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Processo n.º 29/2013
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, na 2ª Secção, do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes NAV – Navegação Área de Portugal, E.P.E. e o Ministério Público e recorrido A., foram interpostos recursos, ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), para o segundo, a título obrigatório, em cumprimento do artigo 280º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 72º, n.º 3, da LTC, de acórdão proferido pela Secção Única do Trabalho do Barreiro, em 22 de novembro de 2012 (fls. 410 a 427), que desaplicou a norma extraída dos artigos 19°, n.ºs 1 e 4, alíneas a) e c) e 24°, nº.s 1 e 2, alínea a), ambos da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, do artigo 39°-A, n.º 2, do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de dezembro, aditado pela referida Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, da Resolução do Conselho de Ministros nº 1/2011, de 4 de janeiro e do artigo 21° [por evidente lapso, referido como artigo 20º, quer pela decisão recorrida, quer pela recorrente NAV – Navegação Área de Portugal, E.P.E.], n.º 1 da Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro, por violação do princípio da igualdade.
2. Notificada para o efeito, a recorrente NAV – Navegação Área de Portugal, E.P.E. produziu as seguintes alegações, que ora se sintetizam:
«(…)
III — Do efeito do recurso
O Tribunal a quo determinou que o presente recurso tivesse efeito devolutivo, invocando, para o efeito, o disposto no nº 2 do art. 78.° da Lei do Tribunal Constitucional.
Acontece que tal norma não se aplica ao caso concreto, na medida em que o presente recurso não é um recurso de uma decisão em que o tribunal a quo tenha aplicado norma que o Recorrente julgue ser inconstitucional.
Neste sentido se pronuncia expressamente Carlos Lopes do Rego, quando afirma que, o regime previsto no nº 2 do art. 78. ° é, deste modo, privativo dos recursos de fiscalização concreta em que existe um ónus de esgotamento dos recursos ordinários possíveis — não se aplicando aos restantes recursos para o Tribunal Constitucional, máxime aos previstos nas alíneas a) — como é aqui o caso — e g) do nº l do art.70.°(...).
Assim, deve ser antes aplicada a regra geral constante do nº 4 do art. 78.° da Lei do Tribunal Constitucional e, como tal, ser fixado o efeito suspensivo do recurso, sendo que, nos termos do disposto no nº 3 do art. 76.° da mesma Lei, este é o momento certo para impugnar a errada fixação dos efeitos do recurso efetuada pelo Tribunal a quo.
Conclusões
1. Nos casos em que o Tribunal Constitucional se pronunciou — há pouco tempo e de forma expressiva — pela não inconstitucionalidade de uma norma, deve haver um certo self restraint por parte dos demais tribunais quanto à recusa de aplicação dessas mesmas normas;
2. As normas em causa foram aprovadas no âmbito da liberdade de conformação legislativa reconhecida ao legislador democraticamente legitimado;
3. Não compete à Recorrente, nem ao Tribunal a quo questionar essas opções ou pretender substituí-las por outras alterativas;
4. Isso mesmo foi reafirmado pelo Tribunal Constitucional, que justificadamente se recusou entrar no debate sobre as alternativas potencialmente existentes para proceder à consolidação orçamental;
5. As normas em causa não estabelecem discriminações arbitrárias, na medida em que há uma diferença entre os trabalhadores do setor público e os do setor privado, sá podendo, naturalmente, o Estado reduzir as remunerações dos primeiros;
6. As reduções remuneratórias impostas ao Autor são muito menores — 50% menores, para se ser mais exato — do que as impostas à generalidade dos demais servidores públicos, na medida em que a Recorrente foi abrangida pela possibilidade legalmente conferida de adaptação das reduções remuneratórias;
7. Não consta que essa diferenciação tenha sido considerada, nem pelo Autor, nem pelo Tribunal a quo como violadora do princípio da igualdade;
8. A doutrina de que a redução remuneratória dos servidores públicos, em sentido lato, não encerra em si mesma uma violação do princípio da igualdade, que consta do acórdão nº 396/2011, voltou a ser, de resto, afirmada no acórdão nº 353/2012.
9. O efeito do recurso fixado pelo Tribunal a quo deve, nos termos da lei, ser alterado e fixado o efeito suspensivo do recurso.» (fls. 458 a 464)
3. Igualmente notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou as seguintes alegações:
«1. Delimitação do objeto do recurso
(…)
1.4. Veio então o Ministério Público interpor recurso obrigatório para este Tribunal Constitucional, “da decisão que recusa a aplicação das normas constantes do artigo 21.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro”.
1.5. Ora, certamente por lapso, o Ministério Público no requerimento de interposição do recurso não refere as outras normas que constam da primeira parte da decisão (“A”) e que a decisão também considerou inconstitucionais.
Aliás, como adiante veremos, é quanto a essas normas que o recurso de constitucionalidade terá alguma pertinência.
Nesse ponto, melhor andou a ré NAV – Navegação Aérea de Portugal, E.P.E., que, ao recorrer para o Tribunal Constitucional, apresentou o requerimento de fls. 430, onde se identifica como integrando o objeto do recurso, exclusivamente, as normas referidas naquela primeira parte da decisão.
Iremos, pois, pronunciar-nos sobre os dois conjuntos de normas cuja inconstitucionalidade “foi declarada” na decisão.
2. Apreciação do mérito do recurso
2.1. Inconstitucionalidade da norma do artigo 21.º, n.º 1, da Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro (“B”)
2.1.1. Esta norma do Orçamento de Estado para o ano de 2012 e que estabelece a suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal ou equivalentes, foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 353/2012 (por lapso, na decisão recorrida refere-se Acórdão n.º 40/2012, sendo esse, o número do Processo).
Nesse mesmo acórdão limitou-se os efeitos da declaração, determinando-se que esses efeitos não se aplicavam à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes ao 13.º e 14.º meses, relativos ao ano de 2012.
2.1.2. Tendo sido declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, naturalmente que essa decisão impõe-se a qualquer tribunal e à Administração, não podendo a norma ser aplicada.
Assim, a decisão recorrida limitou-se a reafirmar essa inconstitucionalidade.
Integrando a limitação de efeitos a própria decisão, diz-se – e bem, na nossa opinião – na decisão recorrida:
“Nesta matéria, entendemos que, necessariamente, não obstante declararmos a norma em causa inconstitucional, teremos que, em simultâneo, determinar a suspensão dos efeitos da declaração da inconstitucionalidade, em obediência ao decidido pelo Tribunal Constitucional.
Na verdade, assim sendo, o acórdão do Tribunal Constitucional, não obstante ter força obrigatória geral, neste caso, não produziria qualquer efeito útil. Se é verdade que as decisões do Tribunal Constitucional têm, em regra, um efeito de declaração negativa, neste caso, por via do disposto no n.º 4, do art.º 282.º, da Constituição da República Portuguesa, o referido Tribunal acaba por “exercer poderes tendencialmente normativos” (idem, página 544).
Deste modo, nesta parte, cumpre julgar improcedentes os pedidos formulados pelo A.”
2.1.3. Pelo exposto, quanto a esta parte, não se vislumbrando qualquer desarmonia com o decidido pelo Tribunal Constitucional pelo Acórdão n.º 353/2012, antes se constatando o seu rigoroso cumprimento, apenas há que confirmar a decisão, negando-se provimento ao recurso.
2.2. Inconstitucionalidade identificada em “A”: dos artigos 19.º, n.ºs 1 e 4, alíneas a) e c) e 24.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, do artigo.º 39.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, aditado pela referida Lei n.º 55-A/2010, da Resolução 1/2011, de 4 de janeiro e do artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro.
2.2.1. Sobre a constitucionalidade da norma do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado para 2011) já o Tribunal Constitucional se pronunciara em sede de fiscalização abstrata sucessiva, pelo Acórdão n.º 396/2011, (na decisão recorrida, nitidamente por lapso, face à transcrição feita, refere-se o Acórdão 353/2012) que a não declarou inconstitucional.
Na decisão recorrida aceita-se que tal norma não é violadora dos princípios de irredutibilidade da retribuição e da confiança, mas, diferentemente do que se sustentou no Acórdão n.º 396/2011, entendeu-se que o princípio constitucional da igualdade saía violado.
Quanto a nós, concordando-se integralmente com os fundamentos do acórdão referido, remetemos para a sua fundamentação, nada havendo a acrescentar, quanto à não inconstitucionalidade da norma em causa.
2.2.2. Na decisão recorrida também se considera inconstitucional a norma do artigo 24.º da Lei n.º 55-A/2010 e 39.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 558/99.
O artigo 24.º dispõe sobre “proibição da valorização remuneratória” (epígrafe).
A fundamentação constante do Acórdão n.º 396/2011, aplica-se aqui integralmente.
Aliás, foi esse o entendimento que o Tribunal sufragou na Decisão Sumária n.º 209/2012, proferida em 26 de abril de 2012, no Proc.º n.º 201/12, da 3.ª Secção.
Essa Decisão Sumária apreciou o recurso interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, de uma decisão do Tribunal do Trabalho de Lisboa, num processo em que figurava como autor o Sindicato Democrático dos Trabalhadores das Comunicações e dos Média, sendo o réu os CTT – Correios de Portugal, S.A.
2.2.3. Quanto à norma do artigo 39.º-A, do Decreto-lei n.º 558/99, ele foi aditado ao diploma pelo artigo 31.º da Lei 55-A/2010.
Ora, esta norma do artigo 31.º também integrava o objeto do recurso sobre o qual se pronunciou a Decisão Sumária que temos vindo a referir.
Também aqui se remeteu para a fundamentação constante do Acórdão n.º 396/2011, não se julgando, consequentemente, tal norma, inconstitucional.
De referir também que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2011, de 4 de janeiro, se limitou a concretizar as orientações para a aplicação às empresas públicas de capital exclusivo ou maioritariamente público e entidades públicas empresariais, da redução salarial que consta da Lei do Orçamento de Estado para 2011.
2.2.4. Resta debruçarmo-nos sobre o artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011.
Este artigo limita-se a manter para o ano de 2012 as reduções remuneratórias que vigoravam no ano de 2011, entre as quais a prevista no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010.
Aplica-se, pois, integralmente o que sobre a constitucionalidade daquela norma se disse no Acórdão n.º 396/2011.
De salientar, que o Acórdão n.º 353/2012 aceitou a realidade dessas reduções para o ano de 2012, ou seja, dito de forma diferente, a sua constitucionalidade, que decorria do que havia sido decidido pelo Acórdão n.º 396/2011.
Aliás, essa circunstância mostrou-se relevante para o juízo de inconstitucionalidade que o Tribunal formulou no Acórdão n.º 353/2012.
Elucidativo desta afirmação é a seguinte passagem do Acórdão:
“E para os que auferem remunerações ilíquidas superiores a €1500,00, a redução é também de 14,3% do seu rendimento anual. Ora, se o Tribunal Constitucional, no referido Acórdão n.º 396/11, neste mesmo universo, perante a redução salarial ocorrida no ano de 2011, determinada pelo artigo 19.º, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que se situou entre 3,5% e 10% do rendimento anual, entendeu que a transitoriedade e os montantes das reduções efetuadas nos rendimentos dos funcionários públicos se continham ainda dentro dos limites do sacrifício adicional exigível, o acréscimo de nova redução, agora de 14,3% do rendimento anual, mais do que triplicando, em média, o valor das reduções iniciais, atinge um valor percentual de tal modo elevado que o juízo sobre a ultrapassagem daquele limite se revela agora evidente.”
Conclusão
1. Quanto à inconstitucionalidade da norma do artigo 21.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, deverá manter-se integralmente a decisão recorrida.
2. Aplicando-se integralmente a fundamentação constante do Acórdão n.º 396/2011, as normas dos artigos 19.º, n.ºs 1 e 4, alíneas a) e c) e 24.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, do artigo 39.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, aditado pela referida Lei n.º 55-A/2010, da Resolução do Conselho de Ministros nº 1/2011, de 4 de janeiro e do artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, não são inconstitucionais.» (fls. 441 a 448)
4. Devidamente notificado para o efeito, o recorrido apresentou contra-alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões:
«I - Por sentença proferida no âmbito do Proc. nº 537/11.6TTBRR, que correu termos pelo Tribunal do Trabalho do Barreiro, por se entender ser (...) evidente a existência de um tratamento diferenciado/discriminatório a que se sujeitam os cidadãos portugueses (...) foi declarada a inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP, dos artigos 19º, nºs 1 e 4, al. a) e c) e 24º, nºs 1 e 2, al. a) da Lei 55-A/2010, 31 de dezembro, do artigo 39º-A, nº 2 do DL 558/99, de 17 de dezembro, aditado pela citada lei, da Resolução 1/2011, 4 janeiro e do artigo 20º, nº1 da Lei n2 64-B/2011 de 30 de dezembro, condenado a ora Recorrente a pagar ao Recorrido as quantias aí devidamente descriminadas.
II - Desta decisão recorreu a Nav — Navegação Aérea de Portugal, EPE.
III - O Ministério Público apenas recorreu da parte da sentença em que se decidiu pela recusa de aplicação das normas constantes do artigo 21º, nº 1, da Lei n2 64-B/2011, de 30 de dezembro, por violação do princípio da igualdade (artigo 13 da CRP), pelo que, as respetivas alegações do Digno Magistrado do Ministério Público, porque se conformou com parte da decisão recorrida, deverão restringir-se, apenas, à matéria, relativamente à qual foi interposto, devendo, quanto ao mais, serem consideradas por não escritas.
IV - As reduções remuneratórias e proibição de valorizações remuneratórias, determinadas pela Lei OE 2011 e de acordo com o relatório do Orçamento de Estado de 2011 (www.dgo.pt, pág. 40 e 41) deveram-se, ao reforço e forte aceleração orçamental do processo de consolidação orçamental (...), sendo que, a propósito da Redução das Remunerações diz-se na pág. 46 o seguinte: No que se refere aos titulares de cargos e trabalhadores cuja relação laboral é regulada pelo direito privado, a presente intervenção teve como critério as entidades que são, pelo menos, maioritariamente financiadas pelo Estado ou, independentemente da sua natureza, que prosseguem um relevante interesse público.
V - O Acórdão 396/2011 do Tribunal Constitucional considerou que o interesse público que levou o legislador a estabelecer as medidas de redução remuneratória, constantes das normas do OE 2011 supra mencionadas, respeitavam ao prosseguimento dos fins de redução da despesa pública, correção de um excessivo desequilíbrio orçamental, reequilíbrio das contas públicas, dizendo, ainda, que as reduções remuneratórias abrangem (...) universalmente o conjunto de pessoas pagas por dinheiros públicos (...) - Ponto 8 do Acórdão (sublinhado nosso).
VI - No que se refere ao princípio da igualdade (Ponto 9 do Acórdão) é expressamente referido que a este Tribunal compete (...) ajuizar se as soluções impugnadas são arbitrárias, por sobrecarregarem gratuita e injustificadamente uma certa categoria de cidadãos, isto é, as pessoas que trabalham para o Estado e demais pessoas coletivas públicas, ou para quaisquer das restantes entidades referidas no nº 9 do artigo 19º da Lei OE 2011.
VII- Se é verdade que, de uma forma genérica, na Lei OE 2011 foram estabelecidas reduções remuneratórias que atingem os trabalhadores da Recorrente, onde se inclui o Recorrido, já não é verdade que os argumentos em que assentou o citado Acórdão sejam válidos para toda a categoria de pessoas, ainda que façam parte da enumeração do nº 9 do artigo 19º da Lei do OE 2011 (e Lei OE 2012), mas que não são pagas por dinheiros públicos, nem dependem do Orçamento Geral do Estado, às quais não se impõe o esforço de consolidação orçamental.
VIII – “A NAV EPE é uma entidade pública empresarial do Estado, pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio tendo como objeto a prestação de serviço público de navegação aérea para apoio à navegação civil”, “sendo regida nos termos do artigo 2º dos Estatutos (...) da Recorrida (...) e pelas normas legais que lhe sejam especialmente aplicáveis (sublinhado nosso), conforme resulta da sentença Recorrida.
IX - Decorre dos documentos juntos aos autos - designadamente DOC. 19 junto com a p.i., da própria Recorrente - que a NAV, não obstante ser uma empresa pertencente ao setor empresarial do Estado, com capitais exclusivamente públicos, não paga as remunerações aos trabalhadores. incluindo-se o Recorrido. com verbas e dinheiros públicos, sendo que o serviço público prestado pela NAV Portugal é integralmente financiado por meios próprios (sublinhado nosso).
X - Inexiste qualquer esforço financeiro do Orçamento de Estado respeitante à Recorrente NAV Portugal (informação em www.dgtf.pt, Doc. 15 da p.i. e DOC.s 3, 4 e 5 juntos pela Recorrente com a contestação).
XI - Por força dos instrumentos de regulamentação comunitária e internacional a que a Recorrente NAV se encontra submetida, uma redução de custos implica uma redução de receitas, por, em conformidade com o princípio básico do regime de tarifação - princípio do “utilizador-pagador” - cfr. artigo 3º do citado Regulamento 1794/2006 (alterado pelo Regulamento 1191/2010) que estabelece os princípios do regime de tarifação e artigo 15º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 550/2004 — cada ao prestador de serviços de navegação aérea (neste caso a Recorrente) só pode imputar aos seus clientes (companhias aéreas) os custos em que efetivamente incorre na prestação do serviço de navegação aérea.
XII - A Recorrente como prestadora de serviço aéreo, só recupera os custos do serviço que presta aos utilizadores do espaço aéreo mediante as taxas de rota e de controle de terminal, suas receitas principais.
XIII - Por Portaria 25/2012, 26 de janeiro foi fixada a taxa unitária de terminal em 126,25 €, a qual sofreu uma diminuição de 42,27 € relativamente à taxa fixada na Portaria de 124/2010, de 01 de março, que foi de 168,52 €, resultando do respetivo preâmbulo que a determinação da taxa é feita conforme o definido no Regulamento 1794/2066, de 6 de dezembro (artigo 6º, artigo 11º e Anexo V), após informação da base de custos, investimentos programados e tráfego à Comissão Europeia e Eurocontrol, para efeito de consulta aos utilizadores.
XIV - Aquando das reduções remuneratórias impostas pelo OE 2011, no Plano de Redução de Custos apresentado pela Recorrente NAV à Tutela (DOC. 1 junto pela NAV com a contestação) expressamente se refere que “(…) a proposta já consensualizada com as Organizações Representativas dos Trabalhadores (...) e cuja adoção representa um enorme esforço conjunto, por parte da Empresa e das Organizações Representativas dos Trabalhadores, que não obstante afetar perversamente o modelo de negócio, poderá garantir, contudo a manutenção da paz social (...) (sublinhado e destaque nosso), sendo que a proposta “Incide nomeadamente na componente mais significativa da estrutura de custos da Empresa, ou seja nos Gastos com Pessoal, os quais em 2009 ascenderam a M€ 135,6, representando cerca de 70% do total e registando já então um decréscimo de 10% face ao valor registado em 2008 (M€150,6) — (al. f) do Ponto 2 do citado documento).
XV - a Lei 66-8/2012, 31 dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado 2013 (Lei OE 2013) veio estabelecer no seu artigo 27º, nº 13 que as reduções remuneratórias aí previstas - e que já decorriam da Lei nº 55-A/2010, 31 de dezembro e da Lei 64- B/2011, 30 de dezembro - não se aplicam (...) aos titulares de cargos e demais pessoal das empresas de capital exclusiva ou maioritariamente público e das entidades públicas empresariais que integrem o setor empresarial do Estado se, em razão de regulamentação internacional especifica, daí resultar diretamente decréscimo de receitas. (sublinhado nosso), o mesmo acontecendo com a suspensão do pagamento do subsídio de férias prevista no artigo 29º da Lei OE 2013 também conforme artigo 46º da mesma lei, e ainda, no que respeita ao pagamento do trabalho suplementar e ao trabalho em dia feriado (artigo 45º da Lei OE 2013), cujo período normal de trabalho, legal ou convencional, não exceda 7 horas por dia nem 35 horas por semana.
XVI - Assim, no passado mês de janeiro 2013, ¡á estando a correr o presente recurso, a Recorrente NAV através do seu Gabinete de Comunicação e Imagem procedeu à divulgação de uma informação dirigida a todos os seus trabalhadores sobre a aplicação das disposições previstas no OE 2013 e legislação complementar de natureza laboral, conforme DOC.1 e 2 juntos, decorrendo daí a aplicação das novas regras legais peia Recorrente NAV.
XVII- Ao Recorrido deixou de ser aplicada qualquer redução remuneratória no que respeita ao seu vencimento mensal, tendo-lhe sido pago o vencimento base, a remuneração operacional, BHT e subsídio de férias, sem qualquer redução, esperando que o mesmo suceda com o subsídio de Natal, conforme se comprova pelo recibo de vencimento de janeiro de 2013, (DOC. 3 junto).
XVIII - A exceção de aplicação do disposto nos artigos 27º, por força do seu nº 13, e aos artigos 28º, 29º e 45º por força do artigo 46º, todos da Lei OE 2013, ao pessoal das entidades públicas empresariais - como é o caso do Recorrido e da Recorrente - justifica-se se, em razão da regulamentação internacional específica, daí resultar diretamente decréscimo de receitas, resultando reconhecido por parte da Recorrente e do próprio legislador, que as reduções remuneratórias se traduziram, em decréscimo de receitas, o que confirma a posição do Recorrido e confirma o teor do DOC. 1 junto pela própria Recorrente com a contestação.
XIX - A NAV, só beneficia deste regime de exceção dado o modelo de negócio por si desenvolvido, o qual se encontra submetido a regulamentação internacional específica - nomeadamente Regulamento (CE) nº 1794/200 de 6 de dezembro publicado a 7/12/2006 no Jornal Oficial da União Europeia, alterado pelo Regulamento (EU) nº 1191/20109 da Comissão de 16 de dezembro de 2010, publicado a 17/12/2010 também no Jornal Oficial da União Europeia, Regulamento (CE) 550/2004, Anexo IV do Protocolo que Consolida a Convenção Internacional de Cooperação para a Segurança da Navegação Aérea de 13/12/1960.
XX - O regime que agora decorre da Lei OE 2013, que abrange a Recorrente NAV resulta do reconhecimento do primado do direito comunitário sobre o direito interno português, conforme decorre do artigo 8º CRP, pelo que, não só a Lei do OE 2011 - nos termos em que define as reduções remuneratórias (artigo 19º), a proibição de progressão na carreira (artigo 24º), alteração à remuneração do trabalho suplementar (artigo 24º) - como a Lei OE 2012 - ao manter as reduções remuneratórias (artigo 20º) a proibição de progressão na carreira (artigo 20º, nº 1), alteração do modo de cálculo do valor/hora (artigo 32º) - e agora a Lei OE 2013 ao manter a proibição da progressão na carreira (artigo 35º), todas elas através das citadas normas desvirtuam a aplicação dos regulamentos comunitários e legislação internacional, o que as tornam ilegais e inconstitucionais, por violação do citado artigo 8º da CRP.
XXI - Pelo exposto, considerando a superveniência da Lei do OE 2013, relativamente à data em que foi proferida a sentença recorrida deverá o objeto do presente recurso ser ampliado no sentido de contemplar a apreciação da questão ora suscitada.» (fls. 509 a 515)
5. Após uma primeira discussão do projeto apresentado pela Relatora, o Pleno da 2ª Secção determinou, através do Acórdão n.º 81/2014, que se notificassem os sujeitos processuais para, querendo, viessem pronunciar-se sobre a possibilidade de não conhecimento do objeto do recurso, quanto “à recusa de aplicação de resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2011, de 4 de janeiro e do artigo 21º/1 da Lei nº 64-B/2011, de 30 de setembro» (fls. 528).
Notificado para o efeito, o Ministério Público veio tecer as seguintes considerações, que ora se sintetizam:
«3º
Como dissemos nas alegações que apresentámos, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2011, de 4 de janeiro, limitou-se a concretizar as orientações para aplicação às empresas públicas, de capital exclusivo ou maioritariamente público e entidades públicas empresariais, de redução salarial que consta da Lei do Orçamento de Estado para 2011 (artigos 19.º, 24.º e 31.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro).
4.º
Assim, o não conhecimento do recurso nesta parte poderá ter a ver com o conteúdo da Resolução.
5.º
Quanto ao artigo 21.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, tal norma foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 353/2012.
6.º
Tendo sido expurgada do ordenamento jurídico, não se poderá falar em recusa de aplicação daquela norma, carecendo, pois, o recurso interposto pelo Ministério Público, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), de verdadeiro objeto (normativo).
7.º
Neste sentido se pronunciaram, por exemplo, as Decisões Sumárias n.ºs 548/2013 e 682/2013.» (fls. 533 e 534)
Igualmente notificada para o efeito, a recorrida NAV – Navegação Aérea de Portugal, EPE veio pronunciar-se no seguinte sentido:
«A Recorrente nada tem a opor ao facto de o Tribunal Constitucional vir a não conhecer do recurso relativo à recusa de aplicação do artigo 21.°, n.º 1 da lei n.º 64.º-B/2011, de 30 de dezembro, na medida em que os efeitos da decisão do Tribunal a quo, que julgou a referida norma inconstitucional, foram por aquele Tribunal suspensos, no seguimento do que havia decidido o Tribunal Constitucional no acórdão 353/2012.
Bem ao invés, a Recorrente não vislumbra qual o motivo para que o Tribunal Constitucional equacione a possibilidade de vir a não conhecer do recurso relativo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2011, de 4 de janeiro.
Com efeito, o Tribunal a quo menciona expressamente essa Resolução de Conselho de Ministros (ainda que o faça em 'bloco” e não por referência às normas concretas), tendo recusado a aplicação da mesma, rectius da totalidade das suas normas.
E, consequentemente, essa mesma Resolução do Conselho de Ministros (a totalidade das suas normas) foi incluída e faz parte do objeto do recurso oportunamente apresentado pela Recorrente, razão pela qual se entende que deve o Tribunal Constitucional apreciar e decidir pela não inconstitucionalidade da mesma.
Não o fazendo, e considerando que as demais normas legais em causa não são inconstitucionais, poderá subsistir a dúvida de saber se as adaptações efetuadas pela Recorrente, no seguimento da permissão dada pela alínea t) do n.º 9 do art. 19.° da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro e, depois, pela permissão dada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2011 foram ou não válidas e podem ou não manter-se.
É que, decidindo o Tribunal Constitucional, como se espera, atenta a sua jurisprudência sobre a matéria, que as normas legais recusadas pelo Tribunal a quo não são inconstitucionais, mas não se pronunciando sobre a Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2011, manter-se-ia a recusa da sua aplicação por parte do Tribunal a quo, o que levaria a que a Recorrente fosse obrigada a proceder às reduções remuneratórias na sua totalidade, e sem a adaptação que a Resolução do Conselho de Ministros veio permitir, o que seria mais gravoso para o Recorrido.
Termos em que a Recorrente não se opõe a que o Tribunal Constitucional não conheça do recurso relativo à recusa de aplicação do art. 21.°, n.º 1 da Lei n.º 64-8/2011, de 30 de dezembro, devendo, pelo contrário, conhecer do recurso relativo à recusa de aplicação das normas constantes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2011, julgando-as não inconstitucionais.» (fls. 535 e 536)
Tudo visto, cabe, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. Na medida em que a recorrente NAV – Navegação Área de Portugal, E.P.E. impugnou a decisão de fixação de efeito meramente devolutivo do presente recurso, proferida no tribunal recorrido (fls. 436), em sede de alegações – como lhe competia, por força do artigo 76º, n.º 3, in fine, da LTC –, importa começar por decidir acerca da respetiva fixação de efeitos. Isto porque, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir neste acórdão, mantém interesse determinar que efeitos jurídicos produz a decisão recorrida, proferida pela Secção Única do Tribunal do Trabalho do Barreiro.
Dir-se-á então que a regra quanto aos efeitos dos recursos de constitucionalidade corresponde à fixação do seu “efeito suspensivo”, salvo quando se aplique qualquer uma das exceções previstas nos n.ºs 1 a 3 e 5 do artigo 78º da LTC. Entendeu o tribunal recorrido aplicar o regime resultante do n.º 2 do artigo 78º da LTC, por considerar que o mesmo se aplica aos recursos interpostos ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC. Sem razão, porém, visto que aquela norma especial apenas se aplica aos recursos que pressuponham um prévio esgotamento dos recursos ordinários, conforme sucede com aqueles interpostos ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
Conforme já decidido pelo Acórdão n.º 309/2009:
«No caso, porém, de recusa de aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade, e em todos os outros casos em que o recurso para o Tribunal Constitucional é obrigatório (artigos 70º, n.º 1, alíneas a), c), g), h) e i), e 72º, n.º 2, da LTC), não funciona a regra da exaustão dos recursos ordinários (nem se justifica que se aguarde o decurso do prazo de interposição do recurso ordinário ou a ocorrência de qualquer causa extintiva), sendo desde logo exigível que o recurso seja imediata e diretamente interposto para o Tribunal Constitucional.
Neste contexto, a alusão, no artigo 78º, n.º 2, a recurso ordinário não interposto ou declarado extinto apenas faz sentido se se reportar a um recurso de constitucionalidade que apenas pudesse ser admitido após o esgotamento dos recursos ordinários (aqui se incluindo, por força da citada regra do n.º 4 desse artigo 70º, as situações de não interposição ou extinção do recurso por razões processuais).
Em qualquer outra situação (não contemplada no artigo 78º, n.º 2), em que haja lugar a recurso ordinário, e ele tenha prosseguido, o efeito do recurso de constitucionalidade da decisão proferida nessa instância de recurso é o previsto no artigo 78º, n.º 3, correspondendo-lhe o efeito que tiver sido atribuído ao recurso ordinário que teve seguimento.
O caso dos recursos obrigatórios cai na regra residual do n.º 4 do artigo 78º, sendo aplicável o efeito suspensivo com subida nos próprios autos; o que é consentâneo com a circunstância de a lei prever a interposição imediata do recurso em vista à apreciação da questão de constitucionalidade, diferindo para momento ulterior a prolação de decisão definitiva, na ordem judiciária comum, sobre a matéria da causa.»
Ora, nos presentes autos, não só ambos os recursos foram interpostos ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, como um desses recursos foi interposto pelo Ministério Público, a título obrigatório, ao abrigo do n.º 3 do artigo 280º da CRP. Assim sendo, justifica-se integralmente alterar, tal como requerido, o efeito atribuído ao recurso pelo tribunal recorrido, fixando-se-lhe “efeito suspensivo”, em estrita aplicação do n.º 4 do artigo 78º da LTC.
7. Passando a apreciar a questão de fundo, importa começar por frisar que, independentemente da questão de saber se a Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2011, de 4 de janeiro, tem, ou não, conteúdo normativo, a verdade é que, tal como bem nota o Ministério Público, quer nas alegações quer na resposta ao convite para se pronunciar sobre a eventualidade de não conhecimento parcial do objeto do presente recurso, a referida Resolução limitou-se a concretizar as orientações para aplicação às empresas públicas, de capital exclusivo ou maioritariamente público e entidades públicas empresariais, de redução salarial que constam da Lei do Orçamento de Estado para 2011 (artigos 19.º, 24.º e 31.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro). Ou seja, resolução não tem um conteúdo normativo autónomo.
Ora, como este Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar sobre as normas orçamentais que servem de base à mencionada resolução, esta comungará da validade ou invalidade daquelas.
Assim, passemos à análise da constitucionalidade das normas postas em crise.
8. Antes de mais, importa recordar o teor normativo das normas que integram o objeto do presente recurso. Comecemos pelos artigos 19°, n.ºs 1 e 4, alíneas a) e c), e 24°, n.ºs 1 e 2, alínea a), ambos da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento para 2011):
«Artigo 19.º
Redução remuneratória
1 - A 1 de janeiro de 2011 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o n.º 9, de valor superior a € 1500, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos:
a) 3,5 % sobre o valor total das remunerações superiores a € 1500 e inferiores a € 2000;
b) 3,5 % sobre o valor de € 2000 acrescido de 16 % sobre o valor da remuneração total que exceda os € 2000, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a € 2000 até € 4165;
c) 10 % sobre o valor total das remunerações superiores a € 4165.
4 – Para efeitos do disposto no presente artigo:
a) Consideram -se remunerações totais ilíquidas mensais as que resultam do valor agregado de todas as prestações pecuniárias, designadamente, remuneração base, subsídios, suplementos remuneratórios, incluindo emolumentos, gratificações, subvenções, senhas de presença, abonos, despesas de representação e trabalho suplementar, extraordinário ou em dias de descanso e feriados;
(…)
c) Na determinação da taxa de redução, os subsídios de férias e de Natal são considerados mensalidades autónomas;
(…)»
«Artigo 24.º
Proibição de valorizações remuneratórias
1 – É vedada a prática de quaisquer atos que consubstanciem valorizações remuneratórias dos titulares dos cargos e demais pessoal identificado no n.º 9 do artigo 19.º
2 – O disposto no número anterior abrange as valorizações e outros acréscimos remuneratórios, designadamente os resultantes dos seguintes atos:
a) Alterações de posicionamento remuneratório, progressões, promoções, nomeações ou graduações em categoria ou posto superiores aos detidos;
(…)»
Vejamos ainda a norma extraída do artigo 39°-A, n.º 2, do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de dezembro, aditado pela referida Lei n.º 55-A/2010 (Lei do Orçamento para 2011), de 31 de dezembro:
«Artigo 39.º -A
Regime remuneratório
(…)
2 – À retribuição devida por trabalho suplementar prestado por trabalhadores das entidades referidas no número anterior é aplicável o regime previsto para a remuneração do trabalho extraordinário prestado por trabalhadores em funções públicas, nos termos do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas.»
E, por fim, a norma extraída do artigo 21°, n.º 1, da Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro (que aprova a Lei do Orçamento para 2012):
«Artigo 21.º
Suspensão do pagamento de subsídios de férias e de Natal ou equivalentes
1 - Durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), como medida excecional de estabilidade orçamental é suspenso o pagamento de subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, às pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, alterada pelas Leis n.os 48/2011, de 26 de agosto, e 60-A/2011, de 30 de novembro, cuja remuneração base mensal seja superior a € 1100.
(…)»
8.1. Quanto à norma extraída do artigo 19°, n.ºs 1 e 4, alíneas a) e c), da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, importa apenas remeter para a fundamentação ínsita no Acórdão n.º 396/2011 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos), nos termos da qual o Tribunal decidiu não declarar a inconstitucionalidade da mesma. Ora, sem prejuízo de aceitar a inexistência de violação de qualquer “direito à irredutibilidade da remuneração”, fundada no artigo 59º, n.º 1, alínea a), da CRP, a decisão recorrida divergiu do sentido expresso no Acórdão n.º 396/2011, tendo antes concluído pela violação do “princípio da igualdade” (artigo 13º da CRP), socorrendo-se dos argumentos esgrimidos nos votos de vencido apostos àquele acórdão.
De qualquer modo, mantém-se a integral adesão à fundamentação do Acórdão n.º 396/2011 – para a qual se remete –, que concluiu pela inexistência de qualquer violação ao “princípio da igualdade”, atentas as circunstâncias de crise económico-financeira subjacentes à tomada daquela decisão político-legislativa. Assim sendo, conclui-se, mediante remissão, pela não inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 19°, n.ºs 1 e 4, alíneas a) e c), da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento para 2011).
8.2. Apreciando a decidida inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 24°, n.ºs 1 e 2, alínea a), ambos da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento para 2011), relativa à proibição de valorizações remuneratórias, e da norma extraída do artigo 39°-A, n.º 2 do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de dezembro, aditado pela referida Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, relativa ao pagamento de trabalho suplementar dos trabalhadores das entidades públicas empresariais, importa começar por sublinhar que, na realidade, as mesmas não foram objeto de expressa apreciação pelo Acórdão n.º 396/2011.
Porém, uma vez que este aresto concluiu que, tendo em conta os circunstancialismos históricos que rodearam aquela decisão político-legislativa, a redução do montante remuneratório daqueles que auferem por verbas públicas não atenta contra o “princípio da igualdade”, não pode senão estender-se aquele juízo a quaisquer outras componentes remuneratórias, tais como o pagamento de trabalho suplementar, como, aliás, já foi decidido pela Decisão Sumária n.º 209/2012, proferida pela 3ª Secção deste Tribunal. Por outro lado, quanto à vedação de valorizações remuneratórias, a sua não inconstitucionalidade decorre de um argumento de maioria de razão. Se não é inconstitucional reduzir o “quantum” remuneratório, também não será inconstitucional impedir o seu aumento. Aliás, através do Acórdão n.º 12/2012, este Tribunal já teve oportunidade de esclarecer que:
«(…) a proteção constitucional de progressão na carreira não implica a imposição de a lei ordinária prever uma evolução na carreira do funcionário caracterizada pela sistemática melhoria do seu estatuto remuneratório. O que decorre dessa garantia constitucional é que a progressão na carreira ocorra com direito às promoções profissionais que a lei determinar no momento em que se verificam os requisitos pessoais para tal necessários.
Cabe, por isso, na margem de liberdade do legislador prever – ou não prever – um sistema de progressão na carreira “automático”, que opere por mero decurso do tempo, pois é bem certo que a Constituição não impõe que o direito de acesso à função pública, do qual decorre o direito a progredir na carreira, tenha de ser assegurado através de um mecanismo de melhoria – automática, por antiguidade – da respetiva remuneração».
Em sentido idêntico, o Acórdão n.º 317/2013, precisamente em apreciação da constitucionalidade de uma outra dimensão extraída do(s) n.º(s) 1 (e 9) do artigo 24°, n.ºs 1 e 2, alínea a), ambos da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento para 2011), já teve oportunidade de reiterar que a mesma não se encontra ferida de inconstitucionalidade, por violação do “princípio da igualdade”.
Do exposto, resulta que nenhuma das normas extraídas dos preceitos legais supra referidos, relativas à proibição de valorizações remuneratórias e à fixação do montante pago a título de trabalho suplementar prestado a entidades públicas empresariais padece de inconstitucionalidade, aplicando-se-lhes, por identidade de razão, os fundamentos constantes do Acórdão n.º 396/2011.
Consequentemente, o mesmo se aplica às normas da Resolução n.º 1/2011 acima referida.
8.3. Quanto à norma extraída do artigo 21º, n.º 1, da Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro (que aprova a Lei do Orçamento para 2012), verifica-se que a decisão recorrida se limitou a cumprir a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral resultante do Acórdão n.º 353/2012, inclusive em matéria de fixação dos respetivos efeitos, que salvaguardaram a vigência da norma até 31 de dezembro de 2012, tendo concluído pela improcedência dos pedidos formulados pelo recorrido, então autor.
Em boa verdade, deve notar-se que a decisão recorrida não procedeu a uma verdadeira de desaplicação daquela norma. O que se passou foi que a norma deixou de vigorar no ordenamento jurídico português, desde a publicação oficial do Acórdão n.º 353/2012, do Tribunal Constitucional. Assim sendo, em bom rigor, não houve recusa de aplicação da norma, porque como bem nota o Ministério Público, a norma já não existia à data em que a decisão recorrida foi proferida, por força do Acórdão n.º 353/2012. Aliás, o próprio Ministério Público parece ter desistido do recurso, na medida em que defende que se deve manter, nessa parte, a decisão recorrida (ver, sentido próximo, as Decisões Sumárias n.º 548/2013, 3ª Secção, e n.º 682/2013, 2ª Secção).
III – Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Fixar o efeito suspensivo do recurso;
b) Não conhecer do objeto do recurso, quanto à norma extraída do artigo 21º, n.º 1, da Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro (que aprova a Lei do Orçamento para 2012);
E, quanto às demais normas:
c) Não julgar inconstitucionais as normas extraídas dos artigos 19°, n.ºs 1 e 4, alíneas a) e c), e 24°, n.ºs 1 e 2, alínea a), ambos da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, do artigo 39°-A, n.º 2 do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de dezembro, aditado pela referida Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, bem como as normas constantes da Resolução n.º 1/2011, de 4 de janeiro, mediante remissão para a fundamentação constante do Acórdão n.º 396/2011, do Plenário do Tribunal Constitucional.
E, em consequência:
d) Julgar procedente o recurso, quanto às normas identificadas na alínea c) e determinar a remessa dos autos ao tribunal recorrido para que este reforme a decisão recorrida, em conformidade com o julgamento de não inconstitucionalidade agora proferido, conforme determina o n.º 2 do artigo 80º da LTC.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 6 de Março de 2014.- Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura (vencido quanto à alínea c) da decisão pelas razões indicadas na declaração de voto exarada no Acórdão nº 203/2013) - Joaquim de Sousa Ribeiro.