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Processo nº 463/99
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. M..., arguida no processo crime dos autos, reclamou para o Tribunal Constitucional da não admissão, pelo Supremo Tribunal de Justiça, do recurso que interpôs a fls. 86, ao abrigo do disposto na al. g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 1998, de fls. 45, pretendendo 'a apreciação e declaração da inconstitucionalidade da interpretação que exaura o dever de fundamentação e de exame crítica das provas que concorrem para a formação da convicção do Tribunal e, consequentemente, para a prolacção da decisão condenatória na mera enumeração das provas consideradas, sem lhes apontar o sentido e a medida desse concurso'. Invocou que 'a interpretação que considera observado e cumprido o dever de fundamentação das sentenças penais com a mera enumeração e elencagem das provas que determinaram a convicção do Tribunal – sem a mínima explicitação de como tais provas contribuíram para a formação dessa convicção –, foi julgada inconstitucional pelo Acórdão nº 680/98, proferido em 2 de Dezembro de 1998 pelo Tribunal Constitucional (...), por violação do disposto no nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa (...)'. Convidada a esclarecer qual era a norma cuja inconstitucionalidade invocava, a reclamante veio indicar ser 'o nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, no que tange à interpretação de que cinge o dever de fundamentação nela imposto se contenta com a mera enumeração das provas consideradas sem lhes fazer exame crítico e apontar o sentido e a medida em que tais provas concorreram para a convicção do Tribunal'.
2. O recurso não foi admitido no Supremo Tribunal de Justiça, em primeiro lugar, por não ter sido aplicada no acórdão recorrido a norma impugnada. É ao tribunal de instância que incumbe o dever de fundamentar a decisão da matéria de facto, constituindo 'a violação do disposto no artº 374º, nº 2, do C.P.P. (...) nulidade dependente de arguição (cfr. artºs 379º, nº 1, a), 119º e 120º, do mesmo código)', que não foi arguida '(por nenhuma das recorrentes) e estando, por isso, vedado o seu conhecimento a este Supremo Tribunal', sendo certo que 'a declaração do carácter definitivo da decisão de facto nunca pode ser entendida como envolvendo, directa ou indirectamente, um juízo de concordância com os termos da aplicação, em concreto, pelo colectivo, daquela norma'. Em segundo lugar, porque, ao tempo da emissão do acórdão recorrido, não havia transitado em julgado o acórdão nº 680/98 do Tribunal Constitucional. Notificado para o efeito, o representante do Ministério Público neste Tribunal veio manifestar o seu acordo com a não admissão do recurso, pelos motivos que a determinaram.
3. Com efeito, a reclamação é improcedente, desde logo, e sem necessidade de outros fundamentos, porque a norma cuja constitucionalidade é questionada não foi efectivamente aplicada pelo acórdão recorrido. Verifica-se, na verdade, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 89, que outras duas arguidas do mesmo processo crime invocaram a nulidade do acórdão da primeira instância por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Fizeram-no, todavia, num momento em que o Supremo Tribunal de Justiça já havia esgotado 'o seu poder jurisdicional relativamente ao conhecimento do recurso' para ele interposto, como se julgou no referido acórdão de fls. 89. Não foi, efectivamente, 'invocada como fundamento do recurso', mas, tão somente após o respectivo julgamento, razão pela qual o Supremo Tribunal de Justiça considerou 'a sua arguição (...) manifestamente intempestiva'.
É, pois, indiscutível que o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de que M... recorreu para o Tribunal Constitucional, não aplicou a norma constante do nº 2 do artigo 374º do CCP, objecto do recurso interposto. A efectiva aplicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional julgue é, naturalmente, pressuposto de admissibilidade do recurso interposto nos termos da al. g) do nº 1 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, como este Tribunal tem repetidamente julgado (cfr., por todos, o acórdão nº 586/98, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Março de
1999).
Assim, indefere-se a presente reclamação. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 21 de Setembro de 1999 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida