Imprimir acórdão
Proc. nº 124/00 TC – 1ª Secção Rel. : Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - No recurso interposto pela recorrente S... Lda, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei nº 28/82, foi proferida pelo relator a seguinte decisão sumária:
'A questão de constitucionalidade que a recorrente S... Lda, identificada nos autos, suscitou perante o tribunal recorrido e pretende agora que seja apreciada por este Tribunal, de acordo com requerimento de interposição do recurso, é tão só a de saber se enferma de inconstitucionalidade orgânica e formal (a recorrente alude também a inconstitucionalidade material mas não se mostra que, tendo igualmente referido esse tipo de inconstitucionalidade nas alegações de recurso para o STA, a tenha minimamente substanciado) o DL nº
166/70, diploma aprovado pelo Governo, por violação dos artigos 168º e 169º da CRP (actualmente, artigos 165º e 166º).
Ora, decorre do artigo 290º nº 2 da CRP (artigo 293º nº 1, na versão original) que o direito ordinário anterior à Constituição de 1976 não fica inconstitucionalizado se ele apenas se não conforma às normas constitucionais relativas à forma dos actos normativos ou à repartição de competências, o que vale por dizer que, mesmo a sustentar-se que a matéria regulada pelo DL nº
166/70 seria hoje da reserva relativa de competência da Assembleia da República, tal não conduziria a um juízo de inconstitucionalidade desse diploma
Trata-se de jurisprudência reiterada e pacífica deste Tribunal, como se vê dos acórdãos nºs 164/95 publicado in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 30º vol., p. 859, 446/91 313/85, 201/86, 261/86, publicados no DR, 2ª Série, de 2 Abril de 1992, p. 3112(39) e segs., de 12 de Abril de 1986, de 26 de Agosto e de 27 de Novembro, ambos também de 1986, respectivamente).
Do citado acórdão nº 201/86, transcreve-se o seguinte passo:
'O recebimento ou a rejeição desse direito infraconstitucional (pela Constituição de 1976, entenda-se) dependerá apenas de um juízo de conformidade ou compatibilidade material com a Constituição vigente, e não já de um juízo sobre a formação de tal direito à luz das novas normas de competência e forma e muito menos qualquer juízo sobre o seu conteúdo ou sobre a sua formação na perspectiva das antigas normas constitucionais (...).
As normas de direito ordinário só não se mantêm desde que sejam materialmente contrárias às normas constitucionais e aos princípios gerais da CRP, sem atender, portanto, às normas constitucionais relativas à forma e competência dos actos normativos, pois estas normas devem entender-se aplicáveis apenas para o futuro; não tem, por isso, nenhum sentido averiguar-se se as normas do direito anterior satisfazem ou não os requisitos de forma e de competência que a CRP estabelece para normas daquela espécie.'
E no também citado Acórdão nº 446/91, escreveu-se:
'Reafirma-se que, num juízo de constitucionalidade sobre direito ordinário anterior à Constituição de 1976, só releva a questão de conformidade ou desconformidade material com os princípios e normas desta Constituição (...)
Também na doutrina esta tese tem sido sufragada, conforme se vê do seguinte passo respigado da 'Constituição da República Portuguesa Anotada', nota VI ao artigo 290º, p. 1073 de Gomes Canotilho e Vital Moreira:
'O confronto a que há que proceder entre o direito ordinário anterior e a Constituição é restrito à questão da compatibilidade material entre o conteúdo do direito anterior e as normas ou princípios constitucionais. Por isso, as normas de direito ordinário anterior só não se mantêm desde que sejam materialmente contrárias às normas constitucionais e aos princípios gerais da Constituição, sem atender, portanto, às normas constitucionais relativas à forma e competência dos actos normativos, pois estas normas devem entender-se aplicáveis apenas para o futuro; não tem, por isso, nenhum sentido averiguar se as normas do direito anterior satisfazem ou não os requisitos de forma e de competência que a Constituição estabelece para normas daquela espécie.'
Foi, de resto, a tese acolhida – e bem – no acórdão recorrido
Pelo exposto, a questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente deve considerar-se manifestamente infundada, pelo que, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 78º - A nº 1 da LTC, decido negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs'.
2 - É desta decisão sumária que a recorrente vem reclamar para a conferência, alegando em síntese que, em contrário do decidido, suscitou a questão de inconstitucionalidade material do DL nº 166/70 (mais especificamente do artº 2º deste diploma), mantendo ainda a tese defendida sobre a inconstitucionalidade orgânica do mesmo diploma.
Mas não tem qualquer razão.
No que concerne à invocada inconstitucionalidade orgânica, nada há a opor ao que se disse na decisão sumária no sentido da sua manifesta improcedência, considerando a reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria.
E também se não vê que, em contrário do decidido, e recorrente tenha substancialmente suscitado a referida questão de inconstitucionalidade material.
Para o demonstrar basta transcrever os seguintes trechos das alegações da recorrente para o STA:
' Por último coloca-se a questão de inconstitucionalidade, material, orgânica e formal, do DL 166/70 de 15/4, à face dos arts 168º nº 1 e 169º da CRP.
Na verdade, o regime de licenciamento de prédios urbanos interfere directamente com os direitos fundamentais do cidadão pelo que tal matéria é de competência legislativa (reserva relativa) da Assembleia da República, como resulta claro da Lei 58/91 de 13/8 cuja autorização deu origem ao DL nº 445/91, de 20/11.
Ora, o DL 166/70 de 15/4 foi emanado do Governo, sem qualquer autorização legislativa da Assembleia da República, por ser matéria da competência daquele à data da sua publicação.
Porém, face à publicação do novo texto constitucional e ao seu conteúdo. Aquele diploma (166/70) conflitua com os direitos liberdades e garantias agora consagrados e cuja disciplina quanto à sua normatividade é da competência reservada daquela.
Desta sorte, o DL referido, ao qual pertence a norma violada, que fundamenta o recurso, enferma de inconstitucionalidade por violação dos artºs
168º e 169º daquela, o que e para os devidos efeitos ora se argui e cuja sundicãncia se requer a esse Tribunal.'
E nas conclusões 11º e 12 das mesmas alegações sintetiza-se o que se disse no trecho transcrito, nos seguintes termos:
'11 – À face do disposto nos arts 168º e 169º da nova CRP, é da competência reservada da Assembleia da República a regulamentação do regime de licenciamento de construção, por interferir com os direitos liberdades e garantias do cidadão como resulta evidente da Lei 58/91 de 13/8 e do DL 445/91 de 20/11.
12 – O DL 166/70 foi apenas elaborado pelo Governo, nos termos da competência que lhe cabia conforme CRP de 1933, pelo que, face ao novo regime constitucional aquele DL está ferido de inconstitucionalidade material, formal e orgânica, o que para os devidos efeitos se argui e requer seja apreciado por este Tribunal.'
Ora, mostra-se aqui claramente que a recorrente não suscita qualquer questão de inconstitucionalidade material, tudo se limitando à arguição de inconstitucionalidade do DL nº 166/70 por não ter emanado (ou ter sido autorizado pelo) do órgão legislativo (Assembleia da República) que a recorrente entende ser o competente para legislar sobre a matéria, por esta contender com direitos , liberdades e garantias.
Não há aqui qualquer traço substancial de invocação de inconstitucionalidade material, razão pela qual a decisão sumária reclamada dela não tinha que conhecer, apreciando apenas – e considerando-a manifestamente infundada, dada a jurisprudência pacífica firmada neste Tribunal – a questão enunciada no parágrafo anterior.
Nesta medida, não tem fundamento válido a reclamação deduzida pela recorrente, impondo-se o seu indeferimento.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão indefere-se a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs. Lisboa, 16 de Maio de 2000 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa