Imprimir acórdão
Processo n.º 920/13
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se o seguinte:
“(…) Enquadrando-se a situação sub judice no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, é caso de proferir decisão sumária, termos em que se passa a decidir.
(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
(…) Vejamos, então, se os aludidos requisitos – de necessária verificação cumulativa - se encontram preenchidos in casu.
Em primeiro lugar, cumpre acentuar que a formulação da questão enunciada pelo recorrente não cumpre as exigências de precisão e completude, adequadas à imediata apreensão do sentido normativo que se pretende ver apreciado.
Na verdade, a enunciação da questão erigida como objeto do recurso deve ser apresentada, em termos tais que o Tribunal Constitucional, no caso de concluir pela sua inconstitucionalidade, possa reproduzir tal enunciação, de modo a que os respetivos destinatários e operadores do direito em geral fiquem cientes do concreto sentido normativo julgado desconforme com a Lei Fundamental.
Porém, ainda que, numa visão benevolente, se admita que o recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade da interpretação, extraída do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, correspondente ao sentido de serem irrecorríveis os acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos, ainda que tenham sido arguidas nulidades desses mesmos acórdãos, teremos de concluir que o presente recurso de constitucionalidade não é admissível, por omissão de cumprimento do ónus de suscitação prévia, nos termos que exporemos infra.
De facto, impendia sobre o recorrente o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade normativa, que pretendesse ver apreciada em ulterior recurso para o Tribunal Constitucional, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
O cumprimento do pressuposto de admissibilidade do recurso, agora em apreciação, pressupõe que a questão de constitucionalidade seja levantada, junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, direta e clara, acompanhada de uma fundamentação, minimamente concludente, com um suporte argumentativo que inclua a indicação das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade defendido, de modo a tornar exigível que o tribunal a quo se aperceba e se pronuncie sobre a questão jurídico-constitucional, antes de esgotado o seu poder jurisdicional (cfr. v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 708/06 e 630/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
No presente caso, não estando em causa qualquer interpretação normativa insólita ou surpreendente que, sendo adotada de forma imprevisível pelo tribunal a quo, poderia legitimar uma não suscitação prévia da mesma, deduz-se que a admissibilidade do presente recurso se encontrava dependente da circunstância de o recorrente ter problematizado, perante o tribunal a quo, na reclamação deduzida nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal, a constitucionalidade da aludida interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do mesmo diploma.
Porém, analisada tal peça processual, verifica-se que, em nenhum momento, o recorrente enuncia uma questão de constitucionalidade de natureza verdadeiramente normativa, reportada ao artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal. De facto, não autonomiza e enuncia um critério normativo – enquanto regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica – suscetível de constituir objeto idóneo de ulterior recurso de constitucionalidade.
Na verdade, na referida reclamação, o recorrente invoca a violação do próprio preceito aludido do Código de Processo Penal e, seguidamente, assaca a desconformidade com a Lei Fundamental à própria decisão jurisdicional.
A asserção precedente é demonstrada pelo seguinte excerto:
“(…) por se tratar de um Acórdão proferido em conferência, e porque o referido recurso versava sobre matéria de arguição de nulidade, dele era sempre admissível recurso para o Tribunal Superior.
(…) Assim, os motivos que levaram o Tribunal da Relação do Porto a rejeitar o recurso não estão compreendidos no invocado art. 400º, n.º 1, al. f), do CPP, já que o objeto do recurso era as nulidades de que padece o próprio Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
(…) Como tal, o arguido tem direito a, pelo menos um grau de recurso, quando uma decisão ou um ato judicial põem em causa a privação da sua liberdade e os seus direitos fundamentais, que é necessariamente o caso dos autos.
(…) Ora, a atitude adotada pelo Tribunal da Relação do Porto na não admissão do recurso para esse Venerando Tribunal é um flagrante caso de denegação de justiça e violação das garantias do processo criminal, ou seja, em clara violação do art. 32º, CRP.
(…) Com tal procedimento, foram ainda violados princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa, como o princípio da igualdade de tratamento, o princípio da inocência do arguido e das garantias de defesa do arguido (…)” (itálico nosso)
Em consonância, a decisão recorrida apenas conhece de questões de constitucionalidade reportadas ao próprio despacho que aprecia, enfatizando expressamente que “[o] reclamante aleg[ou] que o despacho que não admitiu o recurso viola o 32º da CRP, bem como o princípio da igualdade de tratamento, o princípio da inocência do arguido e das garantias de defesa” (itálico nosso).
Pelo exposto, não tendo o recorrente suscitado, prévia e adequadamente, perante o tribunal a quo, a questão de constitucionalidade reportada à interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, que veio a ser utilizada como ratio decidendi da decisão recorrida, ficou definitivamente prejudicada a admissibilidade de ulterior recurso para o Tribunal Constitucional.
De facto, demonstrada que se encontra a não verificação de um dos pressupostos de admissibilidade do recurso, face à natureza cumulativa dos mesmos, mostra-se ociosa a apreciação dos restantes, concluindo-se, desde já, pela inadmissibilidade do recurso e consequente não conhecimento do respetivo objeto.
(…) Sempre se dirá que o Tribunal Constitucional já julgou não inconstitucional a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal, que foi utilizada pela decisão recorrida, nomeadamente no Acórdão n.º 194/12, que remete para a fundamentação do Acórdão n.º 659/11 (ambos disponíveis no sítio da internet já identificado).
A apreciação de tal jurisprudência não terá aqui lugar, face à impossibilidade de conhecermos do objeto do recurso, por inadmissibilidade do mesmo.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. Manifesta o reclamante a sua discordância, relativamente ao teor da decisão sumária proferida.
Refere, para fundamentar a sua posição, que pretende ver apreciada a constitucionalidade da norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na interpretação assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, “no sentido de não ser inconstitucional a não admissão do recurso para aquela instância superior de um Acórdão do Tribunal da Relação que emerge de nulidades exclusivamente invocadas e verificadas nesse Acórdão.” Acrescenta que foi impedida a existência de, pelo menos, um grau de recurso sobre decisão proferida no âmbito de um processo penal, que afeta os direitos do arguido, o que acarreta violação flagrante das garantias de defesa de tal sujeito processual.
Mais refere que a questão de constitucionalidade “foi suscitada quando a mesma se verificou”, ou seja, na reclamação apresentada, - concretamente, nos artigos 8.º e 9.º - de modo processualmente adequado, de forma a obrigar o tribunal a conhecer de tal questão, sendo que tal conhecimento efetivamente ocorreu.
Conclui, pelo exposto, pugnando pela admissão do recurso.
4. O Ministério Público, respondendo à reclamação, manifesta a sua concordância com a decisão reclamada.
Acentua que, de facto, o recorrente não cumpriu o ónus de suscitação prévia de uma questão de constitucionalidade normativa, como resulta demonstrado pela análise dos excertos transcritos na decisão sumária.
Acrescenta que, na reclamação apresentada, o recorrente nada refere que possa abalar os fundamentos da decisão reclamada, sendo certo que os pontos da reclamação, deduzida nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal, que o reclamante referencia, para demonstrar que cumpriu adequadamente o pressuposto de admissibilidade do recurso em análise, são exatamente os que vêm transcritos e foram considerados na decisão sumária proferida.
Nestes termos, finaliza, pedindo o indeferimento da reclamação.
5. A recorrida, regularmente notificada, optou por não apresentar resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
6. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que os argumentos aduzidos pelo reclamante não infirmam a correção do juízo efetuado, na decisão sumária proferida.
De facto, na reclamação, deduzida nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal, o reclamante, em nenhum momento, enuncia uma questão de constitucionalidade de natureza verdadeiramente normativa, reportada ao artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, como resulta explicitado na decisão sumária proferida, nomeadamente com transcrição de excerto de tal peça processual, que inclui os artigos 8.º e 9.º expressamente assinalados na presente reclamação.
Em conformidade - como se refere na decisão sumária - o tribunal a quo não conheceu de qualquer questão de constitucionalidade normativa - reitera-se, não suscitada - mas apenas de “questões de constitucionalidade reportadas ao próprio despacho que aprecia”.
Pelo exposto, sendo certo que a fundamentação aduzida na decisão reclamada merece a nossa concordância - não sendo infirmada por qualquer argumento aduzido pelo reclamante - damos a mesma por reproduzida e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da reclamação.
III - Decisão
7. Assim, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 9 de outubro de 2013, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 6 de março de 2014. – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.