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Processo n.º 59/14
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é reclamante a Caixa Geral de Aposentações (CGA) e reclamado A., a primeira reclamou, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC, do despacho daquele Tribunal que, em 2 de dezembro de 2013, não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional.
2. Resulta dos autos, que o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 11 de julho de 2013, decidiu não tomar conhecimento do recurso jurisdicional interposto pela Caixa Geral de Aposentações, com fundamento em que a decisão do tribunal de 1.ª instância foi proferida por juiz singular (relator) em ação administrativa especial de valor superior à alçada mediante invocação do disposto no artigo 27.º, n.º 1, alínea i) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) pelo que dela não cabia recurso, mas reclamação para a conferência. Mais se considerou naquele acórdão que na data da interposição do recurso já estava esgotado o prazo para a apresentação da reclamação para a conferência, razão pela qual também não seria possível a convolação para o meio idóneo.
Deste acórdão interpôs a CGA recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 24 de outubro de 2013 decidiu não admiti-la.
Inconformada, a CGA recorreu para o Tribunal Constitucional, «ao abrigo do disposto no artigo 69.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e no artigo 75.º-A, da Lei n.º 28/85, de 15 de novembro», e como este recurso não foi admitido, reclama agora dessa decisão para este mesmo Tribunal.
3. É o seguinte o teor do despacho reclamado:
“Conjugando o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade com o esclarecimento prestado a fls 309, tornou-se processualmente firme que a recorrente pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de 24 de Outubro de 2013, do Supremo Tribunal Administrativo que não admitiu o recurso de revista ( fls 290 e sgs; por manifesto lapso a fls. 309 refere-se a data do despacho-convite, não do acórdão). Com duas ordens de consequências: é por referência a esse acórdão que tem de ser apreciada a verificação dos pressupostos do recurso e é ao STA ( por despacho do relator) que cabe fazê-lo.
Ora, como o despacho de fls. 306 já deixaria perceber, com este objeto (em sentido processual) o recurso não pode ser admitido.
Com efeito, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC — que é a alínea indicada no requerimento de interposição do recurso (fls. 298) para efeitos do n.º 1 do art.º 75.º-A da LTC — o recurso não tem cabimento porque o acórdão do STA não recusou a aplicação de qualquer norma, designadamente da norma constante da al. i) do n.º 1 do art.º 27.º do CPTA, com fundamento em inconstitucionalidade.
E, mesmo que se ponderasse a possibilidade de admissão do recurso ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC, a pretensão estaria igualmente condenada ao insucesso. Com efeito, o acórdão recorrido limitou-se a aplicar as normas respeitantes à admissibilidade do recurso excecional de revista, não o admitindo por não considerar verificada qualquer das hipóteses previstas no n.º 1 do art.º 150.º do CPTA. Só sobre essa questão se pronunciou e não sobre o mérito da decisão do Tribunal Central Administrativo. Designadamente, não fez aplicação de qualquer norma extraída da al. i) do n.º 1 do art.º 27.º do CPTA ( cfr. ac. n.º 566/12, do Tribunal Constitucional, disponível em http://tribunalconstitucional.pt).
Pelo exposto, indefere-se o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.”
4. A Reclamante sustenta a reclamação nos seguintes fundamentos:
“(…)Em primeiro lugar, há que identificar a norma cuja fiscalização concreta se pretende, que é a constante do artigo 27.º, n.º 1, alínea i), da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, que aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Entende a CGA que, para efeitos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, o recurso de constitucionalidade interposto por esta Caixa tem por objeto o Acórdão do STA, de 24 de Outubro de 2013, de não admissão de recurso para o TC (em sede de apreciação preliminar).
Por despacho, do STA, de 14 de Novembro de 2013, foi solicitado a esta Caixa que esclarecesse de qual decisão era interposto recurso de constitucionalidade para o TC: Se do Acórdão do STA, de 24 de Outubro de 2013, ou, se do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11 de Julho de 2013, onde havia sido suscitada a inconstitucionalidade da norma cuja fiscalização concreta se pretende (já acima identificada).
Ora, inicialmente, o Acórdão do STA, de 24 de Outubro de 2013, não admitiu o recurso de revista com fundamento no facto de o Acórdão do TCA Sul, de 11 de Julho de 2013, ter seguido a doutrina do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2012 do STA, publicado no Diário da República de 19 de Setembro de 2012.
Assim, dando como correta a decisão do Acórdão do TCA Sul, de 11 de Julho de 2013, pelo motivo evidenciado no parágrafo anterior, o Acórdão do STA, de 14 de Novembro de 2013, não admitiu o recurso de revista interposto por esta Caixa, de 14 de Novembro de 2013, pelo que decidiu por último, aplicando a norma cuja constitucionalidade se pretende ver sindicada — artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA.
Deste modo, objetivamente terá de ser do Acórdão do STA, de 14 de Novembro de 2013, que é interposto recurso de constitucionalidade para o TC.
Na verdade, o STA não se pronunciou sobre a controvérsia suscitada pela questão que lhe foi colocada em sede de recurso de revista, utilizando para tal a invocação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2012 do STA, publicado no DR de 19 de Setembro de 2012, como determinante da decisão que tomou, como se de um Assento se tratasse (que é de todo inconstitucional — vide Acórdão do TC, n.º 743/1996).
Até porque a situação de fundo “sub judice” não é idêntica à que foi objeto de pronúncia no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, pelo que deveria ter sido analisada pelo STA, uma vez que, inclusive, a sua subida ao TCA Sul já havia sido aceite.
Só após a publicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (vários anos após) é que foi proferida decisão pelo TCA Sul a ordenar que os autos baixassem ao Tribunal “a quo” para indeferimento da interposição de recurso jurisdicional, por intempestividade.
Efetivamente, não se trata de uma situação simples (nem tão-pouco já foi judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado...), já que, inclusive, o próprio Ministério Público do TCA Sul, chamado intervir, não reconhece mérito à Sentença, de 12 de Março de 2010, do TAF de Almada, antes porém, comunga integralmente da posição sustentada pela Caixa.
Por último, por douto Acórdão do STA, de 2 de Dezembro de 2013, foi indeferido o pedido de interposição de recurso para o TC, por alegadamente “o Acórdão do STA não ter recusado a aplicação de qualquer norma, designadamente da norma constante da al. I) do n.º 1 do art.º 27.º do CPTA, com fundamento em constitucionalidade.”
Adiante, ainda é referido naquele douto Acórdão que: Com efeito, o Acórdão recorrido limitou-se a aplicar as normas respeitantes à admissibilidade do recurso excecional de revista, não admitindo por não considerar verificada qualquer das hipóteses previstas no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.
Ora, salvo o devido respeito, como é possível fazer tais afirmações, quando o pedido de recurso de revista é liminarmente indeferido, não por não se terem verificado quaisquer das hipóteses previstas no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA (nem sequer foram invocadas pelo Tribunal nesse sentido) mas por o Acórdão do TCA Sul, de 11 de Julho de 2013, ter decidido de acordo com a jurisprudência uniformizada, ou seja, por ter seguido a doutrina do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2012 do STA, publicado no DR de 19 de Setembro de 2012, aplicando naturalmente o aludido artigo 27.º, n.º 1, alínea i), do CPTA.
Desta forma, a ratio decidendi do Acórdão (do STA) recorrido foi o de o TCA Sul ter seguido a “doutrina” do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2012 do STA, publicado no DR de 19 de Setembro de 2012. Tudo o que mais que possa ser dito em contrário, é meramente por interpretação semântica, que não jurídica.
Ora, tal “doutrina” preclude o direito a que questão “sub judice” seja analisada em dois graus de jurisdição, ou seja, viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, na qual a regra do direito ao recurso para uma segunda instância é parte integrante.
É que, salvo melhor opinião, a norma constante do artigo 27.º, n.º 1, alínea i), da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, deve ser considerada de caráter facultativo, não podendo, em qualquer situação precludir o direito ao recurso para uma segunda instância, pelo menos, nos casos em que o valor da causa indicado nos autos, como é o caso, seja superior ao da alçada da relação.
Ora, quando o valor da causa é superior ao da alçada da relação, é de pressupor que a intenção das partes é o de salvaguardar o acesso a um 2.º grau de jurisdição e não a obtenção de uma decisão, ainda que por Acórdão (formação de 3 juízes em 1.ª instância), no mesmo grau de jurisdição, o que não põe termo à causa, já que poderá haver lugar a recurso para tribunal superior, o que implica que aquela medida de defesa seja de todo despropositada.
Afinal de contas, para que se paga taxa de justiça por impulso processual de acordo com o valor que permite recurso para a 2.ª instância?
Por outro lado, a reclamação em 1.ª instância para a conferência, como garantia de defesa dos administrados, trata-se de um mecanismo menor (minor) quando confrontada com o recurso jurisdicional (major), pelo que não pode ser considerada no ordenamento jurídico como um meio de defesa mais idóneo do que aquele, até porque ofende o princípio da celeridade, da economia processual e da desburocratização e alguns dos que, com a publicação do novo Código de Processo Civil, mais recentemente entraram no ordenamento jurídico, em que as decisões sobre as questões materiais devem prevalecer sobre as proferidas sobre as meramente processuais.”
5. O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. O despacho reclamado entendeu que, não tendo o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo recusado a aplicação de qualquer norma, não tem cabimento o recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Mas mesmo que se ponderasse a possibilidade de admissão do recurso ao abrigo da alínea b) daquele artigo, a pretensão estaria igualmente condenada ao insucesso. Na verdade, respeitando a questão de constitucionalidade colocada à interpretação dada ao artigo 27.º, n.º 1, alínea i) da Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, que aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no acórdão do Tribunal Central Administrativo, matéria que não foi analisada no acórdão recorrido (o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo da não admissão do recurso de revista, o qual apreciou exclusivamente a questão da admissibilidade do recurso com base o artigo 150.º, n.º 1, do CPTA), não se mostram cumpridos os requisitos de admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional. Em conformidade, não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.
7. Analisados os autos, verifica-se, com efeito, que o recurso foi interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da LTC (v. fls. 298). Ora, não tendo o acórdão recorrido recusado a aplicação de qualquer norma, manifesto é que não se encontra preenchido o pressuposto daquela via de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
8. Ao responder ao esclarecimento solicitado sobre a identificação da decisão objeto do recurso, a recorrente afirmou, todavia, que o recurso era interposto do “Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, da não admissão do recurso de revista”, aproveitando para acrescentar ainda, que o recurso era interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (v. fls. 2). Mas, tal como foi entendido no despacho reclamado, mesmo que se ponderasse a possibilidade de admissão do recurso ao abrigo da alínea b) daquele artigo, não se mostram reunidos os pressupostos para a sua admissibilidade, já que este recurso pressupõe a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação de constitucionalidade é pedida, o que no caso não se verifica.
9. Pretende a reclamante que para rejeitar o recurso o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo acolheu a interpretação normativa do artigo 27.º, n.º 1, alínea i) do CPTA que foi aplicada no tribunal recorrido e cuja conformidade com a Constituição pretende ver sindicada.
Mas não tem razão.
Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que decidiu não admitir a revista (acórdão recorrido), «2. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art. 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excecional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. (…). 3. O acórdão recorrido seguiu a doutrina do acórdão n.º 3/2012 do Supremo Tribunal Administrativo (…) - que fixou jurisprudência no sentido de que:
“[D]as decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no art. 25.º, n.º 1, alínea i) do CPTA, cabe reclamação para a conferência nos termos do n.º 2, não recurso”. Assim, estando o decidido em conformidade com jurisprudência uniformizada sobre a questão e não aduzindo a recorrente, nem oficiosamente se vislumbrando, argumentos que possam justificar a sua reponderação, não deve admitir-se a revista».
Por conseguinte, a ratio decidendi do acórdão recorrido foi a interpretação dada ao n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, concluindo o Supremo Tribunal Administrativo que, no caso, não se encontravam reunidos os pressupostos de admissão do recurso de revista. A referência ao artigo 27.º, n.º 1, alínea i) do CPTA surge na decisão recorrida apenas para identificar a fundamentação da decisão proferida no Tribunal Central Administrativo e precisar que a mesma se encontrava em conformidade com a jurisprudência uniformizadora sobre a questão, razão pela qual não havia fundamento para admitir o recurso de revista.
Da análise do acórdão recorrido resulta, assim, evidente que o mesmo apenas fez aplicação de normas do Código de Processo nos Tribunais Administrativos referentes à admissibilidade do recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo.
Assim sendo, manifesto é que a presente reclamação se apresenta como desprovida de fundamento.
Termos em que se impõe indeferir a presente reclamação.
III - Decisão
11. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.