Imprimir acórdão
Processo n.º 1038/2013
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, foi proferido o Acórdão n.º 819/2013, que indeferiu reclamação deduzida da Decisão Sumária n.º 606/2013, que, por sua vez, havia decidido não conhecer do objeto do recurso, por manifesta ausência de identidade entre aquele objeto e a dimensão normativa efetivamente aplicada pela decisão recorrida.
2. Alegando ter dúvidas quanto ao sentido decisório constante do referido acórdão, o recorrente veio solicitar a sua aclaração, nos seguintes termos:
«Vem, respeitosamente, ao abrigo no disposto no Art.º 669 n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil por remissão do Art. ° 69 da LTC, solicitar a aclaração e reforma do mesmo, uma vez que se afigura existir lapso que importa suprir, mormente no trecho que infra se transcreve:
'O teor da reclamação deduzida centra-se na tentativa de demonstração de que teria ocorrido uma suscitação processualmente adequada da questão normativa que constitui objeto do recurso. Porém, a decisão reclamada nunca decidiu não conhecer do objeto do recurso com esse fundamento, mas antes se fundou na falta de identidade normativa entre aquele objeto e a interpretação normativa que foi efetivamente aplicada pelo tribunal recorrido (artigo 79°-C da LTC). Afigura-se assim desprovida de qualquer sentido útil a reclamação deduzida, pois esta não ataca, em momento algum, o fundamento da decisão reclamada, pelo que deve ser indeferida.'
Esta Colenda Conferência perfilha o entendimento professado pela Ilustre Conselheira Relatora aquando da decisão sumária que não conheceu do objeto do recurso.
Porém, salvo o devido respeito, não pode, esta Colenda Conferência afirmar sem concretizar que as normas não foram aplicadas na decisão.
É verdade que o Tribunal recorrido em momento algum afirma que é admissível fundamentar uma decisão confirmativa de condenação penal apenas mediante o recurso a meras reproduções doutrinais e formulações tabelares e genéricas, mas é precisamente ao elaborar a decisão com recurso a formulações tabelares e algumas (poucas) reproduções doutrinais que o Tribunal (tacitamente) faz uma interpretação inconstitucional (por violação dos Art.º 32 e 205 n.º 1 da Constituição) dessas normas.
Na verdade, esta decisão revela-se, salvo o devido respeito, vaga e insuficiente clara e fundamentada, permanecendo o Recorrente sem a clara perceção do que fora decidido.
Não se trata de discordância com o que fora decidido, mas sim da falta de clareza das decisões que levam à incompreensão por parte do Recorrente.
Pelo que se impõe que seja devidamente esclarecido, com a indispensável clareza e fundamentação, de facto e de direito, se as questões de constitucionalidade invocadas pelo Requerente não podem ser alvo de crítica e sindicância, logo objeto de mérito substantivo para julgamento constitucional.
Entendimento jurídico indispensável para um esclarecimento cabal e perfeito, vez que a inadmissão do recurso e razões dela se configuram ao reclamante obscuras e inteligíveis.
Termos em que deve esta Colenda Conferência conhecer o objeto deste recurso e a final deverá o recurso ser procedente com as legais consequências.
Se assim não for entendido, salvo o devido respeito, parece-nos que a presente decisão anda ao arrepio do que tem vindo a ser entendido na jurisprudência deste Colendo Tribunal Constitucional que por diversas vezes tem repetido que “O direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.”
Pelo exposto, respeitosamente se requer a aclaração e correção do douto Acórdão com as legais consequências, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA.» (fls. 935 a 936)
3. Notificado do requerimento, o Ministério Público pronunciou-se no seguinte sentido:
«1.º
Pelo douto Acórdão n.º 819/2013, indeferiu-se a reclamação da Decisão Sumária n.º 606/2013, que não conheceu do recurso porque a interpretação normativa identificada pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso não fora efetivamente aplicada na decisão recorrida.
2.º
O acórdão é perfeitamente claro e insuscetível de dúvida objetiva.
3.º
O pedido de aclaração formulado carece manifestamente de fundamento, desde logo porque o recorrente não enuncia, como devia, em termos inteligíveis, qualquer obscuridade ou ambiguidade que o possa afetar.» (fls. 947)
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. O presente pedido de aclaração não é admissível, desde logo, por falta de fundamento legal, na medida em que, proferida decisão, só pode o julgador retificar erros materiais, conhecer de arguições de nulidade ou proceder à reforma da decisão, quanto haja fundamento para tanto (cfr. o artigo 7º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o Código de Processo Civil em vigor, e os artigos 613º, n.º 2, e 666º, n.º 1, do mesmo diploma, aplicáveis “ex vi” artigo 69º da LTC). Nenhum destes propósitos é visado pelo recorrente, pelo que o pedido não encontra o necessário suporte legal.
Ainda assim, importa frisar que não corresponde à verdade material expressa nos autos que o Acórdão n.º 819/2013 tenha afirmado “sem concretizar que as normas não foram aplicadas na decisão”. Pelo contrário, ele adere à fundamentação, exaustiva e esclarecedora, da decisão sumária anteriormente proferida, não deixando quaisquer dúvidas quanto ao sentido das razões pelas quais se recusou conhecer do objeto do presente recurso.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir o pedido de aclaração deduzido.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC’s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 6 de Março de 2014.- Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.