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Proc. n.º 210/99
1ª Secção Cons. Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. - C..., notificado do despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra que não lhe admitiu o recurso de constitucionalidade que pretendia interpor da decisão que indeferiu uma reclamação, com o fundamento de que o despacho reclamado era um despacho de mero expediente e, por isso, irrecorrível, veio reclamar para o Tribunal Constitucional, pretendendo a revogação do despacho de inadmissão do recurso de constitucionalidade.
Com efeito, C..., notificado da decisão de fls. 28 dos presentes autos de reclamação, interpôs a fls. 30 recurso de constitucionalidade, pretendendo que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade à Lei Fundamental da norma do nº6 do artigo 145º do Código de Processo Civil que, em seu entender, violaria o princípio do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º, nº1, da Constituição.
Por despacho de 19 de Janeiro de 1999, do Presidente da Relação de Coimbra (fls. 40), não foi o recurso admitido, alegando-se, por um lado o facto de o mesmo ser extemporâneo e, por outro, o facto de o requerimento de interposição estar subscrito pelo recorrente, como advogado em causa própria, sendo certo que, conforme informação da Ordem dos Advogados junto aos autos, o mesmo advogado tem a sua inscrição na Ordem suspensa.
A fls. 42 veio o reclamante apresentar uma 'redarguição' através da qual pedia a revogação do despacho impugnado e o deferimento do requerimento de interposição do recurso.
A fls. 54 foi proferido o seguinte despacho pelo Presidente da Relação de Coimbra: 'Com o meu despacho de fls. 40, esgotou-se o meu poder jurisdicional sobre os autos - art. 666º, nºs 1 e 3 do C.P.Civil. O meio próprio para impugnar aquele despacho seria a reclamação e não a
'redarguição' com pedido de revogação da decisão pela entidade que a proferiu, como foi usado. Assim, nada há a ordenar na sequência do requerimento que antecede.'
Notificado deste despacho, C... veio apresentar novo requerimento insistindo pela revogação do despacho em crise, arguindo agora a nulidade do último despacho proferido por falta de fundamentação.
Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho do Presidente da Relação de Coimbra:
'Pelas razões já constantes do meu despacho de fls. 54 e porque sempre subsistiria o terceiro argumento invocado para o não recebimento do recurso, indefiro o requerido a fls. 55'.
2. - Notificado deste despacho, C... veio então apresentar a reclamação para este Tribunal (fls. 59 e 60), abrangendo 'a tríplice decisão' reclamada.
O Presidente da Relação manteve o despacho reclamado por despacho de 25 de Fevereiro de 1999.
3. - Neste Tribunal, o Exmo Procurador-Geral adjunto em exercício teve vista dos autos e exarou o seguinte parecer:
'A presente reclamação deve ser indeferida, já que a decisão que se pretendeu impugnar, através da interposição do rejeitado recurso de fiscalização concreta, não aplicou a norma que constitui objecto de tal recurso – a constante do artº
145º, nº 6 do CPC. Na verdade, limitou-se tal decisão, proferida pelo Exmo. Presidente da Relação de Coimbra, a qualificar como despacho de mero expediente a decisão do juiz que o ora reclamante pretendia impugnar, considerando que, através dele, o magistrado se limitou a fazer notar à secretaria a oportunidade para esta exercer uma competência que a lei de processo lhe confere, a título oficioso. Ou seja: a 'ratio decidendi' essencial de tal decisão consiste na invocação, interpretação e aplicação da norma constante dos arts. 156º, nº4 (que define o conceito de despacho de mero expediente) e 679º (que exclui a admissibilidade de interpretação de recurso ordinário, quanto a tais despachos), ambos do CPC. Nestes termos – e por faltar manifestamente um pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ( a efectiva aplicação da norma questionada pelo recorrente) – terá de improceder a presente reclamação, mantendo-se a rejeição do recurso, embora por fundamento diverso do apontado na decisão reclamada (a falta de patrocínio do recorrente não justificaria a liminar rejeição do recurso, mas apenas o convite à constituição de advogado, nos termos do artº 38º, nº2, do CPC).
Cumpre apreciar e decidir.
4. - O recurso de constitucionalidade que não foi recebido e que fundamentou a presente reclamação foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Os recursos assim interpostos, para deles se conhecer, exigem a verificação dos seguintes pressupostos: que tenha sido suscitado durante o processo a questão de constitucionalidade de uma norma e que essa norma seja aplicada na decisão recorrida, isto é, seja um dos seus fundamentos normativos, a sua 'ratio decidendi'.
No caso dos autos, a reclamação apresentada contra o despacho do Juiz de Círculo do Tribunal de Anadia por não admissão de um recurso refere, com efeito, que no despacho de que se pretendia recorrer se fazia 'uma interpretação inconstitucional do artigo 145º, n.º6 do Código de Processo Civil', por violadora do artigo 20º da Constituição.
Portanto, pode admitir-se que o reclamante suscitou a questão de inconstitucionalidade da referida norma durante o processo.
Porém, o despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra que decidiu a reclamação que lhe foi dirigida e que está aqui em apreciação por ter sido visado pela interposição do recurso de constitucionalidade não aplicou tal norma, como especificamente refere o Procurador-Geral adjunto no seu parecer.
Na verdade, a norma cuja constitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie - artigo 145º, n.º6 do CPC - estabelece que, praticado um acto judicial num dos três dias seguintes ao termo do prazo sem se pagar imediatamente a multa devida, a secção de processos deve notificar o interessado para pagar a multa pelo dobro mas sem exceder 10 UC's, sob pena de perder o direito de praticar o acto em causa.
Ora é manifesto que esta norma não foi aplicada na decisão do Presidente da Relação que o reclamante pretendeu impugnar. Nesta decisão apenas se entende que 'o despacho do juiz [que ordena a notificação do artigo 145º,n.º6 do CPC] ao ordená-la não tem outro alcance que não seja dizer à Secretaria o que devia ter feito.' E conclui 'É um caso típico do despacho de mero expediente que não concede, retira ou restringe qualquer direito do reclamante, nem o mesmo lhe pode causar qualquer prejuízo.'
Portanto, como bem salienta o Procurador-Geral adjunto, tal decisão apenas aplicou o artigo 156º, n.º4, do CPC, na medida em que nesse preceito se define o conceito de «despacho de mero expediente» e o artigo 679º do mesmo Código, onde se determina que 'não admitem recurso os despachos de mero expediente [...]'.
Ora, quanto a estas normas, o reclamante não suscitou qualquer questão de constitucionalidade.
Não tendo o despacho reclamado aplicado a norma cuja constitucionalidade se questiona, falta um dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, pelo que este recurso seria inadmissível. Consequentemente, o despacho que recusou a sua admissão não pode ser censurado, ainda que por fundamento diverso do invocado.
5. - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 unidades de conta.
Lisboa, 20 de Outubro de 1999 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa