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Processo n.º 1292/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, em que é reclamante A. e reclamado o MINISTÉRIO PÚBLICO, o primeiro vem reclamar, ao abrigo dos artigos 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho daquele Tribunal de 22 de maio de 2013 que não admitiu o recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 36), na sequência do acórdão do mesmo Tribunal de 24 de abril de 2013 que negou provimento ao recurso interposto pelo arguido da sentença de 7 de novembro de 2012 que o condenara pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de sete meses de prisão efetiva (cfr. fls. 17 a 16).
2. O Tribunal da Relação do Porto proferiu, em 22/05/2013, despacho de não admissão do recurso interposto para este Tribunal com o fundamento seguinte (cfr. fls 36):
«Não se admite o recurso (…), uma vez que o mesmo não encaixa, minimamente, na previsão do artigo 70.º, n.º 1, da LOFPTC (…).».
3. O ora reclamante apresentou reclamação da não admissão do recurso para este Tribunal, nos termos seguintes (cfr. fls. 2-7):
«(…) A Inconformidade do ora signatário perante o despacho ora Reclamado, tem como elemento essencial o facto de o Recurso não ter sido admitido, na razão do mesmo não encaixar na previsão do Art°. 70, n.º 1 da LOFPTC (Lei 28/82 de15 de novembro);
Quando,
Da leitura do mesmo, percetível se torna que, tudo efetivamente entronca nos nº.(s) 1, 2 e 4 do artigo 70°. da Lei do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei n.º 28/82 de 15 de novembro);
Estando pois o aqui Recorrente, face à situação de que é inequívoco que nos presentes autos;
Se encontram já para si irremediável e completamente esgotados, todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários, que lhe possibilite reagir contra tal decisão, com a qual, continua a não conseguir conformar-se;
E cuja inconstitucionalidade,
Está inabalavelmente persuadida, tudo resultando numa clara e inequívoca desconformidade com a intenção do legislador constitucional;
Assim,
Continua pois o aqui recorrente inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, que decidiu julgar conforme (embora constatando a sua escassez), a fundamentação utilizada na Sentença proferida pelo Tribunal da 1ª Instância;
E porque está em tempo e para tal tem legitimidade (Cfr. al. b) do n° 1 do art.º 72° da Lei do T. Constitucional), apresentou o presente recurso;
O qual deverá subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito suspensivo (Cfr. nº 4 do artigo 78° da Lei do Tribunal Constitucional);
Nesta consonância,
Mais se atente, que todo o recurso tem o seu porto de abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70.° da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro;
Pretendendo-se ver apreciada a constitucional idade da norma constante do artigo 374.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, na interpretação seguida pelo Tribunal da Relação do Porto;
Tudo porque,
Tal interpretação, na ótica da aqui recorrente, faz incorrer o malfadado Sentença, numa clara e inequívoca nulidade, na razão da omissão de pronúncia, ou seja, pelo não conhecimento de questão que devia ter apreciado;
Em concreto,
O facto de a Sentença recorrida, desde logo não ter fundamentado de uma forma suficientemente ponderada, clara e específica, a determinação da denegação da suspensão da execução da pena de prisão, violando com isso o disposto no Art.º 50.º n.º 1 do Código Penal, Art.° 374.° n.º 2 do C.P.P. e, Art.º 375.° n.º 1 do C.P.P., tudo o que, redunda numa clara nulidade (Art.° 379.°, n.º 1, al. a) do C.P.P.);
Posto isto,
Note-se que o que está em causa, não era pedir-se que a Sentença tivesse analisado cada um dos vetores a que alude o artigo 50°, do Código Penal Português, mas, tão só que fizesse uma abrangência capaz de abraçar os requisitos contidos no citado normativo;
E não apenas como o fez, utilizando expressões vazias de todo elou qualquer conteúdo, através da ultrasónica abordagem já aqui transcrita;
Assim, e da análise do referido excerto da Sentença aqui transcrito, crê o ora recorrente, que está mais do que inferida a pretendida inconstitucionalidade por deficiente fundamentação, a qual, na ótica do aqui recorrente também a faz incorrer numa clara nulidade;
Pois da mesma não constam de forma clara e inequívoca, as principais razões que sustentaram o tribunal 'a quo' a enveredar pela não suspensão;
Pelo que, sublinhe-se, dado o 'deficit' de fundamentação, entende o recorrente que a recorrida Sentença violou o disposto no n.º 1 do art.º 50.º do Código Penal, o n.º 2 do art.º 374.° do Código de Processo Penal e, os art°.(s) 18 e 205 n.º. 1 da Constituição da República Portuguesa;
Padecendo assim a mesma de uma clara nulidade (Acórdão do S.T.J, C.J, ano VIII, Tomo I- 2000, pag. 206) prevista no art.º 379.º n.º 1 alínea a);
E, de um inequívoco desrespeito pelos preceitos constitucionais atrás numerado, designadamente, o Princípio da Concordância Prática e, a não consagração no nosso sistema judicial, do chamado sistema de normas em branco, “mui” usual sim, no sistema anglo-saxónico;
Tudo o que, não era de todo insuprível pelo Tribunal 'a quo', podendo ser arguido em recurso (Acórdãos para fixação de jurisprudência do S.T.J. de 1992/05/06, in D.R. de 1992/08/06 e de 1993/12/02, in DR de 1994/02/11);
E,
Mesmo entendendo-se em concreto que tal questão de constitucional idade, apenas é suscitada na sua plenitude, no presente requerimento;
Atente-se à uniforme jurisprudência deste Tribunal Constitucional, que, excecionalmente admite o recurso dispensando o interessado de a ter suscitado durante o processo, até à decisão de que se recorre;
Porquanto se afigura não lhe ser exigível que antevisse a possibilidade de aplicação daquela norma ao concreto, de modo a impor-se-lhe o ónus de suscitar a questão (da inconstitucionalidade) antes da decisão;
Termos em que,
Observados que estão os formalismos legais para tal previstos, porque para tal a recorrente tem legitimidade, está em tempo e representada por advogado (cfr. art.ºs 72.º n.º 1 al. b), 75.º e 83.º da Lei do T. Constitucional),
Requer-se a V.ª (s) Excª. (s), que desde já considerem validamente interposto o presente recurso da decisão deste Tribunal da Relação do Porto para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os ulteriores termos, sendo certo que as respetivas alegações que o motivarão serão produzidas já no Tribunal 'ad quem', de acordo com o disposto no artigo 79° da Lei do Tribunal Constitucional e no prazo aí previsto.
Junta-se - Legais duplicados.
Nestes termos, por tudo aqui atrás exposto, o despacho ora recorrido, não fez a melhor justiça na aplicação da Lei Penal vigente, quando, não admitiu o Recurso apresentado pelo ora Reclamante Mais se deverá, revogar o despacho que não admite o Recurso interposto, devendo este, ser substituído por outro que determine a sua admissão e subida imediata, assim se fazendo como sempre a costumada,
JUSTIÇA!».
5. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal conclui pelo indeferimento da reclamação, por o reclamante não ter enunciado uma questão de inconstitucionalidade normativa passível de constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 40-41).
6. Notificado para se pronunciar, querendo, sobre a possibilidade de indeferimento da reclamação com fundamento na inexistência de objeto normativo, como invocado na resposta do Ministério Público (cfr. fls. 42), o reclamante não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
7. O Tribunal da Relação do Porto não admitiu o recurso interposto pela ora reclamante para este Tribunal com o fundamento de que o recurso interposto não se enquadra «minimamente» no artigo 70.º, n.º 1, da LTC, tendo este reclamado para este Tribunal – reclamação que, na falta de indicação expressa, se presume apresentada ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da LTC.
A decisão que defira reclamação apresentada nos termos daquele n.º 4 do artigo 76.º da LTC, revogando, em consequência, o despacho de indeferimento do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso, nos termos do n.º 4 do artigo 77.º da LTC.
Por isso, o que importa decidir no presente incidente, é a questão de saber se estão preenchidos todos os pressupostos processuais de que, nos termos da LTC, depende a admissão e o conhecimento do recurso de constitucionalidade.
8. O recurso de constitucionalidade foi interposto pelo ora reclamante ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (cfr. requerimento de interposição de recurso, fls 29, e reclamação, fls. 3).
Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04).
Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.
9. Do teor do requerimento de interposição de recurso decorre que este carece de objeto normativo, não sendo suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Do teor do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal – já que o reclamante alega não estar obrigado ao ónus de suscitação prévia da pretensa questão de inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida – decorre que o reclamante imputa a pretensa violação de normas constitucionais (e da norma legal cuja constitucionalidade pretende ver sindicada (artigo 374.º, n.º 2, do CPP) à própria decisão recorrida, com a qual não se conforma (cfr. fls. 33 e 34) e que considera padecer de nulidade. E a falta de objeto normativo decorre também do teor da reclamação ora apresentada, no qual o reclamante afirma expressamente continuar inconformado com a decisão proferida pelo TRP (cfr. fls. 3 a 5) – em concreto, na parte em aprecia e decide a questão da suspensão da execução da pena requerida pelo ora reclamante.
A fiscalização da constitucionalidade e da legalidade da competência deste Tribunal incide sobre normas e não sobre decisões, incluindo, como se pretende no caso, decisões judiciais. Como se afirma no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal (II, 3):
«A competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria de sistemas que consagram o recurso de amparo - não a detém, entre nós, o Tribunal Constitucional.».
10. Termos em que, resultando dos autos que não existe objeto normativo passível de apreciação por este Tribunal e que é um dos pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso, não pode deferir-se, ainda que com diverso fundamento, a reclamação apresentada.
III – Decisão
11. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, ponderados os critérios previstos no n.º 1 do artigo 9.º do mesmo diploma.
Lisboa, 6 de março de 2014. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.