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Proc. nº 56/98
1ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional:
I – RELATÓRIO
1. M... interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1997, proferido em conferência, para apreciação da questão da inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 145º, nºs 6 e 7, do Código de Processo Civil e do artigo
20º, nº 1, alínea c), e nº 2, do Decreto-Lei nº 387-B/87, na interpretação dada por aquele aresto «segundo a qual a assistência judiciária não abrange a dispensa de pagamento das multas previstas no art. 145º nº 5 e 6 do C.P.C.», por violação dos artigos 2º, 13º, nº 2, e 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Já neste Tribunal, a recorrente suscitou questão prévia relativa à dispensa de pagamento da multa devida pela apresentação das alegações no terceiro dia útil após o respectivo prazo de apresentação, ou, em alternativa, requereu a sua redução ao mínimo possível, nos termos do disposto no artigo
145º, nº 7, do Código de Processo Civil.
Por despacho de 7 de Maio de 1998, o relator indeferiu ao pretendido, «por não se afigurar, in casu, desproporcionado o montante da multa», a qual fora liquidada secretaria judicial no montante de 18.000$00.
2. A recorrente reclamou então para a conferência, requerendo o seguinte:
O montante da multa devida in casu revela-se manifestamente desproporcionado relativamente à sua situação económica.
Nesta conformidade, requer a V. Exªs se dignem dispensar a requerente do pagamento dessa multa ou, em alternativa, requer se dignem determinar se a sua redução ao montante mínimo possível, nos termos facultados pelo disposto no art. 145º nº 7 do C.P.C., atenta a sua situação económica, e/ou diferir no tempo o seu pagamento.
(...)
Caso assim não entenda, o que considera por mera cautela e sem conceder, a notificação de 11.05.98 padece de nulidade em virtude da Secretaria do processo não ter remetido com a mesma as necessárias guias de depósito nos termos prescritos nos arts. 126º nº 2 do CCJ e 201º do CPC, o que ora vem arguir.
Na sua resposta, o Ministério Público entendeu que não assistia qualquer razão à recorrente, pois «o apoio judiciário não abarca a dispensa do pagamento de multas – sanções processuais decorrentes da violação da boa ordem do andamento do processo que lhe sejam imputáveis» [à parte], «sendo evidente que uma multa de 18000$00 não pode considerar-se liminarmente de valor manifestamente excessivo e desproporcionado». Por fim, considerou ainda:
Não é processualmente adequado suscitar, pela primeira vez, em reclamação para a conferência a questão de uma pretensa nulidade processual, decorrente de violação do preceituado no artigo 126º, nº 2 do Código das Custas Judiciais, sobre a qual não recaiu qualquer decisão do relator que cumpra confirmar ou revogar.
3. O relator proferiu despacho, em 17 de Junho de 1998, com o seguinte teor:
A questão da nulidade processual invocada pelo recorrente – relativa
à falta de remessa das guias pela secretaria – tem de ser decidida em primeiro lugar, e pelo relator (em primeira mão).
Pois bem: a mencionada arguição de nulidade processual vai indeferida, pelas razões constantes do Acórdão nº 521/97, de que se ordena junção de cópia aos autos.
A recorrente veio, então, reclamar para a conferência nos seguintes termos:
As normas legais em que se estriba o douto Acórdão nº
521/97, designadamente o disposto no art. 20º nº 1 do DL 149-A/83, de 05-4, encontram-se revogadas e substituídas por outras que consideram receita própria do Tribunal Constitucional as custas e outras importâncias cobradas por este Alto Tribunal e determina o pagamento do seu quantitativo em conta aberta na Caixa Geral de Depósitos através de guias de depósito, ou seja,
Deixou de existir qualquer razão de facto e de direito que justifique o entendimento perfilhado no douto Acórdão nº 521/97 segundo o qual o disposto no art. 126º nº 2 do CCJ não era aplicável ao Tribunal Constitucional em virtude do sistema até então vigente ser diverso do prescrito nos arts. 127º e ss. do CCJ, pela simples razão das Repartições de Finanças, efectuado o pagamento, não devolverem ao Tribunal Constitucional qualquer exemplar da guia paga.
Considerou, assim, que o Acórdão nº 521/97 «padece de manifesto erro de julgamento», e «o sistema que passou a vigorar neste Alto Tribunal é o prescrito nos arts. 127º e ss. do CCJ», assim improcedendo os fundamentos daquele Acórdão. Suscitou ainda, e uma vez mais, a questão prévia relativa à dispensa da multa devida, requerendo a aplicação de tal dispensa, ou, em alternativa, a sua redução ao mínimo possível.
4. Na sua resposta, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da suscitada nulidade, porquanto, e desde logo, «a circunstância de as custas devidas em processo constitucional constituírem receita própria deste Tribunal não determina – sem mais – a eliminação da especificidade da regulamentação desta matéria, não conduzindo à aplicação, pura e simples, do preceituado» no CCJ. Salientou ainda que, ao contrário do pretendido pela recorrente, não se encontrava ainda em vigor legislação regulamentadora da matéria de custas no Tribunal Constitucional, pelo que «continua a aplicar-se inteiramente o regime vigente, nomeadamente no que toca à emissão de guias e ao respectivo pagamento».
Pelo Acórdão nº 711/98, em conferência, o Tribunal indeferiu a reclamação e nulidade suscitadas. Entendeu-se nessa decisão:
Ora, quanto à primeira questão, a alteração introduzida pela Lei nº
13-A/98, de 27 de Fevereiro, não consequencia a imediata aplicação plena, às custas e outras quantias devidas no Tribunal Constitucional, do disposto no artigo 126º do Código das Custas Judiciais.
Com efeito, aquela alteração implicava a aprovação de legislação complementar, aliás prevista no novo artigo 84º, nº 5, da LTC, sendo certo que o regime consignado nos artigos 126º e seguintes do CCJ, relativamente aos restantes tribunais, assenta hoje em procedimentos e em formas de pagamento estabelecidos na Portaria nº 1087/97, de 30 de Outubro, que veio dar execução ao estabelecido no nº 4 do artigo 127º do CCJ.
Assim sendo, e como a referida portaria se não aplicava, nem poderia aplicar, ao Tribunal Constitucional, e enquanto não for aprovada regulamentação correspondente para o pagamento de quantias devidas neste Tribunal, há-de se manter a conclusão formulada no já referido Acórdão nº 521/97, quando aí se afirma:
(...) tendo em conta que o que se encontra estatuído no Código das Custas Judiciais só é aplicável, quanto ao regime de custas vigente para o Tribunal Constitucional, a título subsidiário, com as devidas adaptações e somente no que respeita às disposições constantes da sua «parte cível», há que concluir, como acima se disse, que não é aqui aplicável o nº 2 do artº 126º daquele corpo de leis.
6. Por fim, no tocante à segunda questão enunciada, a quantia da multa em causa não se afigura, por si, excessiva ou desproporcionada, nem a recorrente invocou quaisquer factos ou condicionalismos que justifiquem a pretensão da sua redução ou dispensa. Com efeito, a mera invocação de que se encontra carenciada de meios económicos, desacompanhada da indicação concreta de tais circunstâncias, é insuficiente para o efeito pretendido, tanto mais quanto o valor em causa – 18.000$00 – não se mostra como insuportável ou elevado.
5. A recorrente veio, então, arguir a nulidade dessa decisão, por
«omissão de pronúncia e/ou omissão de fundamentação de facto e de direito relativamente à questão suscitada ... de saber se o apoio judiciário concedido à recorrente confere ou não o direito a ser dispensada do pagamento em causa, ou, em alternativa, a beneficiar da redução do seu montante mínimo possível», o que fez nos termos seguintes:
[...]
c) In casu a interessada podia ter optado por requerer o patrocínio judiciário do Ministério Público.
d) Nessas circunstâncias, a ora reclamante, se estivesse representada em juízo pelo Digmº Magistrado do Mº Pº, estava dispensada do pagamento da multa prevista no art. 145º nº 5 ou 6 do CPC (V. neste sentido o Ac. da RL de
12.12.1973, in BMJ 232º/164, o Ac. da RL de 02.07.1991, in BMJ 409º/863, o Ac. do STJ de 13.01.89, in BMJ 329º/723, e o Ac. do STA de 26.04.88, in BMJ
376º/627).
e) Em consequência, não se vislumbra razão plausível para que a reclamante, estando representada por defensor oficioso, não possa beneficiar de idêntico benefício, ainda que por interpretação analógica ou extensiva, tal como sustenta J. Pereira Baptista in 'Reforma do Processo Civil – Princípios Fundamentais', 1997, pág. 51, nota 94, afirmando que o disposto no art. 145º nº
7 do CPC não tem natureza excepcional, mas sim uma «emanação do princípio geral do art. 3ºA e, por consequência, será aplicável a todas as situações processuais congéneres».
f) Por outro lado, alegou também que a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem considerado que a assistência judiciária pode abranger a dispensa de pagamento imediato da multa prevista no art. 145º nº 5 do C.P.C. em virtude de corresponder a uma regra de direito natural e por estar de harmonia com o disposto nos arts. 13º nº 2 e 20º nº 1 da C.R.P. (V. neste sentido o Ac. do STJ de 22.10.97, in rec. nº 62/97, da 4ª Secção).
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTOS
6. A decisão em causa não padece de qualquer nulidade. Com efeito, nela foram apreciadas as duas questões suscitadas pela recorrente, a saber, da aplicação do regime previsto pelo artigo 126º, nº 2, do CCJ, e da dispensa ou redução da multa prevista pelo artigo 145º do CPC, concluindo pela improcedência de ambas. Na verdade, a recorrente apenas manifesta a sua discordância com o sentido daquela decisão, reiterando os argumentos em que se fundamenta para sustentar a sua posição. O facto de os seus argumentos não terem sido acolhidos pela decisão reclamada não se confunde com qualquer omissão de pronúncia ou de fundamentação.
De resto, a questão que a recorrente assim pretende não ter sido objecto de fundamentação é a questão que é objecto do recurso e sobre a qual ainda não recaiu decisão. Com efeito, a conferência apenas tinha que apreciar aquelas duas questões que a recorrente efectivamente suscitou, não lhe cabendo apreciar a matéria objecto do recurso de constitucionalidade.
Não se descortina, nestes termos, qualquer nulidade.
III – DECISÃO
7. Assim, e pelo exposto, acorda-se em indeferir a reclamação, fixando-se em 10 U.C.'s a taxa de justiça a cargo da reclamante. Lisboa, 20 de Outubro de 1999 Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa