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Proc. nº 72/00
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Portimão, de 16 de Maio de
1996, foi a arguida M... condenada, como autora de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto nos artigos 11º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 454/91 e
314º, al. a) do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, com execução suspensa por três anos. Foi ainda a mesma arguida condenada a pagar à demandante a quantia de
20.000.000$00, com juros à taxa legal, desde 15 de Agosto de 1991, sobre a quantia de 10.000.000$00 e desde 5 de Janeiro de 1992 sobre a quantia de outros
10.000.000$00, até integral pagamento.
2. Inconformada com o assim decidido a arguida/demandada recorreu para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 10 de Março de 1998 (fls. 424 a
428), decidiu: a) não conhecer do recurso quanto à parte criminal, dado ter ocorrido despenalização do facto, por aplicação do disposto no art. 2º do Código Penal e, em consequência, absolver a arguida do crime em que foi condenada em primeira instância; b) negar provimento ao recurso quanto ao pedido de indemnização cível, confirmando a sentença recorrida nesta parte.
3. A arguida veio então requerer a declaração de nulidade da audiência realizada em 10 de Março de 1998 ou, em alternativa, a sua notificação do acórdão proferido. Alegou, em síntese, que:
'(...)
4º - O Mandatário da ora arguente foi notificado do despacho que designou o dia
3 de Março de 1998 para a realização da audiência de julgamento.
5º - Naquela data o Mandatário da ora arguente não pôde estar presente na referida audiência de julgamento, mas, tendo esta sido suspensa, foi a sua continuação marcada para data posterior.
6º - No entanto (...), quer a ora arguente quer o seu mandatário não mais receberam qualquer notificação ou comunicação do Tribunal da relação de Évora relativamente ao andamento do processo em questão, nomeadamente não foram notificados da data para a qual foi fixada a leitura do acórdão.
7º - No dia 19 de Outubro do corrente ano, tomou o mandatário da demandada conhecimento de que um processo de execução de sentença corria contra esta
última, processo cujo título executivo é o acórdão de que se argui a nulidade, acórdão esse que a ora arguente não conhecia nem tinha obrigação de conhecer, por não ter sido convocada para estar presente ou notificada da data em que a decisão foi tomada.
(...)
10º - Tendo a audiência de julgamento sido adiada para o dia 10 de Março, tal adiamento deveria ter sido notificado ao mandatário da demandada para que este pudesse ter conhecimento do dia em que foi proferido o douto acórdão, para estar presente na sua leitura, o que não aconteceu.
11º - A não notificação do mandatário da demandada do despacho que procedeu ao adiamento da audiência e designou nova data para o seu recomeço é contrária à lei e altamente lesiva dos direitos que assistem à demandada, implicando tudo isto que esta última não tenha tido conhecimento nem da existência do acórdão nem do seu conteúdo a tempo de, relativamente ao mesmo, poder exercer s totalidade dos direitos que lhe assistem.
(...)
13º - Nos termos dos nº 2 e 3 do art. 421º do CPP, o defensor da demandada é sempre notificado pelo correio para comparecer nas audiências a realizar perante o Tribunal da Relação, o que, neste caso, não aconteceu, pois que, tendo a audiência de julgamento do processo em questão sido adiada, a nova data para a realização da audiência, para a qual inequivocamente teria de ser convocado o mandatário da demandada, não lhe foi comunicada.
14º - Ao abrigo do disposto no art. 118º, nº 1 e no art. 119º, al. c), ambos do CPP; a audiência do defensor do arguido nos casos em que a lei exige a respectiva comparência, que deve ser promovida nos termos já expostos, é causa de nulidade insanável do acto, ou seja, relativamente à questão em apreço, da audiência onde se procedeu à leitura do acórdão, sendo que este vício deve ser oficiosamente declarado em qualquer fase do processo'.
4. Por acórdão de 13 de Abril de 1999, o Tribunal da Relação de Évora indeferiu a requerida arguição de nulidade. Utilizou, para tanto, a seguinte fundamentação:
'Não tem razão o recorrente, na arguição de nulidade insanável, que não existe. Na verdade, a não comparência do defensor, nos termos do art. 423º, nº 2 do CPP, quando não há lugar a adiamento da audiência, obriga somente à nomeação de novo defensor, a quem é dado algum tempo, se o necessitar, para preparar a defesa. A falta do defensor nunca determina, só por si, o adiamento da audiência, como raramente acontece que o defensor nomeado tenha necessidade de tempo para preparar a defesa a que é chamado. No caso, dada a falta do ilustre advogado constituído, foi nomeado um defensor oficioso, naturalmente novo, como a lei sintomaticamente diz. Este nada requereu. Mas esteve na audiência, como consta da acta, de cuja veracidade ninguém duvida, aliás. Até há pouco tempo, no CPP, agora reformulado, nem era necessário nomear outro advogado, ou estagiário, bastando que fosse pessoa idónea, no dizer do modificado art. 330º, nº 1, do CPP, que se aplica também às audiências em 2ª instância. Terminadas as alegações podia ter sido logo lido o acórdão, o que porém não aconteceu, por razões que não vêm ao caso, tendo sido designado novo dia para tal. Não foi desta suspensão notificado o advogado constituído, nem parece que o tivesse que ser, dado que, como bem aponta o Digno Procurador, no seguimento do acórdão da Relação de Lisboa, de 3.10.96, publicado na CJ, Ano XXI, IV, 159, vale como notificação ao próprio arguido a que for efectuada ao seu defensor oficioso (ainda que nomeado em substituição do primeiro defensor, convocado mas ausente), de um acórdão de um tribunal superior para cuja audiência o arguido não tenha nem devesse ter sido convocado. E se vale a notificação de um acórdão também há-de valer a notificação de um adiamento, diz ainda o Digno Procurador, com sobeja razão. Assim, quando foi lido o acórdão com a presença apenas do defensor oficioso, embora outro, já que o anterior também não compareceu, tudo estava bem, em termos de lei, embora se possa justamente questionar a bondade do sistema, dado que todos sabemos com que dificuldades actuam os defensores nomeados. Porque só a lei positiva aqui interessa, pensamos que não tem razão o arguente de nulidade insanável, que terá que acatar as consequências da sua falta'.
5. É desta decisão que vem interposto pelo Representante do Ministério Público, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso de constitucionalidade, por ter sido aplicada implicitamente a norma do artigo 113º, nº 5 do Código de Processo Penal de 1987, na sua redacção originária, interpretada no sentido de que a decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso pode ser notificada apenas ao defensor que, embora convocado, faltou a audiência, na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para ela convocado, norma essa que, em tal interpretação, já havia anteriormente sido julgada inconstitucional no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 59/99, de 2 de Fevereiro de 1999, publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Março de
1999.
6. Já neste Tribunal foi o Ministério Público notificado para alegar, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
'Por falta de um pressuposto processual respeitante ao objecto do recurso de constitucionalidade do art. 70º, nº 1, alínea g) da lei nº 28/82, de 15 de Novembro – não ter a decisão recorrida aplicado norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional – não deverá tomar-se conhecimento do recurso'.
7. Igualmente notificado para alegar, o recorrido veio aos autos para manifestar a sua concordância com a alegação do Ministério Público.
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
8. Vem o presente recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo
70º da LTC, para apreciação da constitucionalidade de certa dimensão normativa do artigo 113º, nº 5, do Código de Processo Penal de 1987, na sua redacção originária, por alegadamente essa dimensão normativa já anteriormente ter sido julgada inconstitucional pelo Acórdão deste Tribunal nº º 59/99, de 2 de Fevereiro de 1999, publicado no Diário da República, II Série, de 30 de Março de
1999. Importa, por isso, começar por averiguar se a dimensão normativa daquele artigo
113º, nº 5, que foi efectivamente aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida, coincide com aquela outra julgada inconstitucional por este Tribunal no seu Acórdão nº 59/99. Pois bem, cremos que não. No Acórdão nº 59/99 decidiu o Tribunal Constitucional, 'julgar inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 32º da Lei Fundamental, a norma constante do nº 5 do art. 113º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para ela convocado'. Verifica-se, porém, que não foi esta a exacta dimensão normativa do artigo 113º, nº 5 do Código de Processo Penal, que foi utilizada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida.
É que - como, bem, sublinha o Ministério Público nas suas alegações - existe uma diferença importante entre a situação de facto retratada nos autos em que foi proferido o Acórdão nº 59/99 e a que se encontra retratada nos presentes autos.
É que enquanto ali estava em causa a não notificação ao primitivo advogado do arguido de uma decisão condenatória, aqui está em causa a não notificação de uma decisão - na parte criminal, que é a que ora importa - absolutória. Assim, a dimensão normativa do artigo 113º, nº 5 do Código de Processo Penal que a decisão recorrida efectivamente utilizou como ratio decidendi, - segundo a qual a decisão absolutória proferida por um tribunal de recurso pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para ela convocado
- não coincide com a que foi julgada inconstitucional pelo acórdão nº 59/99, segundo a qual 'a norma constante do nº 5 do artº 113º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a decisão condenatória proferida por um tribunal de recurso pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para ela convocado, é inconstitucional, por violação do nº
1 do artigo 32º da Lei Fundamental'. Nestes termos, falta efectivamente um dos pressupostos legais de admissibilidade do recurso que o recorrente pretendeu interpor.
III Decisão Pelo exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Lisboa, 17 de Maio de 2000 José de Sousa e Brito Messias Bento Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida