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Processo n.º 1178/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. O Ministério Público, em processo emergente de acidente de trabalho, representando o sinistrado A., veio requerer a realização de exame de revisão da incapacidade por acidente ocorrido em 23 de fevereiro de 1996 e cuja pensão fora fixada por sentença proferida em 12 de junho de 1998, mantendo-se inalterada desde então.
Deferindo ao requerido, foi proferido despacho a determinar o exame, recusando aplicar, por inconstitucional, a norma constante da Base XII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 03/08/65.
A Ré B., SA, interpôs recurso desse despacho para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual foi julgado procedente por acórdão proferido em 3 de outubro de 2013.
2. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso desse acórdão para o Tribunal Constitucional, invocando o disposto nos artigos 70.º, n.º1, alínea b) e 72.º, n.º 1 da LTC, nos seguintes termos:
«(...)2º
No douto acórdão recorrido foi decidido que não é inconstitucional o determinado na Base XXII, nº 2 da Lei 2127, de 3 de agosto de 1965, por violação dos princípios da igualdade e da justa reparação previstos, respetivamente, nos artigos 13º e 59º, nº 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada aquela norma com o sentido de que, decorrido o prazo de 10 anos desde a fixação inicial da pensão ou desde a data da decisão que a manteve inalterada na sequência de anterior pedido de revisão formulado, em caso de agravamento ou recidiva das lesões, não pode ser pedida a revisão da pensão.
3º
Nas contra-alegações do recurso, a fls. 179 e ss. dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, foram alegadas pelo sinistrado, oficiosamente patrocinado pelo MP, as inconstitucionalidades cujo julgamento se pretende, agora, ver reapreciado,
4º
Aí se alegando que a Base XXII, nº 2, da Lei 2127, de 03-08-1965, quando interpretada com o sentido de que consagra um prazo preclusivo de 10 anos, desde a fixação inicial da pensão ou desde a data da decisão que a manteve inalterada na sequência de anterior pedido de revisão formulado, para, em caso de agravamento ou recidiva das lesões, poder ser pedida a revisão da pensão, é inconstitucional, por violação dos princípios da justa reparação e da igualdade, previstos, respetivamente, nos artigos 59º, n.º 1, alínea f) e 13º da Constituição da República Portuguesa,
5º
Pois tal norma restringe, de forma flagrantemente desrazoável, o direito à justa reparação das vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional,
6º
E discrimina negativamente, colocando-os em situação de desigualdade injustificada, os sinistrados por acidentes de trabalho ocorridos na vigência daquela Lei relativamente aos sinistrados por acidentes de trabalho ocorridos após 01-01-2010, porquanto estes, em situações em tudo idênticas aos primeiros, em caso de agravamento ou recidiva, podem pedir a revisão da pensão a todo o tempo (art. 70º da Lei nº 98/2009, de 04-09);
[7]º
Para cumprimento do estatuído no art. 75º -A, n' 1 da já citada LOFPTC, a norma cuja inconstitucionalidade se requer que o tribunal aprecie é, assim, a Base XXII, nº 2 da Lei nº 2127, de 3 de agosto de 1965, por violação dos arts. 13º e 59º, nº 1, alínea f) da CRP.»
3. O recurso foi admitido.
4. Neste Tribunal, foi proferida a decisão sumária n.º 707/2013, concluindo por juízo de não inconstitucionalidade da interpretação normativa questionada, com os seguintes fundamentos:
«5. A questão de constitucionalidade colocada no presente recurso remete para interpretação normativa extraída do Base XII, n.º 2 da Lei 2127, de 3 de agosto de 1965, no sentido em que consagra o prazo preclusivo de 10 anos, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas.
Colocado com tal amplitude, o sentido normativo indicado ultrapassa aquele que foi efetivamente aplicado na decisão recorrida.
Com efeito, decorre da decisão recorrida que o Tribunal a quo teve em atenção que a pensão foi fixada por sentença proferida em 12/06/98 e que não sofreu qualquer atualização durante mais de 10 anos, mormente por efeito de pedido de revisão formulado em 2001, na medida em que a decisão proferida em 16/04/2002 considerou não ter ocorrido agravamento da incapacidade, mantendo inalterada a pensão fixada. Ou seja, a interpretação normativa acolhida e aplicada pelo Tribunal a quo não comporta todo o efeito preclusivo que possa resultar do preceituado na Base XII, n.º 2, da Lei 2127, de 3 de agosto de 1965, mas sim, e apenas, aquele que tenha em atenção o transcurso de dez anos sobre a data da fixação da pensão, sem que tenha sido registada qualquer evolução justificadora do pedido de revisão.
Cumpre, então, para assegurar a necessária identidade entre a norma ou interpretação normativa efetivamente aplicada como ratio decidendi pelo Tribunal a quo e a questão de constitucionalidade a apreciar, como exige a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, afastar o conhecimento de outras interpretações normativas comportadas no preceituado na Base n.º XII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, mormente aquela julgada desconforme com a Constituição pelo Acórdão deste Tribunal com o n.º 147/2006 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt, como os demais referidos). Esse aresto julgou “inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma do n.º 2 da base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, interpretado no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamentos em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido atualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado”. Não é esse, porém, o quadro aplicativo dos presentes autos.
6. Delimitado nestes termos o objeto do recurso, de forma a cingir-se à sindicância de interpretação normativa que tenha como elemento o não agravamento das lesões sofridas durante o período de dez anos contados, a partir da data da fixação da pensão, verifica-se que a questão de constitucionalidade em cognição encontra tratamento e resposta jurisprudencial uniforme, no sentido da não inconstitucionalidade.
Avultam, a esse propósito, os Acórdãos n.ºs 155/2003 e 612/2008, em especial este último, cuja doutrina foi reafirmada no Acórdão n.º 341/2009 e nas Decisões Sumárias n.ºs 242/2009, 345/2009, 147/2011 e 265/13.
Diz-se no Acórdão n.º 612/2008:
«A Base XXII da Lei de Acidentes de Trabalho de 1965, ao caso aplicável, sob a epígrafe «Revisão das pensões», dispunha o seguinte :
1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
3. Nos casos de doenças profissionais de caráter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.
Esta norma, entretanto revogada, foi praticamente reproduzida no artigo 25º da referida Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, que estabelece o novo regime jurídico dos acidentes de trabalho.
Estando em causa o prazo preclusivo mencionado naquele n.º 2, para efeito da admissibilidade da formulação de um pedido de revisão de pensões, deve começar por dizer-se que a situação versada no citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/2006, que serviu de fundamento à decisão recorrida, não é inteiramente convergente com o caso dos autos.
Naquele aresto estava em análise uma hipótese em que tinha ocorrido um anterior pedido de revisão de pensão, ainda dentro dos dez anos posteriores à fixação da pensão inicial, vindo a formular-se o seguinte juízo de inconstitucionalidade: «[j]ulgar inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação, consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de dez anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de dez anos tenham ocorrido atualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado».
No caso vertente, porém, houve um primeiro pedido de revisão que foi indeferido por ausência do respetivo pressuposto legal – alteração da capacidade de ganho do sinistrado em resultado do agravamento da lesão -, pelo que tudo se passa como se não tivesse havido uma evolução desfavorável das sequelas da lesão naquele período de dez anos, de tal modo que o segundo pedido de atualização surge num momento em que se deveria ter por estabilizada a situação por referência àquele período de tempo.
A situação dos autos é, nestes termos, similar à analisada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 155/2003, em que se considerou que não é inconstitucional a norma n.º 2 da Base XXII da Lei nº 2127 quando aplicada a um caso em que não tinha sido formulado qualquer pedido de revisão de pensão dentro do prazo de dez anos desde a fixação da pensão inicial.
Como observou um autor, os condicionamentos temporais estabelecidos na Lei n.º 2127, e mantidos na Lei n.º 100/97, surgiram da «verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos (daí a fixação dos dois anos em que é possível requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador fixou generosamente em dez anos)» (CARLOS ALEGRE, Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, Coimbra, 2000, pág. 128).
É nesta perspetiva que se entendeu, no acórdão agora citado, que a impossibilidade de obter a revisão da pensão por parte de quem não sofreu qualquer agravamento ou recidiva no prazo de dez anos, como decorre do disposto no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, não representa uma violação do princípio da igualdade, por comparação com os sinistrados que, tendo requerido e obtido uma primeira revisão da pensão dentro desse período de tempo, ficam depois habilitados a requerer sucessivas atualizações dessa pensão, mesmo que para além desse prazo.
E esse ponto de vista encontra-se fundamentado, no aresto em referência, nos seguintes termos:
Neste contexto, não se reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade permanente que afeta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada. Diferente seria a situação de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de revisão, que determinaram o reconhecimento judicial da efetiva alteração da capacidade de ganho de vítima, com a consequente modificação da primitiva determinação do grau de incapacidade, o que indiciaria que a situação não se poderia ter por consolidada. Não ocorreria, assim, violação do princípio da igualdade na primeira perspetiva assinalada. Com efeito, mesmo a aceitar-se como correto – questão sobre a qual não cumpre tomar posição – o entendimento jurisprudencial, invocado pelo recorrente, segundo o qual os sinistrados que requereram uma primeira revisão dentro dos primeiros dez anos podiam requerer sucessivas revisões, desde que formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um decénio sobre a precedente revisão, ele respeitaria a situações diversas daquelas em que decorrera por completo o prazo de dez anos desde a data da fixação da pensão sem que tivesse sido requerida qualquer revisão. Existiria, no primeiro grupo de situações, um fator de instabilidade, que não ocorreria no segundo grupo, o que não permitiria considerar como constitucionalmente ilegítima a apontada diferenciação de regimes.
4. A questão suscitada pode, no entanto, merecer um outro desenvolvimento, mormente quando se pretenda cotejar o regime decorrente do referido n.º 2, para os sinistrados de acidente de trabalho, com o estabelecido no subsequente n.º 3, relativamente aos beneficiários de pensão por doença profissional, ou ainda com o previsto no artigo 567º, n.º 2, do Código Civil, no tocante à modificação, por alteração de circunstâncias, da indemnização cível que deva ser fixada sob a forma de renda.
O n.º 3 da Base XXII da Lei n.º 2127, já há pouco transcrito, determina, na parte que agora mais interessa considerar, que «[n]os casos de doenças profissionais de caráter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo (…)». O que poderia sugerir a existência de uma diferenciação de tratamento legislativo entre os sinistrados de acidente de trabalho, que não poderiam obter atualizações da respetiva pensão quando se não tivesse verificado qualquer evolução da lesão no período de dez anos, e os beneficiários de pensão por doença profissional, que já estariam dispensados desse requisito temporal.
Não sofre nenhuma contestação que o direito à justa reparação por danos derivados do risco profissional, consagrado constitucionalmente (artigo 59º, n.º 1, alínea f)), e entendido como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, Coimbra, pág. 770), abrange com o mesmo grau de intensidade quer as vítimas de acidente de trabalho quer as de doença profissional.
O ponto é que, revertendo ao caso em apreço, não se deteta qualquer diferenciação relevante entre o regime definido para os sinistrados de acidente de trabalho, segundo o entendimento jurisprudencial firmado quer no acórdão n.º 147/2006 quer no acórdão n.º 155/2003, e aquele que resulta do n.º 3 da Base XXII para a revisão de pensões por doença profissional. A possibilidade de a revisão de pensão ser requerida a todo o tempo, nesta última hipótese, circunscreve-se aos casos de doenças profissionais de caráter evolutivo, de que são exemplo as pneumoconioses aí referenciadas, e, por conseguinte, a doenças que, segundo um critério médico, são suscetíveis, por sua natureza, de implicarem um agravamento do quadro clínico com o decurso do tempo, que é, por si, justificativo da atualização da pensão por diminuição da capacidade de ganho; por outro lado, o n.º 2 dessa mesma Base limita a revisão de pensões por acidente de trabalho aos primeiros dez anos a partir da fixação da pensão inicial, mas não exclui que a atualização possa ser requerida mesmo para além desse prazo, quando se tenha verificado um agravamento ou recidiva da lesão no primeiro decénio, caso em que, de igual modo, se admite que a revisão possa ser efetuada para além desse prazo sempre que se verifique a modificação da capacidade de ganho.
É justamente esse o entendimento em que se baseiam os citados acórdãos n.ºs 155/2003 e 147/2006, que só aparentemente são contraditórios. No primeiro deles, julgou-se não inconstitucional a norma do n.º 2 da Base XXII quando aplicada num caso em que, no decurso do período de dez anos após a fixação da pensão, não tenha sido requerida qualquer atualização, assentando tal entendimento no pressuposto de que houve, nessa circunstância, uma estabilização das sequelas da lesão; no segundo, julgou-se inconstitucional a mesma norma quando interpretada no sentido de impossibilitar a revisão da pensão, nos casos em que tenham ocorrido atualizações da pensão, nesse mesmo período de dez anos, por então se poder dar-se como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.
O critério jurisprudencial radica, portanto, em qualquer dos casos, no caráter evolutivo ou não evolutivo da lesão, que é indiciado, no que diz respeito às pensões por acidente de trabalho, pela verificação do agravamento da lesão (e da correspondente atualização da pensão) no primeiro decénio, sendo que é essa ocorrência que torna justificável, na perspetiva do legislador, a admissão de ulteriores pedidos de revisão.
A situação não é, no entanto, diversa da prevista para as pensões por doença profissional, mudando apenas o critério normativo com base no qual é possível qualificar a doença como evolutiva: no caso dos acidentes de trabalho, a possibilidade de revisão da pensão sem limite de prazo depende de uma incidência factual – a verificação de um agravamento da lesão no decurso do primeiro decénio; no caso das doenças profissionais, na falta de concretização legal quanto ao que se entende por doença profissional de caráter evolutivo, é a avaliação clínica atinente à própria natureza da doença que poderá determinar se opera ou não o limite temporal relativo à atualização de pensões.
Seja como for, em qualquer das hipóteses consideradas e em última análise, terá sempre de ser feita a demonstração processual, pelo interessado, de que a lesão ou a doença é suscetível de agravamento que implique uma modificação da capacidade de ganho e torne justificável a revisão da pensão independentemente de qualquer limite temporal.
O que leva a concluir que não há, no essencial, mesmo do ponto de vista da posição processual do beneficiário da pensão, uma diferenciação relevante entre os regimes do n.º 2 e do n.º 3 da Base XXII que permita considerar verificada a violação do princípio da igualdade.
5. A mesma consideração é aplicável quando se estabeleça como termo comparativo, em relação ao disposto na Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, o que estatui, em geral, o artigo 567º do Código Civil, no que concerne à indemnização cível sob a forma de renda.
Essa é uma norma atinente à obrigação de indemnizar, aplicável, designadamente, nos casos de responsabilidade civil por facto ilícito, que permite ao tribunal, atendendo à natureza continuada dos danos, e a requerimento do lesado, dar à indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária (n.º 1), e que faculta a qualquer das partes a possibilidade de exigir a modificação da sentença quando sofram alteração sensível as circunstâncias em que assentou, quer o estabelecimento da renda, quer o seu montante ou duração (n.º 2).
Trata-se de uma modalidade de que pode revestir-se a indemnização, quando não seja possível assegurar a reconstituição natural, e que surge como contraposição à indemnização em montante fixo. Tem lugar quando, em face das circunstâncias concretas do caso, o tribunal considere preferível, havendo também interesse do lesado, em fixar a indemnização em renda por virtude de a lesão ter provocado uma diminuição permanente das possibilidades de trabalho do lesado ou um aumento continuado das suas necessidades. E, no uso dessa faculdade, o julgador não pode deixar de ter em conta a previsão do n.º 2 do artigo 567º, que abre a possibilidade de o montante da renda ser corrigido em função de modificação superveniente das circunstâncias relacionadas com a lesão.
Deste modo, a possibilidade de modificação do montante indemnizatório em que se traduz a renda vitalícia, em resultado do agravamento das sequelas da lesão, como prevê esse n.º 2, está, desde logo, condicionado a um juízo de prognose do julgador, que tem por base a natureza continuada dos danos e a sua futura evolução. E, neste ponto, não há essencialmente distinção entre o regime do artigo 567º, n.º 2, do Código Civil e o da Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127.
O ponto de dissídio reside no estabelecimento de um prazo para o pedido de revisão de pensões por acidente de trabalho (que pode justificar-se por simples razões de segurança jurídica) e que não tem correspondência na norma de direito civil.
Note-se, em todo o caso, que, considerado globalmente, o regime de efetivação dos direitos resultantes de acidente de trabalho não se apresenta objetivamente mais desfavorável que o de responsabilidade civil por facto ilícito.
Desde logo, o direito de indemnização cível está sujeito a um prazo prescricional curto, nos termos do artigo 498º do Código Civil, e segue as regras processuais comuns, ao passo que o direito à reparação por acidente de trabalho segue o processo especial regulado nos artigos 99º e seguintes do Código de Processo de Trabalho, com patrocínio oficioso do Ministério Público e sem sujeição a prazo de caducidade, com diversos outros mecanismos de garantia de efetivação dos direitos, como seja a existência de uma fase conciliatória preliminar.
Por outro lado, mesmo no domínio da Lei n.º 2127, a que pertence a norma arguida de inconstitucional, a disciplina relativa à obrigação de indemnizar está fortemente orientada para assegurar o efetivo ressarcimento do trabalhador, quer por via de prestações em espécie que se destinam a restaurar a capacidade de trabalho, quer através de prestações em dinheiro que visam a compensação pecuniária por perda ou redução da capacidade de ganho da vítima (Bases IX a XIXI), e que incluem, como garantia do pagamento das indemnizações devidas, um sistema de obrigatoriedade de seguro (Base XLIII), bem como uma forma de responsabilidade subsidiária através do Fundo de Acidentes de Trabalho (Base XLV). Acresce que o dever de indemnizar assenta numa responsabilidade civil objetiva, mas que não obsta ao agravamento da indemnização e à ressarcibilidade de danos não patrimoniais quando se conclua pela existência de culpa por parte do empregador (Base XVII). Sendo que, em todo o caso, verificando-se os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, não está vedado ao trabalhador optar pelo ressarcimento segundo o regime de direito civil, e fazer funcionar os mecanismos de responsabilidade aquiliana que pudessem reputar-se, em concreto, como mais favoráveis aos interesses do trabalhador, e, designadamente, o mencionado regime de fixação da indemnização em renda, com possibilidade de revisão a todo o tempo do montante indemnizatório em função da alteração de circunstâncias (PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, II Vol., 2º Tomo, 3ª edição, Lisboa, pág. 190).
Em todo o caso, também neste plano de consideração, não é evidente que o regime definido no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, represente uma violação do princípio da igualdade.
6. Certo é que, conforme observa o Exmo Procurador-Geral Adjunto nas suas alegações, um sistema jurídico de revisão de pensões está sempre dependente da demonstração do nexo causal entre o acidente e o agravamento da lesão, pelo que a possibilidade de invocação de danos futuros adicionais resultantes do acidente, independentemente de qualquer prazo de caducidade, apenas agravaria o ónus processual do lesado que teria mais dificuldade em estabelecer a correlação do dano superveniente com o acidente. Poderia assim não haver nenhum motivo para o estabelecimento de um prazo limite, quando o lesado tem sempre o ónus de provar que o agravamento posterior do dano está ainda relacionado com o acidente.
O ponto é que o legislador dispõe de alguma margem de livre conformação na concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais constitucionalmente consagrado. Pelo que a questão que poderá colocar-se, para além das já analisadas, é a de saber se a fixação de um prazo de dez anos para a admissibilidade da revisão – que, como se viu, tanto é aplicável aos pensões por acidente de trabalho como às pensões por doença profissional não evolutiva -, é suscetível de violar o próprio direito constitucional previsto no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Lei Fundamental.
Assentando na ideia, que já antes se aflorou, de que o direito à justa reparação por acidentes de trabalho apresenta natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a fixação de um prazo para a revisão da pensão, nos termos previstos na n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, configura um mero requisito relativo ao modo de exercício do direito.
E como tem sido sublinhado pelo Tribunal Constitucional, «[s]ó as normas restritivas dos direitos fundamentais (normas que encurtam o seu conteúdo e alcance) e não meramente condicionadoras (as que se limitam a definir pressupostos ou condições do seu exercício) têm que responder ao conjunto de exigências e cautelas consignado no artigo 18º, nºs 2 e 3, da Lei Fundamental». Para que um condicionamento ao exercício de um direito possa redundar efetivamente numa restrição torna-se necessário que ele possa dificultar gravemente o exercício concreto do direito em causa (acórdão n.ºs 413/89, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de setembro de 1989, cuja doutrina foi reafirmada, designadamente, no acórdão n.º 247/02).
Ora, no caso concreto, a lei fixa um prazo suficientemente dilatado, que, segundo a normalidade das coisas, permitirá considerar como consolidado o juízo sobre o grau de desvalorização funcional do sinistrado, e que, além do mais, se mostra justificado por razões de segurança jurídica, tendo em conta que estamos na presença de um processo especial de efetivação de responsabilidade civil dotado de especiais exigências na proteção dos trabalhadores sinistrados.
E, nesse condicionalismo, é de entender que essa exigência se não mostra excessiva ou intolerável em termos de poder considerar-se que afronta o princípio da proporcionalidade».
Essas considerações, e entendimento, são inteiramente transponíveis para os presentes autos, pois, também aqui, encontra-se em discussão tão somente a passagem de dez anos sobre a data da fixação da pensão, sem que tenha sido adquirida nos autos qualquer evolução conducente à sua revisão. Com efeito, como referido supra, e novamente em paralelismo com o que aconteceu nos autos em que foi proferido o Acórdão nº 612/2008, o pedido de revisão da pensão formulado nesse período foi indeferido, o que significa que a ponderação carece de ser substancialmente a mesma da que ocorre quando não ocorre tal pedido, ou seja, haverá que considerar que não houve evolução desfavorável das sequelas da lesão no período de dez anos.
Remete-se, assim, nos termos permitidos pelo n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, para a fundamentação desse aresto, concluindo pela improcedência do recurso.»
5. Notificado, o recorrente apresentou reclamação para a Conferência, através de requerimento com o seguinte teor:
«1º
Apesar de terem decorrido mais de dez anos desde a fixação da pensão ao sinistrado de trabalho A., na 1.ª instância, porque se considerou inconstitucional a Base XII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, foi determinado a realização do exame de revisão requerido.
2º
Dessa decisão, a ré B., S.A. interpôs recurso para a Relação de Coimbra.
3º
Nas contra-alegações apresentadas, o Ministério Público, em representação do sinistrado, entre o mais, suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, quando interpretada no sentido que consagra um prazo absolutamente preclusivo de dez anos, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas.
4º
Como a Relação de Coimbra concedeu provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, indeferiu o incidente de revisão requerido, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, na dimensão atrás referida.
5.º
Neste Tribunal Constitucional foi proferida a Decisão Sumária n.º 707/2013 que, considerando a questão simples por sobre ela existir uma anterior jurisprudência do Tribunal - sempre no sentido da não inconstitucionalidade -, negou provimento ao recurso.
6.º
Efetivamente, sobre a constitucionalidade da norma que constitui objeto do recurso, existe um entendimento uniforme e sedimentado por parte do Tribunal Constitucional.
7.º
Aliás, também nas instâncias esta era uma questão pacífica, quanto à não inconstitucionalidade da norma do n.º 2 da Base XXII.
8.º
Porém, o artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (a nova Lei dos Acidentes de Trabalho) não fixa qualquer prazo para a revisão ser requerida.
9.º
É certo que, este novo regime não se aplica ao caso dos autos e nem tal vem questionado (artigo 187.º da Lei n.º 98/2009).
10.º
Também é verdade que o princípio da igualdade não funciona diacronicamente, pelo que a alteração do regime não leva à violação daquele princípio.
11.º
Porém, a alteração legislativa veio reavivar a questão e introduzir novos elementos de interpretação.
12.º
Por exemplo, sendo o da segurança jurídica um dos argumentos utilizados para justificar constitucionalmente a existência de um prazo (vd. Acórdão n.º 612/2008), esse argumento revela-se, agora, de reduzido valor.
13.º
Esse reavivar da questão constata-se, desde logo, pela divergência de decisões que sobre esta matéria, os diversos tribunais da Relação têm vindo a proferir.
14.º
Também o Tribunal Constitucional não tem ficado indiferente a este ressurgimento da questão.
15.º
Assim, em processos recentemente distribuídos no Tribunal, foi ordenada a produção de alegações, aguardando-se neste momento que o pleno da Secção profira acórdão (Processos n.ºs 302/13, da 1.ª Secção, 533/13, da 3.ª Secção e 636/13, da 1.ª Secção).
16.º
Por tudo o exposto, deve a presente reclamação ser deferida e, consequentemente, ser ordenada a notificação das partes para apresentarem alegações.»
6. Em resposta, a recorrida B., SA, veio dizer:
«(...)
Questão Prévia:
Por razões de economia processual importa, desde já, adiantar que a questão suscitada nos Autos de Recurso (1178/13) foi já, por diversas vezes, objeto de decisão, nomeadamente, nos processos nºs 155/2003, 612/2008, 341/2009 e 219/2012, entre outros, merecendo deste Venerando Tribunal Constitucional os referidos doutos Acórdãos que julgaram não ser inconstitucional o nº 2 da Base XXII da Lei 2127, de 3 de agosto de 1965, na interpretação de que o direito à revisão da pensão com fundamento em agravamento das lesões caduca se tiverem passado dez anos, contados da data da última revisão, mesmo que tenha havido alterações da pensão inicial com igual fundamento, cuja doutrina, integrando a jurisprudência do Tribunal Constitucional, aqui se têm por integralmente reproduzidos.
POSTO ISTO:
A Douta Decisão Sumária foi proferida em estrito cumprimento do nº 1 do artigo 78º-A da LTC.
Efetivamente, estipula o mesmo que 'se entender que não poder conhecer-se do objeto do recurso ou que a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objeto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada, o relator profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal'. (sublinhado nosso).
Assim, salvo melhor opinião em contrário, bem andou o Exmo. Juiz Conselheiro Relator ao decidir, por meio de Decisão Sumária, a questão dos presentes autos, visto que, para além de simples, esta já havia sido decidida em vários Acórdãos (155/2003, 612/2008, 341/2009), bem como, em Decisões Sumárias (242/2009, 345/2009, 147/2011 e 265/13).
Considerou, pois, o Exmo. Juiz Conselheiro Relator que as considerações tecidas naqueles Acórdãos e Decisões, são inteiramente transponíveis para os presentes autos, pois que, também nestes, se encontra somente em discussão a passagem de dez anos sobre a data da fixação da pensão, sem que tenha sido adquirida nos autos qualquer evolução conducente à sua revisão.
Foi, pois, decidido que “... em paralelismo com o que aconteceu nos autos em que foi proferido o Acórdão nº 612/2008, o pedido de revisão da pensão formulado nesse período foi indeferido, o que significa que a ponderação carece de ser substancialmente a mesma da que ocorre quando não ocorre tal pedido, ou seja, haverá que considerar que não houve evolução desfavorável das sequelas da lesão no período de dez anos”.
Aliás, admite o próprio Reclamante Ministério Público, no seu artigo 6º, que sobre a constitucionalidade da norma que constitui objeto do recurso, existe um entendimento uniforme e sedimentado por parte do Tribunal Constitucional
Acrescentando que, pese embora a nova redação do artigo 70º da Lei 98/2009, de 4 de setembro, este novo regime não se aplica ao caso dos autos!
Face ao supra exposto, estranha-se, pois, a reclamação deduzida pelo Ministério Público quando, na realidade, ele próprio considera a norma do nº 2 da Base XXII da Lei 2127, de 3 de agosto de 1965, constitucional - até por considerar que o novo regime da Lei 98/2009 não se aplica aos autos (vide artigos 9º e 10º da Reclamação).
Assim, por razões de celeridade processual, foi proferida a Douta Decisão Sumária que, na visão da Ré, não merece qualquer reparo.
Isto porque, de facto, no caso dos presentes autos desde a fixação da pensão inicial por Sentença em 12/06/1998 até 22/01/2013 que a incapacidade do Sinistrado se manteve inalterada.
Ou seja, durante mais de 10 anos (quer sobre a data da fixação da pensão ou da revisão da mesma) a incapacidade do sinistrado não se alterou.
Se o interessado não exerce tal direito por mais de 10 anos, tal inércia só pode conduzir a uma ideia de estabilidade e consolidação da sua situação clínica, ideia essa que não se dissocia de um princípio de segurança jurídica, nem pode conduzir a uma desigualdade de tratamento entre sinistrados de acidentes e trabalho.
Na verdade, e conforme se pode ler no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 155/2003, “... Com efeito, mesmo a aceitar-se como correto o entendimento jurisprudencial segundo o qual os sinistrados que requereram uma primeira revisão dentro dos primeiros dez anos, podiam requerer sucessivas revisões, desde que formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um decénio sobre a precedente revisão'. (sublinhado nosso).
Também, como observou o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 612/2008, '... os condicionamentos temporais estabelecidos na Lei nº 2127, e mantidos na Lei 100/97, surgiram da verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos (daí a fixação dos dois primeiros anos em que é possível requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador fixou generosamente em dez anos).'
Face ao exposto, afigura-se perfeitamente inoportuno chamar à colação a opção do legislador da Lei 98/2009, pela simples razão de que tal opção de forma se pode refletir sobre a situação jurídica do sinistrado dos autos, a qual continuará a ter de ser apreciada à luz das normas legais em vigor à data do acidente. Isto porque, a Lei 98/2009 só se aplica aos acidentes ocorridos depois de 01 de janeiro de 2010.
Se o legislador pretendesse 'abolir' qualquer limite temporal ao direito de revisão das prestações dos acidentes ocorridos anteriormente àquela data, teria seguramente tomado posição expressa, o que não fez.
Pelo que, a diferenciação está justificada em face do regime aplicável no tempo, não podendo afirmar-se que ocorra desigualdade injustificada.
Assim, atento o sucintamente exposto, bem andou o Exmo. Juiz Conselheiro Relator ao proferir Decisão Sumária nos presentes autos, atenta a desnecessidade de produção de Alegações, face aos factos constantes dos autos, bem como, à demais Jurisprudência do Tribunal Constitucional, aqui se tem por integralmente reproduzida.»
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
7. Vem o recorrente Ministério Público, em representação de sinistrado em acidente de trabalho, reclamar da decisão sumária n.º 707/2013, pela qual, reafirmando jurisprudência anterior, o relator decidiu não declarar inconstitucional a norma do n.º 2 da Base XXII da Lei nº 2127, de 3 de agosto de 1965, na parte em que determina que o pedido de revisão da pensão por modificação da capacidade de ganho da vítima apenas pode ser formulado dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão, sem que tenha sido registada qualquer evolução justificadora do pedido de revisão.
Como expressamente consignado no requerimento apresentado, o impulso votado ao reexame da referida decisão e o prosseguimento do recurso para alegações não coloca em questão a simplicidade da questão, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, em virtude da dimensão normativa em apreço nos presentes autos ter já sido objeto de decisões anteriores do Tribunal, sempre no sentido do juízo de não inconstitucionalidade. Como referido na decisão reclamada, a questão foi uniformemente decidida nos Acórdãos n.ºs 155/2003, 612/2008 e 341/2009, bem como nas decisões sumárias n.ºs 242/2009, 345/2009, 147/2011 e 265/13.
Na verdade, o argumento apresentado como capaz de fundar a reponderação de tal orientação jurisprudencial reside unicamente na edição da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, cujo artigo 70.º passou a admitir a apresentação de pedido de revisão da pensão devida por acidente de trabalho com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, sem qualquer condicionamento temporal. Estaria, então, sustenta o recorrente, ora reclamante, posto em crise o argumento da segurança jurídica e introduzidos novos elementos de interpretação, relevantes para a aferição da violação do princípio da igualdade pela norma desaplicada na decisão recorrida.
Porém, não se encontra na edição de regime distinto daquele em sindicância sinal do legislador ou adução de elementos interpretativos capazes de afastar ou colocar em crise a orientação jurisprudencial decorrente das supra referidas decisões, com a qual se concorda.
8. Importa desde logo notar que a Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, já tinha sido publicada e vigorava no momento da prolação das duas últimas decisões sumárias referidas na decisão reclamada e em que se tomou igualmente como parâmetro de controlo o princípio da igualdade. Nesse plano, foi expressamente afastado que do regime instituído por esse diploma decorra qualquer argumento inovador, ou o reavivamento da questão, no campo de atuação sincrónico relevante para a aferição da presença de tratamento desigual na normação inscrita do n.º 2 da Base XXII da Lei nº 2127, de 3 de agosto de 1965, merecedor de censura face ao artigo 13.º da Constituição.
Com efeito, entendeu-se na decisão sumária n.º 265/2013, em termos transponíveis para os presentes autos:
«E a isso não obsta a nova razão de inconstitucionalidade, fundada na violação do princípio da igualdade, que a decisão recorrida agora apresenta.
Argumenta o Tribunal recorrido, a tal propósito, remetendo para sua jurisprudência anterior, que, em face do disposto na Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que deixou de estabelecer qualquer limite temporal para o pedido de revisão da incapacidade, a imposição de um prazo de caducidade a pedidos formulados antes da sua entrada em vigor viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, não sendo a anterioridade do pedido de revisão fundamento bastante para o tratamento desigual de situações substancialmente idênticas.
Sucede que, como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado (cf., entre outros, acórdão do Plenário n.º 398/11), o princípio da igualdade não opera diacronicamente, o que quer significar que, também no domínio laboral, a mera sucessão de leis no tempo não afeta só por si o princípio da igualdade.
Com efeito, «[a]pesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que realidades substancialmente iguais possam ter soluções diferentes, isso não significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal. Visando as alterações legislativas conferir um tratamento diferente a determinada matéria, a criação de situações de desigualdade, resultantes da aplicação do quadro legal revogado e do novo regime, é inerente à liberdade do legislador do Estado de Direito alterar as leis em vigor, no cumprimento do seu mandato democrático» (citado acórdão).
Fundando-se a decisão recorrida no entendimento de que assim não é, sem, mais uma vez, invocar novos argumentos que, sob tal específico enquadramento constitucional, justifiquem a alteração da jurisprudência constitucional firmada sobre a matéria, há que conceder provimento ao recurso, também neste particular.»
9. Acresce que não se tem como certo que o legislador da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, tenha introduzido no quadro problemático vertente qualquer elemento interpretativo no sentido de afastar, ou mesmo minorar, as razões de segurança jurídica em que se funda o entendimento jurisprudencial consolidado quanto à norma do n.º 2 da Base XXII da Lei nº 2127, de 3 de agosto de 1965, na parte em que determina que o pedido de revisão da pensão por modificação da capacidade de ganho da vítima apenas pode ser formulado dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão, sem que tenha sido registada qualquer evolução justificadora do pedido de revisão.
A afirmação na exposição de motivos do projeto de lei n.º 786 /X/4.ª, que esteve na origem da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, no sentido da equiparação dos limites temporais à revisão da pensão entre os regimes dos acidentes de trabalho e da reparação de acidentes profissionais – rectius a consagração da ausência de impedimento temporal à revisão em ambos os regimes – convive com o disposto nos artigos 187.º, n.º 1 e 188.º, em que se estipula que o novo regime tem aplicação apenas aos acidentes de trabalho ocorridos na sua vigência (contrastando com o n.º 2 do artigo 187.º, que consagra a aplicação da Lei Nova à alteração da graduação de incapacidade relativamente a doença profissional já diagnosticada), denotando que o legislador valorou precisamente, ao invés do que parece entender o reclamante, razões de estabilidade e segurança jurídica na (continuação da) sujeição dos pedidos de revisão de pensões atribuídas às normas legais em vigor à data do acidente, mormente no que respeita aos condicionamentos temporais em questão no presente recurso.
Ora, essa opção do legislador, consubstanciada na normação inscrita nos artigos 70.º, 187.º, n.º 1 e 188.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, não se encontra em apreciação no presente recurso.
10. Face ao exposto, entendemos que a edição da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, não veio introduzir no quadro problemático em apreço elementos que posterguem ou modifiquem as ponderações determinantes da orientação consolidada deste Tribunal seguida na decisão sumária reclamada, em termos de justificar o prosseguimento do presente recurso.
Cumpre, nestes termos, manter a decisão sumária n.º 707/2013.
III. Decisão
11. Pelo exposto, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada;
b) Não são devidas custas.
Notifique.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete (considero também que a interpretação normativa aplicada pelo tribunal a quo não viola o artº 59, nº 1, al. f), da Const. – cfr. sobre este parâmetro o Ac. 214/2013) - Joaquim de Sousa Ribeiro.