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Proc. nº 651/97 Acórdão nº 521/99
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Em processo de execução fiscal, instaurado para cobrança da quantia de 110 747$00, relativa a contribuição predial do ano de 1985 e juros de mora, em que é exequente a Fazenda Nacional e executado M., procedeu--se à penhora de um prédio misto sito no Linhó, Estrada Nacional de Sintra ao Estoril, designado “Quinta ...”, com a área total de 42 288 m2, a que foi atribuído o valor de 350 000 000$00.
Tendo sido paga a quantia exequenda e acréscimos legais, no montante total de 524 743$00, por “Invéstia – Gestão e Planeamento Imobiliário, S.A.”, que ficou sub-rogada nos direitos do executado, foi por este requerido o levantamento da penhora.
O despacho que deferiu tal pedido determinou que o processo fosse mandado “à conta, que determinará o valor das custas do incidente, cujo valor é o dos bens penhorados – alínea g) do nº 1 do artº 7 do RCPCI e 12 do mesmo diploma – a pagar pelo executado [...]”.
Notificado para pagar as custas do incidente, no valor de 5 753
290$00, o executado, M., interpôs recurso do despacho do Chefe da 6ª Secretaria Administrativa de Execuções Fiscais de Lisboa, nos termos do artigo 355º do Código de Processo Tributário. Pediu que fosse declarado nulo o despacho que o notificou para o pagamento das custas, por não ser acompanhado da conta de custas e não permitir assim ao interessado a respectiva verificação e eventual reclamação; subsidiariamente requereu que a taxa de justiça incidisse sobre o valor fixado em relação ao prédio para efeitos de contribuição autárquica; invocou a inconstitucionalidade da norma do artigo 7º, nº 1, alínea g), do Regulamento das Custas dos Processos das Contribuições e Impostos (RCPCI), na medida em que tal norma, mandando atender ao valor dos bens penhorados para a tributação do incidente de levantamento da penhora, conduz a um enriquecimento do Estado, que é arbitrário, injusto e susceptível de violar os mais elementares direitos do executado e de violar o princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
O Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (4º Juízo) julgou inconstitucional a norma que se extrai da conjugação do artigo 7º, nº 1, alínea g), do do Decreto-Lei nº 449/71, de 26 de Outubro, com a tabela I anexa ao Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho, na parte em que resulta um valor de custas a pagar, pelo incidente de levantamento da penhora, de 5 753 290$00, e para uma acção de valor de 524 743$00, e, em consequência, concedeu provimento ao recurso interposto por M. e determinou que para efeitos de tributação do incidente de levantamento da penhora se atenda ao valor da acção.
2. Da decisão interpôs recurso o Magistrado do Ministério Público junto daquele Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, a), e 72º, nº 1, a), da Lei do Tribunal Constitucional.
3. No Tribunal Constitucional, o Ministério Público produziu alegações, tendo concluído que deveria confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
II
4. O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 7º, nº 1, alínea g), do Regulamento das Custas dos Processos das Contribuições e Impostos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 449/71, de 26 de Outubro, na sua conjugação com a tabela I anexa ao Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho.
Dispõe aquele preceito:
“Artigo 7º – 1. Os valores atendíveis para efeito de custas são os seguintes:
No processo de execução:
g) No levantamento de penhora a requerimento de qualquer credor – o dos bens penhorados”.
5. Ao pronunciar-se anteriormente sobre a constitucionalidade de normas relativas a custas judiciais, o Tribunal Constitucional teve ocasião de afirmar a liberdade do legislador na fixação do montante das custas, considerando que ao legislador compete optar por uma justiça mais ou menos cara. O Tribunal admitiu porém a existência de um limite a essa liberdade – limite que resulta do imperativo de “a justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem de recorrer ao sistema de apoio judiciário” (acórdão nº 352/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19º vol., p. 549 ss).
6. O Tribunal Constitucional foi já por diversas vezes chamado a apreciar a constitucionalidade da norma que se extrai da conjugação do artigo
3º do Decreto--Lei nº 199/90, de 19 de Junho, com as tabelas I e II anexas ao mesmo diploma.
O Tribunal começou por reconhecer que “os valores fixados para a
‘taxa de justiça’ [...] relativos à jurisdição fiscal foram, desde sempre, substancialmente mais elevados que os correspondentes valores estabelecidos para a justiça cível comum”, que “a procura de uma racionalidade para esta situação não pode deixar de ter presente a especificidade do fenómeno jurídico em torno do qual se constrói esta jurisdição” e que os custos de utilização da justiça fiscal se relacionam com a própria eficácia do sistema fiscal.
Verificando no entanto que os quantitativos concretos das custas no processo tributário, quando encarados numa lógica comparativa com os decorrentes do Código das Custas Judiciais, se revelam manifestamente excessivos e desproporcionados e tornam a justiça tributária frequentemente incomportável quando se toma por paradigma a capacidade contributiva do cidadão médio, o Tribunal concluiu no sentido da inconstitucionalidade da norma que se extrai da conjugação do artigo 3º do Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho, com as tabelas I e II anexas ao mesmo diploma, por violação do direito de acesso aos tribunais, decorrente do artigo 20º, nº 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade (acórdão nº 1182/96, Diário da República, II Série, nº 35, de
11.2.1997).
Argumentação semelhante fundamentou diversos acórdãos posteriores, de entre os quais se mencionam, como mais significativos, os acórdãos nºs 70/98,
102/98, 107/98, 110/98, 167/98, 168/98, 433/98, ainda inéditos.
O Tribunal concluiu que a aplicação das referidas tabelas conduz, em geral, a montantes desproporcionadamente elevados e que “o facto de, nalgum caso, essa desproporção não ser tão significativa não justifica [...] que a norma sub iudicio seja julgada inconstitucional apenas em parte, e não na sua totalidade” (assim, expressamente, nos mencionados acórdãos nºs 70/98 e 110/98).
7. Na situação que deu origem ao presente processo, está em causa a tributação de um incidente de levantamento da penhora a que as regras em vigor atribuem o valor de 350 000 000$00, por ser este o valor dos bens penhorados na execução; a execução fiscal em que se insere o mencionado incidente tem o valor de 524 743$00; as normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada conduzem a uma tributação de 5 753 290$00.
Não existe nas execuções regidas pelo Código de Processo Civil, sujeitas ao Código das Custas Judiciais, tributação do acto em causa.
Esta circunstância inviabiliza a comparação directa entre os valores de tributação que resultariam da aplicação das regras contidas no Código das Custas Judiciais e os que resultariam das normas cuja constitucionalidade aqui se discute, à semelhança do que fez o Tribunal Constitucional na apreciação das normas do Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho.
Tal não impede porém que se conclua que o caso dos autos apresenta analogia com os que se discutiram no âmbito dos processos que tinham como objecto as normas do Decreto-Lei nº 199/90 e que se considere desproporcionada e lesiva do direito de acesso à justiça a obrigação de pagamento de custas, por um incidente processual de natureza simples, do montante de 5 753 290$00.
Acresce que, nos termos do artigo 9º, nº 1, do Código das Custas Judiciais, “o valor das execuções é o da soma dos créditos exequendos ou o do produto dos bens liquidados, se for inferior”.
Daí que se conclua aqui também que “as custas fiscais, não tendo de corresponder às custas de outras espécies de processo, não podem ser desproporcionadamente mais altas ou pôr em risco o acesso à justiça” (citado acórdão nº 1182/96).
III
8. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio do acesso ao direito e aos tribunais, inscrito no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, combinado com o princípio da proporcionalidade, a norma que se extrai da conjugação do artigo 7º, nº 1, alínea g), do Regulamento das Custas dos Processos das Contribuições e Impostos (aprovado pelo Decreto--Lei nº
449/71, de 26 de Outubro), com a tabela I anexa ao Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho, na parte em que dela resultar um montante de custas de 5 753
290$00, a pagar pelo incidente de levantamento da penhora – sendo de 350 000
000$00 o valor dos bens penhorados –, inserido em acção de execução com o valor de 524 743$00;
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 28 de Setembro de 1999- Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa