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Processo nº 331/00
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - P...,Lda. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Março
último, que negou provimento ao agravo por si interposto da decisão do Tribunal de Círculo de Vila do Conde, de 26 de Janeiro de 1999, proferida nos autos de reconhecimento e execução de sentença estrangeira, requeridos por C.....–S.R.L., com sede em Treviso, Itália, nos termos e para os efeitos do artigo 33º da Convenção de Bruxelas de 1968 (Convenção relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, aprovada para ratificação pela Assembleia da República pela Resolução nº 34/91 e publicada no Diário da República, I Série-A, de 30 de Outubro de 1991) – em que é requerida a ora reclamante.
O acórdão impugnado declarou executória, nos termos do disposto no artigo 31º da Convenção, a decisão que condenara a ora reclamante a pagar à requerente uma determinada quantia em liras italianas.
Pretende-se, com o recurso, que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade da norma do artigo 34º da Convenção em referência, por se entender que a mesma viola os princípios do contraditório e da proibição da indefesa, consagrados nos artigos 32º, nº 5, e 20º da Constituição da República (CR), questão suscitada no recurso de agravo.
O recurso não foi admitido, por despacho do Desembargador relator, de 10 de Abril último.
Entendeu-se não se encontrarem esgotadas as possibilidades de recurso ordinário, considerando o disposto no artigo 70º, nºs.
1, alínea b), e nº 2, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
2. - É deste despacho que se reclama, invocando-se, para o efeito, o disposto no nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil: não suscitada oposição de julgados e, por outro lado, não se verificando nenhuma das hipóteses ressalvadas no nº 3 desse preceito, uma vez que o acórdão não pôs termo à execução ordinária em que foi proferido, nem incide sobre questão relacionada com regras de competência internacional, em razão da matéria ou da hierarquia ou a ofensa de caso julgado, nem tão pouco sobre o valor da causa, sempre se encontrariam esgotadas as vias de recurso ordinário.
Foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos do nº 2 do artigo 77º da Lei nº 28/82.
Defende o magistrado competente que a reclamação deve ser julgada improcedente, se bem que por fundamentação diferente da considerada no Tribunal a quo.
Com efeito, perante a redacção do nº 4 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, emergente da redacção dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, não incide sobre os recorrentes ao abrigo da alínea b) do nº
1 do artigo 70º desse diploma o ónus da efectiva utilização dos meios impugnatórios existentes na ordem dos tribunais judiciais, bastando que os mesmos se considerem precludidos antes da interposição do recurso de constitucionalidade. Não é, assim, de exigir ao recorrente que demonstre a inexistência do 'conflito jurisprudencial' aludido na parte final do nº 2 do citado artigo 754º, como condição para se aceder ao Supremo na dirimição de questão de natureza processual.
Não obstante, o recurso mostra-se manifestamente infundado.
Na verdade, a norma questionada respeita integralmente o contraditório, seja mediante intervenção no processo do devedor, admitido a fazê-lo com a advertência das respectivas consequências, seja com a notificação da decisão e as possibilidades de exercer a sua defesa.
Nesta perspectiva o recurso está, manifestamente, condenado à improcedência, o que pode desde já ser considerado para efeitos do seu não recebimento.
Corridos os demais vistos legais, cumpre apreciar.
3. - O despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade fundamentou-se no facto de a decisão recorrida não ter esgotado as possibilidades de recurso ordinário, citando, a esse propósito, o disposto na alínea b) do nº 1 e nº 2 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
A reclamante, por seu turno, argumentou com o disposto no artigo 754º do Código de Processo Civil, pertinente aos agravos em 2ª Instância.
Na verdade, no caso dos autos mostram-se efectivamente
'esgotados' os recursos ordinários possíveis relativamente à decisão que, no
âmbito da execução ordinária, conferiu liminarmente executoriaedade a sentença estrangeira.
É o que resulta do regime limitativo de admissibilidade de agravo em 2ª instância, de acordo com o preceituado nos nºs. 2 e 3 do artigo
754º, na redacção emergente dos Decretos-Leis nºs. 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro, e, mais recentemente, do Decreto-Lei nº 375-A/99, de 20 de Setembro.
É que, como observou ainda o Ministério Público, não se tratando de 'decisão que ponha termo ao processo', não está em causa nenhuma das situações processuais que legitimam sempre a interposição de recurso e não se vislumbra a existência de qualquer 'conflito jurisprudencial' sobre a questão jurídica debatida nos autos, susceptível de integrar a parte final do nº 2 daquele artigo 754º.
A verdade é que ainda que se esse conflito existisse, tal não impediria o recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da parte final do nº 2 do artigo 70º da Lei nº 28/82.
A reclamação seria, a esta luz, de deferir.
4. - Equaciona-se, no entanto, a manifesta falta de fundamento do recurso subjacente.
Com efeito, o Tribunal Constitucional tem entendido que o carácter manifestamente infundado do recurso pode (deve) ser apreciado logo em sede de reclamação.
É que, como se escreveu no acórdão nº 294/99, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 1999, se o tribunal a quo pode não admitir o recurso com esse fundamento, dificilmente se compreenderia que o Tribunal Constitucional não pudesse proceder de igual modo quando, a um primeiro exame, se lhe afigurar evidente a improcedência (no mesmo sentido, v.g., o acórdão nº 622/99, ainda inédito).
O problema coloca-se, deste modo, em sede de caracterização do recurso como manifestamente infundado.
Ora, entende-se que um recurso é assim qualificável quando a análise meramente liminar da argumentação aduzida pelas partes nas alegações apresentadas permita concluir, com segurança, que as questões suscitadas são manifestamente improcedentes (nas palavras de Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, pág. 479).
Surpreende-se, implícito, um juízo sobre a viabilidade do recurso.
5. - O artigo 34º da Convenção de Bruxelas não contempla, na verdade, o contraditório no processo de concessão do exequatur, até ao momento em que é proferida a respectiva decisão: nesta fase, a parte contra quem a execução é instaurada não é chamada a pronunciar-se. O que decorre da intenção do texto convencional em obter, célere e desformalizadamente, o pretendido exequatur sem necessidade de promover um processo prévio de revisão e de confirmação das sentenças estrangeiras.
Esse objectivo dispensou, nesta fase, a audiência prévia da parte contrária, sem prejuízo de, logo que proferida a decisão, dela poder recorrer, 'de acordo com as regras do contraditório' – cfr. artigos 36º e seguintes da Convenção.
E, na verdade, a parte requerida, não só teve oportunidade de exercer a sua defesa em consonância com a mecânica processual prevista no Estado de origem – e, como tal, sujeita ao controlo de competência dos respectivos órgãos jurisdicionais – como, agora, no Estado requerido, pode reagir da decisão que concede o exequatur, recorrendo para o Tribunal da Relação competente – restritamente à matéria de direito, cfr. artigo 37º-, observando-se aqui, de modo pleno, o contraditório.
Dispõe o artigo 39º da Convenção que, durante o prazo de recurso previsto no artigo 36º e na pendência de decisão sobre o mesmo, só podem tomar-se medidas cautelares sobre os bens da parte contra a qual a execução foi promovida.
O que torna compreensível a inexistência do contraditório nesta fase em que a decisão que permite a execução implica a adopção de medidas cautelares – e só essas – sobre os bens da parte contra a qual a execução foi promovida. De outro modo, não sendo permitidas medidas de carácter definitivo dado o risco de serem prematuras, sobraria a possibilidade de se frustrar a providência requerida pelo eventual desaparecimento dos bens da executada (cfr. Miguel Teixeira de Sousa e Dário Moura Vivente, Comentário à Convenção de Bruxelas, Lisboa, 1994, pág. 163).
De resto, e por outro lado, a efectiva não observância de um prévio contraditório – a exercer-se só diferidamente – e o facto de não ser necessário o trânsito em julgado da decisão no Estado de origem – como decorre, a contrario, do primeiro parágrafo do artigo 38º da Convenção -, são compagináveis com o efeito suspensivo concedido ao recurso e, assim, minorado substancialmente o risco de ser instaurada prematuramente a execução (neste sentido, cfr. António Montalvão Machado, 'O Tratamento na Ordem Interna Portuguesa da Exequibilidade das Decisões Judiciais e dos Actos Autênticos Estrangeiros, Segundo a Convenção de Bruxelas', separata da Scientia Iuridica, Tomo XIV, nºs. 262/264, Julho-Dezembro de 1996, maxime, págs. 7, 22 e 51).
Assim sendo, porque a questão de constitucionalidade só deve subir ao Tribunal Constitucional quando apareça, prima facie, dotada de uma certa atendibilidade, o que se considera não ser o caso, a solução que melhor realiza o objectivo de impedir a utilização do recurso de constitucionalidade para obter fins meramente dilatórios, é – na esteira do citado acórdão nº 294/99
– a de, desde já, não admitir o recurso com fundamento no seu carácter manifestamente infundado.
6. - Consequentemente, e tendo presente o apelo a diferente fundamentação e o disposto no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, decide-se ordenar a notificação da reclamante para se pronunciar, querendo, sobre a questão da inviabilidade do recurso por ser manifestamente infundado. Lisboa, 16 de Junho de 2000 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida