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Processo n.º 1067/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. (assistente) e são recorridos o Ministério Público e a arguida B., o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
2. Pela Decisão Sumária n.º 650/2013, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão, na parte que agora releva, tem a seguinte fundamentação:
“(…) 3. De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Ora, independentemente da falta de verificação de outros requisitos, relativamente à “norma” cuja apreciação é requerida pelo recorrente, não pode dar-se como verificado o requisito objetivo de suscitação prévia nos presentes autos.
Para que o Tribunal Constitucional conheça de um pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade é necessário que em fase anterior à do requerimento de recurso para este Tribunal, no decurso do processo, o recorrente tenha identificado expressamente a questão de inconstitucionalidade, de forma expressa, direta e clara de modo a criar para o tribunal a quo o dever de pronúncia sobre a matéria em causa. Como tem sido entendimento uniforme do Tribunal Constitucional, a identificação da inconstitucionalidade deve ser feita em termos de o Tribunal «a poder enunciar na decisão, de modo a que os respetivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada em tal sentido» (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 367/94, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt).
4. Ora, o recorrente manifestamente não cumpriu este seu ónus. Nas suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto (o tribunal recorrido), o recorrente limitou-se a discordar da decisão recorrida, afirmando e concluindo que “(…) o despacho de não pronúncia padece de inconstitucionalidade por violação do artigo 20.º, n.º 1 da Constituição de 1976, sendo nulo. Pois o processo ao não avançar para julgamento, sendo certo que o crime de injúria existente, é negado ao assistente o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O despacho de não pronúncia viola o artigo 308.º, n.º 1 do CPP, com efeito nos autos existe prova suficiente para indiciar a arguida pelo crime de injúria p. e p. pelo artigo 181.º do CP (…)”.
Conclui-se, assim, que na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. E, ao não cumprir este seu ónus, não concedeu ao tribunal perante o qual a questão foi colocada a possibilidade de decidir sobre a inconstitucionalidade da “norma” supostamente em questão. Por força deste fundamento, é legalmente inadmissível conhecer do objeto do presente recurso mesmo que se considere interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Termos em que, por falta de suscitação prévia adequada, não é possível conhecer do recurso.”
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, sustentando a reclamação essencialmente nos seguintes fundamentos:
“(…)3. Com o devido respeito nos parece ser destituída de fundamento a constatação constante da douta decisão sumária. A questão de constitucionalidade que pretende ver julgada pelo Tribunal Constitucional é a seguinte: a interpretação normativa do artigo 308º, nº 1 do CPP no sentido de proferir despacho de não pronúncia do arguido, no âmbito de crimes de natureza particular, sem atender a meios de prova novos indicados juntamente com a acusação particular é violadora do artigo 20º, nº 1 da Constituição.
4. Com efeito, no recurso para o Tribunal da Relação do Porto, foi posta em crise a interpretação normativa do Artigo 308º, nº 1 do Código do Processo Penal por violação do artigo 20º, nº 1 da Constituição. Na alegação de recurso perante o Tribunal da Relação do Porto foi referido que a interpretação normativa o artigo 308º, nº 1 do CPP era restritiva e punha em causa o acesso ao direito e aos tribunais ao determinar o arquivamento dos Autos. Com efeito, o inquérito tinha concluído pela existência do crime e que o assistente foi vítima, mas revelou-se a investigação criminal incapaz de identificar o agente do ato ilícito. O assistente numa atitude de colaboração com a justiça ofereceu meios de prova que tenderiam a identificar os possíveis agentes que tinham praticado o ato ilícito. Elementos de prova que não foram valorados pelo tribunal.
5. Pelo que em face destes factos foi expressamente referido na alegação de recurso perante o Tribunal da Relação do Porto n a interpretação normativa do artigo 308º, nº 1, no sentido de não pronunciar a arguida pelo crime de que estava indiciada era violadora do princípio constitucional garantidor do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.
6. A Lei fundamental consagra que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos, interesses legalmente protegidos, não podendo ser a justiça negada por insuficiência de meios económicos (Artigo 20º, nº1 da Constituição)
7. Pelo que a interpretação normativa do Artigo 308º, nº1 do CPP, violou os princípios consignados no Artigo 20º, nº1 da Constituição, pois determinou o arquivamento do inquérito, impedindo o acesso ao direito para a resolução do conflito existente entre ofendido e arguido.
8. A constitucionalidade da interpretação da norma (308º, nº 1 do CPP) foi suscitada na alegação de recurso para o tribunal da relação do Porto.”
4. Notificados os recorridos da reclamação, apenas o Ministério Público respondeu, pronunciando-se no sentido de aquela dever ser indeferida.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. Como resulta do acima exposto, foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso com fundamento na falta de suscitação prévia e adequada da questão de constitucionalidade.
Para contrariar o decidido o reclamante afirma que «no recurso para o Tribunal da Relação do Porto, foi posta em crise a interpretação normativa do Artigo 308.º, n.º 1 do Código de Processo Penal por violação do artigo 20.º, n.º 1 da Constituição», indicando que «na alegação de recurso perante o Tribunal da Relação do Porto foi referido que a interpretação normativa do artigo 308.º, n.º 1 do CPP era restritiva e punha em causa o acesso ao direito e aos tribunais ao determinar o arquivamento dos Autos».
Em concretização daquela afirmação, limitou-se, todavia, a referir que: «… o inquérito tinha concluído pela existência do crime e que o assistente foi vítima, mas revelou-se a investigação criminal incapaz de identificar o agente do acto ilícito. O assistente numa atitude de colaboração com a justiça ofereceu meios de prova que tenderiam a identificar os possíveis agentes que tinham praticado o acto ilícito. Elementos de prova que não foram valorados pelo tribunal».
6. De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade, ou ilegalidade, haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Para que o Tribunal Constitucional conheça de um pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade (ou ilegalidade) é, portanto, necessário que em fase anterior à do requerimento de recurso para este Tribunal, no decurso do processo, o recorrente tenha identificado expressamente a questão de inconstitucionalidade (ou ilegalidade), de forma expressa, direta e clara de modo a criar para o tribunal a quo o dever de pronúncia sobre a precisa norma em causa. Como tem sido entendimento uniforme do Tribunal Constitucional, a identificação da inconstitucionalidade deve ser feita em termos de o Tribunal «a poder enunciar na decisão, de modo a que os respetivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada em tal sentido» (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 367/94, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt).
7. Ora, o recorrente manifestamente não cumpriu o ónus de suscitação prévia adequada da questão de constitucionalidade que pretende ver sindicada pelo Tribunal Constitucional, como decorre do acima já exposto. Na verdade, como resulta da leitura do recurso que apresentou para o Tribunal da Relação do Porto, o reclamante limitou-se a refutar a avaliação feita pelo tribunal dos indícios reunidos nos autos em sustentação da acusação particular que, contra a arguida, deduzira, concluindo que «o despacho de não pronúncia padece de inconstitucionalidade por violação do artigo 20.º, n.º 1 da Constituição de 1976, sendo nulo. Pois o processo ao não avançar para julgamento, sendo certo que o crime de injúria existe, é negado ao assistente o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O despacho de não pronúncia viola o artigo 308.º do CPP n.º 1, com efeito nos autos existe prova suficiente para indiciar a arguida pelo crime de injúria p. e p. pelo artigo 181.º do CP».
Numa tal alegação não é possível identificar qualquer interpretação normativa (com caráter de generalidade). Tão-só, a reiterada discordância relativamente à decisão de não pronúncia proferida.
Desta forma, o reclamante não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido, incumprindo, pois, o ónus estabelecido no artigo 72.º, n.º 2 da LTC.
8. Em face do exposto, impõe-se confirmar a decisão de não conhecimento do recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.