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Procº nº 95/2000.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Em processo de falência da sociedade P..., Ldª, que, pelo Tribunal de comarca de Lamego, corre seus termos, interpôs B...., Ldª, quatro recursos de agravo de outros tantos despachos lavrados pelo Juiz daquele Tribunal, recursos aos quais, por acórdão de 27 de Outubro de 1998, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento.
Desse acórdão recorreu a B..., Ldª, para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que, na alegação que, então, produziu, o recorrido Licº J... não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Por acórdão de 2 de Junho de 1999, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento aos primeiro e segundo agravos, concedeu provimento ao terceiro agravo - por entender que o agravado Licº João da Silva Mendes Morgado não possuía qualquer direito de preferência na aquisição de um imóvel misto, pertença da massa falida, que era objecto de proposta de venda e fora adjudicado ao mesmo agravado, determinando, assim, a «baixa» dos autos à 1ª instância 'para que o Juiz do processo' exarasse despacho onde tomasse 'em consideração tal facto' - e, em face desse provimento, declarou inútil conhecer do quarto agravo.
O agravado veio então requerer a aclaração do acórdão de 2 de Junho de 1999, pedido que, por acórdão de 7 de Outubro de 1999, foi indeferido.
2. Após, veio o recorrido Licº J... arguir a nulidade do aresto de 2 de Junho de 1999, invocando, inter alia e para o que ora releva:-
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O nº. 1 do artº. 205º. da Constituição da República Portuguesa obriga a que sejam fundamentadas na forma prevista na lei, as decisões que não sejam de mero expediente.
Torna-se, pois, evidente, que esta disposição constitucional não foi observada.
Por outro lado, constata-se que, no douto acórdão sob arguição, foi considerada susceptível de reapreciação, nos termos já acima referidos, uma decisão que só veio a ser impugnada meses depois de haver transitado em julgado.
Também neste caso o Venerando Tribunal se limitou a exprimir o seu douto entendimento produzido em conferência, sem fundamentar na lei esse entendimento.
Só que o recorrido vê assim violentado o seu direito judicialmente reconhecido, ao mesmo tempo que lhe é retirado um direito como cidadão.
É violentado um seu direito judicialmente reconhecido, na medida em que, tanto a lei como os Tribunais da primeira e segunda instância o haviam considerado titular do direito de preferência na alienação do prédio em causa, em decisão transitada em julgado, e esse Venerando Tribunal lhe retira essa titularidade, a pedido da recorrente que não era nem é sujeito processual.
É-lhe retirado um direito como cidadão, na medida em que, por haver comparecido no acto da hasta pública investido judicialmente na qualidade de preferente, e devidamente notificado para o efeito de exercer esse direito, por ordem judicial, não ofereceu proposta em carta fechada por tal ser desnecessário, já que poderia adquirir o prédio mediante o exercício do aludido direito.
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Na douta decisão proferida por esse Venerando Tribunal nada consta sobre qual o despacho da primeira instância que deve ser julgado revogado, se o de fls. 915, se o de fls. 966 ou se ambos; nem ordena, como pareceria curial, a repetição da hasta pública, limitando-se a referir que o Sr. Juiz do processo na primeira instância deve exarar despacho onde tome em consideração que o recorrido não possui qualquer direito de preferência.
Tal falta de indicação sobre o despacho que deve ser revogado conduzirá ou poderá conduzir pelo menos a que ao recorrido seja negado o direito que, como cidadão, lhe assistirá a participar numa hasta pública em que é posto
à venda um predio que lhe interessa adquirir.
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O douto acórdão violou, por isso, o disposto nos artºs. 13º., nº. 1,
202º., nº. 2, 204º. e 205º. da Constituição da República Portuguesa.
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Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 26 de Novembro de 1999, desatendido a arguida nulidade, fez o agravado juntar aos autos requerimento com o seguinte teor:-
'J..., recorrido nos autos de recurso de revista em que é recorrente B..., Ldª., não se conformando com o douto acórdão de fls., e porque entende que o mesmo se encontra ferido de ilegalidade, por violação da legalidade democrática e por recusa de aplicação de normas com fundamento em determinada interpretação das mesmas, e ainda por violação de disposições da Constituição da República Portuguesa, dele vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termoq do artº. 70.º, nº. 1 al. c) e 80º., nº. 3 da Lei nº. 28/82, de 15/11.
O ora recorrente considera que o douto acórdão violou flagrantemente os artºs. 13º., nº. 1, 202º., nº. 2 e 205º. da Constituição da República Portuguesa.
Por isso suscitou tal questão na peça processual em que arguiu a NULIDADE do douto acórdão sob recurso.
Assim, e porque está em tempo, requer a Vossas Excelências se dignem considerar interposto o recurso, que deve subir imediatamente nos próprios autos ao Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo'.
3. Por despacho de 22 de Dezembro de 1999, prolatado pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, não foi o recurso admitido, por isso que se não lobrigava que tivesse havido, da parte do acórdão pretendido impugnar, a recusa de aplicação de qualquer norma com fundamento em violação de lei com valor reforçado.
É deste despacho que vem, pelo Licº J..., deduzida a vertente reclamação, na qual, em síntese, sustenta que o acórdão intentado recorrer violou 'os princípios fundamentais da Ordem Jurídica Portuguesa, afasta a aplicação de normas da legislação ordinária e da Constituição da República Portuguesa e cria para o reclamante uma ‘capitis deminutio’ relativamente ao processo em causa', pois que houve 'RECUSA DE APLICAÇÃO DO Nº. 2 do artº. 754º. do C.P.C.', 'Recusa de aplicação do nº. 1 do artº. 497º. do C.P.C. - caso julgado - e da alínea i) do artº. 494º do mesmo Diploma', 'RECUSA DE APLICAÇÃO DO Artº. 26º. e da ALÍNEA e) DO Artº. 494º. do C.P.C.', 'RECUSA DE APLICAÇÃO do Nº. 2 do Artº. 729º. do C.P.C.', 'VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO Artº. 13º. e no nº. 2 do Artº. 202º. DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA' e 'VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO Artº. 204º e 205º., nº. 1 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA'.
Tendo tido «vista» dos autos o Representante do Ministério Público junto deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
II
1. É por demais evidente a improcedência da presente reclamação.
Na verdade, e como deflui do relato acima efectuado, o recurso querido interpor foi fundado na alínea c) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, sustentando o ora reclamante, para tanto, que o acórdão que dele seria objecto enfermava de ilegalidade, recusando a aplicação de determinados normativos e, por outro lado, que esse mesmo aresto violou, ele mesmo, determinadas normas constitucionais.
Ora, tocantemente a tal recurso, é por demais óbvio que o acórdão de
2 de Junho de 1999, de todo em todo, não recusou a aplicação de qualquer normativo constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei de valor reforçado.
Isso é quanto basta para que se conclua que acertada foi a decisão do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de não admitir o recurso.
2. Por outra banda, e sem que sequer se descortine como seria possível, invocando-se a interposição do recurso na falada alínea c) do nº 1 do artº 70º, justificar tal interposição dizendo que o acórdão em apreço violou determinadas disposições ínsitas na Lei Fundamental, sempre se dirá que, como sabido é e se extrai, quer daquele artº 70º, quer do artigo 280º do Diploma Básico, os recursos visando a fiscalização concreta da constitucionalidade normativa têm por objecto normas jurídicas pertencentes ao ordenamento infra-constitucional e não outros actos do poder público tais como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
E que nenhuma norma foi arguida de contrariedade com a Constituição pelo ora reclamante é facto acerca do qual se não pode levantar qualquer dúvida.
III
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 22 de Março de 2000 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa