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Processo n.º 505/12
Plenário
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
(Conselheira Ana Guerra Martins)
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. O Presidente da Assembleia de Freguesia de Milheirós de Poiares submeteu ao Tribunal Constitucional, em 09 de julho de 2012, a deliberação da respetiva Assembleia de Freguesia, tomada na reunião ocorrida em 30 de junho de 2012, que aprovou a “realização de Referendo Local sobre a Reforma Territorial Autárquica”, mediante colocação da pergunta “Concorda com a integração da freguesia de Milheirós de Poiares no concelho de São João da Madeira?”, para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, nos termos do artigo 25.º da Lei Orgânica do Referendo Local (doravante designada por LORL, que foi aprovada pela Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, e sucessivamente alterada pelas Lei Orgânica n.º 4/2005, de 08 de setembro, Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de dezembro, e Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro de 2011).
2. O requerimento vem instruído com o projeto de deliberação – denominado, pelos proponentes, de “parecer” – e com cópia da ata da sessão em que a iniciativa referendária foi aprovada, conforme exigido pelo n.º 1 do artigo 28.º da LORL.
3. Apresentado e discutido em Plenário o memorando a que se refere o n.º 2 do artigo 29.º da LORL, e tendo ocorrido mudança de relator, cumpre decidir conforme dispõe o artigo 30.º, n.º 3, da mesma Lei.
II – Fundamentação
4. Consideram-se fixados, para efeitos da presente decisão, os seguintes factos, que resultam dos documentos juntos aos autos:
A Assembleia de Freguesia de Milheirós de Poiares, integrada na circunscrição territorial do Município de Santa Maria da Feira reuniu, em sessão ordinária, a 30 de junho de 2012;
Da respetiva ordem de trabalhos constavam os seguintes pontos:
« 1- Leitura, discussão e votação da ata da reunião anterior;
2- Apresentação e discussão da situação financeira - fluxos de caixa a 04/06/12;
3- Apresentação, discussão e votação de proposta para a realização de Referendo Local sobre a Reforma Territorial Autárquica;
4- Outros assuntos» (com sublinhado nosso)
A) Relativamente ao ponto 3 da ordem de trabalhos daquela reunião, extrai-se da ata o seguinte:
«Ponto 3 - O senhor presidente da Assembleia, Adriano Martins, passou a direção dos trabalhos ao senhor secretário da mesa da Assembleia e tomou a palavra em nome da bancada do partido socialista para ler um parecer apresentado à mesa que dizia o seguinte:
“Com a publicação em Diário da República da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, que confere competência às Assembleias de Freguesia para apresentarem pareceres sobre a reforma administrativa territorial autárquica, os quais, quando conformes com os princípios e os parâmetros definidos na presente lei, devem ser ponderados pela Assembleia Municipal no quadro da preparação da sua pronúncia (artigo 11.º, n.º 4), os membros do partido socialista apresentam este parecer para a realização de referendo local acerca da integração da freguesia de Milheirós de Poiares no concelho de São João da Madeira. A proposta dos membros do partido socialista é que esta Assembleia delibere, nos termos do artigo 23.º da Lei Orgânica n.º 4/2000 de 24 de agosto, que diz que a deliberação sobre a realização do referendo local compete, consoante o seu âmbito, à assembleia municipal ou à assembleia de freguesia, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de dezembro e Lei Orgânica n.º 1/2011 de 30 de novembro, aprovar a realização de um referendo local, submetendo ao Tribunal Constitucional a sua fiscalização preventiva, nos termos do artigo 28.º da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de dezembro, e Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro, com a seguinte pergunta: “Concorda com a integração da freguesia de Milheirós de Poiares no concelho de São João da Madeira?”
Assim enumeram-se de seguida os argumentos que sustentam a realização do referendo local:
1) A reforma territorial autárquica implicará profundas mudanças, nomeadamente mudanças de ordem administrativa, social, cultural e histórica, na vida das pessoas pelo que é legítimo que estas sejam chamadas a pronunciar-se.
2) A própria Assembleia de Freguesia de Milheirós de Poiares, consciente da importância deste processo, debateu este assunto e aprovou um parecer favorável à integração da freguesia de Milheirós de Poiares no concelho de São João da Madeira ao abrigo dos artigos 5.º e 15.º da proposta de lei n.º 44/XII correspondentes aos artigos 6.º e 17.º da Lei n.º 22/2012 de 30 de maio, por entender que esta é a vontade da esmagadora maioria da população da freguesia manifestada desde há 16 anos conforme documentação enviada nessa altura para a Assembleia da República.
3) A Assembleia de Freguesia de Milheirós de Poiares debateu este assunto e aprovou por unanimidade com 6 votos do partido socialista, dois votos do partido social democrata e um voto do partido popular aos 4 de abril de 1997 um parecer favorável à integração da freguesia de Milheirós de Poiares no concelho de São João da Madeira tendo encaminhado toda a documentação para a Assembleia da República na expectativa de ser apresentada uma reforma territorial autárquica que, à semelhança da Lei n.º 22/2012 de 30 de maio, enquadrasse essa pretensão.”
Aberto o período de discussão, intervieram: Manuel Joaquim Santos Conceição, Hernâni Almeida Costa, Raul de Pinho Bastos e Adriano Serafim Resende Martins. Após a discussão deste ponto, o senhor presidente da Assembleia colocou o assunto em apreço à votação, tendo o parecer sido aprovado por maioria com os 5 votos favoráveis dos membros do partido socialista e 4 votos contra dos membros do partido social democrata».
5. Compete ao Tribunal Constitucional, em fiscalização preventiva obrigatória, verificar a constitucionalidade e a legalidade do referendo local ora em apreço [artigo 223.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa – doravante designada por CRP; artigos 11.º e 105.º da Lei do Tribunal Constitucional – doravante designada por LTC; e artigos 25.º e seguintes da LORL].
O requerente tem legitimidade para o pedido de fiscalização preventiva do referendo local, na qualidade de presidente do órgão da autarquia que deliberou a sua realização, o pedido foi apresentado em tempo e o processo mostra-se regularmente instruído (artigos 25.º e 28.º, n.º 1, da LORL).
No caso presente, a iniciativa referendária foi exercida pelos membros da Assembleia de Freguesia de Milheirós de Poiares, eleitos pelo Partido Socialista, em conformidade com o disposto no artigo 10.º, n.º 1, da LORL.
Apesar de o artigo 11.º da LORL determinar que a iniciativa referendária deve assumir a forma de “projeto de deliberação”, quando apresentado por membros do órgão deliberativo – como foi o caso –, o documento junto aos presentes autos de fiscalização preventiva encontra-se denominado por “Parecer”, sendo tal referência reiterada no primeiro parágrafo do referido documento. Mas essa denominação divergente da legalmente fixada não obsta a que a tal documento seja atribuída a natureza que materialmente lhe cabe, de projeto de referendo local.
Tal projeto de deliberação foi aprovado pela assembleia de freguesia presidida pelo subscritor do presente pedido de fiscalização, no prazo e com a maioria previstos na lei (artigos 25.º e 28.º da LORL).
Pode, assim, concluir-se pela inexistência de irregularidades formais ou de procedimento de que cumpra conhecer.
6. Começando pela fiscalização da constitucionalidade da deliberação que aprovou um referendo local, a realizar na freguesia de Milheirós de Poiares, importa notar que o mesmo visa confrontar o eleitorado respetivo com a seguinte pergunta: “Concorda com a integração da freguesia de Milheirós de Poiares no concelho de São João da Madeira?”. Conforme denota o próprio projeto de deliberação, tal referendo local insere-se num procedimento deliberativo complexo tendente à emissão de parecer pela referida Assembleia de Freguesia, previsto no n.º 4 do artigo 11.º da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio. Daqui decorre que o referendo local não se limita a versar sobre a mera “Reorganização administrativa do território das freguesias” (regulada nos artigos 4.º a 15.º da Lei n.º 22/2012 – Capítulo II), mas tem antes por objeto uma questão que envolve a própria “Reorganização administrativa do território dos municípios” (regida pelos artigos 16.º e 17.º do mesmo diploma – Capítulo III). Tal resulta da circunstância de se pretender apurar se os eleitores de uma Freguesia atualmente integrada num Município – Santa Maria da Feira – concordam que ela passe a integrar um outro Município – São João da Madeira.
À partida, a Constituição da República Portuguesa (artigo 240.º, n.º 1) admite a possibilidade de realização de referendos locais, desde que estejam em causa “matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer”. Importa, portanto, determinar se a pergunta que se pretende submeter a referendo local abrange matéria que seja configurável como incluída na competência da assembleia de freguesia em causa.
Sucede que vigora uma reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República quanto à criação, extinção ou modificação de autarquias locais [artigo 164.º, alínea n), da CRP]. Daqui decorre que as assembleias de freguesia não dispõem de competência para deliberar, com força vinculativa, sobre essa matéria, pelo que a decisão quanto à modificação dos limites territoriais dos municípios de Santa Maria da Feira e de São João da Madeira não se inclui nas competências da Assembleia de Freguesia de Milheirós de Poiares.
Mas, dado que está em questão uma alteração da área destes dois municípios, a consulta prévia dos órgãos das autarquias abrangidas - não apenas os dos municípios, mas também os da freguesia afetada – corresponde a um imperativo constitucional, nos termos do disposto no artigo 249.º da CRP (cfr., quanto aos órgãos chamados a pronunciarem-se, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, II, 4.ª ed., Coimbra, 2010, 759-760).
Logo a nível constitucional, se torna, pois, manifesto que a Assembleia de Freguesia em causa detém poder consultivo, para este efeito. É quanto basta, após a revisão constitucional de 1997, que retirou do artigo 240.º da CRP (anterior artigo 241.º) a exigência de que a matéria se integre na competência exclusiva dos órgãos autárquicos, para dar por assente o preenchimento deste requisito do referendo local – cfr. ob. cit., 760, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, III, Coimbra, 2007, 521.
O facto de ter sido a Assembleia de Freguesia a tomar a iniciativa, e de não estarmos perante um procedimento legislativo, já em curso efetivo, de alteração da área de municípios, não invalida essa conclusão.
Na verdade, essa iniciativa integra-se no disposto no n.º 4 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 22/2012, que concede às assembleias de freguesia o poder de apresentar “pareceres sobre a reorganização territorial autárquica”, opção legislativa que se insere num procedimento consultivo que visa estimular a participação dos órgãos das várias pessoas coletivas públicas autárquicas (municipais e freguesias) na decisão legislativa a tomar, a final, pela Assembleia da República. Aqueles órgãos autárquicos gozam, assim, de um poder de emitir parecer não vinculativo que, a ser emitido, carece de ponderação pela correspondente assembleia municipal.
A circunstância de a assembleia de freguesia pretender emitir parecer sobre matérias de “reorganização administrativa do território de municípios” – e não de uma mera “reorganização administrativa do território de freguesias” – não obsta ao reconhecimento de tal competência consultiva. Apesar de a competência prevista no n.º 4 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 22/2012 se encontrar concebida, em primeira linha, para um procedimento de reorganização intramunicipal (ou seja, de uma reorganização exclusivamente contida nos limites territoriais de um só município), certo é que o n.º 1 do artigo 17.º do mesmo diploma determina que os municípios que pretendam propor uma alteração dos seus limites territoriais, designadamente mediante a transferência de freguesias, devem fazê-lo “no âmbito da pronúncia prevista no artigo 11.º”. Isto significa que a integração de freguesias de outro município deverá constar, quando essa for a vontade dos municípios envolvidos, da própria pronúncia mencionada naquele preceito legal. Razão pela qual se justifica, plenamente, que as assembleias das freguesias envolvidas (ou interessadas) numa transferência intermunicipal possam emitir parecer, ao abrigo de tal preceito legal.
Como tal, também por força da remissão para a lei ordinária operada pelo n.º 1 do artigo 240.º da CRP, conclui-se que a deliberação de convocação de consulta referendária local não se afigura contrária à Constituição, na medida em que a respetiva matéria se pode considerar inserida na competência do órgão convocante, desde que se circunscreva aos limites da respetiva competência específica para produção de um parecer.
Também não se vislumbra que qualquer dos sentidos possíveis do resultado da consulta popular determine a prática de atos ou a adoção de medidas desconformes com quaisquer outros princípios ou normas constitucionais.
7. Importa agora passar à fiscalização da legalidade da deliberação de convocação do referendo local.
Como ponto prévio, refira-se que a Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, determina uma reorganização administrativa territorial autárquica, com caráter obrigatório, para as freguesias, e não obrigatório, para os municípios [n.º 2 do artigo 1.º e alíneas d) e e) do artigo 3.º]. Nos termos do n.º 1 do artigo 17.º da referida lei, caso haja acordo entre os municípios envolvidos, as respetivas assembleias municipais podem propor, no âmbito da pronúncia prevista no n.º 1 do artigo 11.º, uma redefinição dos respetivos limites territoriais, incluindo mediante transferência de freguesias, respeitando os parâmetros de agregação e considerando os princípios e as orientações estratégicas definidas naquela lei (artigo 17.º, n.º 2). Tal “pronúncia” (artigo 11.º, n.º 3) deve ser entregue à Assembleia da República no prazo máximo de 90 dias a contar da entrada em vigor daquele ato legislativo, que ocorreu em 31 de maio de 2012 (artigo 22.º), cabendo àquele órgão parlamentar legislar em função das “pronúncias” entretanto proferidas pelas várias assembleias municipais.
É precisamente no âmbito de tal “pronúncia” que as próprias assembleias de freguesia podem proferir “pareceres” sobre a respetiva reorganização administrativa, que devem ser alvo de consideração por parte da correspondente assembleia municipal (artigo 11.º, n.º 4 da Lei n.º 22/2012).
8. Dito isto, torna-se inegável o “relevante interesse local” da questão, bem como a competência da assembleia da freguesia para decidir sobre a emissão de parecer, para efeitos de consideração da respetiva assembleia municipal, pelo que se tem por cumprido o n.º 1 do artigo 3.º da LORL. Além disso, tendo-se em conta que o referendo local visaria exclusivamente a consulta local acerca da posição a assumir pela Assembleia de Freguesia de Milheirós de Poiares e nunca da decisão legislativa de integração daquela freguesia no Município de São João da Madeira, nenhuma das matérias incluídas no n.º 1 do artigo 4.º da LORL estaria prejudicada, designadamente a constante da alínea a) daquele preceito.
Resta ponderar se a pergunta vem formulada com “objetividade, clareza e precisão”, como exige o n.º 2 do artigo 7.º da LORL.
Constata-se que o objeto da concordância (ou discordância) que se questiona é enunciado de forma absolutamente clara e objetiva, não dando azo a qualquer ambiguidade ou obscuridade. A pergunta não tem qualquer complexidade denotativa que possa dificultar o seu entendimento, sendo formulada de modo simples e direto.
Já pode suscitar alguma dúvida que ela seja dotada da precisão exigível. E a dúvida nasce do facto de, em rigor, não estar em causa, como questão a referendar, uma decisão de integração da freguesia de Milheirós de Poiares no Município de São João da Madeira (a qual não compete, como vimos, ao órgão autárquico convocante), mas a emissão, pela Assembleia de Freguesia, de um parecer favorável a essa integração - o parecer previsto no n.º 4 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 22/2012.
Não obstante, não é exigível que o eleitor seja elucidado, pelo próprio teor da pergunta, quanto a todos os dados legais relevantes, quer quanto à competência específica do órgão autárquico cujo modo de exercício está em causa, quer quanto aos efeitos legais de um ou outro sentido de voto. Uma sobrecarga de elementos informativos destes aspetos arrisca-se, mesmo, a produzir, por excessiva prolixidade, um défice de clareza. E, de todo o modo, não se vê que um acréscimo de precisão, quanto às envolventes normativas da questão, pudesse trazer qualquer elemento suscetível de influenciar, num ou noutro sentido, a decisão de voto dos eleitores. Um juízo favorável ou desfavorável à integração da Freguesia de Milheirós de Poiares no Município de São João da Madeira - o direto objeto da pergunta - é o pressuposto necessário de um coincidente juízo, no mesmo sentido, quanto à pronúncia da Assembleia de Freguesia favorável ou desfavorável a essa integração. Quem quer uma coisa quer necessariamente a outra, sem que seja razoavelmente de configurar a hipótese de divergência entre os dois juízos volitivos.
Pode admitir-se que a pergunta não oferece um grau máximo de precisão. Mas nem tal é legalmente requerido, pois o que se exige é um grau de precisão bastante para salvaguardar uma decisão esclarecida do eleitorado.
No entender do Tribunal, essa exigência resulta satisfeita, pelas razões expostas, em face da formulação dada à pergunta a referendar, pelo que, também quanto a este requisito legal, não há qualquer obstáculo à admissibilidade do referendo local em apreço.
III – Decisão
Nestes termos, o Tribunal Constitucional dá por verificada a constitucionalidade e a legalidade do referendo local, aprovado por deliberação da Assembleia de Freguesia de Milheirós de Poiares, de 30 de junho de 2012, com a seguinte questão:
“Concorda com a integração da freguesia de Milheirós de Poiares no concelho de São João da Madeira?”
Lisboa, 25 de julho de 2012. Joaquim de Sousa Ribeiro - Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Carlos Fernandes Cadilha – Maria de Fátima Mata-Mouros – Fernando Vaz Ventura (vencido; subscrevo a declaração da Ex.ª Senhora Conselheira Ana Guerra Martins) – Maria João Antunes (vencida, pelas razões constantes da declaração de voto da Conselheira Ana Guerra Martins, para a qual remeto) – Maria José Rangel de Mesquita (vencida, no essencial, pelas razões constantes da declaração de voto da Conselheira Ana Maria Guerra Martins) – João Cura Mariano (vencido pelas razões constantes da declaração de voto da Conselheira Ana Maria Guerra Martins) – Ana Maria Guerra Martins (vencida nos termos da declaração que junto) – Catarina Sarmento e Castro (vencida, pelas razões constantes da declaração de voto da Senhora Conselheira Ana Guerra Martins) – Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO
Votei vencida por considerar que a pergunta não está formulada com “precisão”, na medida em que pressupõe a formulação, pelo eleitorado convocado para a consulta referendária, de um juízo favorável ou desfavorável à integração da Freguesia de Milheirós de Poiares no Concelho de São João da Madeira. Não se curou apenas de questionar se a Assembleia de Freguesia deve emitir o parecer previsto no n.º 4 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 22/2012, em sentido favorável àquela integração – como aliás, aparentava ser a pretensão dos membros da assembleia que propuseram a realização de referendo local. Pelo contrário, a dimensão semântica da pergunta (vide: “Concorda com a integração da freguesia de Milheirós de Poiares no concelho de São João da Madeira?”) pode transportar consigo, ainda que subentendida, a ideia de que a decisão legislativa de integração da referida Freguesia no Concelho de São João da Madeira poderia depender do resultado da consulta referendária local.
Ora, tal não corresponde, minimamente, nem ao quadro jurídico-constitucional, nem às competências que a lei ordinária atribui à Assembleia de Freguesia de Milheirós de Poiares. Pelo contrário, àquela só cabe pronunciar-se, a título consultivo e mediante “parecer”, sobre os termos da reorganização administrativa a propor pelas respetivas assembleias municipais (artigo 17º, n.º 1, da Lei n.º 22/2012) e a decidir pela Assembleia da República.
Assim sendo, em nosso entender, a formulação literal da pergunta referendária não é “precisa”, visto que nem elucida os eleitores a consultar acerca das competências específicas da Assembleia de Freguesia de Milheirós de Poiares, nem acerca das consequências do exercício do voto num ou noutro sentido, não lhes permitindo, assim, formular uma decisão livre e esclarecida. Por conseguinte, a pronúncia deste Tribunal deveria ser no sentido da ilegalidade da deliberação de convocação de referendo local ora em apreço, por violação do n.º 2 do artigo 7º da LORL.
Ana Maria Guerra Martins