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Proc. nº 90/97
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - L..., tendo sido notificado do acórdão do Tribunal Constitucional nº 373/99, de 22 de Junho de 1999, veio 'requerer o esclarecimento das obscuridades e/ou ambiguidades constantes do mesmo'.
Para o efeito, cita a passagem desse aresto em que se alude à inexigência, em princípio, de um duplo grau de jurisdição em matéria de recursos, dado que apenas em matéria penal e na medida (mas só nessa medida) em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa previstas no artigo 32º da Constituição da República (CR), o duplo grau está constitucionalmente consagrado, citando-se, como exemplo ilustrativo da jurisprudência deste Tribunal, o acórdão nº 638/98.
Ora, diz o requerente, neste aresto escreveu-se, além do mais, nomeadamente, que 'o legislador ordinário terá [...] de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afectar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos', gozando, nos restantes casos, de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.
Assim sendo, observa o interessado, ao citar-se o acórdão nº 638/98, cita-se um aresto que sufraga 'as posições assumidas pelos conselheiros Vital Moreira e António Vitorino nas respectivas declarações de voto de vencido, constantes dos acórdãos nºs. 65/88 e 202/90 deste Tribunal Constitucional, segundo as quais está constitucionalmente incluída no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do
âmbito penal'.
Haverá, assim, no acórdão proferido nos presentes autos e na tese do requerente 'uma ambiguidade ou obscuridade, consistente na dúvida ou incerteza sobre se o Tribunal [...] quis ou não [...] significar que, também ele, considera estar incluída no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal'.
Requere-se, em consequência, a aclaração da apontada ambiguidade/obscuridade, a fim de se esclarecer exactamente o âmbito de significação que o acórdão, nessa passagem, encerra.
Ouvido, o Conselho Superior da Magistratura ofereceu o merecimento dos autos.
2. - Nos termos do artigo 669º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, pode qualquer das partes requerer ao tribunal que proferiu a decisão 'esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha'.
Como ainda recentemente se escreveu em aresto deste Tribunal, decisão obscura é a que contém algum passo cujo sentido não é intelegível e decisão ambígua é a que permite a atribuição de mais do que um sentido ao seu texto (cfr. acórdão nº 444/99, de 8 de Julho último, inédito).
Ora, o parágrafo do acórdão nº 373/99, convocado pelo requerente, inserido em contexto que trata da problemática da constitucionalidade do recurso em único grau de jurisdição das decisões do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, afirma de modo claro e inequívoco, onde não se surpreende ambiguidade ou obscuridade alguma, que a jurisprudência do Tribunal Constitucional se tem pronunciado pela exigência de um duplo grau de jurisdição, em matéria de recursos, apenas em matéria penal e na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa previstas no artigo 32º da CR - o que não configura o caso então em apreço.
É certo que o acórdão se apoia na jurisprudência constitucional, citando como exemplo o nº 638/98.
No entanto, torna-se evidente que a doutrina emanada desse acórdão não permite a extrapolação para mais de um sentido nem torna duvidoso qual seja esse sentido.
Pelo contrário, o que dogmaticamente se afirma no dito acórdão, na passagem parcialmente transcrita, é a necessidade de o legislador ordinário assegurar o recurso das decisões condenatórias 'e, ainda, em certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afectar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidas', no mais gozando de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso - desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.
Acontece é que, documentando a sua afirmação, o acórdão não se dispensou de citar 'algumas vozes' que têm considerado constitucionalmente extensível o direito ao recurso, mesmo fora do âmbito penal, o que ilustra com a menção das declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, apostas nos acórdãos nºs. 65/88e 202/90, respectivamente (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., pág. 653, e
16º vol., pág. 505).
Como é óbvio, citar essas 'vozes' discordantes não significa adesão, como, de resto, flui da leitura do acórdão. É, por conseguinte, inexacto afirmar que, nessa medida o acórdão em referência sufraga a tese dos que se afastam da doutrina que professa.
3. - Em suma, nada há a aclarar, assim se indeferindo o requerido.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça que se fixa em 10 (dez) unidades de conta. Lisboa, 28 de Setembro de 1999- Alberto Tavares da Costa Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Artur Maurício Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa