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Proc. nº 49/95
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1 – J... (ora recorrente) instaurou no Tribunal de Trabalho de Braga acção declarativa com processo comum, sob a forma sumária, emergente de contrato de trabalho, contra o Banco P..., pedindo o pagamento da quantia global de
1.691.035$50, acrescida de subsídios vincendos e juros moratórios à taxa legal até efectivo pagamento. Alegou para tanto, em síntese, ser trabalhador do réu, tendo-lhe sido atribuído um subsídio de valorização profissional, que, porém, o réu, invocando um Despacho Normativo do Secretário de Estado do Tesouro, de 17 de Janeiro de 1983, lhe retirou, bem como aos restantes trabalhadores.
2 – Por decisão do Tribunal de Trabalho de Braga, de 17 de Fevereiro de 1994, foi a acção julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, foi o réu absolvido do pedido.
3 – Inconformado com o assim decidido, o autor recorreu para o Tribunal da Relação do Porto. Nas alegações que então apresentou disse o recorrente, a concluir, designadamente o seguinte:
'aa) A decisão recorrida, por fim, está atingida por uma dupla inconstitucionalidade:
- sabendo-se que só existe tutela onde a lei a estabelece de forma expressa, sendo tal matéria da reserva exclusiva do legislador, não pode o tribunal escolher casuisticamente os casos em que, à falta de tal prescrição legislativa, se deveria impor ou não uma tutela do tipo da invocada pela R. (interpretação do art. 13-2-g) do DL 260/76 que aplicada na situação concreta dos presentes autos viola o princípio da separação dos poderes legislativo e judicial fixado no art.
114º da Constituição);
- o despacho do SET que pretendia 'suspender' o negócio jurídico laboral sub judice, ao pretender ter efeito rectroactivo, viola o princípio do Estado de Direito na sua dimensão concreta da protecção dos cidadãos e de segurança jurídica (artºs 2º e 53º da Constituição).'
4 – O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 14 de Novembro de 1994, decidiu negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmou a decisão recorrida. Sustentou, para tanto, designadamente, que a partir da alteração introduzida em 1977 pelo Decreto-Lei nº 353-A/77, de 27 de Agosto, com aditamento de um novo nº 2 ao art. 49º do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril
(Bases Gerais das Empresas Públicas), se tornou juridicamente seguro que os princípios deste diploma também se aplicam às instituições de crédito nacionalizadas, cuja orgânica estava regulamentada pelo Decreto-Lei nº 729-F/75, de 22 de Dezembro. E acrescentou-se:
'E aquela terá sido a intenção do novo nº (2) do art. 49º; revela-o, ainda, a Resolução do Conselho de Ministros, Publicada no DR de 9 de Maio de 1990, que, não obstante não ser fonte imediata de direito, não perde a virtualidade de ajudar a interpretar o pensamento legislativo de 27 de Agosto de 1977. Nessa Resolução se estabeleceu deverem as empresas públicas (sem que entre estas se fizesse qualquer distinção), para efeito de negociação colectiva, remeter cópias das propostas de celebração ou revisão, acompanhadas da respectiva fundamentação, apresentar os elementos necessários para a definição de parâmetros a que deve obedecer a negociação (parâmetros a definir pelo Ministro da Tutela, rigorosamente respeitados nessa negociação, em relação a todos os aumentos de encargos e não poderem (nº 7) os conselhos de gerência proceder a aumentos genéricos de remunerações nas empresas públicas abrangidas por instrumento de regulamentação colectiva, salvo através de novo instrumento. De notar que o sentido deste nº 7 foi precisado, por via de interpretação autêntica, pela Resolução nº 335/93, publicada a 28 de Abril, e de acordo com a qual aquela disposição compreende tanto as remunerações previstas em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho como todas as demais atribuições patrimoniais realizadas pelas empresas públicas aos seus trabalhadores e a que deva ser reconhecida natureza retributiva. Era, pois, necessária a aprovação dos Ministros das Finanças e do Trabalho para o Conselho de Gestão da R. atribuir o referido subsídio de valorização profissional, aprovação que não se mostra ter existido. A deliberação de 5 de Janeiro de 1983 não pode, consequentemente, ser considerada válida, não tendo, por isso, chegado a produzir os efeitos que se propunha atingir – aumentar a retribuição dos trabalhadores). Na esfera jurídica do Autor não se constituiu, portanto, o alegado direito ao recebimento dos subsídios previstos naquela deliberação'.
5 – É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende o recorrente, nos termos do respectivo requerimento de interposição, ver apreciada a constitucionalidade da interpretação que a decisão recorrida deu ao artigo 13º, nº 2, alínea g) do Decreto Lei nº 260/76, de 8 de Abril, na redacção do Decreto-Lei nº 353º-A/77, de 29 de Agosto, por considerar que a norma que nessa interpretação se extrai desse preceito é violadora do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 114º da Constituição (artigo 111º, da actual redacção).
6 – Recebido o recurso foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
'1. Até 1982 a convenção colectiva aplicável ao sector não permitia a existência de esquemas remuneratórios diferenciados quer na banca nacionalizada quer na privada (cl. 5-3 – BTE, I, 26, de 15.7.81);
2. Com a revisão do ACTV de 1982 deu-se uma alteração substancial: a convenção passou a fixar apenas remunerações mínimas abrindo a possibilidade (há muito reivindicada pelas empresas) de definir livremente as retribuições laborais (cl.
5 – BTE, I, 26, de 15.7.82);
3. Tal alteração substancial foi aprovada pela tutela nos exactos termos do art.
24-3-c do DL 519-C1/79 (29.12) por essa ter passado a ser a nova política governamental para o sector;
4. Desde logo as empresas iniciaram a criação de esquemas remuneratórios próprios e diferenciadores nos termos que consideravam adequados;
5. O R. deliberou atribuir um subsídio de valorização profissional dentro deste descrito quadro e com aplicação apenas aos trabalhadores definidos em 2.3 da decisão recorrida;
6. Na revisão do ACTV efectuada em 1983 bem como nas posteriores não existe qualquer sinal de inflexão nesta política governamental para o sector (cl.
5-BTE, I, 28, de 29.7.83);
7. Pelo contrário, o DL 29/84 (20.1) veio estender esta política em termos expressos à generalidade das empresas públicas que não dispunham de regimes especiais.
8. No preâmbulo do DL 87/89 (23.3) que alterou o citado DL 519-C1/79 lê-se, sem margem para quaisquer dúvidas o modo como é concebida a tutela no sector bancário público: «Quanto às empresas públicas e de capitais exclusivamente públicos, a necessidade do requisito adicional da autorização tutelar impõe a adaptação do respectivo regime de depósito em termos de, satisfeitos os demais requisitos, este só se tornar definitivo após a junção do documento comprovativo daquele acto. Permite-se, assim, que a Administração exerça de modo eficaz os seus poderes de tutela, ao mesmo tempo que se preserva a unidade do sistema».
9. Com o DL 209/92 (2.10), esta política de liberalização constante da
«composição de interesses de empregadores e de trabalhadores», praticada num crescendo lógico, conduzia à revogação da própria exigência de «autorização ou aprovação tutelar» da negociação colectiva.
10. Por outro lado, a distinção que desde sempre (desde o DL 260/76 (8.4) o legislador estabeleceu entre, por ou lado, as instituições bancárias, parabancárias e seguradoras e, por outro lado, as demais empresas públicas, reflecte-se no regime jurídico de que umas e outras se encontram dotadas.
11. Todas as empresas públicas estão sujeitas aos mesmo princípios – os princípios do DL 260/76 – mas não são as mesmas as regras que os concretizam e desenvolvem.
12. Às empresas públicas em geral aplicam-se as regras e os princípios do DL
260/76, pelo que os seus estatutos não os podem contrariar.
13. Quanto às instituições bancárias, parabancárias e seguradoras aplicam-se apenas os princípios enformadores do DL 260/76.
14. A atribuição do subsídio de valorização profissional foi tomada pelo Conselho de Gestão do Banco recorrido em decisão eficaz, no exercício das suas competências de gestão privada, definidas e estabelecidas em normativo especial para as empresas bancárias: DL 729-F/75, de 22.12, e suas subsequentes alterações.
15. Por isso, a deliberação que atribui o subsídio de valorização profissional é válida e eficaz e produziu os seus efeitos na esfera jurídica do recorrente.
16. Conhecida a deliberação pelos trabalhadores, seus destinatários, e na medida em que não foi por estes rejeitada, o subsídio atribuído tornou-se eficaz e irrevogável – artºs 224º, nº 1, 228º, 230º, nº 1 e 234º do Cód. Civil e artigos
7º, 12º e 13º do DL 49408, de 24.11.69.
17. O DL 260/76, de 8.04, não se aplica directamente e in totum às empresas do sector financeiro (bancárias, parabancárias e seguradoras).
18. Se, no âmbito deste último diploma legal, para além da aplicação dos
«princípios do presente diploma» o legislador tivesse pretendido sujeitar as instituições de crédito nacionalizadas ao seu regime normativo, então tê-lo-ia feito utilizando uma expressão mais adequada e, designadamente, retirando tais empresas do elenco das excepções do 49.1.
19. O DL 729-F/75, de 22.12, contém a regulamentação específica das empresas do sector bancário cujos princípios estão em consonância com o núcleo de princípios básicos constantes do DL 260/76, de 8.04.
20. Essa regulamentação inclui regras próprias relativas aos poderes de intervenção e orientação do Governo tidas pelo legislador como as mais adequadas
à especificidade do sector bancário.
21. O DL 729-F/75 não contém qualquer norma que estabeleça um regime de tutela correctiva «a priori ou a posteriori» semelhante à prevista no art. 13-2-g) do DL 260/76 (8.4).
22. Os poderes de tutela não se presumem, antes têm de resultar de preceito legal expresso.
23. A regra constante do art. 13-2-g) do DL 260/76 (8.4), para se tornar exequível, no tocante às instituições de crédito, necessita de mediação concretizadora do legislador.
24. Caberia, em consequência, ao Governo, através da aprovação dos estatutos de cada empresa, estabelecer, de entre os actos da lista constante da alínea g) do nº 2 do art. 13º do DL 260/76, de 8.04, quais os actos que ficam sujeitos a controlo «a priori» (sujeitos a autorização) e quais os que ficam sujeitos a controlo «a posteriori» (sujeitos a aprovação).
25. Não pode qualquer outra entidade, designadamente o Tribunal de Trabalho, pela voz do seu juiz, substituir-se ao legislador e fixar de forma casuística essa lista de actos e nem pode escolher de forma arbitrária o tipo de controlo a que fica sujeito cada acto de uma determinada empresa.
26. Não é indiferente dizer que determinado acto está sujeito autorização ou aprovação; se o acto for praticado sem autorização é inválido, mas trata-se de uma invalidade que conduz à mera anulabilidade do acto praticado sem autorização.
27. Característica do regime da anulabilidade é o facto de ser sanável pelo decurso do tempo. O acto anulável, se não for impugnado no prazo do recurso contencioso, consolida-se na ordem jurídica.
28. Se se considerar que a deliberação CG/BPSM estava sujeita à regra constante do art. 13-2-g) do DL 260/76 (8.4), e à autorização da entidade tutelar, a sua falta deve considerar-se sanada.
29. Só a aprovação é condição de eficácia, pelo que só se a lei assim o exigisse, aquela deliberação poderia considerar-se ineficaz e insusceptível, por isso, de produzir quaisquer efeitos.
30. A subordinação tutelar traduz uma forma de intervenção que pode ter consequências muito mais gravosas do que a exigência de autorização.
31. Daí que não se possa concluir por uma ou outra solução de ânimo leve, tanto mais que o DL 260/76 não dá nenhuma indicação num e noutro sentido.
32. O negócio jurídico em causa nestes autos (a deliberação de concessão do subsídio de valorização profissional) é um acto de gestão privada regulado pelo direito laboral vigente e dirigida a parte dos seus trabalhadores, pelo que não se enquadra na hipótese dos artigos 294º e 295º do C. Civil.
33. O acórdão ora recorrido ao apontar para uma nulidade absoluta com recurso a meras regras de interpretação e integração de lacunas, justifica uma 'escolha' que manifestamente ultrapassa os seus poderes (art. 114º da CRP) e assim representa sempre uma manifesta ultrapassagem dos limites que o DL 260/76 estabelecia (reserva de Estatuto).
34. Por outro lado, interpretada nesse sentido, a Res. CM 163/80 sempre violaria o art. 13º do DL 260/76 pelo que seria 'contra legem' e, por isso, nesse plano, nula.
35. Interpretada em sentido diverso a norma constante do art. 13º, nº 2, alínea g) daquele diploma terá de haver-se por inconstitucional, por violação do princípio da separação de poderes (art. 114º da CRP).
36. Na verdade, a decisão recorrida está atingida por uma dupla inconstitucionalidade:
- sabendo-se que só existe tutela onde a lei a estabelece de forma expressa, sendo tal matéria da reserva exclusiva do legislador, não pode o tribunal escolher casuisticamente os casos em que, à falta de tal prescrição legislativa, se deveria impor ou não uma tutela do tipo da invocada pela R. (interpretação do art. 13-2-g) do DL 260/76 que aplicada na situação concreta dos presentes autos viola o princípio da separação dos poderes legislativo e judicial fixado no art.
114º da Constituição);
- o despacho do SET que pretendia 'suspender' (e não extinguir) o negócio jurídico labora sub judice, ao pretender ter efeito rectroactivo viola o princípio do Estado de direito na sua dimensão concreta da protecção dos cidadãos e de segurança jurídica (artºs 2º e 53º da Constituição).
37. A regra da tutela correctiva «a priori» ou «a posteriori» porventura emergente do artigo 13º, nº 2, alínea g), do DL 260/76, de 8.04, não se aplica ao sector bancário.
38. O «Estatuto do Pessoal» referido no artigo 13º, nº 2, alínea g) do DL 260/76
é o conjunto de prescrições gerais do empregador sobre as condições de trabalho contendo, assim, regras gerais do empregador sobre admissões, carreira profissional, férias, remunerações, horários, regime de turnos, etc.
39. É, por isso, um conjunto de disposições duráveis respeitantes à vida profissional dos trabalhadores da empresa, ou seja, aos múltiplos aspectos em que se analisa a relação de trabalho.
40. A existência desse estatuto não impede, porém, e por vezes até exige, a adopção de medidas que o concretizem e/ou complementem, sendo que a essas medidas não é aplicável qualquer formalismo.
41. As medidas que foram objecto da deliberação do Banco recorrido de 5.01.1983 tanto poderiam constar do estatuto de pessoal como de uma ordem de serviço ou de um documento de valor jurídico equivalente.
42. uma tal deliberação dificilmente se poderá qualificar como esse conjunto de prescrições duráveis sobre os vários aspectos da relação de trabalho em que o estatuto de pessoal se analisa.
43. Não carecem de autorização ou de aprovação as medidas que atribuem viaturas e/ou subsídios (de gasolina, por exemplo) aos trabalhadores que desempenhem certas funções ou as que alterem o horário de todos ou de uma parte dos trabalhadores ou as que definam as condições em que os trabalhadores interessados poderão passar ao regime de tempo parcial, etc, etc...
44. A res. CM 163/80 (9.5) não é fonte imediata de direito.
45. Mesmo que assim se não considerasse, sempre seria fonte hierarquicamente inferior à norma que aprova o regime jurídico das relações colectivas de trabalho.
46. Aliás, a Res. CM invoca, tal como consta expressamente do seu preâmbulo, o regime jurídico das empresas públicas (DL 260/76), quando é certo que as instituições bancárias estão expressamente excluídas do respectivo âmbito pelo seu preâmbulo e pelo art. 49 daquele diploma legal.
47. Tal resolução pretende apenas «regulamentar» o comportamento dos Conselhos de Administração ou de Gestão das Empresas Públicas, face aos processos de negociação colectiva dinamizados ao abrigo do disposto no DL 519-C1/79.
48. Ora o processo reivindicativo subjacente à decisão do Conselho de Gestão do BPSM, não foi dinamizado ao abrigo da lei da Contratação Colectiva nem se consubstanciou em alteração à convenção preexistente.
49. O subsídio de valorização profissional foi determinado por um processo reinvidicativo promovido pelas Estruturas Representativas do Trabalhadores apenas do Banco recorrido, com exclusão das Associações Sindicais do sector bancário.
50. É uma regalia à margem do ACTV para o sector bancário e, como tal, não contemplada ou prevista nessa convenção colectiva; insere-se antes no conteúdo do contrato individual de trabalho, dele passando a fazer parte integrante, e não tem aplicação genérica a todos os trabalhadores do R. (ver ponto 2.3 da decisão recorrida).
51. Pela sua natureza «regulamentar» e, como se disse acima, pelo seu âmbito de aplicação (as relações colectivas), da Res. CM 163/80 não se poderá extrair qualquer argumento a favor da consagração da tutela correctiva a posteriori
(aprovação) emergente do art. 13º do DL 260/76.
52. Cabe ao Governo, através da aprovação dos estatutos de cada empresa, estabelecer, de entre os actos da lista constante do art. 13º-2-g) do DL 260/76
(8.4) quais os actos que ficam sujeitos a controlo «a priori» (autorização) e quais os que ficam sujeitos a controlo «a posteriori» (aprovação).
53. A Res. CM 163/80 pela sua natureza derivada (regulamentar) não poderia substituir-se ao legislador estatutário que, só aí, nos Estatutos de cada Empresa Pública, poderia e deveria consagrar a modalidade de tutela mais conveniente à sua especialidade.
54. Quanto à questão sub judice trata-se de uma mera alteração do contrato individual de trabalho de cada um dos trabalhadores abrangidos pelo que nos termos dos normativos invocados a deliberação do Conselho de Gestão do R. não carecia de aprovação (ou mesmo de autorização) da tutela.
55. Nem por uma vez o R., ao longo dos tempos, invocou o que agora se diz ser motivo de nulidade absoluta dos actos do seu Conselho de Gestão, pelo que as teses que tiveram vencimento na decisão recorrida não se enquadram sequer no quadro legal assumido pelo empregador (conforme, em especial, as fundamentações dos documentos chave deste caso onde se nota a total ausência do mínimo sinal directo ou indirecto da tutela do tipo ora defendido.
56. Foram violadas as disposições contidas no artigo 14º, nº 1, do DL 729-F/75, de 22.12; nos artigos 12º, 13º, nº 2, al. g) e nº 4 e 49º, nº 1, do DL 260/76, de 8.04; artigos 7º, 12º, 13º e 21º, alínea c) do DL 49408, de 24.11.69; artigos
224º, nº 1, 228º, 230º, 234º, 393º, nº 1 e 394º, nº 1, do Código Civil; artigo
7º do DL 519-C1/79, de 9.12.
57. Em consequência, a decisão ora recorrida fez errada interpretação e aplicação das disposições legais referidas e designadamente do disposto nos artigos 13º e 49º do DL 260/76, na formulação que lhes foi dada pelo DL
353-A/77, de 24.08, bem como dos artigos 294º e 295º do Código Civil.
58. Bem como tal decisão é inconstitucional, nos termos do art. 207º da CRP, pela interpretação que faz dos normativos aplicáveis e, em especial, do art.
13º-2-g) do DL 260/76, que se afigura violadora do princípio da separação de poderes constitucionalmente previsto no art. 114º da CRP.
59. Nesta conformidade, a douta decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que dê pleno e integral procedimento ao pedido do A., com todas as consequências legais (incluindo as previstas no art. 712-1-b) e c) do CPC.'
6 – Igualmente notificado para alegar disse o recorrido, a concluir:
'1. O recorrente apenas veio por em causa a constitucionalidade do art. 13º, nº
2, alínea g) do Dec. Lei nº 260/76, de 8 de Abril, face ao artigo 114º da Constituição.
2. Inexiste qualquer princípio de direito positivo e, menos ainda, qualquer norma com dignidade constitucional que faça depender da lei, nos termos em que o recorrente o pretende, a delimitação – exaustiva, detalhada e rigorosa – do
âmbito, modalidade e conteúdo de cada caso de tutela administrativa.
3. O art. 13º, nº 2 do Dec.-Lei nº 260/76 é, por si só, uma cláusula geral, definidora do conteúdo ou extensão mínima da tutela sobre as empresas públicas, constituindo uma norma imperativa de efeitos imediatos (ainda que não tenha sido, ou enquanto não é, transporta para os estatutos da empresa).
4. A sujeição a tutela integrativa dos actos das empresas públicas relativos ao estatuto do pessoal decorre imediata e automaticamente daquele preceito legal; e só para efeitos de alargamento ou aprofundamento das regras já dele constantes se tornará necessária nova intervenção (regulamentar) do legislador.
5. Em termos práticos, designadamente para os efeitos pretendidos pelo Recorrente, é pouco relevante o facto de o legislador ter deixado por esclarecer, no nº 2 do art. 13º, se a tutela deveria ser exercida por via da autorização ou da aprovação.
6. Há, na verdade, grande consenso no sentido de se entender que a tutela sobre os actos das empresas públicas não pode deixar de assumir a forma de aprovação tutelar – desde logo, porque constitui a forma natural de controlo e também porque constitui o procedimento-regra.
7. Para além disso, as diferenças abstractamente existentes entre aquelas duas espécies de tutela quando referidas a actos administrativos não se reproduzem automaticamente em relação a uma declaração negocial privada (como é o caso em apreço).
8. Em relação a esta ocorre uma equivalência funcional entre os dois tipos de tutela, deles decorrendo, em qualquer caso, que a falta de concordância do Governo com as deliberações dos conselhos de gestão das empresas públicas sobre o estatuto do pessoal há-de ter como consequência a ineficácia ou a improdutividade de tais deliberações.
9. A regra de aprovação tutelar está expressamente confirmada no âmbito da contratação colectiva para o sector público; está também assumida na Resolução do Conselho de Ministros nº 163/80, de 4 de Maio, está ainda reiterada em relação à questionada norma da alínea g), do nº 2 do art. 13º do Dec.-Lei nº
260/76, pelo acórdão do STA de 12.05.87, no recurso nº 21.941.
10. Não havia (nem há) qualquer obstáculo legal (e, menos ainda, constitucional)
à aplicação pelos tribunais do art. 13º, nº 2, alínea g), a uma deliberação do Conselho de Gestão de uma empresa pública, ainda que os respectivos estatutos não tenham sido expressamente adaptados para incluírem regulamentação própria e especial sobre regras da tutela administrativa já directamente derivadas daquele preceito legal.
11. O douto acórdão recorrido não só decidiu bem sobre o fundo da questão, como deixou integralmente respeitada a Constituição da República Portuguesa, em particular o seu artigo 114º.'
Corridos os vistos legais cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação
7 – Cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (art.
76º, nº 3 da LTC). O recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pressupõe, além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma processualmente adequada, a inconstitucionalidade de uma determinada norma jurídica (ou de uma sua interpretação normativa) e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado (a norma ou dimensão normativa arguida de inconstitucional), como ratio decidendi, no julgamento do caso.
É este último pressuposto de admissibilidade do recurso que, como vai ver-se, não se pode considerar verificado na situação que agora constitui objecto dos autos. O problema, aliás, não é novo na jurisprudência do Tribunal Constitucional, que teve já oportunidade de decidir, em casos em tudo idênticos ao dos autos, nos Acórdãos nºs 243/95 (2ª Secção) e 586/95 (1ª Secção), ainda inéditos, que o tribunal recorrido não tinha efectivamente aplicado a norma cuja constitucionalidade vem questionada (o artigo 13º, nº 2, al. g) do Decreto-Lei nº 260/76) com o sentido que o recorrente reputa de inconstitucional. Ponderou então o Tribunal Constitucional no já citado Acórdão nº 586/95 (em que, como agora, estava em causa o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação do Porto, à qual, aliás, a decisão que agora vem impugnada foi buscar a sua própria fundamentação):
'De facto, durante o processo (mais precisamente nas alegações do recurso de apelação), o recorrente imputou a inconstitucionalidade do disposto no artigo
13º, nº 2, alínea g), do Decreto-Lei nº 260/76, não à globalidade da norma, mas apenas a um segmento ou interpretação dela: a que permitisse ao tribunal que, na falta de particularização estatutária específica quanto a certo banco nacionalizado, escolhesse casuisticamente os casos em que haveria lugar a tutela, directamente ou através da aplicação de acto de natureza administrativa
(como seria o caso de aplicação da Resolução do Conselho de Ministros nº
163/80). Ora, a verdade é que o Tribunal da Relação nã aplicou a norma impugnada com o sentido alegadamente inconstitucional denunciado pelo recorrente, sendo clara a posição assumida no acórdão sob recurso, de tal modo que não há elementos que apontem para a aplicação dessa norma, na interpretação reputada de inconstitucional. Da leitura do acórdão, em especial dos passos atrás transcritos, resulta que o Tribunal da Relação do Porto optou por um entendimento das normas invocadas pelo Banco Réu desfavorável à tese do autor, valorizando a argumentação jurídica do apelado, em detrimento da do apelante, sem deixar de reconhecer que as questões sub judicio eram melindrosas: nesse aresto, admitiu-se mesmo que o legislador de
1977 teria utilizado uma «técnica legislativa pouco comum e susceptível de deixar dúvidas de interpretação» ao aditar o novo nº 2 ao art. 49º do Decreto-Lei nº 260/76, mas, através de uma actividade interpretativa com valorização do elemento teleológico, concluiu que a intenção do legislador não poderia ser outra senão «a de submeter todas as empresas públicas, sem excepção, aos princípios do regime por elas instituído, ainda que para algumas dessas empresas, como as instituições de crédito e seguradoras, existissem, criadas já, normas jurídicas a elas, especialmente, dirigidas (D.L. 729-F/75 (banca) e 72/76
(seguros)». Para o mesmo Tribunal da Relação, um dos princípios do estatuto geral das empresas públicas aplicável á instituições de crédito nacionalizadas seria o da sujeição a tutela administrativa (arts. 12º a 14º do Decreto-Lei nº 260/76), tutela que seria «exercida de forma directa e imediata, quanto à fixação de remunerações, através dos Ministérios das Finanças e do Trabalho, intervenção tutelar plenamente justificada para prevenir a eventualidade de ser assumida uma gestão descontrolada e isolada dos grandes objectivos da política económica e social». E, para acentuar a razoabilidade da interpretação preconizada, acrescenta-se que «mal se compreende, aliás, que estando todas as outras empresas públicas submetidas a essa tutela, a mesma tutela se não exercesse igualmente em relação aos bancos nacionalizados, já que a banca constitui um sector chave dessa política, e que a própria nacionalização não impusesse uma tutela menos actuante do que a exercida, indirectamente, pelo Banco de Portugal». Esta interpretação não implica que o Tribunal da Relação do Porto tenha integrado a norma do nº 2 do art. 49º conjugada com a alínea g) do nº 2 do art.
13º, ambos do Decreto-Lei nº 260/76, com um puro acto administrativo de natureza genérica constante de uma Resolução do Conselho de Ministros. Antes pelo contrário, do texto do acórdão resulta que a Resolução do Conselho de Ministros nº 163/80 era um elemento de natureza auxiliar na interpretação da primeira daquelas normas, mostrando que o Governo, autor do Decreto-Lei nº 353-A/77, entendia que a banca e os seguros haviam ficado sujeitos, como as restantes empresas públicas, ao princípio da tutela. O recorrente discorda do resultado desta actividade interpretativa e pretende que o Tribunal Constitucional censure, enquanto tribunal de recurso, a solução jurídica constante do Acórdão da Relação do Porto. Simplesmente, o Tribunal Constitucional não tem competência para apreciar o modo como os tribunais judiciais aplicam o direito ordinário, não havendo recurso do tipo de amparo contra actos jurisdicionais alegadamente contrários à Constituição. No caso do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, são pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade a impugnação da legitimidade constitucional da norma (ou de uma certa interpretação dela) durante o processo, e, por outro lado, a aplicação dessa norma (ou de uma interpretação dela oportunamente impugnada pelo recorrente) pelo tribunal recorrido, enquanto ratio decidendi ou uma das suas rationes decidendi. Pelo que se deixa referido, falta este segundo pressuposto, pelo que não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso, segundo o entendimento do ora relator (neste sentido e num caso perfeitamente idêntico, veja-se o acórdão nº 243/95, da 2ª Secção do Tribunal Constitucional, ainda inédito).'
É esta jurisprudência que, por manter inteira validade, mais uma vez há agora que reiterar. Assim, não tendo a decisão recorrida aplicado a norma arguida de inconstitucional, não pode efectivamente conhecer-se do objecto do recurso.
III – Decisão Pelo exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta. Lisboa, 29 de Setembro de 1999 José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Bravo Serra Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa