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Proc. nº 295/99
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - J..., JC... e JM..., primeiros-sargentos de Infantaria, interpuseram recurso contencioso de anulação, no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, do despacho proferido em 22 de Dezembro de 1997 pelo General Comandante da Logística, no uso da competência que lhe foi delegada pelo General Chefe do Estado Maior do Exército, despacho esse que lhes indeferiu o pedido, formulado pelos recorrentes, para que lhes fosse reconhecido 'o direito de não auferirem remuneração inferior à de sargento com igual ou menor antiguidade ou posto da Marinha...', com efeitos ao nível do '...pagamento... dos retroactivos correspondentes à diferença entre as remunerações efectivamente percebidas no posto de primeiro-sargento, desde a publicação do Decreto-Lei nº 80/95, de 22 de Abril de 1995 até 01 de Julho de 1997, data do início da produção de efeitos do Decreto-Lei nº 299/97, de 31 de Outubro'. O Juiz daquele Tribunal, por sentença de 10 de Fevereiro de 1999, julgou inconstitucional o Decreto-Lei nº 80/95, ao estabelecer um regime retributivo diferenciado para a categoria de primeiro-sargento entre a Marinha e os demais ramos das Forças Armadas, por violação do princípio da igualdade, 'que tem consagração constitucional, designadamente nos artigos 13º, 18º, 266º e 268º, nº
3, o que determina a anulabilidade do despacho impugnado por violação de lei'. Desta decisão, o magistrado do Ministério Público respectivo interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo obter a apreciação da constitucionalidade na norma do artigo 8º do Decreto-Lei nº 299/97, citado. O recurso foi admitido pelo Juiz respectivo - o que, porém, não vincula o Tribunal Constitucional, nos termos do nº 3 do artigo 76º daquela Lei nº 28/82.
2. - Neste Tribunal, entendeu o relator não poder conhecer-se do objecto do recurso, por falta de pressupostos, pelo que, de acordo com o nº 1 do artigo
78º-A da Lei nº 28/82, lavrou decisão sumária, em 11 de Junho último. Escreveu-se, então:
'3.1. - O Decreto-Lei nº 80/95, citado, teve por objectivo corrigir 'a existência de anomalias com especial incidência na categoria de sargento da Marinha e, dentro desta, no posto de primeiro sargento' - como se lê do respectivo preâmbulo - anomalias que produziram 'efeitos preversos com nítido prejuízo da hierarquia funcional, dadas as especificidades da alimentação e a natureza do desenvolvimento de tal carreira e das praças da Marinha das classes homónimas' (loc. cit.). Esta medida legislativa que visou, tão somente, a correcção de anomalias, detectadas por efeito da prática da vigência do regime remuneratório aplicável aos militares dos quadros permanentes das Forças Armadas, e especialmente repercutidas na categoria de sargentos da Marinha, não teve, porém, em conta, a diferenciação de remunerações assim resultantes entre os primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea, situação que posteriormente sensibilizou o legislador com expressão, a partir de 1 de Julho de 1997, na norma do artigo 8º do Decreto-Lei nº 299/97: a partir dessa data, a diferenciação remuneratória porventura existente entre os primeiros-sargentos da Marinha e os primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea, com igual ou superior antiguidade no posto relativamente aos primeiros - diferenciação ocorrida em virtude das prescrições estabelecidas pelo Decreto-Lei nº m80/05 - deixou de se verificar (cfr., sobre este ponto, o recente acórdão nº 306/99, por publicar).
3.2. - O Decreto-Lei nº 299/97, ao revogar o Decreto-Lei nº 80/95 (cfr. o artigo
6º) pretendeu pôr cobro a uma situação de eventual tratamento remuneratório desigual. E, nessa medida, determinou que aos primeiros-sargentos dos quadros permanentes da Marinha no activo que auferissem remuneração inferior à de sargentos, também da Marinha, com menos antiguidade ou menor posto, fosse dado um abono - o diferencial de remuneração - calculado nos termos do seu artigo 3º, ou, no caso de promoção de segundos-sargentos a primeiro-sargento, posicionando os promovidos cuja remuneração efectivamente percebida já incluísse aqueles diferenciais, no 1º escalão do posto de primeiro-sargento, mantendo o diferencial no montante que excedesse o índice do 1º escalão (cfr. artigo 4º). Por sua vez, estatuindo, no artigo 2º, que o direito ao abono do diferencial estabelecido para os primeiros-sargentos da Marinha se aplicava aos primeiros sargentos do Exército e da Força Aérea, na situação de activo, sempre que estes auferissem menor remuneração e tivessem igual ou maior antiguidade no posto relativamente aos primeiros-sargentos da Marinha (cfr. artigo 2º), determinou, no seu artigo 8º, a produção de efeitos a partir de 1 de Julho de 1997.
3.3. - Ora, se bem que para os próprios recorrentes a norma deste artigo 8º se apresenta de duvidosa constitucionalidade, o certo é que a mesma não foi desaplicada na decisão recorrida que, assim o vimos, se limitou a não aplicar o regime do Decreto-Lei nº 80/95, tido por inconstitucional, nos termos já referidos, e que vigorou até à data fixada por aquele artigo 8º. Sendo assim, não há, na verdade, fundamento para o interposto recurso ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, uma vez que não houve recusa de aplicação da dita norma do artigo 8º com fundamento em inconstitucionalidade.'
3. - Notificado, o magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional veio reclamar para a conferência - nos termos previstos no nº 3 do citado artigo 78º-A - considerando:
- que a decisão impugnada julgou efectivamente inconstitucional o Decreto-Lei nº
80/95, de 22 de Maio, sem que, todavia, tenha curado de especificar quais as concretas normas de tal diploma legal que considerou afectadas pelo vício de inconstitucionalidade material que considerou verificado;
- que, por outro lado, tal decisão - de conteúdo lacónico - parece orientar-se para que tal inconstitucionalidade derivaria da conjugação de 'normas' de tal Decreto-Lei nº 80/95 - que não identifica - com 'a data fixada pelo artigo 8º do Decreto-Lei nº 299/97, de 31 de Outubro', já que, neste ponto, parece aderir à alegação do recorrente;
- que, no requerimento de interposição de recurso - supõe-se que por lapso manifesto - apenas é feita referência à 'norma do artigo 8º do Decreto-Lei nº
299/97';
- que, no entanto, lhe parece dever tal lapso precludir irremediavelmente o respectivo conhecimento do recurso, dada a especificidade e a função de recurso fundado na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82;
- lapso, aliás, patente face à mera análise do teor literal da decisão recorrida
- sendo certo que o recurso fundado naquela alínea a) pressupõe e só pode reportar-se à recusa de aplicação normativa, constante da sentença impugnada, não tendo o recorrente qualquer autonomia para delimitar o objecto de tal tipo de recurso obrigatório.
Requereu-se, assim:
a) o suprimento ou correcção de tal lapso, cometido no tribunal 'a quo', reportando-se o objecto do recurso à recusa de aplicação das normas constantes do Decreto-Lei nº 80/95, de 22 de Maio que prevêem um regime retributivo diferenciado para a categoria de 1º Sargento da Marinha e para idêntico posto dos demais ramos das Forças Armadas, o qual não foi removido em consequência do limite temporal à vigência do Decreto-Lei nº 299/97, de 31 de Outubro, resultante do artigo 8º deste diploma legal; b) simultaneamente se impugnando, perante a conferência, que o lapso manifesto do magistrado recorrente na identificação formal da norma desaplicada na decisão recorrida - liminarmente perceptível face ao teor literal de tal decisão - deva precludir irremediavelmente a apreciação do recurso de constitucionalidade obrigatoriamente interposto. Os recorridos, por seu turno, vieram aos autos defender a improcedência da reclamação. Cumpre decidir.
II
1. - O juízo 'desaplicativo' contido na decisão recorrida baseou-se na censura que o Decreto-Lei nº 80/95 lhe mereceu, face ao princípio constitucional da igualdade, ao proporcionar, em termos que se consideraram injustificáveis nessa
óptica, uma diferenciação remuneratória entre os primeiros-sargentos da Armada e os dos demais ramos das Forças Armadas. A decisão teve por objecto esse diploma - aliás, de curtíssimo articulado (2 artigos) -, que, clara e explicitamente, recusou aplicar. Sublinha neste Tribunal, o magistrado do Ministério Público, que a sentença não curou de especificar qual a concreta norma que, em seu critério, sofre de inconstitucionalidade. Salvo a exigência de extremo rigor e problemática razão - não parece que o artigo 2º do diploma corresponda a um conceito normativo funcionalmente adequado para efeitos de fiscalização de constitucionalidade - não seria, então, logicamente exemplar a iniciativa do recurso, fundado no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82, que, como reconhece, só pode cingir-se à recusa de aplicação normativa. De qualquer modo, o que se tem por apodíctico é a insustentabilidade da tese do lapso manifesto, dado o cerne decisório respeitar à diferenciação remuneratória criada pelo texto de 1995 e que o julgador entendeu afastar (na verdade a iniciativa estaria correcta se a norma afastada fosse a do artigo 8º do Decreto-Lei nº 299/97 como ocorreu no concreto caso, do mesmo Tribunal, que deu aso ao acórdão nº 306/99, já citado). Ora, não só o requerimento de interposição do recurso se refere explicitamente
'à apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 8º do Decreto-Lei nº
299/97 de 31.10', como o juiz recorrido explicitamente o que recusa observar é o sistema retributivo 'que vigorou desde a entrada em vigor do Decreto-Lei nº
80/95, de 22/4, até à data fixada pelo artigo 8º do Decreto-Lei nº 299/97, de
31/10'. Ou seja, o juízo desaplicativo em causa não incidiu sobre qualquer norma deste
último diploma legal, não se verificando, assim, os pressupostos de admissibilidade do recurso a que alude a alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
2. - Não se desenhando o pretendido lapso manifesto do magistrado recorrente na identificação formal da norma desaplicada na decisão recorrida, nem muito menos sendo 'liminarmente perceptível (esse lapso) face ao teor literal de tal decisão', não se vê como não concluir pela preclusão irremediável da apreciação do recurso interposto. Compreender-se-ia o eventual apelo ao disposto no nº 5 do artigo 75º-A da Lei nº
28/82 se, nos requisitos do requerimento de interposição do recurso, a que este deve obedecer, não constasse alguns dos pressupostos de admissibilidade do mesmo, como seja, a indicação da norma recusada aplicar por alegada inconstitucionalidade. Não assim no caso vertente, pois que se entende nada haver a suprir ou, designadamente, a corrigir.
3. - Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação. Sem custas, por não serem devidas pela entidade reclamente. Lisboa, 21 de Setembro de 1999 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida