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Proc. nº 1102/98
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como recorrente J... e como recorrido o Estado Português, representado pelo Ministério Público, foi proferida decisão – que confirmou o despacho do Relator – no sentido de indeferir o requerimento apresentado pelo ora recorrente a fls. 399, em que este solicitava que fossem passadas novas guias, em singelo, para pagamento da taxa de justiça inicial devida pela interposição do recurso.
2. Inconformado com o assim decidido, apresentou o recorrente, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende o recorrente ver apreciada, nos termos do respectivo requerimento de interposição, 'a constitucionalidade da norma constante do art. 24º, nº 1, al. c), do Código das Custas Judiciais, quando interpretada no sentido de o prazo nela fixado se contar sempre da apresentação das alegações e não da passagem das guias para pagamento da taxa de justiça, e do artigo 126º, nº 1, do mesmo diploma legal, quando interpretado no sentido de impor à parte o dever de solicitar a passagem das guias, desonerando os funcionários de as emitirem oficiosamente'. Entende o recorrente que 'tais normas violam os princípios da justiça, do acesso ao direito e aos tribunais, do Estado de direito democrático e da confiança que os cidadãos podem depositar nas leis, do excesso, da igualdade e o princípio da protecção da propriedade privada, plasmados nos artigos 1º, 20º, nº 1, 2º, 18º, nºs 2 e 3, 13º, nº 1 e
62º, nº 1, respectivamente, todos da Lei Fundamental'.
3. Já neste Tribunal foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
'1º - O acórdão recorrido, aplicando implicitamente as normas constantes dos artigos 24º, nº 1, al. c) e 126º, nº 1, ambos do CCJ, indeferiu a reclamação deduzida pelo recorrente e confirmou o despacho reclamado.
2º - O sentido da decisão ficou a dever-se ao facto de se ter interpretado a primeira das referidas normas no sentido de o prazo nela fixado se contar sempre da data da apresentação das alegações e a Segunda no sentido de impor ao recorrente o dever de solicitar a emissão das guias para pagamento da taxa de justiça inicial, responsabilizando-o pela omissão da Secção de não as emitir.
3º - Porém idênticos preceitos do Código sempre foram interpretados no sentido de o prazo de pagamento de taxa de justiça só poder começar a correr na data da emissão das guias, mesmo que não solicitada essa emissão.
4º - Antes da emissão existe um justo impedimento que só cessa quando cessar o motivo que lhe deu causa, não sendo devida a taxa de justiça enquanto as guias não forem passadas, pelo que fica relevado o não pagamento.
5º - Tal interpretação conduz à redução drástica do prazo ou até à anulação do mesmo, estabelecendo diferenciações irrazoáveis consoante a data em que a secção passe as guias, onera o recorrente com um dever arbitrário e obriga-o a arcar com as consequências da omissão dos funcionários, para além da sanção aplicada ser desproporcional, injusta e excessiva.
6º - Na interpretação do acórdão as normas em causa ofendem os seguintes princípios da constituição: do acesso ao direito e aos tribunais (art. 20º, nº
1), da justiça (art. 1º), do Estado de direito democrático e da confiança que os cidadãos podem depositar nas leis (art. 2º), da proporcionalidade e da proibição do excesso (art. 18º, nºs 2 e 3), da igualdade (art. 13º, nº 1) e da protecção da propriedade privada (art. 62º, nº 1).
7º - Assim, devem tais normas ser julgadas inconstitucionais, dar-se provimento ao recurso e ordenar-se a reformulação do acórdão recorrido em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade.
8º - Se eventualmente for negado provimento ao recurso, o recorrente será condenado em taxa de justiça de montante elevadíssimo, muitas vezes superior
àquela que pagaria no STJ, se fosse possível o recurso para esse Tribunal.
9º - As normas constantes do art. 6º, nºs 1, 2 e 3, do Decreto-Lei nº 303/98, ao fixarem taxas de justiça de valores de longe muito mais elevados do que o CCJ, limitam drasticamente o direito ao acesso à justiça constitucional e estabelece diferenciações arbitrárias e irrazoáveis entre situações iguais.
10º - Devem, pois, tais normas ser julgadas inconstitucionais, uma vez que as mesmas violam os princípios e preceitos referidos na conclusão 6ª recusando-se a aplicação das mesmas e aplicando-se as disposições pertinentes do CCJ'.
4. Contra-alegou depois o Ministério Público para sustentar, a concluir, que:
'1º - Não viola obviamente qualquer preceito ou princípio da Lei Fundamental a circunstância de o Código das Custas Judiciais estabelecer que o prazo para pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso se inicia com a apresentação da alegação, cumprindo ao recorrente o ónus de se apresentar na Secção para levantar as guias respectivas, sendo manifestamente infundado o recurso em que se pugna pela inconstitucionalidade de tal regime legal.
2º - Ao considerar que tal ónus se não pode ter por adequadamente cumprido quando o recorrente se limitou a consultar a pasta em que, em termos informais, tais guias costumam estar incluídas, sem, todavia, ter contactado o funcionário a quem competiria a respectiva passagem, não está a decisão recorrida a interpretar a norma constante do artigo 126º do Código das Custas Judiciais em termos de estarem os funcionários desonerados do dever de emitirem oficiosamente as referidas guias e de ser a parte responsabilizada por omissão da secretaria.
3º - Termos em que, por a decisão recorrida não ter afinal aplicado a norma questionada com o sentido, alegadamente inconstitucional, que lhe imputa o recorrente, não deverá conhecer-se do objecto do recurso'.
5 – Notificado o Recorrente para responder à questão prévia suscitada pelo Ministério Público, por parte do mesmo não foi apresentada qualquer resposta.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir
II – Fundamentação.
5. Importa, antes de mais, dar resposta à questão prévia suscitada pelo Ministério Publico, uma vez que se for de concluir que a decisão recorrida não aplicou, como ratio decidendi, os preceitos dos artigos 24º, nº 1, al. c) e
126º, nº 1, ambos do Código das Custas judiciais, na exacta dimensão normativa cuja inconstitucionalidade é suscitada pelo recorrente, não pode efectivamente conhecer-se do objecto do recurso por falta de um dos seus pressupostos processuais.
6. É o seguinte o teor dos preceitos em que se inserem as normas cuja constitucionalidade vem questionada pelo recorrente: Artigo 24º
(Prazo de pagamento da taxa de justiça inicial)
1. O pagamento referido no nº 1 do artigo anterior é efectuado no prazo de 10 dias a contar: a. (...) b. (...) c. Nos recursos, da apresentação em juízo das alegações e, nos casos de subida diferida, da apresentação das alegações no recurso que motivou a subida ou da declaração do interesse na subida. d. (...).
2. (...)
Artigo 126º
(Guias para depósito ou pagamento)
1. Logo que comece a correr o prazo para pagamento de quaisquer quantias, a Secção emite as guias respectivas, lavra termo, entrega-as às partes ou aos seus representantes ou mandatários quando se apresentem a levantá-las.
2.(...)
3.(...)
4.(...)
5.(...)
6.(...).
7. No entender do recorrente o Tribunal da Relação de Lisboa ao considerar que, em hipóteses como a dos autos, o prazo para o pagamento da taxa de justiça se continua a contar a partir da data da apresentação das alegações e não da passagem das guias, interpretou os preceitos supra referidos no sentido de
'imporem à parte o dever de solicitar a passagem das guias, desonerando os funcionários do dever de as emitirem oficiosamente', dessa forma
'responsabilizando a parte por uma eventual omissão da secretaria'. É esta dimensão normativa dos preceitos supra referidos que, na perspectiva do recorrente, deve ser julgada inconstitucional. Tem, contudo, razão, o Ministério Público, como vai ver-se, quando sustenta que não foi essa a interpretação normativa daqueles preceitos que foi utilizada pela decisão recorrida. Na realidade, a decisão recorrida - o Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Maio de 1998, tirado em conferência - limitou-se a confirmar, 'pelas razões expendidas no despacho do Relator', para as quais remete integralmente, a decisão de indeferir o requerido a fls. 399. A fundamentação normativa da decisão recorrida deve procurar-se, assim, naquele despacho, para o qual expressamente remete. Aqui chegados podemos verificar que aí se fundamentou o indeferimento do requerido a fls. 399 na circunstância de o ora recorrente - nas vezes em que, alega, se dirigiu à secretaria - nunca ter solicitado ao funcionário encarregado do processo as guias para o pagamento do preparo em falta, limitando-se a procurar as mesmas na pasta em que normalmente a Secção - para facilitar o serviço da própria Secção e do público em termos de rentabilização de tempo, pode ler-se na informação de fls. 401 -, as costuma colocar. Considerou o Relator - e, por remissão, a decisão recorrida -, em suma, que esse comportamento não era suficiente para que se pudesse considerar-se cumprido o
ónus cominado na parte final do nº 1 do artigo 126º do Código das Custas Judicias, no sentido de que as partes, os seus representantes ou mandatários se apresentem na secretaria para levantar as referidas guias, razão pela qual indeferiu o requerido. Trata-se, pois, - como, bem, demonstra o Ministério Público no seu parecer - de uma dimensão ou interpretação normativa dos preceitos em causa diferente daquela que o recorrente imputa à decisão recorrida e cuja constitucionalidade questiona. Na realidade na decisão recorrida não se afirma - nem dela se pode implicitamente retirar - que o Tribunal interpretou aqueles preceitos no sentido de considerar que os funcionários da secretaria não têm o ónus de oficiosamente emitirem as guias para o pagamento – impondo à parte o dever de solicitar essa emissão – o que se afirma é, diferentemente, que o devedor das custas tem também ele o ónus de se apresentar na secretaria da Secção para levantar as referidas guias (como se refere, expressamente, na parte final do nº 1 do artigo 126º do CCJ), não podendo esse ónus considerar-se cumprido quando o recorrente se limite a consultar as pastas em que, informalmente e por questões de serviço, estas se costumam encontrar, sem, contudo, na hipótese em que isso não se verifique, as reclamar do funcionário que seria competente para a sua emissão. Não tendo a decisão recorrida aplicado os preceitos supra referidos na exacta dimensão normativa que o recorrente reputa de inconstitucional, não pode, efectivamente, conhecer-se do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, por falta de um dos seus pressupostos processuais.
III - Decisão Em face do exposto, decide-se, não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de conta. Lisboa, 21 de Setembro de 1999 José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento Luís Nunes de Almeida