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Procº 186/2000 ACÓRDÃO Nº 274/00
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACÓRDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. – J... veio reclamar do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que não admitiu o recurso por ele interposto para o Tribunal Constitucional por não ter suscitado qualquer questão de constitucionalidade.
O ora reclamante foi condenado no Tribunal de Círculo de Portalegre como autor material de dois crimes previstos pelo artigo 144º, alínea d) do Código Penal, na pena única de três anos de prisão, com execução suspensa por três anos, desde que, no prazo de dois anos, pague as indemnizações arbitradas aos ofendidos.
Não se tendo conformado com tal decisão, o arguido e ora reclamante interpôs recurso para o STJ, admitido na 1ª instância. Remetidos os autos ao STJ foi proferido um parecer pelo Ministério Público, que defendeu ter sido tal recurso interposto e motivado fora de prazo, pelo que se não devia tomar conhecimento do recurso.
2. – Na sequência de tal parecer, o STJ, por acórdão de
30 de Setembro de 1999, considerando que o prazo de interposição do recurso começou a correr a partir do dia do depósito do acórdão, por não coincidir com o dia da leitura pública do mesmo e concluindo, face aos elementos constantes do processo, que o prazo de interposição estava largamente ultrapassado, não se devendo conhecer do recurso.
Notificado deste acórdão, J... veio pedir a sua aclaração com fundamento numa questão relativa à dispensa do arguido à leitura da sentença. Tal pedido de aclaração foi indeferido por acórdão de 19 de Janeiro de 2000, por não haver qualquer ambiguidade, obscuridade ou contradição.
Na sequência de notificação deste acórdão, o reclamante veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, n.º1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), mas sem indicar os elementos que o artigo 75º-A daquela Lei exige.
O relator, por despacho de 18 de Fevereiro de 2000, decidiu não admitir o recurso interposto com o fundamento de não ter suscitado durante o processo qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
3. - É contra esta decisão que J... levantou a presente reclamação, onde alegou que, 'efectivamente, notificado do douto parecer da Exma Senhora Procuradora Adjunta, respondeu, não suscitando formalmente qualquer inconstitucionalidade, nomeadamente, identificando o ou os artigos da Constituição da Republica Portuguesa que considerava estarem a ser violados. A mesma posição tomou no momento em que requereu esclarecimento do despacho que indeferiu a admissão do recurso por o mesmo ser intempestivo.'
Depois, o reclamante, apesar do que se transcreveu, afirma que nesses dois articulados suscitou a questão das garantias de defesa, entendendo que não é necessário apontar-se o artigo da Constituição, bastando apenas enumerar o princípio. Refere ainda o reclamante que 'o momento em que de facto se gera a inconstitucionalidade é o momento do último despacho que nem sequer aprecia as palavras do recorrente ao dar como ponto assente que todo o processado no Tribunal de Círculo de Portalegre se encontra elaborado em condições'.
4. – O Ministério Público teve vista dos autos e aí exarou o seguinte parecer:
'É manifesta a improcedência da presente reclamação, já que o ora reclamante não suscitou, durante o processo - tendo toda a oportunidade para o fazer - qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de servir de suporte ao recurso de constitucionalidade que pretendeu interpor, com fundamento na alínea b) do n.º1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82. Na verdade, as questões que suscita conexionadas directamente com a tempestividade da interposição do recurso para o STJ, eram patentes face ao teor do parecer exarado nos autos pelo M.º P.º, o qual lhe foi devidamente notificado, sem que então tivesse curado de suscitar qualquer questão de constitucionalidade de 'normas'.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
5. – A presente reclamação não pode deixar de ser indeferida.
Com efeito, decorre até do próprio requerimento de reclamação que o reclamante não suscitou, em qualquer das ocasiões que refere, a inconstitucionalidade de qualquer norma ou de uma sua interpretação. Aliás, o reclamante ao referir que 'o momento em que se gera a inconstitucionalidade é o momento do último despacho(...)', claramente assume que tal inconstitucionalidade é gerada por um despacho e não por qualquer norma que não identifica ou qualquer interpretação normativa que não concretiza.
Ora, é jurisprudência uniforme e de há muito assente que o legislador constituinte elegeu como objecto do controlo de constitucionalidade a norma jurídica aplicada na decisão recorrida apesar de ter sido arguida inconstitucional, ou que esta decisão se recusou a aplicar com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Não tendo o reclamante suscitado a inconstitucionalidade de qualquer norma durante o processo, falta um pressuposto da admissibilidade do recurso de constitucionalidade exigido pelo artigo 70º, n.º1, alínea b), da LTC: apenas há recurso de constitucionalidade de decisões dos tribunais que tenham aplicado norma de direito infraconstitucional cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo.
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 unidades de conta.
Lisboa, 16 de Maio de 2000 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida