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Procº n.º 323/99
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
(Consº Artur Maurício)
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I – RELATÓRIO:
1. – F... interpôs recurso contencioso para o Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra (TACC) da deliberação do CONSELHO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA (COJ) que lhe aplicou a pena única de demissão, nos termos dos artigos 127º, n.º1, alínea g), 132º, n.º2, 137º, n.º1, alínea b) e 138º e com os efeitos do artigo 149º, todos do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro.
O TACC, por decisão de 23 de Janeiro de 1998, resolveu negar provimento ao recurso, não julgando verificadas as inconstitucionalidades suscitadas relativamente aos artigos 95º a 176º do Decreto-Lei n.º 376/97, de 11 de Dezembro e, quanto ao fundo, julgou improcedente a pretensão do recorrente.
Inconformado com o assim decidido, F... interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo (TCA), tendo nas suas conclusões apontado a inconstitucionalidade orgânica e material das normas dos artigos 97º a 176º do Decreto-Lei n.º 376/97, de 11 de Dezembro.
2. – O TCA, por acórdão de 26 de Novembro de 1998, decidiu negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Quanto às questões de constitucionalidade suscitadas pelo requerente escreveu-se no acórdão:
'Comecemos pelo problema da inconstitucionalidade, aflorado nas duas primeiras conclusões da alegação, o qual se desdobra em duas questões, conexionadas com as duas alíneas do nº 1 do art. 168º da Lei Fundamental, pretensamente ofendidas.
O DL nº 376/87, de 11/12, aprovou a Lei Orgânica das Secretarias Judiciais e Estatuto dos Funcionários de Justiça, tendo introduzido um regime disciplinar especial para esses funcionários (cfr. artigos 123º a 176º) e consagrado um novo órgão - o Conselho dos Oficiais de Justiça - a que atribuiu competência para apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar relativamente aos oficiais de justiça (arts. 95º e 107º, al. a). Para além disso, o mesmo diploma, no seu art. 122º, estabeleceu que «das deliberações do COJ cabe recurso para o tribunal administrativo de circulo competente».
Segundo o recorrente, a previsão de um regime disciplinar novo, aplicável a uma determinada classe de funcionários públicos (no caso, os funcionários judiciais), estava relativamente reservada à Assembleia da República, nos termos do disposto do art. 168º, nº 1, al. d), da Constituição
(actual art. 165º, nº 1, al. d); e igual reserva existiria no que toca à transferência, para o COJ, de um poder (o de aplicar penas expulsivas) que a lei geral (no art. 17º, nº 4, do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL nº 24/84, de
16/1) atribui ao membro do Governo competente. Não tendo a sentença recorrida reconhecido estas inconstitucionalidades, viciantes do DL nº 376/87 e, por extensão, do acto impugnado, justifica-se, na perspectiva do recorrente, a revogação do decidido na 1ª instância.
O aludido preceito constitucional dispõe que é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização que ela conceda ao Governo, legislar sobre «regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo». Ora, admitindo o próprio recorrente que o regime disciplinar inserto no DL nº
376/87 se aplica exclusivamente a funcionários com estatuto especial, dúvidas não pode haver de que tal regime comunga da especialidade inerente a esse estatuto. Dado que nenhuma especialidade é concebível fora de um género em que se entronque, tem de se concluir que esse género é, precisamente, o «regime geral de punição das infracções disciplinares» dos funcionários e agentes da Administração Pública; e, como a reserva de competência da Assembleia da República só se refere a esse género, e já não a regulamentações especiais em que ele eventualmente se desdobre, torna-se claro que as peculiaridades do regime disciplinar aplicável a corpos especiais da Função Pública não estão contempladas na reserva de competência prevista na aludida norma.
Sendo assim, o facto de o DL nº 376/87 emanar do Governo sem prévia autorização da Assembleia da República não o fere de inconstitucionalidade orgânica, como o recorrente reclama, não havendo razão para assim sustentar a inconstitucionalidade global dos artigos 95º a 176º do diploma. Portanto, e por esta via, não pode dizer-se que o acto punitivo se tenha baseado em preceitos ofensivos da Lei Fundamental e que padeça, por isso, de violação de lei.
Por outro lado, e no seguimento da competência, já acima reconhecida ao Governo para, sem precedência de autorização legislativa, legislar sobre o regime disciplinar de corpos especiais, não pode duvidar-se que o Governo podia criar um novo órgão administrativo encarregado de exercer o poder disciplinar em relação aos funcionários de um qualquer desses corpos. Foi o que sucedeu, através da criação do COJ, relativamente aos oficiais de justiça. Neste domínio e ao invés do que o recorrente afirma, o Governo mediante o DL 376/87, não abdicou de uma competência que detivesse, já que, anteriormente ao citado diploma, a acção disciplinar sobre os funcionários de justiça era exercida pelo Conselho Superior de Magistratura (cfr. art. 149º, al. b) da Lei 21/85, de 30/7) ou pelo Conselho Superior do Ministério Público (cfr. art. 24º, al. b), da Lei nº 47/86, de 15/10). E não se vê, nem o recorrente aponta, em que medida uma tal transferência de competências, encarada de per si, poderia apresentar-se como orgânica ou materialmente inconstitucional.
Aliás, se o recorrente porventura crê que o COJ carece de competência para aplicar penas disciplinares de natureza expulsiva, por tal incumbir ao Sr. Ministro da Justiça nos termos gerais do art. 17º, nº 4, do Estatuto aprovado pelo DL nº 24/84, de 16/1, então seria lógico que tivesse interposto, para aquele membro do Governo, recurso hierárquico do acto que o puniu com a pena de demissão ou, ao menos, que tivesse arguido a incompetência do COJ no recurso contencioso que deduziu. Não tendo assim procedido, e havendo limitado a sua crítica à questão de inconstitucionalidade, o recorrente debilitou ainda mais esse seu ataque ao acto - inteiramente se justificando a correctíssima pronúncia que, sobre o assunto que nos vem ocupando, a sentença veio a emitir.
O recorrente disse ainda que o DL nº 376/87, ao atribuir competência aos tribunais administrativos de círculo para conhecer das deliberações do COJ
(cfr. o seu art. 122º), invadiu a esfera de competência da Assembleia da República no que concerne à organização e competência dos tribunais, assim ocorrendo uma inconstitucionalidade alicerçada na al. q) do nº 1 do art. 168º da Constituição (na redacção anterior). E afirmou que a sentença deve ser revogada por não ter reconhecido esta ofensa da Lei Fundamental.
Este raciocínio do recorrente está claramente viciado. A competência dos tribunais, cuja definição a Constituição reserva à Assembleia da República, alcança-se através da enunciação, genérica e abstracta, do elenco de situações típicas que lhes incumbe resolver. Respeitada a invariância desses tipos, nada obsta a que o Governo, no exercício dos poderes que lhe são próprios, modifique a organização administrativa, ainda que, por via dessa mudança, certos actos, que antes cabiam num daqueles tipos, venham assim a subsumir-se a um outro. Nesses casos, a actuação governamental exerce-se exteriormente e a jusante da definição reservada à Assembleia da República, sendo absolutamente impotente para invadir a esfera de competência legislativa que a Constituição a esta confiou. Aliás, e mesmo que o citado art. 122º não existisse, a mera criação do COJ sempre obrigaria a que os recursos interpostos das suas deliberações fossem interpostos nos tribunais administrativos de círculo - e isto por força de um decreto-lei precedido da indispensável autorização legislativa (cfr. o art. 51º, nº 1, al. a), do ETAF).
Nesta conformidade, o art. 122º do DL nº 376/87 não padece das inconstitucionalidades arguidas (cfr., neste sentido, os acórdãos do STA de
6/5/93, 24/2/93, 19/1/95 e 5/6/97, proferidos, respectivamente, nos recursos nºs
31.508, 31.431, 34.134 e 42.388), pelo que a sentença, ao também assim considerar, decidiu de modo irrepreensível.'
O acórdão do TCA teve um voto de vencido e uma declaração de 'voto'. O voto de vencido incide em parte sobre a questão de constitucionalidade: aquele, entendendo que a norma que cria o Conselho dos Oficiais de Justiça é inconstitucional, por violar o artigo 218º, n.º3, da Constituição da República, por não ser conforme à Constituição a opção entre 'um
órgão de Estado independente e um órgão administrativo inserido na trama da Administração Pública encimada pelo Governo'.
É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, pretendendo o recorrente que se aprecie a conformidade à Constituição dos artigos 95º a 176º, inclusive, do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro, pois estas normas violaram, em seu entender, os artigos 168º, n.º1, alíneas d) e q) (versão de 1982) e 218º, n.º3 (versão de 1997).
Neste Tribunal, o recorrente apresentou alegações, em que concluiu da seguinte forma:
'1ª. O DL 376/87 de 11 de Dezembro faz uma caracterização própria da pena disciplinar e estabelece novos pressupostos da sua aplicação, bem como cria uma nova pena disciplinar – a pena de transferência.
2ª. Além disso cria um novo órgão – Conselho dos Oficiais de Justiça -, que não faz parte do Governo, para aplicar as penas de demissão e aposentação compulsiva, ao contrário do que dispõe o artigo 17º n.º4 do DL 24/84, de 16 de Janeiro.
3ª. Verifica-se, por isso, que aquele DL 376/87 procede à transferência do poder disciplinar que competia ao Governo para um órgão fora deste órgão da administração pública.
4ª. A opção entre um órgão de Estado independente e um órgão administrativo inserido na trama da administração pública, encimada pelo Governo não está na livre disponibilidade do legislador ordinário, mas sim através de uma Lei da Assembleia da República, como resulta do artigo 218º n.º3 da CRP.
5ª. O DL 376/87 ao atribuir aos Tribunais Administrativos de Círculo competência para conhecer das decisões do COJ está a invadir a competência da Assembleia da República no que concerne ao regime jurídico da organização e funcionamento dos tribunais.
6ª. As normas dos artigos 95º a 176º do DL 376/87, de 11 de Dezembro são material e organicamente inconstitucionais por violação do princípio constitucional de não intromissão da administração na jurisdição, por violação do artigo 168º n.º1 al d) e al q) da CRP na versão da revisão de 1982'.
Pelo seu lado, o Conselho dos Oficiais de Justiça formulou as seguintes conclusões:
'1. As normas constantes dos artigos 95º a 176º do DL n.º 376/87, de 11/12, não violam os artºs 168º, n.º1, al. d) e q) da CRP (na versão resultante da revisão de 1982), não sendo por isso orgânica e materialmente inconstitucionais.
2. Consequentemente, a douta sentença recorrida não violou o artigo 204º da Lei Fundamental'.
Corridos que foram os vistos legais, o processo foi discutido, tendo havido mudança do relator.
Cumpre, pois, apreciar e decidir. II – FUNDAMENTOS:
3. – O recorrente suscita a inconstitucionalidade das normas dos artigos 95º a 176º do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro, por um lado, na perspectiva da violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República [(alíneas d) e q) do n.º1 do artigo 168º da Constituição
(versão de 1982 – hoje, artigo 165º)], e, por outro, na perspectiva da violação material do artigo 218º, n.º3 da Constituição (versão de 1997), enquanto tais normas atribuem ao COJ competência para 'apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar relativamente aos oficiais de justiça'.
O Tribunal irá começar a apreciação das questões suscitadas pela questão da invocada inconstitucionalidade material, só passando
à apreciação dos fundamentos da inconstitucionalidade orgânica se tal se mostrar indispensável à decisão do processo.
4. – Para a perspectiva agora relevante, interessa considerar essencialmente as normas do diploma em causa que se referem à competência atribuída ao COJ para apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar relativamente aos oficiais de justiça. Estas normas são, antes de mais, o artigo 95º, que define as atribuições do COJ e o artigo 107º, que estabelece a competência do COJ.
As restantes normas que vêm questionadas pelo recorrente referem-se à composição e forma de designação, eleição e estatuto dos membros do COJ (artigos 96º a 106º) e ao seu modo de funcionamento (artigos 108º a 114º); aos serviços de inspecção (artigos 115º a 117º); aos serviços de apoio (artigo
118º), às reclamações e recursos (artigos 119º a 122º), ao procedimento disciplinar (artigos 123º a 126º), às penas (artigos 127º a 151º) e ao processo disciplinar( artigos 152º a 176º).
O artigo 95º do Decreto-Lei n.º 376/87 tem o seguinte teor:
'Artigo 95º
'Ao Conselho dos Oficiais de Justiça cabe apreciar o mérito e exercer o poder disciplinar relativamente aos oficiais de justiça Artigo 107º Compete ao Conselho dos Oficiais de Justiça: a. Apreciar o mérito profissional e exercer a acção disciplinar sobre os oficiais de justiça, sem prejuízo da competência disciplinar atribuída a juízes; b. [...]'
No caso em apreço está em causa o estatuto disciplinar dos funcionários de justiça, pois, do que se trata neste processo, é da aplicação de uma pena disciplinar.
A este respeito, importa salientar que, na vigência do Estatuto Judiciário, os funcionários de justiça estavam sujeitos a um regime disciplinar próprio e ao poder disciplinar dos chefes da secretaria, dos escrivães de direito, dos presidentes dos tribunais e dos presidentes das Relações, competindo ao Conselho Superior Judiciário exercer a jurisdição disciplinar sobre todos os funcionários (artigos 403º, 404º, n.º1 e 459º do Estatuto Judiciário).
Com a Constituição de 1976, o artigo 223º, n.º1, e o n.º
2 do artigo 226º remeteram para a lei as regras de composição do Conselho Superior da Magistratura (adiante, CSM) e da Procuradoria Geral da República. Em
31 de Dezembro de 1976, o Governo invocando uma lei de autorização legislativa para legislar sobre as matérias referidas nos artigos 223º, n.º1, e 226º, n.º2, da Constituição, editou o Decreto-Lei n.º 926/76, que constituiu a Lei Orgânica daquele Conselho. Este diploma, emitido ao abrigo da Lei n.º 5-B/76, de 30 de Dezembro, e no qual se definiu a estrutura, organização, competência e funcionamento do CSM, veio a incluir a possibilidade de fazerem parte do Conselho quatro funcionários de justiça, justificando-se esta opção, no preâmbulo do diploma nos termos seguintes: 'Tal como é configurado, o Conselho Superior da Magistratura é constituído basicamente por magistrados, com a só excepção de dele passarem a fazer parte quatro funcionários de justiça, de intervenção restrita às matérias que lhes digam directamente respeito. Trata-se de uma opção que o texto constitucional, rigorosamente, nem anima nem desanima. A este respeito, limita-se a consignar que o Conselho deverá incluir membros de entre si eleitos pelos juízes.'
No que respeita aos funcionários de justiça, o diploma orgânico do CSM estabeleceu como competência própria do Conselho a de 'apreciar o mérito profissional e exercer a acção disciplinar sobre os funcionários de justiça, sem prejuízo do disposto no artigo 461º do Estatuto Judiciário' (cfr. nº 2 do artigo 1º e alínea b) do nº 1 do artigo 9º).
Esta matéria foi justificada no preâmbulo do diploma da forma seguinte: 'Por outro lado, em obediência ao facto de o Governo ser o órgão superior da Administração Pública (artigo 185º da Constituição) e de, nessa qualidade, lhe competir a prática de todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado, [alínea e) do artigo 202º], manteve-se na órbita do Executivo a gestão dos funcionários de justiça. Abriu-se tão-só uma excepção para a respectiva acção disciplinar por óbvias razões de eficiência e por se ter entendido que não contraria frontalmente a letra do n.º2 do artigo 223º da Constituição. Não deixa a excepção, no entanto, de justificar algumas dúvidas'.
Esta orientação de manter no âmbito de competência do Conselho Superior da Magistratura as matérias relativas à apreciação do mérito profissional e do exercício da função disciplinar dos funcionários de justiça continuou através do Estatuto dos Magistrados Judiciais de 1977 [Lei n.º 72/77, de 30 de Dezembro, artigo 149º, alínea b)] e de 1985 (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, artigo 137º, n.º2). Importa, então, descobrir e explicitar os fundamentos desta opção do legislador ordinário e, bem assim, os motivos que levaram depois o legislador constitucional a proceder a uma modificação substancial no respectivo ordenamento a partir de 1982. Efectivamente, com a revisão constitucional de 1982 (Lei Constitucional n.º1/82, de 30 de Setembro) procurou superar-se qualquer dúvida que porventura existisse. De facto, o artigo 223º teve nova redacção, tendo-lhe sido acrescentado um n.º3, com o seguinte teor: '3.A lei poderá prever que do Conselho Superior da Magistratura façam parte funcionários de justiça, eleitos pelos seus pares, com intervenção restrita à discussão e votação das matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça'.
Esta redacção do n.º 3 não voltou a ser modificada, mas a numeração do preceito sofreu alterações com as revisões constitucionais posteriores, sendo actualmente o artigo 218º e tendo o respectivo n.º 3 o mesmo conteúdo.
Assim, a orientação tradicionalmente adoptada pelo legislador ordinário quanto à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar foi considerada como regulando de modo adequado e eficaz tal matéria, que obteve o reconhecimento da comunidade, e o legislador constitucional resolveu elevá-lo à categoria de princípio jurídico-constitucional, incluindo-o na Constituição em 1982 e não mais o retirando.
A finalidade do legislador constituinte, ao acolher o que antes apenas constava da lei ordinária, foi necessariamente a de dar execução ao mandato que conferiu ao CSM a respeito dos funcionários de justiça: o legislador constitucional decidiu atribuir ao CSM a competência para discutir e votar as matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça.
5. - A Constituição de 1976, ao definir os tribunais como 'órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo', logo cuidou de referir que 'os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei' e, bem assim, de estabelecer que os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo
único e regem-se por um só estatuto, sendo inamovíveis e não podendo ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções legais. Também a Constituição estabeleceu logo as respectivas incompatibilidades e, para garantir o conjunto e unidade desta estrutura, criou o Conselho Superior da Magistratura, a quem cometeu a tarefa de proceder à nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes e, ainda, o exercício da acção disciplinar, nesta se incluindo a apreciação do mérito profissional A Constituição, na sua versão originária, remeteu para a lei a composição do Conselho, mas desde logo estabeleceu que o mesmo deveria incluir membros de entre si eleitos pelos juízes. A independência dos tribunais e dos respectivos juízes é uma das garantias essenciais dos cidadãos do Estado de direito democrático, visando defender os tribunais de ingerências indevidas dos demais poderes do Estado e garantindo que a defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos se fará por órgãos do Estado independentes e imparciais. A independência dos juízes constitui uma garantia essencial da independência dos tribunais. Foi também para realizar estes valores constitucionalmente relevantes que a Constituição criou um órgão próprio de governo da magistratura judicial - o Conselho Superior da Magistratura - que passou a ter como função essencial a gestão e a disciplina dos juízes dos tribunais judiciais, colocando-os a coberto de ingerências do Governo e da Administração, uma vez que fica proibida toda a intervenção externa directa na nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes, bem como na respectiva disciplina.
É ainda esta necessidade e finalidade de garantir a independência dos tribunais da forma mais completa possível que vem justificar que ao Conselho Superior da Magistratura seja também atribuída a competência para decidir as matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça. Com efeito, desenvolvendo estes funcionários a sua actividade nos diferentes tribunais, coadjuvando os magistrados judiciais e o ministério público na realização das tarefas cuja finalidade última é a realização da justiça, através da prática dos mais diversos actos processuais, bem se compreende que a matéria da avaliação profissional e da disciplina de tais funcionários venha a caber, necessariamente, ao órgão constitucional autónomo, cuja finalidade é a de ser garante da independência dos tribunais. Na verdade, não pode deixar de se considerar que os funcionários de justiça também fazem parte da estrutura dos tribunais; e, por isso, são elementos fundamentais para a realização prática da garantia constitucional da respectiva independência. Assim, a norma do nº 3 do artigo 223º (actual artigo 218º) da Constituição, ao estabelecer que 'a lei poderá prever que do Conselho Superior da Magistratura façam parte funcionários de justiça, eleitos pelos seus pares, com intervenção restrita à discussão e votação das matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar dos funcionários de justiça', está a criar, para estes funcionários, relativamente àquelas matérias, um estatuto particular que se justifica à luz da garantia da independência dos juízes e da autonomia do Ministério Público. Ou seja: é a independência dos tribunais que explica que só o CSM possa exercer tal competência em relação aos funcionários de justiça. Por isso, a lei ordinária não pode afectar essa competência a qualquer outra entidade, uma vez que a sua atribuição ao CMS constitui uma verdadeira imposição constitucional. A Constituição da República Portuguesa, quando prescreve que do CSM podem fazer parte funcionários de justiça que intervirão apenas na apreciação do mérito profissional e no exercício da função disciplinar relativa a tais funcionários, autoriza a lei a prever que do CSM façam parte funcionários. Não impõe, porém, tal intervenção. A Constituição não consente, porém, que o legislador atribua tal competência a órgão diferente do CSM. Essa competência só o CSM a pode exercer. Assim, aquela norma do nº 3 do artigo 223º (hoje artigo 218º) é, efectivamente, o parâmetro de aferição da constitucionalidade das normas infra-constitucionais que criam o Conselho dos Oficiais de Justiça, fixam as respectivas atribuições, competências, forma de designação ou eleição, bem como o respectivo funcionamento.
Ora, assim entendido o n.º 3 do artigo 223º (actual artigo 218º) da Constituição, não pode a lei ordinária atribuir a competência para se pronunciar sobre aquelas matérias (apreciação do mérito profissional e exercício da função disciplinar) relativas aos funcionários de justiça ao Conselho dos Oficiais de Justiça ou a qualquer outra entidade que não seja o CSM, sem modificação da norma constitucional.
O que vale por dizer que são materialmente inconstitucionais as normas infra-constitucionais que disponham em sentido contrário ao da referida disposição da Lei Fundamental. Nem esta conclusão é prejudicada pela decisão tomada pelo Tribunal no Acórdão nº 589/99, de 20 de Outubro de 1999, ainda inédito. Nele, a norma constante do artigo 122º do Decreto-Lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, não foi julgada inconstitucional. No entanto, nesse Acórdão, a questão apreciada foi unicamente a de saber se o mencionado artigo 122º - ao dispor que os recursos interpostos das deliberações do COJ em matéria disciplinar são interpostos para os tribunais administrativos, em vez de o serem para o STJ, como sucedia quando a competência para o exercício da acção disciplinar era do CSM – é organicamente inconstitucional. O Tribunal concluiu negativamente, por ter entendido que não ocorre qualquer modificação na distribuição da competência material entre tribunais e que portanto não havia qualquer inconstitucionalidade orgânica. Tal conclusão não impede, porém, que, agora, em sede de inconstitucionalidade material, se conclua em sentido positivo.
Assim, as normas do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro, que estabelecem a competência do Conselho do Oficiais de Justiça para apreciar o mérito e para exercer o poder disciplinar relativamente aos oficiais de justiça ofendem o artigo 218º, nº 3 da Constituição e são, por isso, materialmente inconstitucionais.
Tais normas são concretamente as dos artigos 95º e 107º, alínea a), do referido Decreto-Lei, enquanto determinam as atribuições e competência do Conselho dos Oficiais de Justiça. Tal inconstitucionalidade afecta também consequentemente as restantes normas abrangidas no pedido formulado nos autos, na medida em que tenham a ver com o exercício e concretização daquelas atribuições e competência legalmente fixadas.
6. – Uma vez adquirido que as normas questionadas pelo recorrente sofrem de inconstitucionalidade material, nos termos que ficam expostos, não se torna necessário tratar das questões de inconstitucionalidade orgânica que o recorrente tinha suscitado.
III – DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide julgar inconstitucionais as normas dos artigos 95º e 107º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro, por violação do n.º3 do artigo 218º da Constituição da República Portuguesa; e, em consequência, conceder provimento ao recurso, determinando-se a reformulação da decisão recorrida em consonância com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 21 de Março de 2000 Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito Artur Maurício (vencido nos termos da declaração junta) José Manuel Cardoso da Costa
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido pela seguinte ordem de razões:
Da evolução legislativa relativa à disciplina dos funcionários resulta que:
a. Desde o Estatuto Judiciário que os então designados 'funcionários de justiça' estão sujeitos a um regime disciplinar próprio, primeiro com aquele diploma e depois com os Decretos-Leis nºs. 376/87 e 364/93; b. Em matéria disciplinar a competência reservada da Assembleia da República tem sido limitada ao regime geral de punição das infracções disciplinares; c. Também desde o Estatuto Judiciário que o Governo não detém poder disciplinar sobre os funcionários de justiça, poder esse que primeiro se encabeçava no CSJ, chefes de secretaria, escrivães de direito, presidentes de todos os tribunais e presidentes das Relações, depois no CSM e CSMP sem prejuízo da competência dos magistrados e, por último, no COJ; d. Os Estatutos Disciplinares de 79 e 84 (DL nºs. 191-D/79 e 24/84) aprovados mediante autorização legislativa não são aplicáveis ao pessoal com estatuto especial e é apenas no âmbito de aplicação daqueles Estatutos que os membros do Governo detêm poder disciplinar para aplicar as penas de aposentação compulsiva e de demissão. e. A CRP, a partir da revisão de 82, define expressamente um núcleo impostergável de competência do CSM. f. Esta imposição constitucional reporta-se unicamente às funções de gestão da magistratura judicial que também por força da CRP estão cometidas ao CSM. g. Elevada à dignidade constitucional a composição do CSM, primeiro apenas com a exigência de fazerem parte do órgão juízes eleitos, depois com a indicação dos membros que obrigatoriamente o devam integrar, a revisão de 82 unicamente autorizou ou permitiu que dele fizessem igualmente parte funcionários de justiça.
Ora destas conclusões e do que a seguir se dirá resulta, necessariamente, a improcedência das arguições de inconstitucionalidade feitas pelo recorrente.
Em primeiro lugar, o DL nº. 376/87 enquanto define um regime disciplinar próprio dos funcionários de justiça, não infringe o disposto no artigo 168º nº. 1 alínea d) da CRP na versão de 82, como aliás nas subsequentes de 89 e 97.
Na verdade, sempre a CRP reservou a competência da Assembleia da República em matéria disciplinar à definição do 'regime geral de punição das infracções disciplinares'.
Dizem, a propósito, G. Canotilho e V. Moreira sobre o alcance da reserva de competência legislativa da Assembleia da República enquanto reportada à definição de um 'regime geral':
'(...) compete à AR definir o regime comum ou normal da matéria, sem prejuízo, todavia, de regimes especiais que podem ser definidos pelo Governo (...)' E logo a seguir:
'(...) a AR deve definir todo o regime geral ou comum sem prejuízo dos regimes especiais (que, todavia, hão-de respeitar as bases gerais do regime geral devendo a lei indicar os pontos que consentem especialidade) (...)'
Foi sem colisão com estes preceitos que o DL nº. 191-D/79, autorizado pela Lei nº. 17/79, excluiu do âmbito de aplicação do diploma os funcionários com estatuto especial cujos regimes deveriam, no entanto, ser adaptados ao que nele se dispunha, sem prejuízo da aplicação imediata das normas relativas às garantias de defesa do arguido e, em matéria de incriminação ou qualificação, as mais favoráveis aos arguidos.
Nada, pois, impediu quer a 'sobrevivência' do regime definido no Estatuto Judiciário quer a consagração de um regime disciplinar próprio dos funcionários de justiça no uso de uma competência própria do Governo como veio a acontecer com o DL nº. 376/87.
Por outro lado, não é a circunstância de nos Estatutos de 79 e 84 se ter conferido aos membros do Governo competência para aplicar as penas de demissão e aposentação compulsiva que obstava a que no regime especial dos funcionários de justiça a mesma competência fosse atribuída – como foi – primeiro ao CSM (ou ao CSMP) e depois ao COJ.
A opção legislativa nos Estatutos reportou-se – repete-se – ao regime geral e não parece que a norma atributiva de competência ao Governo se deva configurar como uma 'base geral' a ser necessariamente respeitada na regulamentação dos regimes especiais.
E certo é que – repete-se também – de há muito que o Governo não detinha poder disciplinar sobre os funcionários de justiça, sendo por isso de todo inadequado dizer-se, como faz o recorrente, que o DL nº. 376/87 'procede à transferência do poder disciplinar que competia ao Governo para órgão fora deste órgão da administração pública'.
Convoca, depois, o recorrente a norma do artigo 218º nº. 3 da CRP, agora para sustentar que 'não está na livre disponibilidade do legislador ordinário' 'a opção entre um órgão de Estado independente e um órgão administrativo inserido na trama da administração pública encimada pelo Governo', o que só poderia ocorrer 'através de uma Lei da Assembleia da República'.
A alegação é pouco compreensível, ou contraditória, considerando o que o recorrente sustentou quanto à competência disciplinar do Governo.
Por outro lado, não se vê que a invocação do artigo 218º nº. 3 da CRP legitime a conclusão que a atribuição da competência disciplinar sobre os funcionários de justiça se pudesse fazer através de uma lei da Assembleia da República.
Na verdade, e supondo que o recorrente se refere à transferência do poder disciplinar do CSM para o COJ, se a norma do artigo 218º nº. 3 da CRP a impedisse, não seria, obviamente, uma lei da Assembleia da República que a poderia permitir já que o comando constitucional se impõe também àquele órgão de soberania.
Entende-se, contudo, que a norma do artigo 218º nº. 3 da CRP não obsta a que o Governo atribua ao COJ poder disciplinar sobre os funcionários de justiça.
Trata-se, na verdade, de uma norma relativa à composição do CSM e que – disse-se já – apenas autorizou que fizessem parte do órgão funcionários de justiça eleitos pelos seus pares.
Estabelecida pela Constituição a composição do CSM impunha-se que, também, o texto constitucional legitimasse a integração de funcionários de justiça naquele
órgão e, do mesmo passo, impusesse que ela se fizesse através de eleição.
Não é, expressamente, uma norma de competência do CSM como por ex. a do artigo
223º nº. 2 da CRP, na versão original (artigos 222º nº. 1, 219º nº. 1 e 217º nº.
1 nas versões de 82, 89 e 97, respectivamente) que respeita às funções do Conselho como órgão de gestão dos magistrados judiciais e cuja inserção no texto constitucional se justifica como decorrência do princípio fundamental do auto-governo da magistratura.
Mas também o não é implicitamente.
É certo que o preceito constitucional admite que a lei inclua na composição do Conselho funcionários de justiça 'com intervenção restrita à discussão e votação das matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça'.
Isto supõe, logicamente, que o CSM detenha essas funções – e não se pode excluir que a lei atribua ao Conselho outras funções para além das que são constitucionalmente impostas.
Ora o legislador constituinte de 82 não podia ignorar que o DL nº. 926/76 e a Lei nº. 85/77 já atribuíam ao CSM competência para apreciar o mérito profissional e exercer a acção disciplinar sobre os funcionários de justiça, prevendo ainda que o CSM integrasse na sua composição funcionários de justiça eleitos.
E é para legitimar esta última disposição, no entendimento de que a CRP fixava a composição do Conselho, que o artigo 223º nº. 3 (revisão de 82) permite a inclusão de funcionários de justiça.
Se, porventura, como veio a acontecer, as referidas funções fossem cometidas a outro órgão, a norma perderia a sua utilidade, podendo, no entanto, sustentar-se que ela, de todo o modo, alguma manteria (como manteve, subsistindo nas versões de 89 e 97) uma vez que a lei ordinária viesse, ou venha, a devolver ao CSM aquelas funções.
O artigo 218º nº. 3 da CRP não é pois infringido com a criação do COJ e a definição da sua competência operadas pelo DL nº. 376/87, não podendo ainda sufragar-se a tese de que a independência dos tribunais 'explica' que o poder disciplinar sobre os funcionários de justiça se encabece no órgão de gestão e disciplina da magistratura dos tribunais judiciais – a competência disciplinar na titularidade de órgãos distintos poderá, eventualmente, contender com a funcionalidade do sistema, mas não tem necessariamente a ver com aquela independência.
Não deixará ainda de se dizer que a competência do COJ para apreciar o mérito profissional dos funcionários de justiça não estava em causa no presente recurso, pois a que foi exercida reportou-se exclusivamente à matéria disciplinar.
E ainda que as razões aduzidas no acórdão para fundamentar o juízo de inconstitucionalidade se possam transpor para aquela competência, nada justifica, do ponto de vista processual, que se amplie o objecto do recurso, sendo irrelevante que ambas as competências, substancialmente distintas, se contenham num mesmo preceito legal.
Por último, o Governo ao editar a norma do artigo 122º do DL nº. 376/87 não invadiu a esfera de competência reservada da Assembleia da República no que concerne à fixação da competência dos tribunais (artigo 168º nº. 1 alínea q) da CRP, versão de 82).
Na verdade, a norma em causa não alterou qualquer regra de competência dos tribunais administrativos de círculo fixada no artigo 51º do ETAF (DL nº.
129/84, de 27 de Abril, aprovado no uso de autorização legislativa conferida ao Governo pela Lei nº. 29/83, de 8 de Setembro) ou do STJ.
E isso comprova-se, desde logo, pelo facto de não deixar de competir aos tribunais administrativos de círculo conhecer dos recursos interpostos de deliberações do COJ (por força ou da alínea a) ou da alínea j) do nº. 1 do citado artigo 51º) ainda que o DL nº. 376/87 não contivesse a norma que consta do artigo 122º.
O que no caso sucede é tão-só uma transferência de competências do CSM para o COJ o que implica, por força do quadro de competências dos tribunais definido pela Assembleia da República ou pelo Governo mediante autorização legislativa, a alteração do tribunal competente para conhecer dos recursos de actos administrativos praticados no uso das competências transferidas.
Finalmente, e sem conceder relativamente ao que se deixou dito, assinala-se que as questões de constitucionalidade orgânica relativas à definição do regime disciplinar dos funcionários de justiça, à criação e competência do COJ e à atribuição de competência ao TAC para conhecer dos recursos de deliberações daquele órgão perderam qualquer sentido a partir da Lei nº. 54/93 e do DL nº.
364/93 cujas principais disposições se transcreveram supra, sendo certo que todo o procedimento disciplinar instaurado ao recorrente ocorreu muito depois da publicação daqueles diplomas.
Na verdade, a Assembleia da República, por razões que se desconhecem mas admitindo que por dúvidas sobre a constitucionalidade do DL nº. 376/87, autorizou o Governo a legislar nos termos supra transcritos com indicações precisas relativamente àquelas matérias: o regime disciplinar seria o previsto nos artigos 123º a 176º do DL nº. 376/87, a competência para apreciação do mérito profissional e exercício do poder disciplinar relativamente aos oficiais de justiça caberia ao COJ, a composição do COJ integraria membros a designar pela Direcção-Geral dos Serviços Judiciários, pelo CSM e pela Procuradoria-Geral da República e membros eleitos pelos oficiais de justiça e seria presidido pelo director-geral dos Serviços Judiciários e haveria recurso das deliberações do COJ para o tribunal administrativo de círculo competente.
Na parte que interessa, o DL nº. 364/93 observou com rigor o sentido e extensão da autorização dada.
Fê-lo, dispondo no artigo 3º como atrás se transcreveu, reproduzindo quase
'ipsis verbis' o que constava da lei autorizante.
Embora se mantivesse o DL nº. 376/87, com as alterações de redacção introduzidas, os comandos respeitantes à estrutura, organização e competência do COJ e ao regime disciplinar dos oficiais de justiça ainda que por economia de técnica legislativa se reportassem àquele diploma, são objecto de um preceito próprio (o citado artigo 3º).
Não se tratou, pois, de convalidar, ratificando-o, um diploma que poderia supor-se, em certos dispositivos, organicamente inconstitucional, por inobservância da reserva de competência da Assembleia da República.
Sucedeu foi que este órgão de soberania assume para si, embora em termos de autorização legislativa, o conteúdo perceptivo de algumas disposições do DL nº.
376/87, reportando-o a este mesmo diploma, com o que o título legitimador da emissão das normas em causa (e elas passaram a constar do artigo 3º do DL nº.
364/93) se consubstancia em lei da Assembleia da República.
Em suma, pois, em contrário do decidido, não se verifica a inconstitucionalidade material das normas dos artigos 95º a 176º do Decreto-Lei nº. 376/87, de 11 de Dezembro, não enfermando elas, igualmente, de inconstitucionalidade orgânica . Artur Maurício