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Proc. nº 36/00
1ª Secção Relator: Cons.º Luís Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. M. R. recorreu para o Tribunal da Relação do Porto da decisão do Tribunal de Trabalho de Vila Nova de Famalicão que, concedendo embora provimento ao pedido de impugnação do despedimento por ele formulado contra C...,LDA, também o condenou a pagar a esta uma indemnização no montante de 5.920.000$00 pelos danos causados em consequência de acidente de viação, e correspondente ao pedido reconvencional formulado pela Ré.
Por acórdão de 15 de Março de 1999, a Relação negou provimento ao recurso.
Inconformado, o recorrente, que até aí fora representado pelo Ministério Público, veio interpor recurso de revista dessa decisão, constituindo mandatário no processo.
Admitido o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, só posteriormente o recorrente juntou as respectivas alegações.
Já no STJ, por despacho de 3 de Novembro de 1999, o relator julgou deserto o recurso, por falta de alegações, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 291º do CPC. Considerou nesse despacho que, uma vez que o recurso é delimitado pelo respectivo objecto e sendo, no caso, único fundamento do recurso a questão da incompetência do tribunal, não cabia o pretendido recurso de revista mas antes de agravo, aplicando-se nos autos o regime deste tipo de recurso. Assim, concluiu-se nesse despacho que o requerimento de interposição de recurso deveria ter sido acompanhado pelas alegações, nos termos do disposto no artigo 76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT).
2. O recorrente reclamou desse despacho para a conferência, tendo suscitado a questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 76º, nº 1, do CPT, na medida em que «limita substancialmente os direitos de defesa da parte, sobretudo nos recursos de 2ª para a 3ª instância».
Por acórdão de 16 de Dezembro de 1999, o STJ, em conferência, indeferiu aquela reclamação e confirmou o despacho reclamado.
3. É dessa decisão que vem interposto o presente recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, para apreciação da questão de inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 do artigo 76º do CPT, «por envolver diminuição das garantias de defesa do trabalhador, designadamente nos meios processuais de defesa, princípio constitucionalmente consagrado».
Já neste Tribunal, o recorrente concluiu as suas alegações pela forma seguinte:
A. O patrocínio judiciário do Recorrente deixou de ser feito pelo Mº Pº, e passou a ser feito pelo Signatário, em circunstâncias muito particulares de falta de tempo para estudo da complicada questão jurídica que se debate nos presentes Autos.
B. Foi materialmente impossível ao Signatário produzir as Alegações dentro do prazo de interposição do Recurso, por tal prazo ser intoleravelmente exíguo, para a ponderação e estudo que a causa impunha, e por isso o Recorrente protestou no próprio requerimento de Recurso, juntar oportunamente as Alegações de Recurso, o que fez em devido tempo, e segundo as normas do CPC, conforme lhe foi notificado e aceite pela relação do Porto, que não julgou o recurso deserto por falta de alegações.
C. Pelo menos nos Recursos para os Tribunais Superiores, as regras processuais dos recursos laborais devem ser as do CPC, por melhor garantirem todos os meios de defesa das partes, que no caso particular dos Autos foram substancialmente diminuídas.
D. O artº 76º-1 do CPT está ferido de inconstitucionalidade face aos princípios constitucionais contidos nos artºs 2º, 13º e 20º da CRP.
E. As circunstâncias particulares do presente caso, impunha-se uma interpretação supletiva e conjugada com as regras do CPC, face ao protesto constante do requerimento de Recurso.
F. A decisão da conferência do STJ ao não conhecer destas questões, e ao manter o recurso como deserto, está ferida de inconstitucionalidade, na medida em que não permite conhecer-se do fundo da questão e das decisões contidas nas sentenças da 1ª e 2ª Instâncias, que são manifestamente ilegais, por violarem as regras da competência dos Tribunais, em razão da matéria e do território.
A recorrida contra-alegou, concluindo pela não inconstitucionalidade da norma em causa.
Cumpre decidir.
II – FUNDAMENTOS
4. A norma submetida à apreciação deste Tribunal é a constante do artigo 76º, nº 1, do CPT de 1988, do seguinte teor:
O requerimento de interposição de recurso deverá conter a alegação do recorrente, além da identificação da decisão recorrida, especificando, se for caso disso, a parte dela a que o recurso se restringe.
O CPT de 1988 foi recentemente revogado pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro, que aprovou o novo CPT, o qual entrou em vigor a 1 de Maio de
2000, aplicando-se apenas aos processos iniciados após a sua entrada em vigor. O actual CPT contém, no seu artigo 81º, nº 5, disposição que manda aplicar o regime estabelecido no CPC à interposição e alegação dos recursos de revista e de agravo em 2ª instância; no entanto, no caso dos autos, foi ainda aplicado o artigo 76º, nº 1, do CPT de 1988.
Ora, o Tribunal Constitucional já teve ocasião de se debruçar sobre esta norma, no Acórdão nº 51/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., págs. 597 e segs.) e no Acórdão nº 266/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional,
24º vol., págs. 699 e segs.), julgando-a não inconstitucional, em ambos os casos.
Assim, pode ler-se no primeiro dos Acórdãos citados:
Se é certo poder dizer-se que, não obstante a Constituição da República não adiantar expressamente nenhum princípio em matéria de recursos, tal matéria não é constitucionalmente neutra, nem significa que a lei possa discipliná-la de forma arbitrária (cfr. acórdão nº 199/86, no Diário da República, 2ª série, de 25 de Agosto de 1986), a verdade é que não se consegue descortinar, neste caso, qualquer violação do art. 20º, nº 2, da Constituição.
As alegações são, do ponto de vista lógico, um momento ou fase da marcha dos recursos típicos, cujo momento de apresentação pode, cronologicamente, recair em diferentes fases do processo, consoante as previsões da lei (cf., por todos Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil, III,
«Recursos», 1982, pp. 281 e segs.). São, por isso, uma das condições necessárias de natureza meramente processual, para que o tribunal de recurso se possa ocupar do objecto deste.
Ora, como sublinha Castro Mendes (Direito Processual Civil, Recursos,
198, p. 138, nota 1), «só perante cada regulamentação – dos vários ramos de direito processual – se pode averiguar se as alegações têm ou não de ser apresentadas no requerimento de interposição do recurso».
E, conforme acrescenta Armindo Ribeiro Mendes (ob. cit., pp. 103 e
104), a norma de direito processual laboral segundo a qual o requerimento de interposição de recurso deve conter logo as alegações – aliás, à semelhança do que também acontece, nos termos do artigo 259º do Código das Contribuições e Impostos, em direito processual fiscal – é precisamente uma das especialidades do direito processual laboral relativamente ao direito processual civil.
Mas é evidente que essa especialidade [do regime do direito processual laboral] não coarcta ou elimina, ou sequer dificulta de modo particularmente oneroso, o direito ao recurso que o Código de Processo do Trabalho reconhece, não violando o art. 20º, nº 2, da Constituição, pois que, se o recorrente cumprir a obrigação que a lei lhe impõe de fazer a sua alegação de recurso no requerimento de interposição, o processo seguirá os seus termos.
E, no Acórdão nº 266/93, versando sobre situação semelhante à dos presentes autos, afirmou-se ainda:
A exigência de a alegação ter de constar do requerimento de interposição de recurso ou, quando muito, de ter de ser apresentada no prazo de interposição do recurso de oito dias, não diminui, por si mesma, as garantias processuais das partes, nem acarreta um cerceamento das possibilidades de defesa dos interesses das partes que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável.
Na verdade, o legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual [...]. Há uma preocupação de maior celeridade e economia processual no domínio das leis regulamentadoras do processo de trabalho, visando no fundamental evitar que as demoras do processo penalizem as partes mais fracas do ponto de vista económico, os trabalhadores, os sinistrados e os seus familiares. Só no caso de não vir a ser admitido o recurso interposto é que as partes se poderão queixar da inutilidade da apresentação de alegações (cfr. art. 77º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho), mas tal inconveniente não é susceptível de fundamentar, por si só, um juízo de inconstitucionalidade do art. 76º, nº 1, do mesmo diploma.
[...]
Por último, e decisivamente, a concessão de um prazo de 8 dias para motivação do recurso de agravo interposto de decisão proferida em segunda instância não se revela passível de censura constitucional, pois tal prazo não pode considerar-se intoleravelmente exíguo, tanto mais que o objecto desta espécie de recurso tem a ver em regra com a impugnação de decisões respeitantes a matérias processuais, de menor complexidade, como decorre da conjugação dos arts. 721º, 722º e 754º, alínea b), do Código de Processo Civil. Não existe, assim, o risco denunciado pelo recorrente, nas suas alegações, de que possa chegar-se a 'uma justiça pronta mas materialmente injusta' [...].
Pois bem, é a esta fundamentação que se adere, mantendo-se a orientação fixada nesta jurisprudência, não se vislumbrando quaisquer razões no sentido da sua alteração ou afastamento.
III – DECISÃO
5. Nestes termos, decide-se:
a) não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 76º, nº
1, do Código de Processo do Trabalho de 1988;
b) consequentemente, negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) UC’s. Lisboa, 20 de Junho de 2000 Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa