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Processo n.º 21/97
1 ª Secção Relator — Paulo Mota Pinto
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. No Tribunal do Trabalho de Lisboa, J... propôs acção emergente de contrato de trabalho com processo sumário, contra E..., Ldª, pedindo a condenação desta no pagamento das retribuições já vencidas e das que se vencessem até à sentença, bem como na reintegração (ou na indemnização, se por esta viesse a optar), em consequência de um despedimento que, segundo o autor, seria nulo. Por sentença de 18 de Novembro de 1988, o juiz do processo julgou a acção improcedente e não provada, absolvendo a Ré do pedido. Discordante, J... interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando que a sentença é nula 'porque os seus fundamentos estão em fundamental contradição com o decidido'. O Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 9 de Maio de 1990, deu provimento ao recurso, anulando a decisão recorrida e ordenando a repetição do julgamento. Efectuado novo julgamento da matéria de facto em obediência ao ordenado nesse douto Acórdão, foi proferida decisão em 26 de Dezembro de 1991, que, julgando a acção improcedente, absolveu (novamente) a Ré do pedido. Inconformado, apelou J... para o Tribunal da Relação de Lisboa. Este, por Acórdão de 8 de Julho de 1992, decidiu dar provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida.
2. A E... veio, então, arguir a irregularidade processual resultante da falta de notificação do seu mandatário, com fundamento em que:
'1. – o signatário apenas tomou conhecimento de que o apelante havia interposto recurso da sentença de fls. 158 a 165 quando, em 13.Jul.92, foi notificado do acórdão de fls. 183 a 190;
2. – na verdade, embora a fls. 171 (111) tenha sido lançada uma quota com a indicação de, em 31.JAN.92, ter sido expedida para o signatário uma carta registada a notificar o mesmo da interposição do recurso, tal carta nunca foi recebida pelo signatário;
3. – é de salientar que o signatário, em 14.MAIO.91, juntou aos autos o requerimento que constitui a fl. 134 dos mesmos e no qual comunicava a sua mudança de escritório para a Av. Miguel Bombarda, 36-6º, 1000 Lisboa, requerendo, também, que para aí passassem a ser remetidas todas as notificações que lhe fossem dirigidas;
4. – admite, porém, o signatário ter a notificação referida em 2 sido dirigida para a Av. 5 de Outubro, 142, 5º A/B, já que esta é a morada que consta nas contra-capas dos autos;
(...)
11. – sendo certo que não foi o signatário que deu causa à apontada irregularidade e que, por outro lado, nem expressa, nem tacitamente, se conformou com a mesma, assiste-lhe, face ao disposto no art. 203º do c.p.cv., legitimidade para arguir;' Arguiu, assim, a anulação de todo o processado, ao abrigo do disposto nos artigos 201º e 254º do Código de Processo Civil, por falta de conhecimento da interposição do referido recurso – e o consequente alheamento do processo a partir de então –, a constituir 'irregularidade que influi na decisão da causa.'.
3. Com base no parecer do Desembargador-relator – onde, nomeadamente, se considerou que, nos termos do Decreto-Lei n.º 121/76, de 11 de Fevereiro, a presunção de notificação no terceiro dia posterior ao registo 'só pode ser ilidida desde que o requerente prove o seu não recebimento, devendo para tal requerer no processo que seja requisitada aos correios informação sobre a data da efectiva recepção, o que não fez', e que 'a sentença de fls. 158 e seguintes foi notificada ao mandatário da Ré, ora recorrente, e para o escritório que o mesmo tinha indicado a fls. 134 dos autos.' – foi proferido, em 2 de Fevereiro de 1994, Acórdão da Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa considerando
'como devidamente notificada a apelada da interposição de recurso da sentença de fls. 158 a 165 dos autos' e, consequentemente, indeferida a invocada irregularidade.
4. Veio então, a E..., Ld.ª requerer a aclaração e invocar nulidades da referida decisão porquanto dela não resultaria se a presunção de notificação ocorre apenas quando esta é 'dirigida para a morada oportunamente indicada pelo mandatário judicial' ou também quando 'tenha sido [efectuada] para qualquer outra morada', uma vez que, tendo a notificação em causa ocorrido em data posterior à do requerimento de mudança de escritório, nunca foi recebida na nova morada. Por Acórdão de 16 de Outubro de 1996, a 4ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa considerou nada haver a aclarar na sua anterior decisão, nem se verificar qualquer das nulidades previstas no n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
5. De ambas as decisões trouxe a E..., Ld.ª recurso para o Tribunal Constitucional, considerando delas resultar a seguinte interpretação da norma constante do artigo 254º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em conjugação com o disposto no Decreto-Lei n.º 121/76, de 11 de Fevereiro:
'expedida por um tribunal, por via postal registada, uma notificação dirigida ao mandatário judicial de uma das partes num processo, aquele se presume notificado no terceiro dia útil posterior ao da respectiva expedição, quer esta tenha sido efectuada para a morada oportunamente indicada nos autos, quer o tenha sido para qualquer outra morada' O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), e foi admitido no tribunal a quo. No Tribunal Constitucional a então Relatora proferiu o seguinte despacho, em 15 de Setembro de 1997:
'Os efeitos práticos da decisão recorrida coincidem com a formulação normativa que é dada ao objecto do recurso. E o recurso é admissível, pois que aqui se afigura, à partida, uma situação de imprevisibilidade que dispensa a suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo. Para alegações.'
6. Nas alegações no Tribunal Constitucional, concluiu assim a recorrente:
'É inconstitucional, por violação do disposto nos arts. 20º-1 e 205º-2 da Constituição da República Portuguesa, na redacção que lhes foi dada pela Lei Constitucional nº 1/92, de 25 de Novembro, a regra, resultante da conjugação do art. 254º-2 do cd.proc.cv. com o disposto no Dec.-lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro, que determina que expedida por um tribunal, por via postal registada, uma notificação dirigida ao mandatário judicial de uma das partes num processo, aquele se presume notificado no terceiro dia útil posterior ao da respectiva expedição, quer esta tenha sido efectuada para a morada oportunamente indicada nos autos, quer o tenha sido para qualquer outra morada, mas apenas na parte em que permite que a notificação seja feita para qualquer outra morada que não seja a que conste dos autos como escritório ou como domicílio escolhido do respectivo mandatário judicial'. A recorrida não alegou.
7. Corridos os vistos legais, e após mudança de relator devida a alteração na composição do Tribunal Constitucional, foi a recorrente notificada para se pronunciar sobre o projecto de decisão elaborado pelo novo relator, não tendo respondido. Cumpre, agora, apreciar e decidir. II. Fundamentos
8. Quando interpostos ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, os recursos de constitucionalidade têm de respeitar um conjunto de requisitos específicos, sem os quais deles não se poderá tomar conhecimento. Em primeiro lugar, é necessário que o objecto do recurso seja uma norma (em si mesma ou numa sua interpretação), tal como que tal norma (ou dimensão interpretativa questionada) tenha sido aplicada na decisão recorrida. Em segundo lugar, torna-se necessário que a questão de constitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo, de forma que a intervenção do Tribunal Constitucional se possa fazer, verdadeiramente, em via de recurso. E, em terceiro lugar, é mister que tenha havido o prévio esgotamento dos recursos ordinários. Destes três requisitos específicos, dúvidas logo se poderiam suscitar em relação
à verificação do segundo, uma vez que este Tribunal tem decidido que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a arguição da sua nulidade não são já, em princípio, momentos idóneos para suscitar a questão de constitucionalidade
(cfr., entre os primeiros, os Acórdãos n.ºs 62/85, 90/85, 100/85 e 147/85, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 31 de Maio, 11 de Junho, 3 de Agosto e 18 de Dezembro de 1985). Porém, sobre tal questão já se pronunciou nos presentes autos a anterior Relatora, considerando que, 'à partida', se configurava uma situação de imprevisibilidade que dispensava 'a suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo' (cfr. Acórdãos n.ºs 94/88, 61/92 e
188/93, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 22 de Agosto de 1988, 18 de Agosto de 1992 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º volume, 1993, pp. 495-512). E, de facto, com a apresentação do requerimento para a anulação do processado subsequentemente à falta de notificação, pode dizer-se que a ora recorrente ainda seguia uma estratégia processual adequada (cfr. o Acórdão n.º 481/98, ainda inédito que, neste passo, remete para os Acórdãos n.ºs 479/89 e 489/94, publicados no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992 e de 16 de Dezembro de 1994, respectivamente), suscitando a inconstitucionalidade de um certo entendimento das normas sobre notificação, assim que a decisão de tal requerimento lhe foi desfavorável.
9. Como quer que seja, sempre há, todavia, que reconhecer-se que as decisões recorridas não fizeram aplicação da norma resultante da conjugação do disposto no n.º 2 do artigo 254º do Código de Processo Civil com o n.º 3 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 121/76, no sentido recortado no requerimento de interposição de recurso e reiterado nas conclusões das alegações – ou seja, o de que 'expedida por um tribunal, por via postal registada, uma notificação dirigida ao mandatário judicial de uma das partes num processo, aquele se presume notificado no terceiro dia útil posterior ao da respectiva expedição, quer esta tenha sido efectuada para a morada oportunamente indicada nos autos, quer o tenha sido para qualquer outra morada.'
É que a recorrente conclui, pelo facto de não ter recebido a notificação de que fora interposto recurso da sentença da 1ª instância, que tal notificação foi feita para o anterior domicílio profissional do seu mandatário 'já que esta é a morada que consta na contracapa dos autos', não vislumbrando 'outra razão para não ter recebido a notificação'. Porém, como se viu (supra 1, segundo parágrafo), o parecer do Desembargador-relator, com base no qual foi tomada a (e que se deu por
'totalmente reproduzido para todos os efeitos legais' na) decisão recorrida
(fls. 215) a dar a notificação por devidamente efectuada, não só considerou que nenhuma prova foi feita pela interessada quanto à data da recepção da notificação, como considerou ainda que tal notificação 'foi notificada ao mandatário da Ré, ora recorrente e para o escritório que o mesmo tinha indicado nos autos', ou seja, para a nova morada deste ('o escritório que o mesmo tinha indicado a fls. 134 dos autos' – v. fls. 214). Uma vez que – repete-se – o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Fevereiro de 1994 deu 'por totalmente reproduzido para todos os efeitos legais' o parecer do relator e concluiu que a apelada foi 'devidamente notificada', decisão essa confirmada no Acórdão que indeferiu o pedido de aclaração e a arguição de nulidades (admitindo este, aliás, que, a ter razão a requerente,
'então estaríamos perante um erro de julgamento existente no Acórdão desta Relação de fls. 215 dos autos – insusceptível de, neste momento, ser reparado por este Tribunal, uma vez que, a esse respeito, está esgotado o seu poder jurisdicional'), o sentido imputado às normas objecto do presente recurso de constitucionalidade não tem correspondência com o sentido que lhes foi imputado pelo tribunal a quo.
8. Nessa medida – e sem sequer necessidade de invocar a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, que sempre exigiria que a decisão da questão de constitucionalidade se pudesse projectar na decisão da questão de fundo (o que, atenta a diversidade de entendimentos das normas em presença, resultaria manifestamente inviável, pois que uma decisão de inconstitucionalidade só inviabilizaria, como é pedido, que a notificação fosse feita 'para qualquer outra morada que não seja a que conste dos autos como escritório ou como domicílio escolhido do respectivo mandatário judicial', e as decisões impugnadas concluíram que foi para tal domicílio que a notificação foi feita) –, falha, desde logo, o primeiro pressuposto enunciado. É certo que se impugnou o sentido de uma norma e é certo que as decisões recorridas aplicaram essa norma – porém, não na dimensão interpretativa que vem impugnada pela recorrente.
9. Ora, uma vez que nas decisões recorridas não houve efectiva aplicação do sentido impugnado da norma em causa (que, verdadeiramente, pressupunha a imutabilidade, em termos práticos, do domicílio comunicado pelos mandatários das partes no início dos processos – ou punha a cargo destas quaisquer consequências da sua alteração na pendência do processo), tendo-se em tais acórdãos decidido – bem ou mal, não cabe a este Tribunal averiguar – que a notificação que a recorrente alega não ter recebido foi efectuada para a nova morada do seu mandatário judicial, e porque em relação a um tal sentido não manifestou a recorrente quaisquer reservas, há que concluir que as normas impugnadas não foram aplicadas na decisão recorrida na interpretação que a recorrente pretende ver apreciada. Pelo que não pode o Tribunal tomar conhecimento do presente recurso. III. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em não tomar conhecimento do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 Ucs. Lisboa, 19 de Outubro de 1999 Paulo Mota Pinto Vítor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Artur Maurício Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa