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Proc. nº 13/99
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Dv. M. intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Almada acção especial de restituição da posse contra a D...,SA e contra a S...,Lda (ora recorridas) pedindo, em suma, a condenação das rés na restituição ao autor da posse dos imóveis identificados nos autos, bem como no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos alegadamente sofridos com a conduta daquelas.
2. As rés contestaram, separadamente, a acção, fazendo-o por excepção e por impugnação. A ré D.... invocou a ineptidão da petição inicial, bem como a excepção da litispendência, relativamente ao pedido de indemnização, por se encontrar pendente uma outra acção, a correr os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Almada sob o nº 5788/88, onde se deduzia idêntica pretensão. Ainda por excepção invocou a caducidade desta acção de restituição provisória da posse, por ter sido intentada para além do prazo cominado no art. 1282º do Código Civil. Por impugnação sustentou, em síntese, que nunca chegou a ser celebrado qualquer contrato de arrendamento com o autor. A ré S....,Lda, por sua vez, invocou as excepções da caducidade e da litispendência, em idênticos termos aos da D... . Por impugnação alegou factos que reproduzem aqueles que já haviam sido alegados na defesa apresentada pela D... . O autor replicou a qualquer das contestações apresentadas.
3. Tendo, entretanto, falecido o autor, foi efectuada a correspondente habilitação de herdeiros, com os quais prosseguiu a lide.
4. Findos os articulados foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu pela ilegitimidade da ré S...,Lda que foi, por isso, absolvida da instância. Julgou ainda o Tribunal procedente a excepção da litispendência relativamente ao pedido de indemnização, absolvendo, nesta parte, a ré D... da instância. Relativamente à excepção peremptória da caducidade, pronunciou-se o Tribunal igualmente pela sua procedência, pelo que absolveu a ré D... do pedido.
5. Inconformada com o teor deste despacho-sentença a autora M. E., viúva do autor Dv., apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que admitiu a apelação, bem como os demais recursos, estes de agravo, interpostos pelo autor até ao despacho-saneador. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 30 de Maio de 1996, decidiu: a. negar provimento ao agravo interposto do despacho de fls. 105, de
9-1-1991; b. negar provimento ao agravo interposto do despacho de fls. 153, de
23-2-1992; c. negar provimento ao recurso na parte em que a decisão considerou a ré S...,Lda parte ilegítima; d. conceder provimento ao recurso na parte em que a decisão julgou verificar-se a excepção da litispendência, relativamente ao pedido de indemnização; e. julgar improcedente, por não provada, a apelação da decisão que julgou verificada a excepção peremptória da caducidade e absolver a ré D... do pedido; f. julgar improcedente a invocada inconstitucionalidade do art. 1282º do CC, com a interpretação dada pelas instâncias.
6. Do acórdão da Relação recorreu de novo a apelante, desta vez para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por decisão de 25 de Novembro de 1998, veio a negar provimento à revista, bem como aos agravos interpostos, alterando a decisão proferida pela Relação tão só no tocante às custas. Determinou ainda aquele Tribunal o prosseguimento da acção quanto ao pedido de indemnização.
7. Ainda inconformada a autora apresentou um requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional que, em síntese, dispunha como segue:
'O recurso é interposto com base nas alíneas a), b), c) e f) da LTC. O Tribunal Constitucional deve apreciar a inconstitucionalidade/ilegalidade das normas do art. 382º/1/CPC (versão anterior) e do art. 1282º do CC. O sentido inconstitucional/ilegal dessas normas já foi explicitado e concretizado nas alegações e conclusões apresentadas pela recorrente e ajuizadas na 2ª e 3ª Instâncias. Foi violado o exercício do direito de acção de restituição da posse dentro dum prazo expressamente concedido por lei, que o Tribunal extingui ilegal/inconstitucionalmente, com violação frontal do disposto no art. 18º da Lei fundamental. O Tribunal não pode eliminar prazos legais para introduzir em juízo a acção de restituição de posse e reduzir 2 prazos a 1 só prazo, pelo simples motivo de vivermos num estado calamitoso de direito, em que o Tribunal não cumpre os prazos públicos e se torna moroso e, nessa medida, injusticeiro pelo decurso desrazoável do tempo para decidir. A inconstitucionalidade/ilegalidade foi suscitada e ajuizada ao longo dos autos, designadamente: a. Nas alegações e conclusões de 8.1.96; b. No requerimento de recurso de 14.6.96; c. Nas alegações e conclusões de 19.11.96; d. Nas conclusões de 24.2.97; e. No acórdão do TR Lx de 30.5.96; f. No acórdão do STJ de 25.11.98.
8. Em face deste requerimento foi a recorrente convidada, por despacho do Relator do processo no Supremo Tribunal de Justiça, a 'especificar a norma da LTC ao abrigo da qual pretendia interpor recurso'. Em resposta àquela solicitação a recorrente veio dizer o seguinte:
'1. O recurso é interposto com base nas alíneas a), b), c) e f), do art. 70º, nº
1, da LTC. '.
9. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 480 a 485). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
'Nos termos do artigo 75º-A, nº 1, da LTC, o recorrente deve, logo no requerimento de interposição do recurso, indicar a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto, exigência que se justifica pela necessidade de permitir ao Tribunal determinar desde logo qual o tipo de recurso que está em causa. Em resposta à solicitação do Relator do processo no Supremo Tribunal de Justiça para que especificasse a norma do artigo 70º da LTC ao abrigo do qual o recurso
é interposto a recorrente limitou-se a repetir o que já dissera antes; isto é, que o recurso era interposto ao abrigo das alíneas a), b) c) e f) do nº 1 daquele artigo 70º. Tal indicação, nos termos em que é feita, revela-se, contudo, manifestamente insuficiente para que se possa considerar cabalmente cumprido o ónus previsto no artigo 75º-A, nº 1 da LTC. Ao limitar-se a indicar, genericamente, que o recurso é interposto ao abrigo de
4 (quatro) alíneas do nº 1 do artigo 70º, sem relacionar cada uma das alíneas invocadas com a(s) norma(s) cuja constitucionalidade ou legalidade pretende ver apreciada - i.e., com uma parte do objecto do recurso -, a recorrente coloca o Tribunal Constitucional numa situação de verdadeira impossibilidade de determinar quais o tipos de recurso que estão em causa bem como qual o respectivo objecto e, nessa medida, numa situação de impossibilidade de tomar conhecimento do mesmo.
É que, sendo o objecto do recurso constituído por mais do que uma norma jurídica e pretendendo o recorrente interpor mais do que um tipo de recurso, a exigência formulada pelo nº 1 do artigo 70º implica que o recorrente indique que parte desse objecto é interposto ao abrigo de que alínea daquele nº 1, na medida em que só assim se realizarão as funções que justificam as exigências aí formuladas: permitir desde logo ao Tribunal determinar o(s) tipo(s) de recurso(s) que estão em causa e o respectivo objecto de cada um deles. Não o tendo feito, e como no artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional se estabelece um requisito formal do conhecimento do recurso, e não um simples dever de colaboração com o Tribunal, a consequência do incumprimento das exigências feitas por aquele preceito legal é o não conhecimento do recurso'.
10. Inconformada com esta decisão a recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, alegando, em síntese, que: i) quando notificada pelo Relator do processo no STJ para especificar a norma da LTC ao abrigo da qual pretendia interpor recurso, a recorrente não se limitou a repetir o que já dissera antes, pois corrigiu a falha existente, acrescentando que se tratava do nº 1 do art. 70º da LTC; ii) a mais não era obrigada pelo art. 75º-A, nº 1 da LTC. O pretendido relacionamento de cada uma das alíneas invocadas com as normas cuja constitucionalidade ou ilegalidade pretende ver apreciada é tarefa reservada às alegações nos termos do art. 79º da LTC, não podendo ser antecipada para o requerimento de interposição do recurso; iii) o Tribunal Constitucional estava obrigado a formular um novo convite, face ao princípio da boa-fé que deve nortear o julgador; iv) a interpretação dada ao art. 75º, nº 1, al. a) é inconstitucional, porque extravasa o sentido literal e útil do preceito e cria antecipadamente uma exigência surpresa desnecessária e proibida pelo fluxo normal das exigências alegatórias do art. 79º da LTC.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
11. É manifesta, como vai ver-se, a improcedência da presente reclamação. Alega a reclamante, em primeiro lugar, que quando notificada pelo Relator do processo no Supremo Tribunal de Justiça para especificar a norma da LTC ao abrigo da qual pretendia interpor recurso, não se limitou a repetir o que já dissera antes, acrescentando que se tratava das alíneas a), b), c) e f), do nº 1 do art. 70º da LTC. Porém, como resulta claramente da fundamentação da decisão reclamada, a omissão relevante no requerimento de interposição do recurso não consistia na circunstância de a recorrente não ter reportado as alíneas que referiu ao nº 1 do artigo 70º (que é, aliás, o único número do artigo 70º que se estrutura em alíneas), mas em não ter especificado que parte do objecto do recurso é interposto ao abrigo de cada uma dessas alíneas, omissão que se manteve mesmo depois da resposta ao convite do Relator. Irrelevante é também a circunstância de o Tribunal a quo ter, após a correcção feita, admitido o requerimento de interposição do recurso. É que, como se disse também na decisão reclamada, a decisão que admite o recurso não vincula o Tribunal Constitucional (76º, nº 3 da LTC). Alega ainda a reclamante que não era obrigada, nos termos do art. 75º-A, nº 1 da LTC, a fazer a pretendida ligação de cada uma das alíneas invocadas com as normas cuja constitucionalidade ou ilegalidade pretende ver apreciada, na medida em que, no seu entender, tal tarefa é reservada às alegações nos termos do art.
79º da LTC. Mais uma vez, porém, sem razão. Como este Tribunal tem afirmado repetidamente, o requerimento de interposição do recurso – e não as alegações – é o acto idóneo à fixação do respectivo objecto. Do requerimento de interposição do recurso têm então que constar já todos os elementos que permitam a este Tribunal perceber qual o tipo de recurso em causa bem como, na hipótese de o recorrente pretender interpor mais de um tipo de recurso – de entre os vários referidos no art. 70º, nº 1 -, qual o respectivo objecto de cada um deles. Como se disse já na decisão reclamada, e agora mais uma vez se reitera, 'ao limitar-se a indicar, genericamente, que o recurso é interposto ao abrigo de 4
(quatro) alíneas do nº 1 do artigo 70º, sem relacionar cada uma das alíneas invocadas com a(s) norma(s) cuja constitucionalidade ou legalidade pretende ver apreciada - i.e., com uma parte do objecto do recurso -, a recorrente coloca o Tribunal Constitucional numa situação de verdadeira impossibilidade de determinar quais o tipos de recurso que estão em causa bem como qual o respectivo objecto e, nessa medida, numa situação de impossibilidade de tomar conhecimento do mesmo'. Improcede igualmente o argumento de que o Tribunal Constitucional estaria obrigado a formular um novo convite. Como resulta claramente do disposto no nº 6 do artigo 75º-A da LTC, o relator do processo no Tribunal Constitucional só está obrigado a formular o convite a que se refere o nº 5 do mesmo artigo quando o juiz ou o relator que admitiu o recurso de constitucionalidade não o tenha feito. Ora, no caso, a recorrente havia já sido convidada pelo Relator do processo no Tribunal a quo a indicar a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo do qual o recurso era interposto, o que, de acordo com o preceito supra referido, tornava inexigível um segundo convite para o mesmo efeito. Finalmente refira-se que é absolutamente improcedente a alegação de que 'a interpretação dada ao art. 75º-A, nº 1, é inconstitucional, porque extravasa o sentido literal e útil do preceito e cria antecipadamente uma exigência surpresa desnecessária e proibida pelo fluxo normal das exigências alegatórias do art.
79º da LTC'. Não se vê mesmo – nem, aliás, a reclamante o refere - qual a norma ou princípio constitucional que poderia ser posto em causa por tal interpretação. III - Decisão Por tudo o exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta
Lisboa, 1 de Março de 2000 José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida