norma.”
7º
Não se crê, porém, que o interessado tenha razão na sua argumentação.
Sublinha-se, desde logo, o facto de o ora reclamante ter expressamente referido: “No que toca à questão relativa às normas dos artigos 400º, nº 1, al. f) e 432º, nº 1, al. b), aceitamos a decisão sumária desse Venerando Tribunal”.
Ora, é esta, justamente, a questão jurídica em apreciação, e não a relativa à alínea e) do nº 1 do art. 400º do Código de Processo Penal, disposição, esta, que não foi, sequer, aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
8º
Aliás, o ora reclamante não deixa, muito significativamente, de referir que “a decisão do STJ foi no sentido de rejeitar o recurso de um acórdão proferido em recurso pela relação que aplicou uma pena de prisão efetiva de 4 anos e 6 meses, revogando, assim, a decisão proferida em 1ª instância de aplicação desse mesmo tempo de pena, mas de forma suspensa”.
O que denota que compreendeu, perfeitamente, o sentido da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa – e, também, da decisão recorrida do Supremo Tribunal de Justiça –, tendo formulado a questão jurídica, como devia, no âmbito do art. 400º, nº 1, alínea f) do Código de Processo Penal, que, justamente, se refere aos “acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.
9º
Pode, contudo, argumentar-se, em contrário, que a decisão recorrida, do Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de julho de 2012 (cfr. fls. 135-145 dos autos), refere, expressamente, como seu (possível) fundamento (cfr. fls. 142-143 dos autos) (destaques do signatário):
“A conclusão que poderá ser extraída de todo o processo legislativo, tal como deixou traço, será a de que se não manifesta nem revela uma intenção, segura, de alteração do paradigma que vem já da revisão do processo penal de 1998: o STJ reservado para os casos mais graves e de maior relevância, determinados pela natureza do tribunal de que se recorre e pela gravidade dos crimes aferida pelo critério da pena aplicável. É que, no essencial, esta modelação mantém-se no artigo 432º do CPP, e se modificação existe, vai ainda no sentido da restrição: o critério da pena aplicada conduz, por comparação com o regime antecedente, a uma restrição no acesso ao STJ.
Não sendo razoavelmente possível, pelos elementos objetivos que o processo legislativo revela, identificar a vontade do legislador no sentido de permitir a conclusão de que na alínea e) do nº 1 do artigo 400º do CPP disse mais do que quereria, não parece metodologicamente possível operar uma interpretação restritiva da norma.
Porém, a norma, levada isoladamente ao pé da letra, sem enquadramento sistémico, acolheria solução que é diretamente afastada pelo artigo 432º, nº 1, alínea c), produzindo uma contradição intrínseca que o equilíbrio normativo sobre o regime dos recursos para o STJ não pode comportar.
(…) A perspetiva, o sentido essencial e dos equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime dos recursos para o STJ, com a prevalência sistémica, patente e mesmo imanente, da norma do artigo 432º, e especialmente do seu nº 1, alínea c), impõe, por isso, em conformidade, a redução teleológica da norma do artigo 400º, nº 1, alínea e) do CPP, de acordo com o princípio base do artigo 432º, nº 1, alínea c) do CPP, necessária à reposição do equilíbrio e da harmonia no interior do regime dos recursos para o STJ, no sentido de o recurso não ser admissível para o STJ no caso que tenha sido aplicada uma pena não superior a 5 anos de prisão.”
10º
Não se crê, contudo, que seja este o argumento principal que subjaz à decisão do Senhor Vice-Presidente do STJ, mas sim, apenas, um complemento da interpretação que entendeu dever fazer da conjugação dos arts. 400º e 432º do Código de Processo Penal.
Atente-se, aliás, no facto de a decisão do STJ se referir, quanto à interpretação acabada de expor, do art. 400º, nº 1, alínea e) do CPP, não ao art. 432º, nº 1, alínea b) do mesmo CPP, mas sim à alínea c) da mesma disposição, não integrando esta disposição, porém, a interpretação normativa objeto do recurso interposto pelo interessado (cfr. supra nº 4 do presente Parecer).
Com efeito, o ora reclamante sempre se referiu, no seu recurso, ao art. 432º, nº 1, alínea b) do CPP, não à alínea c) da mesma disposição.
11º
Refere, contudo, também, a decisão do Senhor Vice-Presidente do STJ (cfr. fls. 140-141 dos autos) (destaques do signatário):
“A coerência interna do regime de recursos para o STJ em matéria penal supõe, deste modo, que uma decisão em que se não verifique a referida dupla de pressupostos não deva ser (não possa ser) recorrível para o STJ. Com efeito, se não é admissível recurso direto de decisão proferida por tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a cinco anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular ou do tribunal coletivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a cinco anos.
Como a propósito se refere em acórdão do STJ (de 25 de julho de 2008, proc. 1879/2008), «desde que não haja condenação em pena não superior a cinco anos de prisão, não incumbe ao STJ, por não se circunscrever no âmbito dos seus poderes de cognição, apreciar e julgar recurso interposto de decisão final do tribunal coletivo e do júri, que condene em pena não superior a cinco anos de prisão»; «o legislador, ao arredar da competência do Supremo o julgamento do recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade, quis implicitamente significar, de harmonia com o artigo 9º do Código Civil, na teleologia e unidade do sistema quanto a penas privativas de liberdade, que […] apenas é admissível recurso de acórdão da relação para o Supremo quando a relação julgar recurso de decisão do tribunal coletivo ou do júri, em que estes tivessem aplicado pena superior a cinco anos de prisão».
É, pois, neste círculo hermenêutico que têm de ser interpretadas as normas do artigo 400º, nº 1 do CPP, quando determinam a irrecorribilidade (e, por contradição legal, a recorribilidade) das decisões proferidas, em recurso, pelo tribunal da relação.”
12º
Ora, tais considerações ligam-se, naturalmente, com a referência, já anteriormente transcrita, da mesma decisão (cfr. supra nº 9 do presente Parecer), designadamente:
“A conclusão que poderá ser extraída de todo o processo legislativo, tal como deixou traço, será a de que se não manifesta nem revela uma intenção, segura, de alteração do paradigma que vem já da revisão do processo penal de 1998: o STJ reservado para os casos mais graves e de maior relevância, determinados pela natureza do tribunal de que se recorre e pela gravidade dos crimes aferida pelo critério da pena aplicável. É que, no essencial, esta modelação mantém-se no artigo 432º do CPP, e se modificação existe, vai ainda no sentido da restrição: o critério da pena aplicada conduz, por comparação com o regime antecedente, a uma restrição no acesso ao STJ.”
13º
Não suscita, pois, dúvidas, o facto de a decisão do STJ assentar numa interpretação conjugada do art. 400º, nº 1, alínea f) e do art. 432º, nº 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, muito embora, como argumentação coadjuvante, se reporte, também, ao art. 400º, nº 1, alínea e) do mesmo Código.
Sendo certo, por outro lado, que, segundo o próprio reclamante, como se viu, “O objeto deste recurso é a apreciação da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 400º, nº 1 alíneas e) e f) do CPP, e artigo 432º nº 1 alínea b) do CPP”.
Não há, assim, coincidência entre a ratio decidendi do acórdão recorrido e a interpretação normativa apresentada pelo interessado, no seu requerimento de recurso de constitucionalidade, quanto à norma dos arts. 400º, nº 1, al. e) e 432º, nº 1, al. b) do CPP.
14º
Crê-se, assim, que a presente reclamação para a conferência não deverá merecer acolhimento por parte deste Tribunal Constitucional, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 327/13, de 21 de junho, que determinou a respetiva apresentação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Na decisão sumária reclamada decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, delimitado pelo recorrente quantio às normas constantes dos artigos 400º, n.º 1 alíneas e) e f) do CPP, e artigo 432.º nº 1 alínea b) do Código de Processo Penal, com fundamento na falta de verificação do pressuposto relativo à ratio decidendi, segundo o qual a decisão recorrida deve ter feito aplicação, como sua ratio decidendi ou fundamento jurídico, das alegadas dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente.
4.1. Especificamente entendeu-se que, quanto à alegada interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal (CPP), da leitura da decisão recorrida decorre que em nenhum passo a decisão recorrida se refere na sua fundamentação àquela norma do CPP, e que, quanto à alegada interpretação dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, da leitura da decisão recorrida decorre que tal interpretação não se encontra no fundamento daquela.
Assim, e pelo contrário, concluiu-se que a decisão recorrida fundamenta a decisão de indeferimento da reclamação da decisão apresentada na interpretação conjugada dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º 1, alínea c) – cuja inconstitucionalidade o recorrente não suscitou no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
4.2. Ora a presente reclamação não só não infirma estas conclusões, como as confirma.
Desde logo, no que toca à questão relativa às normas dos artigos 400º, nº1, al. f) e 432º, nº 1, al. b), o reclamante aceita a decisão sumária do Tribunal Constitucional (cfr. ponto 4 da reclamação, fls. 173).
4.3. Depois, quanto às conclusões exaradas sobre a admissibilidade do recurso para apreciação da norma constante do artigo 400º, nº 1, al. e) do CPP, e tendo sido determinante o facto de a mesma ter sido aplicada em conjugação com a norma contida no artigo 432º, nº 1, al. c), também do CPP, cuja constitucionalidade não foi questionada no recurso para este Tribunal, alega o reclamante que (cfr. fls. 175-176):
«(…)
15. Face ao exposto, dúvidas não restam de que o STJ aplicou a norma do artigo 400º, nº1, al. e) do CPP conjugada com a do artigo 432º, nº1, al. c) do CPP, e com esta conjugação alcançou a interpretação supra exposta, interpretação essa que permitiu aplicar a norma contida na al. e) do nº1 do artigo 400º do CPP, com o sentido de restringir a admissibilidade dos recursos dos acórdãos que apliquem pena inferior a 5 anos de prisão.
16. Interpretação essa que não decorre da letra da lei dessa norma, mas sim de uma interpretação própria que o STJ extraiu de uma conjugação do conteúdo dessa norma e o conteúdo do texto da norma do artigo 432º, nº1 al. c) do CPP.
17. Interpretação essa, que não decorrendo expressamente do texto da norma, mas sim de combinações estranhas ao mesmo, e para as quais este tão pouco remete, viola desde logo, o princípio da garantia, da lealdade e da certeza jurídica que nos deveria transmitir o texto dessa norma.
18. o que nos recoloca no âmbito e no objeto do recurso do arguido para esse Venerando Tribunal.
19. Assim, resulta claro, que o Tribunal recorrido aplicou a referida norma e que o fez com a dimensão interpretativa suscitada pelo recorrente, ainda que para o fazer se tenha apoiado em uma outra norma, sobre a qual o recorrente nunca suscitou a sua inconstitucionalidade, o que não invalida que a inconstitucionalidade da norma suscitada pelo recorrente, e só desta norma, não possa nem deva ser apreciada por esse Venerando Tribunal (cfr. artigo 79º-C da LTC).»
Do teor da reclamação decorre que o reclamante considera que, não obstante o recurso de constitucionalidade interposto não ter sido dirigido à dimensão normativa retirada da conjugação dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e) e 432.º, n.º alínea c), do CPP – efetivamente aplicada na decisão recorrida –, o recurso deve ainda ser admitido e prosseguir os seus termos no Tribunal Constitucional. Ora, não lhe assiste razão, dada a específica natureza do recurso de constitucionalidade de normas no âmbito dos processos de fiscalização concreta, como in casu.
Admitindo expressamente o reclamante que a interpretação normativa aplicada pelo Tribunal a quo resultou da conjugação de normas cuja constitucionalidade não foi questionada no recurso interposto para este tribunal, resta concluir pela manutenção das conclusões alcançadas a este respeito na decisão sumária reclamada.
Convém a este respeito frisar que o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de normas jurídicas que tenham constituído razão determinante da decisão desfavorável ao recorrente (artigo 79.º-C da LTC). Cabe, portanto, aos recorrentes delinear o objeto do recurso de modo que a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada corresponda, integral e fidedignamente, à que foi efetivamente aplicada pela decisão alvo de recurso, tendo constituído a sua ratio decidendi, isto é., tem de haver exata correspondência entre a norma imputada de inconstitucional pelo recorrente e aquela que fundamentou a decisão do Acórdão recorrido. Atenta a natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, apenas assim um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá repercutir-se efetivamente na solução a dar ao caso concreto.
5. Em consequência, conclui-se que, por não ter sido aplicada a norma (interpretação normativa) invocada como “ratio decidendi” da decisão recorrida, não se pode conhecer do objeto do recurso, em estrito cumprimento do artigo 79.º-C da LTC.
III – Decisão
6. Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta nos termos dos artigos 7.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 13 de fevereiro de 2014. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.